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30 de novembro de 2013

PUNIDO PELO PRÓPRIO SANGUE (BACKLASH) – MISTÉRIO NO VELHO OESTE


John Sturges já havia dirigido cerca de 20 filmes quando filmou “A Fera do Forte Bravo” (Escape from Fort Bravo), em 1953 e em seguida “Conspiração do Silêncio” (Bad Day at Black Rock), em 1955. Com esses dois filmes Sturges chamou a atenção da crítica, especialmente este último, considerado por muitos uma obra-prima e também por vezes erroneamente classificado como um western, o que obviamente não é. Quando, em 1956, a Universal International decidiu produzir um faroeste classe ‘A’, ao custo de um milhão de dólares, com roteiro de Borden Chase baseado numa história de Frank Gruber, não teve dúvidas e contratou John Sturges, então com 45 anos. O western recebeu o título de “Backlash” e foi chamado no Brasil “Punido pelo Próprio Sangue”, sendo lançado em São Paulo no dia 11 de março de 1957 no Cine Art Palácio. Quando saiu por aqui em DVD o título foi alterado para “Unidos pelo Próprio Sangue” e a tentativa posterior de corrigir o erro resultou em “Punidos pelo Próprio Sangue”, mais uma vez em desacordo com o título original. Curiosamente o título mais errado é o que mais está mais próximo do que ocorre no filme.

O cartaz promovendo a estréia de "Punido pelo Próprio Sangue" em São Paulo;
à direita capas de DVD com títulos diferentes do original.

Robert J. Wilke encantado com a beleza de
Donna Reed.
A ação da censura altera o roteiro - O mesmo Borden Chase já havia focalizado o tema de vingança em família quando roteirizou “Winchester 73” (1950), dirigido por Anthony Mann. Desta vez, com “Punido pelo Próprio Sangue” Chase alterou bastante a história original de Frank Gruber, na qual pai e filho se reencontram e seguem juntos rumo ao futuro. Chase preferiu dar contornos mais trágicos à história fazendo com que Jim Slater (Richard Widmark) ao encontrar seu pai Jim Bonniwell (John McIntire) termine por matá-lo. A censura, no entanto, obrigou a Universal Pictures a promover diversas alterações no roteiro, entre elas o final edipiano e num trabalho de edição, quando o filme já estava pronto, Bonniwell é morto por um dos tiros disparados por um grupo de cowboys. A edição final excluiu ainda uma tentativa de estupro sofrida pela viúva Karyl Orton (Donna Reed), além de sequências apontadas pelo Código de Produção como demasiado violentas.

O revólver na mão de Richard Widmark
indica que ele teria matado John McIntire.
Punido por uma bala perdida - Jim Slater é um viajante texano que foi abandonado pelo pai quando tinha um ano de idade e não descansa até descobrir o que aconteceu com seu progenitor. As pistas o levam até um local chamado Gila Valley onde há cinco covas e pouco a pouco Slater descobre a identidade de cada um dos cadáveres ali enterrados. A princípio Slater acredita que seu pai seja um dos mortos, concluindo posteriormente que um sexto homem chamado Jim Bonniwell é não só é responsável pelas mortes dos cinco homens ali enterrados, como também fugiu com 60 mil dólares em ouro roubados de um banco. Os cinco homens foram mortos por índios apaches. Com esse dinheiro Bonniwell tornou-se pecuarista, aumentando seu rebanho com gado roubado de outros fazendeiros. Quando Slater descobre que Bonniwell não é outro senão seu pai, este tenta matar o filho desafiando-o para um duelo traiçoeiro. Nesse ínterim trava-se uma batalha entre os homens de Bonniwell e os do Major Carson (Roy Roberts), um fazendeiro rival. Quando Bonniwell está pronto para matar seu filho é atingido fatalmente por uma bala perdida disparada pelo grupo do Major Carson, não chegando a consumar o duelo com o filho e portanto não  sendo punido pelo próprio sangue como indica o título nacional.

Acima Richard Widmark,
abaixo John McIntire.
Sequência interminável de mortes - Mais que um faroeste, “Punido pelo Próprio Sangue” é uma história de mistério na linha dos mais complexos filmes noir e por isso mesmo nada fácil de ser compreendida. Na busca por seu pai Jim Slater encontra inúmeros personagens que o ajudam a desvendar as sendas percorridas por Jim Bonniwell. Não falta na história, como não poderia deixar de ser uma estranha e bela mulher que é Karyl Orton, viúva de um dos homens enterrados em Gila Valley. Karyl é experiente, confessando ter sido prostituta para sobreviver após o desaparecimento do marido e mesmo assim se apaixona por Slater. O Sargento Lake (Barton MacLane) possui informações sobre Jim Bonniwell e antes de morrer ajuda Slater. Os irmãos Tony Welker (Harry Morgan) e Jeff Welker (Robert J. Wilke), irmãos de um Welker enterrado em Gila Valley são igualmente mortos, o mesmo ocorrendo com Tom Welker (Regis Parton), o quarto irmão Welker, este morto em legítima defesa por Jim Slater. De passagem são também mortos um jovem metido a pistoleiro chamado Johnny Cool (William Campbell) e o xerife Olson (Robert Foulk), de Sierra Blanca. Tantos personagens e tantas mortes confundem ainda mais o espectador que espera pelo encontro e possível confronto entre pai e filho.

