UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

29 de março de 2014

CIDADE SEM LEI (SAN ANTONIO) – ERROL FLYNN COLOCANDO ORDEM NO TEXAS


Acima David Butler; abaixo
W.R. Burnett e Alan LeMay.
Os nomes respeitáveis dos roteiristas Alan LeMay e W.R. Burnett, por si só, tornariam imperdível “Cidade Sem Lei” (San Antonio), western da Warner Bros. lançado em 1945. LeMay se consagraria definitivamente onze anos depois com “Rastros de Ódio” (The Searchers), a obra-prima de John Ford. Por seu lado W.R. Burnett tem em seu crédito de escritor-roteirista, entre outros westerns “Lei e Ordem” (Law and Order), com Walter Huston; “Golpe de Misericórdia” (Colorado Territory), com Joel McCrea; “Céu Amarelo” (Yellow Sky), com Gregory Peck; “O Homem das Terras Bravas” (The Badlanders), com Alan Ladd e “Comando Negro” (Dark Command), com John Wayne. E são de William Riley Burnett os clássicos policiais-noir “Seu Último Refúgio” (com Humphrey Bogart), “Alma Torturada” (com Alan Ladd) e “O Segredo das Jóias” (com Sterling Hayden). É de Burnett, igualmente, o roteiro de “Fugindo do Inferno”, filme de guerra com Steve McQueen. Com Errol Flynn encabeçando o elenco de “Cidade Sem Lei”, só faltaria mesmo a direção ser entregue a Michael Curtiz, mas a essa altura Flynn e Curtiz haviam se tornado desafetos e a Warner Bros. escalou David Butler para dirigir. Butler era mais afeito a comédias e musicais, dirigindo inúmeros filmes de Shirley Temple e vários dos primeiros musicais de Doris Day. Foi David Butler quem dirigiu a magnífica comédia-musical-western “Ardida como Pimenta” (Calamity Jane), um dos maiores sucessos da esfuziante atriz-cantora Doris Day.


Victor Francen e Paul Kelly.
Um crime em San Antonio – “Cidade Sem Lei” (San Antone) conta como um rancheiro texano chamado Clay Hardin (Errol Flynn) decide esclarecer o roubo de gado no Texas que leva os fazendeiros a perderem quase tudo. O próprio Hardin foi uma vítima dos ladrões de gado, o que o que faz com que ele vá a San Antonio, cidade dominada por Roy Stuart (Paul Kelly) e seu sócio Legare (Victor Francen). Stuart é o chefe da quadrilha que rouba gado e como fachada de homem de negócios dirige o saloon e casa de espetáculos ‘Bella Union”. Legare é sócio de Stuart nesse empreendimento, atuando como diretor artístico e contrata a cantora Jeanne Starr (Alexis Smith) para uma série de apresentações no ‘Bella Union’. Após uma das apresentações Stuart tenta assassinar Clay Hardin, mas quem acaba morto é Charlie Bell (John Litel), amigo de Hardin, vítima de um tiro disparado por Legare. Sacha Bozic (S.Z. Sakall), o empresário de Jeanne Starr, testemunha o crime e passa a ser ameaçado pela dupla Stuart-Legare. Um inquérito presidido pelo Coronel Johnson (Robert Barrat) é aberto para esclarecer o assassinato e o Coronel nomeia Clay Hardin xerife de San Antonio por 24 horas, prazo que Hardin tem para solver o crime. Roy Stuart é chantageado por Legare e mata o sócio. Posteriormente Stuart tenta matar Clay Hardin mas é morto por este. Ao final Hardin e Jeanne Starr, que revela ser também texana, terminam juntos depois que San Antonio passa a ser uma cidade com lei.

