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17 de novembro de 2012

A FACETA RANCOROSA DE JOHN WAYNE


Quando se fala de John Wayne é comum usar adjetivos como leal, franco, generoso, modesto e outros mais que engrandecem qualquer pessoa. Mas como qualquer ser humano John Wayne não era perfeito e uma passagem ocorrida em 1971 mostra um pouco conhecido aspecto da personalidade de John Wayne, sua faceta rancorosa.

Os políticos Barack Obama
e Christopher Mitchum.
Quase um Mitchum X Barack Obama - O democrata Barack Obama enfrentou e venceu o republicano Mitt Romney nas últimas eleições presidenciais. Mas o adversário de Obama poderia ter sido alguém com um rosto com traços bastante conhecidos dos cinéfilos mais antigos. Obama poderia ter enfrentado Christopher Mitchum, o filho de Robert Mitchum bem parecido com ele e com o mesmo ar sonolento. Mesmo atuando no cinema, aos quase 70 anos (Chris nasceu em 1943), Christopher Mitchum está sempre envolvido com a política e por pouco não venceu as primárias na Califórnia, o que poderia levá-lo a ser indicado como o candidato republicano nas eleições presidenciais de 2012. Essa não foi a única derrota política do filho de Robert Mitchum pois em 1971 Christopher conseguiu involuntariamente se transformar em adversário político de John Wayne. O leitor sabe que o Duke era um dos mais conservadores homens de direita dos Estados Unidos e republicano extremado, fato que naturalmente faria com que tivesse mais simpatia pelo também republicano Christopher Mitchum, mas não foi o que aconteceu.

Chris Mitchum em "Rio Lobo" (acima) e em
"Jake, o Grandão" (abaixo).
A Batjac contrata o filho de Bob Mitchum - Christopher Mitchum graduou-se em Literatura Inglesa e não pretendia ser ator. Porém, já casado, tendo que sobreviver e carregando o sobrenome famoso, não tardou a começar a atuar, fazendo pontas em “O Pistoleiro Marcado” (Young Billy Young) e “Basta, Eu Sou a Lei” (The Good Guys and the Bad Guys), faroestes estrelados por Robert Mitchum e dirigidos por Burt Kennedy. Muito provavelmente John Wayne levou em consideração a amizade que tinha com Robert Mitchum e sua produtora Batjac contratou Christopher Mitchum. O primeiro filme de Chris para a Batjac foi “Chisum, Uma Lenda Americana” (Chisum), em 1970, num papel bastante pequeno. O próximo trabalho de Christopher Mitchum para a Batjac foi no faroeste “Rio Lobo”, dirigido por Howard Hawks e estrelado por John Wayne. Christopher Mitchum já era um nome conhecido e em 1971 interpretou um dos filhos de John Wayne em “Jake, o Grandão” (Big Jake). A amizade entre Duke e Chris Mitchum parecia se fortalecer a cada filme e isso era certeza de participação em novos filmes da Batjac. “Jake, o Grandão” párecia ser mais um sucesso garantido de John Wayne, mas já ocorria a prática de promover o filme com os atores visitando os programas de entrevistas e o mais famoso daquele tempo era o “The Tonight Show”, apresentado por Johnny Carson.

O apresentador Johnny Carson (acima);
Duke e Chris em "Jake, o Grandão".
Comunista disfarçado - A noite em que Duke iria aparecer no talk-show de Johnny Carson era elevaria, sem dúvida, ainda mais a grande audiência daquele programa transmitido de costa a costa nos Estados Unidos. Johnny Carson conversou longamente com John Wayne e depois passou a entrevistar Christopher Mitchum com John Wayne atento sentado ao lado. Chris havia acabado de ser laureado pela revista ‘Photoplay’ como o jovem ator mais promissor de 1971 entre os novos atores de Hollywood. Johnny Carson perguntou a Chris o que ele andava fazendo e o ator contou que estava participando da organização do primeiro trabalho de conscientização da população sobre o tão necessário respeito ao meio-ambiente. Embora politicamente simpático ao partido republicano, Christopher Mitchum sabia que era obrigação de todo cidadão cuidar melhor do ar e da água. Para John Wayne, quem tinha adotava posições como essas, era contrário ao interesse industrial da nação. O Duke interrompeu a fala de Chris e lhe disse: “Se eu soubesse que você era um desses ‘pinko commies’ (comunistas disfarçados)...” Chris retrucou dizendo: “Duke, não se pode ensinar novos truques a um cão velho”. Perdendo de vez a paciência depois de vestir a carapuça de 'cão velho', John Wayne explodiu: “Olha, filho, não pode ensinar nada para certas bonecas”. Atônito Johnny Carson assistiu a esse inacreditável diálogo, assim como o país inteiro.

