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25 de março de 2012

A BABEL DIRIGIDA POR SERGIO LEONE EM "TRÊS HOMENS EM CONFLITO"


Aos 18 anos de idade, em 1948, Sergio Leone foi assistente de direção de Vittorio De Sica em “Ladrões de Bicicleta”. Após esse início Leone passou os próximos anos nessa função, auxiliando diretores menos famosos como Alessandro Blasetti, Mario Bonnard, Mario Camerini, Luigi Comencini e Mario Soldati. Foram mais de 30 os trabalhos de Leone como assistente de diretor, alguns desses trabalhos aprendendo o metier com gente do primeiro time entre os diretores norte-americanos como Mervyn LeRoy em “Quo Vadis”, Robert Wise em “Helena de Tróia” e Fred Zinnemann em “Uma Cruz à Beira do Abismo”. Sergio Leone era especialista como diretor de segunda unidade, aquele que geralmente é o responsável pelas desgastantes sequências que envolviam multidões como em “Os Últimos Dias de Pompéia”, de Mario Bonnard, “Ben-Hur”, de William Wyler e “Sodoma e Gomorra”, de Robert Aldrich. A primeira oportunidade de Leone como diretor só viria a acontecer em 1961 no épico “O Colosso de Rodes”, interpretado pelo ex-astro da série de TV “O Texano” Rory Calhoun.

Sequências das corridas em "Ben-Hur",
que Leone afirmava ter dirigido.
LEONE, O FANFARRÃO - Com 1,70 de altura e mais de 100 quilos de peso, Sergio Leone era um autêntico falastrão e costumava contar que fora o verdadeiro responsável pela corrida de quadrigas em “Ben-Hur”, mesmo sabendo-se que quem comandou aquelas inesquecíveis sequências foi Andrew Marton, diretor de segunda unidade, com a colaboração de Yakima Canutt. Mas ninguém pode negar a Leone a sua incrível criatividade, inventando formas dirigir que mais parecia coisa de um verdadeiro pazzo (louco) e um dos exemplos disso eram os diálogos em seus westerns-spaghettis. Eram produções pan-européias com dinheiro vindo de muitos países, assim como os atores que podiam ser italianos, espanhóis, alemães, franceses, gregos, turcos e até um ou outro norte-americano. E as filmagens, como se sabe, eram feitas em regiões da Espanha, especialmente no deserto de Almería, sob a direção de Leone que nada falava de Inglês e nem dos demais idiomas. Mesmo assim a comunicação e os diálogos dos filmes não eram problemas para Leone que como bom italiano se expressava bastante bem com as mãos e inventava métodos nada comuns.

Manetas de "Três Homens em Conflito"
em cenas com Eli Wallach. O da foto abaixo
é o norte-americano Al Mulock.
CONTANDO ATÉ DEZ - Sergio Leone pedia para os atores dizerem suas falas em seus próprios idiomas, o que muitas vezes levava a uma espera maior do que o necessário até que o próximo a falar percebesse que o outro já havia terminado seu texto. Eli Wallach nunca se esqueceu do que se passou em “Três Homens em Conflito” numa cena com um não-ator italiano, contratado por Leone porque não possuía um braço. O homem foi vestido com peças de farda de confederado e deveria discutir com Tuco, o personagem de Eli Wallach. Quando o maneta descobriu que Eli era norte-americano ficou nervoso xingando o ator e dizendo que o Exército dos EUA, durante a campanha na Itália na II Guerra Mundial, havia decepado seu braço. Eli ainda tentou retrucar dizendo “Non ho fatto” (não fui eu que fiz), mas o homem não se acalmava. Leone gritou com ele e pediu para que ele dissesse o pequeno texto, descobrindo que o homem não sabia ler. Então Leone pediu ao homem que contasse pausadamente até dez, em Italiano, acentuando com voz mais forte e mais alta a sucessão de números. E o pobre homem começou: “Uno, due, tre..." até chegar nervosamente ao dieci. Leone depois dublaria essa e todas as demais falas.

Leone conversando com as mãos com Clint
Eastwood e falando em Italiano com Morricone.
TEMPO PERDIDO NO ACTOR’S STUDIO - Na Itália praticamente todos os filmes passam dublados em Italiano e as produções italianas são dubladas em Espanhol, Francês e Inglês para distribuição naqueles mercados. Quando Eli Wallach teve a oportunidade de assistir a “Três Homens em Conflito”, dublado em Inglês, prestou atenção no diálogo com o soldado confederado maneta e para sua surpresa a dublagem ficara perfeita acompanhando os lábios do homem que contara até dez em italiano. Eli pensou consigo mesmo como havia sido inútil todos os anos de estudo no Actor’s Studio e de representações na Broadway, sempre tentando se aperfeiçoar para ver aquele homem contar até dez... E na primeira coletiva que Eli Wallach deu à imprensa italiana, quando abriu a boca para responder à pergunta inicial, todos desataram a rir sem parar. Foi necessário Leone explicar a ele que o dublador de ‘Tuco’ tinha uma bonita e profunda voz de barítono, enquanto a voz de Eli mais lembrava grunhidos estranhos. Só um homem com o talento de Sergio Leone seria capaz de fazer filmes que se tornariam clássicos, mesmo rodados naquela babel que eram os sets de produção na Espanha. Sem esquecer que esses filmes eram enriquecidos com a banda sonora acrescida ainda de excelente sonoplastia e as soberbas trilhas musicais de Ennio Morricone.

