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6 de fevereiro de 2014

RIO VERMELHO (RED RIVER), ÉPICO ESSENCIAL DE HOWARD HAWKS COM JOHN WAYNE


Ainda que tenha feito apenas quatro westerns (cinco se considerado “Rio da Aventura” [The Big Sky] como western), Howard Hawks é sempre citado como um dos mestres do gênero. Quase unanimemente “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo) é lembrado como o melhor entre os westerns dirigidos por Hawks, o que não deixa de causar estranheza. “Onde Começa o Inferno” é um western quase despretensioso se comparado a “Rio Vermelho” (Red River), seja por seu roteiro bastante simples, seja pela própria filmagem e especialmente pelas interpretações descontraídas dos atores principais. Os únicos momentos mais tensos de “Onde Começa o Inferno” ocorrem quando Dean Martin luta contra... a garrafa. Por outro lado, tudo em “Rio Vermelho” é grandioso, num festival de imagens deslumbrantes e que ainda oferece a revelação de dois excelentes atores: John Wayne e Montgomery Clift. Ainda assim esse faroeste retumbante de Hawks não pode ser comparado à obra-prima (da simplicidade) que é “Onde Começa o Inferno”.


Acima John Wayne com Colleen Gray;
abaixo Wayne com Mickey Kuhn e,
atrás, Walter Brennan.
Motim no Velho Oeste - Borden Chase, o autor da história, transpôs para o Velho Oeste o famoso motim ocorrido no navio da Marinha Real Britânica levado à tela com enorme sucesso em 1935 com o título “O Grande Motim”. Nesse filme o tirano Capitão Bligh (Charles Laughton), comandante do navio ‘Bounty’, durante uma longa viagem às Ilhas Orientais Holandesas se vê despojado de seu cargo pelo oficial Christian Fletcher (Clark Gable) que lidera uma revolta. Em “Rio Vermelho” o criador Thomas Dunson (John Wayne) é pioneiro em levar seu gado do Texas para o Kansas, onde o rebanho de nove mil cabeças será vendido. Na longa jornada de quase 700 milhas (mil quilômetros), repleta dos mais variados obstáculos como a travessia de rios, chuva incessante, confronto com índios, o mais difícil para Tom Dunson é enfrentar a revolta dos 30 homens que comanda no acidentado percurso. O braço direito de Dunson é o jovem Matthew Garth (Montgomery Clift), a quem Dunson criou como filho. Garth, porém, não aceita que Dunson enforque cowboys que tentaram abandonar a jornada revoltados com o comportamento tirânico do poderoso criador. Destituído do comando e ferido na perna por um dos vaqueiros, Dunson promete vingança. Após o gado chegar ao Kansas, Dunson se defronta primeiro com o cowboy Cherry Valance (John Ireland), sendo ferido por este e, posteriormente, Dunson humilha Garth que não quer enfrentar o velho amigo que fez dele um homem. Após uma luta de socos entre Dunson e Garth, ocorre a interferência de Tess Millay (Joanne Dru), namorada de Garth, que consegue que os desafetos voltem a ser amigos. Para sempre.

Quem mais senão Walter Brennan poderia colocar o dedo no rosto de
John Wayne sem nenhuma reação? À direita Brennan e Montgomery Clift.

Clift, Hank Worden e Tom Tyler; abaixo
Worden, Noah Beery Jr.  e Paul Fierro.
Poeira entranhada nos poros - Sob o aspecto documental da epopeia da condução de um gigantesco rebanho atravessando parte dos Estados Unidos, o filme de Howard Hawks é precioso. O diretor retratou excepcionalmente as agruras vividas pelos cowboys no dia a dia da longa e extenuante jornada. Hawks passa ao espectador a angústia, a tensão, o medo e a determinação dos cowboys empoeirados ou encharcados alimentando-se com as rações preparadas como as precárias condições permitem. A remuneração por esse sofrido trabalho será gasta muitas vezes no próprio saloon de Abilene com jogo, bebida e prostitutas. Possibilitará, no entanto ao final, a compra de uma pequena propriedade para, quem sabe, se tornar um novo Thomas Dunson, sonho do jovem Dan Latimer morto pisoteado durante um stampede. A música altissonante de Dimitri Tiomkin emoldura o tom heroico da jornada, completada com a autenticidade da fotografia de Russell Harlan acentuando a agreste paisagem. Após ver “Rio Vermelho” certamente o espectador sentirá vontade de tomar um banho para se livrar da sensação da poeira entranhada em seus poros.