Certamente o leitor já ouviu frase parecida
em outros westerns.
Cinismo a la Bogart - Em meio a tantas mortes, há uma sucessão de diálogos nada inteligentes mas pretensamente cínicos como os que ilustravam com brilho os melhores filmes noir. O gerente de um hotel diz a Karyl Orton: “Posso dizer que está elegante?” “Pode e obrigada”, responde ela. “É uma garota engraçada. Gosto de garotas engraçadas” fala sem nenhuma graça Johnny Cool como se fosse um personagem de Humphrey Bogart. Mas o ápice da falta de inspiração ocorre quando Jim Slater explica sua determinação a Karyl Orton dizendo à moça o ressonante clichê “Há coisas que um homem tem que saber e tem que fazer”. É impossível se fazer um bom filme sem um bom roteiro e tudo piora quando sequências inteiras são mal dirigidas e interpretadas. E o mais surpreendente é que o diretor é um especialista chamado John Sturges que legaria ao gênero filmes importantes como “Sem lei e Sem Alma” e “Duelo na Cidade Fantasma” e clássicos absolutos como “Duelo de Titãs” e “Sete Homens e Um Destino”. Nem mesmo as sequências de ação de “Punido pelo Próprio Sangue” merecem a assinatura de John Sturges.

O pistoleiro empavonado William Campbell.
Pistoleiro resplandecente - Relativamente curto (84 minutos) para comportar tantos personagens, este western de John Sturges tenta aprofundar psicologicamente alguns deles, o que apenas torna a história pouco coerente. A própria presença da personagem Karyl Orton somente se justifica para que Donna Reed exiba sua beleza (e talento) e um interminável guarda-roupa recém-saído de uma boutique country. Verdadeiro nonsense ocorre quando Karyl despe-se de sua blusa para com ela estancar o sangue de Jim Slater, permanecendo Karyl com sua anágua para deleite do espectador. Em seguida Karyl vai até o alforje de seu cavalo e da bolsa retira uma outra blusa com a qual compõe sua impecável elegância. E não é que Karyl extrai a bala do ombro de Slater com incrível perícia e sem necessitar qualquer convalescença... Inteiramente desnecessária é a figura caricata do pistoleiro irresponsável Johnny Cool que possibilita a William Campbell fazer a pior imitação de ‘Jack Wilson’, o pistoleiro de “Shane” imortalizado por Jack Palance. O escritor Glenn Lovell, autor de “Escape Artist” (biografia de John Sturges) observou saborosamente que Campbell em “Punido pelo Próprio Sangue” está mais para o pianista Liberace que para Jack Palance. Mas é inegável que Campbell aprendeu bem as lições de manejo de revólver que Kirk Douglas lhe ministrou em "Homem Sem Rumo" (Man Without a Star), um ano antes. E se o leitor não consegue imaginar Harry Morgan como pistoleiro, procure-o neste western com risadas garantidas pela figura inconvincente do ator. Nada, no entanto, é mais engraçado que ver Edward Platt e Robert Foulk tentando passar por xerifes, Platt que anos depois ficaria marcado como o ‘Chefe’ do atrapalhado Agente 86 da TV. Por outro lado, bandidos do calibre de Robert J. Wilke e Jack Lambert permanecem poucos minutos na tela em notável desperdício de talentos.

Sequência em que Donna Reed cura e seduz Richard Widmark.

John McIntire e Richard Widmark.
Western-mistério - Se há algo que faz com que “Punido pelo Próprio Sangue” mereça ser assistido é a interpretação contida de Richard Widmark. Perfeito ao expressar a angústia da descoberta do pai assassino (McIntire) que confessa jamais haver matado alguém que não merecesse morrer. John McIntire que geralmente interpreta homens honestos, marcou bastante como o inescrupuloso traficante de armas de “Winchester 73”. Como Jim Bonniwell, McIntire repete sem o mesmo brilho um vilão ignóbil. “Punido pelo Próprio Sangue” foi filmado em 34 dias com as principais locações nos cenários da cidade cenográfica de Old Tucson, em Tucson (Arizona), ficando a bela fotografia do filme a cargo de Irving Glassberg. Com os tantos e respeitados nomes envolvidos no elenco sob a direção de John Sturges, esse faroeste é uma infeliz tentativa de criar o que se poderia chamar de western-mistério. E decididamente não é o mistério que prende a atenção do espectador num faroeste, como comprova “Punido pelo Próprio Sangue”.

Ao disparar seu revólver William Campbell fecha os olhos, porém Donna Reed
mantém-se impassível sem se incomodar com o estampido.

Alguns dos modelitos que Donna Reed desfila em "Punido pelo Próprio Sangue".

Um comentário:

  1. Elenco competente e o diretor John Sturges é um dos maiores especialistas do gênero e responsável por uma obra prima : Duelo de Titãs, com Kirk Douglas e Anthony Quinn.

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