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29 de julho de 2016

IMPERDOÁVEL (YURUSAREZARU MONO), VERSÃO JAPONESA DO CLÁSSICO DE CLINT EASTWOOD


O diretor japonês Akira Kurosawa.
O faroeste se inspirou algumas vezes em filmes de samurais para realizar produções do gênero, coincidentemente sempre em filmes clássicos de Akira Kurosawa. O primeiro foi “Sete Homens e um Destino” (The Magnificent Seven), em 1960, de John Sturges, que se baseou em “Os Sete Samurais”. Em seguida foi a vez de Sergio Leone com “Por um Punhado de Dólares” (Per un Pugno di Dollari), em 1964, com semelhanças tão evidentes com “Yojimbo”, que Kurosawa brigou e ganhou na justiça pelos direitos da história. Em 1964 o menos conhecido “Quatro Confissões” (The Outrage), de Martin Ritt, adaptou o roteiro de “Rashomon”, dando, no entanto, crédito ao diretor japonês. E não é que nos últimos anos os nipônicos resolveram mostrar que também gostam de westerns, produzindo em 2007 “Sukiyaki Western Django”, que contou até com a participação de Quentin Tarantino como ator. Esse carinho com o faroeste por parte dos japoneses os fez em 2013 realizar “Imperdoável” (Yurusarezaru Mono), uma versão do premiado western “Os Imperdoáveis” (Unforgiven), de Clint Eastwood, filmado em 1992.


Shiori Katsuna; abaixo Yûya Yagira,
Akira Emoto e Ken Watanabe.
Um prêmio e uma vingança - Em 1880 o Japão está sob controle imperial após haver derrotado o sistema feudal denominado Shogunato. Jubei Kamata (Ken Watanabe) é um samurai que lutou contra soldados do imperador, tornando-se conhecido por sua ferocidade e sendo alcunhado ‘Jubei, o Matador’, após o que se tornou um pequeno sitiante tentando fugir de seu passado. Hokkaido é um vilarejo onde Ichizo Oishi (Kôichi Satô) comanda soldados imperiais e impõe autoritariamente a lei, sendo temido por todos. No bordel de Hokkaido a jovem prostituta Natsume (Shiori Katsuna) tem o rosto cortado por Sanosuke Hotta (Yukiyoshi Ozawa) e o fato é denunciado a Ioshi que entende que o pagamento de alguns cavalos é suficiente para compensar o prejuízo de Kihachi (Yoshimasa Kondô), o dono do prostíbulo. Lideradas por Okaji (Eiko Koike) as prostitutas juntam dinheiro e prometem um prêmio a quem matar Sanosuke e seu companheiro Unosuke Hotta (Takahiro Miura). O velho camponês Kingo Baba (Akira Emoto) procura Jubei Kamata e o convence a executar a vingança pretendida pelas meretrizes em troca da recompensa. Junta-se a eles o jovem Goro Sawada (Yûya Yagira) que procuram e matam Sanosuke e Unosuke, o que contraria o comissário Oishi. Este prende e tortura até a morte Kingo Baba, o que revolta Jubei que retorna a Hokkaido para matar Oishi.

Ken Watanabe
Carbono quadro a quadro - Diferentemente do que ocorrera com as citadas adaptações ocidentais dos filmes de samurais de Akira Kurosawa, “Imperdoável”, dirigido pelo japonês Lee Sang-il, é praticamente uma cópia de “Os Imperdoáveis”. Assistir a este remake é como rever o western de Clint Eastwood. Entre as poucas e irrelevantes modificações estão: as sequências iniciais da perseguição a Jubei na neve e sua luta desesperada pela sobrevivência; a procura pelo antigo matador Jubei que no filme japonês é feita pelo velho Kingo Baba e não pelo jovem fanfarrão Goro Sawada; a introdução do tema sobre a discriminação sofrida pelos aborígenes da tribo Ainu. Na sequência culminante em que Jubei invade a taverna para matar o comissário, soma mais de duas dezenas o número de homens ao lado de Oichi, grupo muito maior que aquele que Will Munny teve que enfrentar. Entre essas poucas alterações, a mais notável é a ausência da memorável frase proferida por criada pelo escritor e roteirista David Webb Peoples e expressa pelo personagem de Eastwwod: “Matei mulheres e crianças. Matei tudo que anda ou rasteja. E estou aqui para matar você”. Jubei não pronuncia essa frase.