Grande sucesso na Europa, com Chris Mitchum novamente
atirando com rifle com mira telescópica e pilotando uma
moto (Yamaha Enduro), como fizera em "Jake, o Grandão".
Nem direita, nem esquerda - Nos dias seguintes Chris-topher recebeu centenas de cartas em seu apoio, todas as cartas com cópias de cartas enviadas a John Wayne condenando-o por sua falta de sensibilidade como ser humano e falta de respeito para com o filho de Bob Mitchum. Mesmo tendo contrato de cinco anos com a Batjac, ninguém da produtora de John Wayne procurou novamente por Christopher Mitchum. Pouco depois John Wayne foi operado e Chris enviou diversas cartas ao Duke que, sabia-se, respondia pessoalmente a todas cartas. Todas menos as de Christopher Mitchum. Pior que isso foi quando Chris tentou fazer parte do elenco de “Steel Yard Blues” e foi informado que jamais ele poderia trabalhar naquele filme. Chris quis saber por que e lhe disseram que os astros eram Jane Fonda e Donald Sutherland e que ele nunca trabalharia com Jane Fonda. “Por quê?” perguntou Chris. “Porque você costuma trabalhar com John Wayne”, foi a resposta. No início dos anos 70 a esquerda dominava Hollywood, com Jane Fonda e outros liberais à frente, enquanto o republicano Christopher Mitchum era dos poucos atores que tinham coragem de defender a presença norte-americana no Vietnã. Chris não conseguia mais trabalho pois estava sendo perseguido pela esquerda e pela direita também, que não havia digerido a discussão coast-to-coast com John Wayne. O filho de Bob Mitchum só conseguiu convite para trabalhar na Espanha, país que vivia um bom momento cinematográfico. Na Espanha foi produzido “Um Verano para Matar” (The Summertime Killer), com Karl Malden, Olivia Hussey, Raf Vallone e Christopher Mitchum, filme que fez muito sucesso na Europa e na Ásia. Interpretando o matador do filme, o jovem Mitchum tornou-se um astro e viu abrir-se um novo mercado de trabalho.

O famoso disco de John Wayne, com poemas de James
Mitchum, o irmão de Robert Mitchum, na foto com
Clint Eastwood em "Meu Nome é Coogan".
‘America, Why I Love Her' - Depois de oito filmes no exterior Chris Mitchum ensaiou um retorno aos Estados Unidos, atuando em “Os Últimos Machões” (The Last Hard Men), com Charlton Heston e James Coburn filme dirigido por Andrew McLaglen, amigo de John Wayne. Sem outras oportunidades em seu país, Chris Mitchum foi atraído pelas propostas que vinham de fora e seus filmes na Europa e Ásia fizeram dele um astro do porte de Alain Delon, Charles Bronson e Clint Eastwood. Robert Mitchum gostava de contar que quando foi ao Japão filmar “Operação Yakuza”, era reconhecido como ‘o pai de Christopher Mitchum’, numa inversão total da fama que Bob conhecia há décadas. Curiosamente, no início dos anos 70 John Wayne decidiu gravar um álbum intitulado “America, Why I Love Her” com poemas exaltando sua amada pátria, disco que naturalmente vendeu centenas de milhares de cópias. E quem era o autor dos poemas declamados por John Wayne? James Mitchum, o irmão mais velho de Robert Mitchum e tio de Christopher. Claro que os liberais não compraram o álbum e mais que nunca associaram o nome 'Mitchum' à direita norte-americana.

Christopher Mitchum e Ronald Reagan.
Seguindo os passos de Reagan - Ídolo incontestável fora de seu país, Christopher Mitchum voltou aos Estados Unidos decidido a seguir os passos de Ronald Reagan. O ator de “Em Cada Coração um Pecado” e de “A Audácia é Minha Lei” aprendeu a fazer política como presidente do poderoso sindicato Screen Actor Guild. De lá passou a Governador da Califórnia e a Presidente de seu país. Chris Mitchum foi eleito Primeiro Vice-Presidente do Screen Actors Guild mas não repetiu a trajetória de Reagan, tendo que voltar a filmar, quase sempre no exterior. No total Chris filmou em 14 países diferentes, feito que talvez nem o globe-trotter Anthony Quinn tenha conseguido. Nos anos 90, aproximando-se dos 50 anos, Christopher Mitchum se fixou nos Estados Unidos, mesclando seu trabalho como ator com a política. Em 1993 Chris fez parte do elenco de “Tombstone – A Justiça Está Chegando”, um dos grandes westerns do fim do século passado. Seu pai Bob Mitchum foi o narrador desse filme que teve ainda a presença dos veteranos Charlton Heston, Harry Carey Jr. e Buck Taylor.