Alexis Smith cantando no 'Bella Union'
e Errol Flynn num contido galope.
Mistério, entretenimento e tiros - Nos anos 40 predominava no cinema norte-americano o estilo do filme-noir com crimes misteriosos e vilões cínicos, cuja influência chegava até mesmo aos faroestes. “Cidade Sem Lei” segue essa linha com prolongada elaboração da trama, o que torna o filme um tanto cansativo com o excesso de diálogos, outra característica dos filmes-noir. Concebido para ser um grande espetáculo que atendesse de forma abrangente o público, diversos números musicais foram inseridos no filme, com canções e danças no palco do resplandecente ‘Bella Union’. A ideia não ajuda muito até porque Alexis Smith não é Marlene Dietrich e “Cidade Sem Lei” só se torna interessante como western quando cessa a música, a dança e o palavrório imoderado. A parte final deste faroeste de David Butler é magnífica, iniciando-se com uma colossal confusão no ‘Bella Union’ com intensa troca de tiros. Segue-se, ainda em clima pretensamente dark, o enfrentamento entre Stuart e Legare e depois Stuart e Hardin dentro das ruínas do Álamo, a fortificação palco da resistência dos texanos em 1836. O grand finale tem até mesmo uma perseguição a cavalo quando Clay Hardin finalmente liquida o patife Roy Stuart. Uma pena que Errol Flynn e Paul Kelly fossem visivelmente substituídos por dublês durante a cavalgada, o que rouba um pouco da autenticidade da sequência.

A destruição do 'Bella Union' quando até o piano foi destruído.

Cenários bonitos mas pintados...
Cenários pintados - Filmado em deslumbrante Technicolor, a produção de “Cidade Sem Lei” não economizou nos trajes dos atores principais com Errol Flynn, Paul Kelly, Victor Francen e S.Z ‘Cuddles’ Sakall promovendo uma acirrada disputa de elegância. Nada, porém, que se compare ao desfile de vestidos de Alexis Smith que muda de roupa a cada sequência do filme. Pelo menos o número de baús que chega e parte com ela de San Antone é condizente com o guarda-roupa desenhado para a cantora Jeanne Starr, interpretada por Alexis Smith. “Some Sunday Morning”, uma das canções interpretadas por Smith (que é dublada por Bobbie Calvin) concorreu ao Oscar de Melhor Canção na premiação de 1946. E num filme repleto de canções ouve-se “La Golondrina” e a tradicional “Clementine”, entre outras músicas mexicanas e norte-americanas. Max Steiner assina a música original da trilha sonora musical juntamente com Erich Wolfgang Korngold, trilha bastante elogiada, ainda que no clássico estilo retumbante em voga nos anos 40. A bela fotografia de “Cidade Sem Lei” é de Bert Glennon criando angulações inusitadas para faroestes contando com o excelente trabalho da Direção de Arte do staff da Warner Bros. Alguns cenários, um deles o da sequência no Álamo, são deploráveis pois pintados e denotam inexplicável economia num filme que se pretende grandioso. Errol Flynn passa o tempo todo com a coronha de seu revólver aparecendo e numa maliciosa sequência Alexis Smith se mostra impressionada com a pistola de Errol Flynn.

Alexis Smith se espanta com a pistola de Errol Flynn.

Errol Flynn
Errol Flynn bem comportado - Era muito comentado o fato de Errol Flynn atuar contrariado em faroestes, mesmo após o êxito de “O Intrépido General Custer” (They Died with Their Boots On). Em “Cidade Sem Lei”, no entanto, Flynn teve comportamento exemplar, sem criar nenhuma das dores de cabeça que dava a Jack L. Warner e aos diretores de seus filmes. Como se sabe, o ator jamais levou a sério as regras do estúdio e seus excessos com a bebida eram famosos. O único problema com Errol Flynn durante a produção é que ele foi acometido de forte gripe durante as locações no Calabasas Ranch, na Califórnia, afastando-se alguns dias das filmagens. Errol Flynn interpreta seu personagem com sua característica extravagância de gestos e olhares, típicos dos grandes canastrões, resvalando por vezes no limite do suportável. Mas ninguém fazia melhor o conquistador irresistível que o ator que imortalizou Robin Hood no cinema.