Akira Emoto e Yûya Yagira
Tema desnecessário - Assistir a um filme no qual o espectador percebe que será respeitada inteira correspondência com outra película bastante conhecida leva inevitavelmente à comparação. É certo que cenários e cultura são diferentes e a refilmagem oriental busca se aproximar de um estilo mais próximo do western, resultando, afinal em um drama que transcorre sem surpresas. Presentes em ambos os filmes estão os temas do apreço à amizade, da redenção e do sadismo, aos quais no filme de Lee Sang-il foi aduzida a questão da discriminação, de certa forma desnecessária e discursiva. No soberbo western de Eastwood é inimaginável lembrar que o filme falasse das atrocidades que os nativos da América sofreram. A perseguição a um grupo de aborígenes Ainus atacados por soldados do imperador resulta em um episódio desconexo da história. Enquanto o western de Eastwood é sombrio, com muitas sequências noturnas e sob chuva, Lee Sang-il enfatizou a beleza de cenários naturais do Japão, procurando com isso dar ao filme um tom poético que não se vê nas relações humanas, mesmo aquelas envolvendo as infelizes prostitutas. A inesquecível imagem do rancho com a árvore na linha do horizonte é copiada e repetida algumas vezes em “Imperdoável”, sem o encanto acrescentado pela guitarra de Laurindo de Almeida.

Cenário idêntico ao do western de Clint Eastwood;
belíssima composição de sequência na neve
com inusitada tomada de câmara.
Desaparecendo como Shane - À parte ser uma cópia de “Os Imperdoáveis”, o filme japonês “Imperdoável” é desenvolvido compe-tentemente e com sequências belíssimas como aquelas passadas na neve e que reaparecem em flashbacks fustigando a consciência de Jubei Kamata. Para um drama de ação sobre o que restou dos samurais ao fim do shogunato, são poucos os momentos de maior movimentação e a câmara de Lee Sang-il move-se vagarosamente. Com 138 minutos de duração, tem-se a impressão de ser um filme ainda mais longo, justamente pelo ritmo lento que o diretor propositalmente impôs. O realismo mostrado na tela dá lugar, na sequência final a um fantástico e invencível herói que mesmo ferido vence os muitos adversários que vacilantes enfrentam não a um guerreiro comum, mas a um mito considerado imortal. Com a taverna-prostíbulo em chamas atrás de si o trôpego Jubei Kamata monta seu cavalo e desaparece como Shane, igualmente ferido e de quem não mais se ouviu falar. Se Eastwood assistiu a este remake deve ter aprovado a impactante imagem que em tudo lembra seu “O Estranho Sem Nome” (High Plains Drifter).


Kôichi Satô;
abaixo Yukiyoshi Ozawa e Kôichi Satô.
Oishi: elegante e perverso - Enquanto Ken Watanabe tenta emular a interpretação soturna de Clint Eastwood, Kôichi Satô se torna o destaque do elenco de “Imperdoável”. Mesmo opressivo e sádico, o comissário vivido por Satô difere-se enormemente do Little Bill de Gene Hackman. O ator japonês criou um comissário Oishi tão elegante e experiente quanto perverso e frio, enquanto Watanabe não possui a aura necessária para o personagem Jubei que atinge dimensão quase épica. Ken Watanabe trabalhou com Clint Eastwood que o dirigiu em “Cartas de Iwo-Jima” (2006), fato que pouco ajudou na imitação. Sem o considerável esforço feito por Watanabe para lembrar o Will Munny de Eastwood, é grande a semelhança entre Akira Emoto e Morgan Freeman e o ator japonês é outro destaque do filme. Yûya Yagira se excede como o problemático jovem que tem sangue Ainu. Não há nem sombra do carisma de Richard Harris na comparação com Jun Kunimura como o imodesto samurai Masaharu Kitaoji que se faz acompanhar por seu biográfo. Este, vestido de modo tão extravagante quanto o próprio comissário é interpretado pelo irritante Keniche Takitô. Bons os desempenhos de Shiori Katsuna (a moça retalhada) e de Eiko Koike, as duas principais prostitutas.

Talento pessoal e inatingível - “Imperdoável” é importante pois permite que se perceba o quanto Clint Eastwood é magnético como ator, simples, direto, eficiente e inspirado como diretor e o quanto seu “Os Imperdoáveis” é um western fascinante. O remake japonês realizado em tom de homenagem merece, sem dúvida, ser assistido, ainda que provoque uma incontida vontade de rever a última aventura de Eastwood no Velho Oeste.

Ken Watanabe e Clint Eastwood
Esta cópia do filme “Imperdoável” foi gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Marcelo Cardoso.

Um comentário:

  1. Gostaria de ver uma resenha no site sobre o filme Os Bravos Não se Rendem (Custer of the West) de 1967, direção de Robert Siodmak.
    Parece-me um daqueles filmes bem acima da média e injustamente esquecido.

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