Christopher Mitchum
Lista negra de John Wayne - Em 2012, atuando menos e participando mais da política, Christopher Mitchum foi indicado pelo Partido Republicano local a participar das eleições primárias do para a presidência de república, na Califórnia, substituindo o Governador Jerry Brown que desistiu de concorrer. Christopher acabou derrotado por Abel Maldonado que afinal também foi derrotado na fase final da indicação do candidato do partido. Certamente essa derrota não deve ter doído tanto em Chris quanto ter sido vítima do rancor de John Wayne que jamais o perdoou por ter idéias ‘avançadas’ para o pensamento conservador dos republicanos da época. Não tivesse entrado para a lista negra de John Wayne talvez a carreira de Chris Mitchum fosse melhor sucedida em seu próprio país, aproximando-se da espetacular carreira de seu pai, Bob Mitchum, este sim, um dos mais extraordinários atores norte-americanos de qualquer tempo. E não é que Robert Mitchum e John Wayne eram amigos... Também se não fossem Bob sacudiria os ombros, daria uma profunda tragada e diria: “Baby, I don’t care” (Cara, não estou nem aí), sua frase preferida e verdadeira filosofia de vida.


Acima Bob Mitchum com os filhos James e Chris; abaixo à direita três gerações
Mitchum: Bob, Chris e seu filho Bentley, também ator; no centro acima Petrine

Mitchum, filha de Bob Mitchum; abaixo Carrie Mitchum, filha de Chris Mitchum;
à esquerda Julie Mitchum, irmã de Robert Mitchum. Todos atuaram no cinema.


Alguns dos filmes em que Chris Mitchum atuou para prosseguir a promissora
carreira que John Wayne de certa maneira prejudicou.





8 comentários:

  1. Que interessante, Darci. Não conhecia essa faceta política do filho de Bob Mitchum. Já Wayne, nunca me convenceu justamente por essa faceta conservadora de homem de direita.

    O Falcão Maltês

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  2. Caro WesternDarciCine, Não tem melhor do que saber notícias da família Mitchum. E eu me diverti com a referência aos olhos sonolentos de Robert Mitchum. De uma certa forma eles faziam as cenas de briga e violência me transcorrerem leves. Eu sentia que aqueles olhos me conduziam ao sonho do que estava acontecendo na tela. O que se passava na tela, durante muitos anos da minha vida de espectadora, foi realidade enquanto o filme caminhava. Só com o filme terminado é que eu distinguia o mundo real do mundo do cinema. Eu acreditava que, quando aqueles olhos mitchumianos de todo acordassem, tudo estaria bem. As famílias teriam paz e se reuniriam em torno do calor da boca do fogão e das panelas com comida farta. Isso seria verdade mesmo que a família simbolo de algum western tivesse sido exterminada em feroz disputa por terras. Os olhos de Robert Mitchum com certeza me eram, aliás me são, mais do que a arte de representar do ator. De resto encantei-me com a sua narrativa sobre os filhos, o irmão, a irmã, os netos de Bob Mitchum. Toda essa gente, é nisso que creio, é imantado pela sedução do ator, não tenho dúvida. Abraços aos Mitchum e, em especial, a você que os trouxe para tão perto. Até mais, Cibele

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  3. Nossa, Cibele... Começo a entender porque Robert Mitchum enfeitiçou tantas atrizes e fãs. E eu que achava o olhar desse ator enchia de pavor os fãs mais impressionáveis. Grande abraço do Darci.

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  4. Espirituoso Darci! Bob é indiscutível, mas aquele olhar dele... concordo com você!
    Já tive uma época em que acreditava em esquerda, no vendedor da rua de baixo... hoje, nem o coreto da praça me convence muito bem. John Wayne exagerou, considerando-se que não haja mais de que não sabemos. É muito difícil a cada um de nós aplicar o que cobramos aos outros. Isso nos diminui sem que percebamos. Foi o que John Wayne fez. Esqueceu muito do que poderia ter aprendido com alguns personagens que viveu.

    Abraço!

    Vinícius Lemarc

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  5. Olá, Vinicius - Como ator John Wayne nos trouxe muita felicidade. Suas opiniões sempre foram discutíveis, para dizer o mínimo. Mas é assim que ele era é seus defeitos não o impediram de ser um dos maiores astros do cinema de todos os tempos, isto sem ter se tornado ícone (êta palavrinha desgastada) de coisa alguma como James Dean por exemplo. - Um abraço do Darci

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  6. John Wayne era apenas um cidadão comum do seu tempo: Extremista, direitista, racista, tabagista, vingativo, etc. Em suma, um
    americano típico, com vemos ainda hoje, aos borbotões, que sob a ótica dos novos tempos, parece um absurdo.
    Sou seu admirador incondicional, com defeitos e tudo, pois no final, ele era sincero e ser sincero com muitos defeitos, não é para qualquer um.

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  7. Olá, Joailton - Concordo com o que você diz.Há que se localizar o cidadão John Wayne em seu tempo. O que torna John Wayne maior ainda é ele nos ser tão caro tendo representado o que representou politicamente. Ninguém está acima do bem e do mal, mas John Wayne é daqueles em que o mal é sempre infinitamente menor. - Um abraço do Darci

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