6 comentários:

  1. Ser assistente do magnifico De Sica, daquela fantastica troupe de diretores de seu país, e seguir atento aos comandos de homens do cinema americano como Wise, Le Roy e Zinneman, ainda mais nos filmes destes citados, este fabuloso empregado, que se tornaria o grande Sergio Leoni, não poderia nos por decepções. Foi o grande aluno que aprendeu muito bem a todas suas lições.

    Como seu primeiro trabalho em Colosso de Rhodes/60, (um filme muito fraco em todos os sentidos), andei lendo em algum lugar que ele dirigira em 1959 Os Ultimos Dias de Pompeia, tanto que alterei o nome do diretor que existia ali para Sergio Leoni em meus controles.
    Gostaria até que o Darci me confirmasse ou não este fato.

    Temos de por em evidendia 2 coisas cruxiais.
    1 - Leone era muito sagaz e inteligente. Suas saídas para solucionar situações super complicadas, terminavam muito melhores que se poderia imaginar.
    2 - E trabalhar sobre os acordes maviosos de Morriconi, suprime qualquer falha que possa ali estar existindo, já que suas musicas eram puros presentes aos ouvidos e que enlevavam as peliculas do Gordo a verdadeiras maravilhas!

    Um maestro muito pouco representativo no mundo inteiro, principalmente pelos Academicos de Hollywood, ao valorizar tão pouco o que ele tão
    bem soube sobrepor sobre tantos e tantos filmes.
    Quem é capaz de esquecer seus acordes fortissimos e determinantes em Os Intocáveis?
    Quem sabe, sabe. E ele sabe demais!
    Mas as injustiças sobre ele sempre foram além da suportabilidade dos que amam seu trabalho.
    jurandir_lima@bol.com.br

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  2. Jurandir, segundo consta no IMDb, o diretor de Os Últimos Dias de Pompéia foi o especialista em épicos Mario Bonnard, de quem Leone foi muitas vezes assistente de direção. Quando esse filme foi rodado Bonnard já estava com 70 anos e Leone tinindo na flor dos 29 anos. Sergio deve mesmo ter trabalhado mais que Mario Bonnard, mas desconheço o quanto. Valeria à pena ler uma das biografias de Sergio Leone para saber. Entre as histórias que Leone contava, uma delas é que durante a corrida de quadrigas em Ben-Hur, ele próprio pilotou uma das quadrigas...
    Darci

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  3. Darci,

    O homem com “tudo contra” conseguiu o que conseguiu, imagine... Na verdade, acho que Leone é o caso de uma das maiores furadas dadas pelo cinema, em se tratando de potencial artístico. Leone não teve as melhores condições, no geral, para desenvolver o seu trabalho. Foi um dos maiores desperdícios. Muitos tiveram tudo mas não conseguiram grande coisa, Leone se eternizou com algumas poucas chances de mostrar que era do ramo.

    Lemarc

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  4. Darci;

    Se soubéssemos se o Leone estava com ou sem barba, eu iria, agora mesmo, por o filme no DVD para tentar descobrir o homem dirigindo uma das quadrigas.
    Confesso que gostaria de ver o Leone lá com seus 30 anos.
    Se souber me informar isso me fale. Mesmo assim, por sua foto que conheço, tentarei acha-lo.
    jurandir_lima@bol.com.br

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  5. Peixoto?

    Aparece, rapaz! E fala do Leone e nos ajuda, se puder, para vermos se o localizamos dirigindo quadrigas em Ben Hur.

    Sabia desta novidade?
    jurandir_lima@bol.com.br

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  6. Jurandir, segundo dizem o Leone era um grande mentiroso. Se deixassem ele falar ele ia contando bravatas. Ele chegou a dizer que estava comandando uma das quadrigas, o que não é verdade pois com gente como o grande Yakima e seus filhos Joe e Tap Canutt, Cliff Lyons, Joe Irigoyen, Eddie Juaregui e mais uma dezena de stuntmen, não iriam deixar o gorduchinho correr riscos de cair das quadrigas... Nem perca tempo de procurar. Muito mais divertido é tentar descobrir os momentos em que é próprio Heston ou seu dublê Joe Canutt; ou ainda Joe Irigoyen dublando Stephen Boyd.
    Darci

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