'Você está errado, Sr. Dunson', diz o personagem de Walter Brennan;
à direita Hal Taliaferro, John Ireland e Paul Fix.

John Wayne
‘Eles só fizeram a obrigação’ - A trama desenvolvida paralelamente às imagens da jornada é bem conduzida na demonstração da amizade e reverência de Matt Garth por Tom Dunson. Menos coerente, porém, no relacionamento de Garth com Cherry Valance e a atração deste por Garth. Com as dificuldades que se apresentam na caminhada, Tom Dunson vai se transformando num opressor cruel, de nada valendo os conselhos críticos do cozinheiro Nadine Groot (Walter Brennan) que conhece profundamente o temperamento de Dunson. A transformação psicológica de Dunson é um tanto forçada, uma vez que pela experiência na lida com vaqueiros, deveria ele saber não ser a aplicação da rudeza das palavras e a brutalidade das ações o melhor dos caminhos. Quando após a travessia do Rio Vermelho o velho cozinheiro sugere que Dunson elogie os cowboys pelo trabalho, o desumano Dunson responde secamente: “Eles fizeram a obrigação deles”. Perde-se aos poucos a coerência da trama com o sofrível desenvolvimento dos personagens Cherry Valance e Tess Millay. Ao oferecer a Tess a metade de seu império por um filho dele que a moça a (jogadora de cartas) gere, a sequência, uma das mais importantes da história, mostra-se patética. Ali Dunson renuncia ao amor e à amizade de Matt Garth o que já havia feito quando do primeiro rompimento com a promessa de encontrar o pupilo onde ele estiver, para matá-lo. Nada, porém, em “Rio Vermelho” é tão frustrante e inconvincente quanto o final com o discurso conciliador de Tess Millay que faz com que milagrosamente renasça o bem querer entre os dois homens.

Acima o confronto entre John Wayne
e John Ireland; abaixo Montgomery
Clift acerta um soco em Wayne
jogando-o longe...
As revelações de Duke e Monty - Os defeitos de “Rio Vermelho” são inteiramente compensados por muitas sequências admiráveis e pela atuação surpreendente (à época) de John Wayne. Vez por outra o ator deixava de ser ‘John Wayne’ e mostrava que era capaz de atuar, como neste seu magnífico desempenho. O diretor Hawks conhecia bem Walter Brennan e soube explorar seu formidável tipo característico tão imitado por outros atores. E Hawks conteve Montgomery Clift, ator capaz de emocionar com um simples olhar e tornar maior qualquer sequência, conseguindo com isso destacar mais ainda a atuação de Wayne. Maravilhoso o elenco de apoio com as presenças marcantes de Noah Beery Jr., Hank Worden, Harry Carey e Harry Carey Jr. (nenhuma cena juntos, infelizmente, neste único filme em que atuaram pai e filho), Paul Fix, Tom Tyler (morto por John Wayne mais uma vez), Glenn Strange e muitos outros. Destaque para a saborosa interpretação de Chief Yowlachie que consegue a proeza de ser tão engraçado quanto Walter Brennan. John Ireland, ao contrário de Clift, perdeu em “Rio Vermelho” a chance de se tornar um astro devido à sua atuação desinteressada. Ireland relatou mais tarde que seu descontentamento foi devido a Hawks reduzir ao extremo o seu personagem, apenas mantendo a sequência final em que Valance duela com Tom Dunson, porque as tomadas haviam sido feitam no início das filmagens e Hawks não podia mais alterá-las.

