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15 de junho de 2016

FORA DAS GRADES (RUN FOR COVER) – O MELHOR WESTERN DE NICHOLAS RAY


Harriet Frank Jr. e Irving Ravetch
Entre “Johnny Guitar” (1954) e “Juventude Transviada” (1955), Nicholas Ray dirigiu “Fora das Grades” (Run for Cover), um dos filmes menos lembrados de sua filmografia. Mesmo fãs de westerns raramente citam esse faroeste estrelado por James Cagney, um dos grandes nomes do cinema norte-americano e que entre tantos filmes famosos em gêneros diversos, havia atuado em apenas um western que foi “A Lei do Mais Forte” (The Oklahoma Kid), em 1939. E se em 1955 Nicholas Ray era um dos mais festejados diretores, Cagney não ficava atrás em prestígio pois nesse mesmo ano atuou nos sucessos “Ama-me ou Esquece-me” e “Mr. Roberts”. O excelente e de certa forma menosprezado “Fora das Grades” pode igualmente ser considerado um ponto alto nas carreiras de ambos. A história é de autoria de Harriet Frank Jr.-Irving Ravetch, casal mais conhecido pelos inusitados roteiros de “Hombre” e “Os Cowboys” (The Cowboys).


James Cagney e John Derek
Amizade traída - Em “Fora das Grades” o forasteiro Matt Dow (James Cagney) encontra o jovem Davey Bishop (John Derek) e ambos são confundidos com assaltantes de trem. Perseguidos por uma patrulha liderada pelo xerife de Madison (Ray Teal), Davey é ferido gravemente, enquanto Matt consegue esclarecer o equívoco. Davey é levado para a casa do sueco Mr. Swenson (Jean Hersholt), onde recebe tratamento e se recupera apesar de sequela em uma das pernas que faz com que ele tenha dificuldade de se locomover. Matt e Helga, a filha de Mr. Swenson atraem-se mutuamente e Matt é nomeado xerife da cidade, fazendo do manco Davey seu assistente. O banco local é assaltado pelo bandido Morgan (Ernest Borgnine) que é capturado pelo novo xerife. Pouco tempo depois o bando comandado por Gentry (Grant Withers) pratica novo atentado ao banco, roubando 85 mil dólares e durante a ação Mr. Swenson é morto. Perseguidos por Matt e Davey, Gentry e seus homens são encontrados chacinados, vítimas de um grupo de Comanches. O dinheiro é recuperado mas Matt descobre que Davey está envolvido com Morgan, que conseguira escapar, e que Davey pretende matar o amigo Matt para se apossar do produto do roubo juntamente com o comparsa Morgan. No confronto contra os dois, Matt leva a melhor enquanto Morgan e Davey acabam mortos. No retorno à cidade, Matt não revela que Davey havia se tornado cúmplice do assalto, preservando sua imagem de homem honesto. Matt e a sueca Helga então podem finalmente ficar juntos.

James Cagney e John Derek
Conflito de gerações - Em “O Crime Não Compensa” (1949) Nicholas Ray já havia tratado da relação entre um homem mais velho e um jovem, naquele filme Humphrey Bogart e o mesmo John Derek em um de seus primeiros trabalhos no cinema. Com “Fora das Grades” Ray retorna ao tema, desta vez com um homem (Matt Dow) amargurado pela perda do filho há 16 anos e que vê no jovem Davey Bishop a possibilidade de ajudá-lo como se seu próprio filho fosse. Mais ainda por ter se sentido responsável pelo ferimento que aleijou o rapaz. Desde os primeiros contatos Matt Dow percebe a índole criminosa de Davey e encara isso como um desafio, disposto a encaminhar o amigo feito há pouco. Em outras ocasiões Davey mostrará que é incorrigível, frustrando Matt que, como faria com seu filho, perdoa e preserva a imagem de homem íntegro de Davey. Matt resgata o produto do roubo e para os perplexos cidadãos de Madison, incrédulos com a verdadeira proeza, joga-lhes o alforje com o dinheiro e lhes diz: “Com os cumprimentos de Davey”, o mesmo Davey que ele havia matado. Essa ênfase na relação paternal é apenas parte de um western rico em sua tortuosa trama.

Ray Teal (acima) e Jack Lambert
Pena injusta - “Fora das Grades” foge do lugar comum das histórias de tantos faroestes esbarrando no tema ‘Macarthismo’ tão em voga no início dos anos 50. Matt Dow e Davey Bishop são inicialmente confundidos com bandidos e isso tem um preço bastante caro para ambos, especialmente para Davey. E quando é descoberto que Matt Dow cumpriu seis anos de prisão, a explicação é que, novamente, ele havia sido confundido com outra pessoa, pagando injustamente por um crime que não havia cometido. No Macarthismo muitos sofreram por terem simplesmente opinião, o que então era considerado crime. Ninguém melhor abordou esse tema que Allan Dwan no excepcional pequeno western “Homens Indomáveis” (Silver Lode), realizado em 1954. “Fora das Grades” resvala também no influente “Matar ou Morrer” (High Noon), com o personagem do xerife que se vê sozinho, abandonado por toda uma cidade, diante do dever a cumprir. E há espaço para mostrar como se deu a formação do Velho Oeste, não só com o confronto com foras-da-lei, mas com a presença de imigrantes, no caso pai e filha suecos.