Victor Francen
Elenco internacional - O personagem de Alexis Smith é insonso como muitas das mulheres bonitas que não podem faltar num filme de ação; a atriz ilumina a tela com sua beleza mas não convence. A canadense Alexis teve também que se afastar da produção por algumas semanas devido a ter contraído uma virose. Paul Kelly repete os vilões e mesmo os policiais que fizeram dele um ator bastante requisitado pela ameaça sinistra de seu olhar. O belga Victor Francen (com quem Bob Dylan ficou parecido ao se tornar idoso) está perfeito como um dandy de New Orleans. O húngaro S.Z. ‘Cuddles’ Sakall ameniza o tom do filme com suas costumeiras indecisões, temores e efêmeros lampejos de coragem por vezes hilariantes. O elenco internacional (Errol Flynn era tasmaniano) traz também o cubano Pedro de Córdoba sem maiores oportunidades, assim como Chris-Pin Martin, que apesar de sempre interpretar mexicanos nasceu em Tucson, Arizona. John Litel aparece com destaque como amigo de Errol Flynn e Tom Tyler sucumbe mais uma vez ante o herói do filme, sina cinematográfica do ator que viveu o Capitão Marvel no cinema. Rápidas aparições de antigos cowboys do cinema, entre eles Francis Ford.

S.Z 'Cuddles' Sakall e Tom Tyler.


Alexis Smith nos braços de Errol Flynn.
Final empolgante - Errol Flynn foi um dos principais nomes do cinema norte-americano nas décadas de 30 e 40 e “Cidade Sem Lei” é mais um filme sustentado pela força do carisma do ator. E se o espectador suportar bem a primeira parte deste faroeste, vai se empolgar com o final bastante movimentado. A ótima cópia ressalta a beleza das imagens, do guarda-roupa, da beleza de Alexis Smith e do charme de Errol Flynn, mas ainda assim “Cidade Sem Lei” está longe de ser um western memorável. 


Os muitos modelos usados por Alexis Smith; Errol Flyn também
esbanjando elegância e galanteria em frente ao Álamo,
sempre exibindo sua coronha.
Chris-Pin Martín e S.Z 'Cuddles' Sakall; Florence Bates com 'Cuddles'.

Tom Tyler enfrentando Errol Flynn e sendo morto por ele.

Victor Francen e Paul Kelly.

Errol Flynn com John Litel.



7 comentários:

  1. ERRATA: FERNANDO MONTEIRO escreveu: Não conheço outro site -- mesmo americano, francês, inglês etc -- no qual o assunto "Western" sejA examinado da forma como Darci Fonseca o faz, ou seja, com análises nas quais nada (rigorosamente nada!) fica de fora. Este WESTERNCINEMANIA deveria ser pelo menos bilíngue -- português-inglês -- para dar uma lição internacional em matéria de amor pelos faroestes. Mas, aí já seria pedir demais à devoção do Darci...

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  2. Olá, Fernando
    Elogios sempre ocorrem, mas quando são feitos por alguém com o seu nível de conhecimento e intelectualidade, os elogios têm um peso enorme.
    Abraço do Darci Fonseca

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  3. Para falar dos trabalhos de Darci Fonseca eu tiro o chapéu ; Para mim ele é o único com um conhecimento tão profundo de Westerns e Cinema em geral: Parabéns meu amigo Darci Fonseca
    Seu fã
    Joaquim

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  4. Grande Joaquim Murieta, apaixonado como poucos por faroestes. Obrigado, amigão - Darci

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  5. Modestamente,tenho a mesma opinião do Fernando !! Navego na web buscando informações sobre western e cada vez mais me certifico que o blog do Darci é o melhor,sintético,mas completo !! Uma verdadeira revista eletrônica sobre o gênero ! Imagens e textos bens construidos !! E ponto final !!

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  6. Olá, Lau Shane, sempre generoso nos elogios, os quais, como se dizia lá pelas bandas de Nhandeara e adjacências, 'não mereço mas agradeço'... Vale lembrar ao Fernando que a nossa geração, que é também a do Lau Shane, se surpreende sempre com as maravilhas da tecnologia: é só clicar em 'Selecione o idioma', no alto da coluna à direita, e como que por milagre o blog é traduzido para centenas de idiomas. Fica até engraçado ler o blog em 'Criouli Haitiano', 'Maori', 'Zulu' e 'Turco'. E experimente o 'Catalão'. Mas bom mesmo é ter leitores como vocês. Abraços do Darci.

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  7. NA MINHA CONCEPÇÃO, TRATA-SE DE UM WESTERN ACIMA DA MÉDIA - AS CANÇÕES SÃO OS DESLIZES E PERFEITAMENTE DISPENSÁVEIS. O ROTEIRO TRAZ BONS DIÁLOGOS. Nota 9.

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