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4 de novembro de 2013

UMA CIDADE QUE SURGE (Dodge City) – ERROL FLYNN SE AVENTURA PELO VELHO OESTE


Michae Curtiz e Errol Flynn no set
de "Capitão Blood".
A Warner Bros. tinha sob contratos Errol Flynn, Olivia De Havilland e o diretor Michael Curtiz. Esse trio fez a incrível soma de sete filmes juntos e Flynn foi dirigido 12 vezes por Michael Curtiz, ainda que não suportasse o tirânico diretor húngaro. A trilogia de aventuras (“Capitão Blood”, “A Carga da Brigada Ligeira” e “As Aventuras de Robin Hood”) dirigida por Curtiz nos anos 30, tendo Flynn e Olivia como par romântico tornou-se imediatamente clássica, obtendo grande sucesso. A Warner Bros. decidiu então mudar o cenário e incumbi-los de novas aventuras, agora no Velho Oeste, sem no entanto obter o mesmo êxito artístico dos capa-e-espadas. Esse foi o caso do primeiro western do trio Curtiz-Flynn-De Havilland, intitulado “Uma Cidade que Surge” (Dodge City).


Guinn 'Big Boy' Williams, Errol Flynn
e Alan Hale chegando a Dodge City.
Uma turbulenta nova cidade - O roteiro original de “Uma Cidade que Surge” de autoria de Robert Buckner é claramente inspirado na lendária figura de Wyatt Earp. Hollywood já havia focalizado Wyatt Earp em westerns com George O’Brien e Randolph Scott e no futuro tanto o cinema como a TV tornariam Earp um de seus personagens mais populares. Em “Uma Cidade que Surge” Wyatt Earp toma a forma de Wade Hatton (Errol Flynn), aventureiro que teria lutado em Cuba, participado da Guerra Civil sob o comando do General J.E.B. Stuart e caçado búfalos. Wade Hatton tem por companheiros de aventuras Rusty Hart (Alan Hale) e Tex Baird (Guinn ‘Big Boy’ Williams). Os três chegam a uma cidade recém-fundada e chamada Dodge City onde ocorrem leilões de gado e, consequentemente, gira muito dinheiro entre criadores, comerciantes e cowboys, atraindo os foras-da-lei. Vive em Dodge City a linda Abbie Irving (Olivia De Havilland), de quem Hatton se enamora. Quando a situação em Dodge City se torna insustentável, com tiroteios em cada esquina e brigas frequentes no saloon local chamado ‘Lady Gay’, personalidades de Dodge City pedem a Wade Hatton que coloque ordem na cidade. Para isso Hatton tem que enfrentar o bando de Jeff Surrett (Bruce Cabot), que faz o que quer em Dodge City, inclusive cometendo crimes de morte através de seus pistoleiros Yancey (Victor Jory) e Munger (Douglas Fowley). Jeff Surrett não perdoa sequer Joe Clemens (Frank McHugh), o editor do 'Dodge City Star', jornal da cidade, a quem manda Yancey assassinar friamente. Esse fato faz com que Wade Hatton, que já vinha limpando a cidade, se defronte com Surrett e seus homens, liquidando-os e fazendo a paz voltar a Dodge City.

Acima Gloria Holden e Bobs Watson;
abaixo Errol Flynn e Bruce Cabot.
A minimizada presença da mulher - Este faroeste de Michael Curtiz foi bem produzido, com bela cinematografia em Technicolor do diretor de fotografia Sol Polito, música de Max Steiner e um elenco enorme. Gastou-se muito para filmar certas sequências de “Uma Cidade que Surge”, entre elas as tomadas da cidade sempre movimentada e repleta de gente, e a verdadeira guerra que se trava no ‘Lady Gay’. Com tudo isso, “Uma Cidade que Surge” resultou num filme vazio com intenção principal de mostrar o heroísmo do pseudo Wyatt Earp e seu romance com a mocinha. Apenas como complemento das ininterruptas ações toca-se na importância da imprensa na formação da nova cidade, quando poderia ser melhor desenvolvida a força do corajoso jornal local. Somente em 1962, com “O Homem que Matou o Facínora” o faroeste aprofundaria a presença desse órgão essencial na formação do Velho Oeste. E não há como negar que John Ford esboçou seu Liberty Valance na figura do bandido Yancey que usava um pequeno chicote para espancar o jornalista Joe Clemens. E a melhor história contida no roteiro de Robert Buckner é a da família Cole que vê o pai Matt Cole (John Litel) ser covardemente assassinado, ficando a viúva Cole (Gloria Holden) com o encargo de criar Harry Cole (Bobs Watson) o filho ainda pequeno. Posteriormente o menino vem a falecer tragicamente num toque de sentimentalismo desnecessário cuja intenção não é outra senão a de comover a plateia. A senhora Cole é a mais apropriada representante feminina do Velho Oeste, onde maridos morriam por razões diversas e à mulher cabia criar os filhos. Em compensação prevalece na tela a insonsa personagem de Olivia de Havilland.