James Cagney e Viveca Lindfors
Idílio amoroso - O romance entre Helga Swenson e Matt Dow se desenvolve com brilho raro em filmes de Nicholas Ray, nos quais predomina a dramaticidade e nunca a ternura do amor que floresce. Ray trata o encontro, namoro e declaração de amor entre Helga e Matt, de forma delicada e emocionante, como se vê nos westerns de John Ford, ainda que em meio à rudeza do Velho Oeste. Menos intenso em sua primeira metade, “Fora das Grades” ganha em ritmo na parte final jogando exemplarmente com a expectativa do público com os improváveis rumos que o filme segue. John Derek era uma dos mais promissores galãs dos anos 50 e o desfecho reservado para ele é típico de Ray, para quem a tragédia está sempre à espreita e pronta para acontecer. O final de “Fora das Grades” fica longe do ‘final feliz’ tão comum em Hollywood, como era de se esperar de um ‘outsider’ como o polêmico diretor.

Viveca Lindfors
Um western simples - “Johnny Guitar” não fez sucesso junto ao público norte-americano, mas causou comoções em boa parte da crítica, especialmente a francesa que viu, de pronto, aquele western como uma obra-prima. Toda a extravagância de cores, de caracterizações e a excessiva ornamentação de cenários de “Johnny Guitar” estão, ainda bem, ausentes em “Fora das Grades”, um western simples se comparado com o barroquismo do filme anterior de Ray. Simples e bonito na singeleza com que é mostrada a excepcional beleza da paisagem que cerca a pequena cidade, filmado que foi em sua maior parte no Colorado e ainda nas ruínas astecas no Novo México. Daniel L. Fapp, muitas vezes indicado ao Oscar de Melhor Cinematografia (venceu, finalmente, por “Amor, Sublime Amor”/ West Side Story), foi o diretor de fotografia deste belo filme de Nicholas Ray. A direção de arte ficou a cargo do aclamado Henry Bumstead, o mesmo de “Os Imperdoáveis” (Unforgiven). Mas nem tudo é perfeito neste filme de Nicholas Ray pois, naqueles anos, já que os estúdios impunham o modismo de uma canção cantada durante os créditos que deveria servir de preâmbulo para o que se iria assistir. A canção “Run for Cover” é daquelas que se esquece imediatamente após sua execução, ao contrário do filme. Sequer quem canta a canção é mencionado nos créditos.

James Cagney e John Derek
A marca de Cagney - Decididamente James Cagney é, entre os grandes atores de seu tempo, o que menos se aproximava da imagem de um cowboy, sendo difícil para ele se despir da figura marcante do gângster impiedoso de tantos clássicos do gênero. Ainda assim Cagney convence plenamente, embora por vezes pareça prestes a explodir como o Cody Jarrett de “Fúria Sanguinária”. Aos 56 anos de idade Jimmy cavalga de modo esplêndido e se apaixona, como um cowboy o faria, por Viveca Lindfors. A atriz sueca, uma das muitas cogitadas para seguir os passos de Greta Garbo e de Ingrid Bergman, está perfeita como a madura imigrante submissa ao pai como era o costume de seu povo. John Derek tenta mostrar neste filme que era muito mais que somente um rosto bonito e tem oportunidade em cenas de intensa dramaticidade, saindo-se razoavelmente bem. O dinamarquês Jean Hersholt em sua derradeira aparição no cinema, ele que por seu espírito generoso foi transformado em nome de prêmio pela Academia de Hollywood, premiando aqueles que se distinguem por trabalhos humanitários, como o próprio Hersholt fazia. Grant Withers aparece poucos minutos na tela, como chefe de quadrilha, o suficiente, porém para que se lamente o seu suicídio aos 55 anos de idade, colocando fim a uma vida de luta contra o alcoolismo. Ernest Bornine repete o bandido que interpretou em tantos filmes daqueles anos, ele que surpreendente e merecidamente ganharia o Oscar de Melhor Ator de 1956 por sua interpretação como o tímido açougueiro Marty, no filme do mesmo nome. Ray Teal ótimo coadjuvante como sempre e Jack Lambert desta vez não é um bandido.

Grant Withers; Ernest Borgnine; Jean Hersholt e Viveca Lindfors

Nicholas Ray
Descontando-se “Paixão de Bravo” (The Lusty Men), mais um drama sobre rodeios que um western, “Fora das Grades” é superior aos dois outros westerns que Nicholas Ray dirigiu. São eles o incensado “Johnny Guitar” e “Quem Foi Jesse James” (The True Story of Jesse James), filme renegado pelo inquieto diretor que não aceitou a edição feita pela 20th Century-Fox. “Fora das Grades” é um magnífico western, um dos melhores daquele excelente, para o gênero, ano de 1955.

Pôsteres de diversos países de "Fora das Grades".




2 comentários:

  1. Caro Darci, só pelas maravilhosas paisagens registradas tão detalhadamente pelas lentes do VistaVision este já dera um grande passo para se tornar o melhor western de Nicholas Ray. Dane-se a crítica francesa, como eu sempre costumo dizer. Um abraço!

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  2. Assisti finalmente ontem! Excelente! Locações, fotografia, roteiro, direção, atuações, elenco (com direito ao Borgnine), trilha... tudo nos trinques!
    "Não se vier pela frente"!

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