O 'stampede' e a direita Montgomery Clift dispensando seu dublê Cliff Lyons,
com quem aprendeu muitos truques para se manter em cima de um cavalo.

A moça flechada é Joanne Dru; abaixo um
dos textos narrativos de "Rio Vermelho".
A crítica a Joanne Dru - Hawks criticou veladamente a atuação de Joanne Dru, na entrevista que deu a Pete Bogdanovich para o livro “Afinal, Quem Faz os Filmes?”, Para Hawks, Joanne era apenas uma boa comediante, afirmando ainda que com Margareth Sheridan o filme ficaria muito melhor. Sheridan engravidou e não pode atuar em “Rio Vermelho”, mas sua presença em “O Monstro do Ártico”, filme produzido pelo próprio Hawks em 1951, não justifica a expectativa do diretor. A ótima Joanne Dru foi, isto sim, sacrificada pela desconexão de seu personagem com a história e pelos terríveis diálogos que nenhuma grande atriz poderia levar à tela sem torná-los risíveis . Colleen Gray participa de uma única e curta sequência de despedida e Shirley Winters faz figuração. Se Howard Hawks entendeu que Joanne Dru não era a Tess Millay por ele sonhada, igualmente não funcionou bem tentar ligar os diferentes capítulos através do bracelete da noiva de Tom Dunson que passa de mãos em mãos durante o transcorrer da história. Borden Chase usou o mesmo expediente em “Winchester 73”, no caso o próprio rifle, desta vez com absoluto sucesso.


O bracelete que passa de braço em braço: acima com Tom Dunson (Wayne), que o
recebeu da namorada Fen (Colleen Gray); mais tarde encontrado no punho de
um índio morto;passado depois por Dunson para Matt (Montgomery Clift) e
por fim surge com Tess Millay (Joanne Dru). Aparentemente o roteiro se
esqueceu do bracelete que some da história.

Faroeste essencial - O maestro e compositor Dimitri Tiomkin fez uso de diversas canções tradicionais na trilha sonora musical, compondo para tema principal “Settle Down”, que pontua todo o filme nas sequências com o gado. Essa mesma canção, com novo arranjo e com o título “My Rifle, My Pony and Me” foi deliciosamente cantada por Dean Martin e Ricky Nelson em “Onde Começa o Inferno”, tornando-se clássica e sendo gravada por muitos cantores. “Rio Vermelho” é lembrado como um dos grandes filmes sobre cowboys e rebanhos de gado, que teve ainda “E o Bravo Ficou Só” (Will Penny) e “Pacto de Justiça” (Open Range), filmes importantes sobre o mesmo tema. A série de TV “Rawhide”, estrelada por Clint Eastwood e Eric Fleming, teve sua inspiração no filme de Hawks. Em 1988 James Arness interpretou Tom Dunson no remake feito para a TV com o mesmo título. A versão de “Rio Vermelho” lançada em DVD difere daquela que foi vista nos cinemas que tinha narração de Walter Brennan e quando Pete Bogdanovich falou a Hawks sobre a versão emendada com textos, o diretor disse jamais ter visto essa versão alterada e não concebida por ele. Seja qual for a versão assistida, “Rio Vermelho” é daqueles faroestes que, mesmo não sendo perfeito, é essencial e importantíssimo no gênero, merecendo ser revisto.

Sequência que o censor Joseph Breen, do Production Code deixou passar:
John Ireland e Montgomery Clift comparando suas pistolas.

O carroção de Walter Brennan; a espetacular chegada do gado a Abilene.



4 comentários:

  1. É lamentável a versão lançada em DVD desse clássico aqui no Brasil. Alguns trechos sem legendas, imagens borradas, semelhantes as ripadas de VHS. Alguma distribuidora séria, como a Versátil, poderia colocá-lo no mercado com a qualidade que a obra merece! Sem dúvidas um excelente faroeste!

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  2. Olá, Jefferson - Não sei qual a cópia que você tem. a minha está muito boa. Darci.

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