Olivia De Havilland fazendo-se de difícil
 para Errol Flynn; abaixo Guinn 'Big Boy'
Williams com Ann Sheridan.
História simples e movimentada - “Uma Cidade que Surge” fez grande sucesso quando de seu lançamento em 1939, sucesso idêntico aos westerns “Jesse James”, “Aliança de Aço” e “Ao Rufar dos Tambores”. Faroestes melhores como os clássicos “No Tempo das Diligências” e “Atire a Primeira Pedra”, também lançados em 1939, obtiveram bilheterias inferiores a esses faroestes. E 1939 foi ainda o ano do lançamento de “A Lei da Fronteira”, com Randolph Scott como Wyatt Earp mesmo. Entre todos esses filmes, o de Michael Curtiz é, sem dúvida, o mais movimentado, com características próximas dos westerns B com ação incessante e história simples e portanto dirigido a um público menos exigente, o que explica seu estrondoso sucesso. Além disso Errol Flynn, aos 30 anos de idade era uma das maiores estrelas de Hollywood. Porém como cowboy Errol Flynn não convence pois é bonito demais, suave demais e elegante demais. Quando Flynn coloca em prática sua habilidade de conquistador as sequências resultam inconvincentes pois como em todos os filmes que fizeram juntos, Olivia De Havilland faz o tipo inocente e difícil de ser conquistada. E há o desperdício total da voluptuosa Ann Sheridan como saloon-girl, Ann que seria muito melhor aproveitada nos filmes seguintes tornando-se a ‘Oomph Girl’ e uma das mulheres mais desejadas da América ao lado de Rita Hayworth. Curiosamente, Errol Flynn faleceu com 50 anos de idade e Ann Sheridan com somente 51.

Começam as brigas no 'Lady Gay' após
a canção "Dixie's Land"; abaixo
Bruce Cabot e Vitor Jory.
Rancores lembrados em canções - Interessante notar em “Uma Cidade que Surge” a sequência no ‘Lady Gay’ em que se toca no palco do saloon “Marching Through Georgia” enquanto sulistas comandados por um acordeão iniciam ao mesmo tempo a cantoria de “Dixie’s Land” tentando abafar a canção nortista. A guerra já havia terminado, mas ressentimentos permaneciam bastante vivos. Três anos mais tarde no clássico “Casablanca” dirigido por Michael Curtiz, um dos filmes mais queridos do cinema, observa-se sequência parecida. É quando os alemães liderados pelo major Heinrich Strasser (Conrad Veidt), entoam Die Watch am Rhein”, abafados pelas vozes de Victor Laszlo (Paul Henreid), Capitão Renault (Claude Rains) e os franceses presentes no ‘Rick’s’, em Casablanca, cantando “A Marselhesa”. Michael Curtiz conseguiu um efeito emocionante em “Casablanca”, o que não ocorreu em “Uma Cidade que Surge”, numa cena apenas engraçada. Errol Flynn que interpretaria o General J.E.B. Stuart no western de 1940 “A Estrada de Santa Fé”, também dirigido por Michael Curtiz, personificaria muito melhor o empavonado George Armstrong Custer em seu western seguinte “O Intrépido General Custer”. A melhor performance de “Uma Cidade que Surge” é a de Bruce Cabot como o inescrupuloso bandido Jeff Surrett. Ótima a atriz Gloria Holden, apesar de aparecer pouco. Olivia De Havilland se mostraria admirável atriz após abandonar a persona para ela criada na Warner Bros., especialmente quando ao lado de Errol Flynn. Ótimo o grande elenco de coadjuvantes, com destaque especial para Victor Jory. Ann Sheridan e Ward Bond com poucas oportunidades. O menino Bobs Watson parecia dar início à série de garotos chatos que abundariam em faroestes futuros. E é esse personagem que nos mostra que já havia sim ‘flanelinhas’ de cavalos no Velho Oeste, mais precisamente em Dodge City.

O trem deixando a diligência para trás anuncia o progresso chegando
à cidade que surge. O cocheiro é Bud Osborne. O menino tomando conta
dos cavalos, iniciando o trabalho hoje executado por flanelinhas;
e Dodge City tinha até banheira para cowboys asseados.

O 'Lady Gay Saloon' destruído por uma incrível briga entre seus clientes.

O pôster de "Uma Cidade que Surge" dá destaque a Ann Sheridan
(à direita) na tentativa de atrair mais espectadores. No entanto a atriz
pouco aparece no filme, o que é uma pena.

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