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14 de dezembro de 2013

BUTCH CASSIDY AND THE SUNDANCE KID – UM FAROESTE ADMIRADO ATÉ DEMAIS


Butch Cassidy e Sundance Kid foram, de fato, foras-da-lei no Oeste norte-americano no fim do século XIX. E o cinema não poderia deixar de contar suas vidas da forma romântica como tantas vezes focalizou outros homens maus. O escritor e roteirista William Goldman se propôs a escrever sobre os dois amigos criminosos e revirou por dois anos os arquivos da Pinkerton’s Detective Agency, bem como leu e releu “Pictorial History of the Wild West”, de autoria de James D. Horan e Paul Sann. Este livro focaliza a história verdadeira de diversos bandidos e homens da lei no Velho Oeste. Com o roteiro pronto, em 1967, Goldman sabia que havia produzido um trabalho de qualidade e que resultaria num grande filme. Goldman escolheu o título ‘The Sundance Kid and Butch Cassidy’ e para interpretar Sundance o autor tinha em mente apenas em Paul Newman e Jack Lemmon seria Butch Cassidy.


Acima o escritor e roteirista William Goldman;
abaixo Newman, George Roy Hill e Redford.
Inversão de nomes - William Goldman mostrou o roteiro a Paul Newman que o encaminhou para a 20th Century-Fox e dias depois o contrato foi fechado com Goldman pedindo e recebendo nada menos que 400 mil dólares pelo seu texto. Jack Lemmon que se sentia melhor em papéis de homem urbano declinou do convite que o estúdio lhe fez. O segundo nome pensado foi o de Steve McQueen para ser Butch Cassidy, porém McQueen também não se interessou. Warren Beatty foi o nome seguinte a ser consultado, mas eis que o jovem ator Robert Redford procurou Paul Newman para tentar ser Butch Cassidy. Newman acertou o salário de 750 mil dólares com a 20th Century-Fox e mais uma participação como coprodutor executivo, o que lhe deu maiores poderes sobre o filme e a aprovação do nome de Redford. O orçamento para “The Sundance Kid and Butch Cassidy” seria de seis milhões de dólares, uma pequena fortuna em se tratando de um faroeste. Logo na primeira leitura do roteiro, Robert Redford sugeriu a Paul Newman que trocassem os papéis, o que foi aceito pelo ator-produtor o que fez com que o título do filme passasse a ser “Butch Cassidy and the Sundance Kid”. Outra mudança foi o nome do bando de Butch e Sundance, que de ‘The Wild Bunch’ passou a ‘Hole-in-the-Wall’ (Buraco na Parede) para evitar confusão com um faroeste que Sam Peckinpah estava filmando ao mesmo tempo (“Meu Ódio Será Sua Herança”). George Roy Hill, que havia dirigido a fracassada superprodução “Havaí”, estrelada por Julie Andrews e a bem sucedida comédia musical “Positivamente Millie”, foi escolhido para dirigir “Butch Cassidy and the Sundance Kid”. As filmagens se iniciaram em 16 de setembro de 1968 e 84 dias depois estava pronto o faroeste que bateria recordes de bilheteria.

Acima Sam Elliott em seu primeiro filme;
ao lado Paul Newman; abaixo o Union
Pacific Flyer sendo explodido e roubado.
Assaltos a bancos e a trens - Butch Cassidy (Paul Newman) é o líder do bando ‘Hole-in-the Wall’, especializado em assaltar bancos. Sundance Kid (Robert Redford) é o braço direito de Cassidy que é o responsável pelas ideias do bando e que decide que devem passar a assaltar trens. Escolhem o Union Pacific Flyer, expresso que transporta muito dinheiro, o que os leva a assaltar esse trem uma outra vez. O que Cassidy não contava é que o dono da companhia ferroviária havia contratado um grupo de homens de uma agência de detetives, grupo determinado a exterminar o bando do ‘Buraco na Parede’. Sundance possui uma namorada chamada Etta Place (Katharine Ross), que é professora, enquanto Butch se diverte com mulheres de um bordel, de preferência com Agnes (Cloris Leachman). Encurralados pelos experientes detetives após longa perseguição, Butch e Sundance são obrigados a fugir para Nova York, para onde levam Etta Place. De Nova York o trio embarca para a Bolívia, onde voltam a se dedicar à prática de assalto a bancos, ganhando o apelido de ‘Bandidos Yankis’ e sendo procurados pelas forças policiais locais. Etta decide retornar aos Estados Unidos e, num momento de desatenção, Butch e Sundance são cercados por tropas federais encontrando a morte na pequena cidade de San Vicente, na Bolívia.

A dupla de sedutores bandidos.
Bandidos atraentes - Intitulado no Brasil apenas como “Butch Cassidy”, esta produção da 20th Century-Fox foi concebida para ser um sucesso e para isso teria que ter uma bela fotografia e música que ajudasse a conquistar o público, além de um tom menos trágico e mais de comédia. Butch e Sundance teriam charme parecido com o de Bonnie & Clyde, casal de bandidos que fizera sucesso no cinema dois anos antes e conquistara até o mundo da moda. Havia naqueles anos finais da década de 60 um forte movimento de contracultura que fazia com que os heróis no cinema não fossem tão certinhos como nas décadas passadas. O que não significava que eles não pudessem ser bonitos e charmosos para maior identificação da juventude intelectualizada e rebelde com os heróis. Paul Newman já havia sido um dos mais belos ‘Billy the Kids’ do cinema, concorrendo nessa categoria com Robert Taylor que, em 1941, vivera esse mesmo personagem em “Gentil Tirano”. Com seus olhos azuis destacados em Technicolor, Newman na companhia de Robert Redford (também dono de olhos azuis) comporia a mais glamurizada dupla de bandidos do cinema. Em tudo diferente, por exemplo, dos bandidos do filme de Peckinpah que era rodado no México em 1968, interpretados por William Holden, Ben Johnson, Ernest Borgnine e Warren Oates. Butch-Newman e Sundance-Redford tinham um endereço certo: o público feminino.

Butch Cassidy ri e Sundance Kid não acha a
menor graça; abaixo Newman se exibe.
A música de Burt Bacharach - Fotografias de filmes do gênero western quase sempre impressionam ao captar as belas paisagens do Oeste, mas em “Butch Cassidy” as câmaras do diretor de fotografia Conrad Hall se esmeraram na busca do lirismo de flores e montanhas que servem de cenário a Newman e Redford. A bonita Katharine Ross que tão bem se saíra em “A Primeira Noite de um Homem” seria a heroína que, longe de dividir Butch e Sundance, mais os une junto a ela, algo parecido com o que fazia Jeanne Moreau em “Jules et Jim”, de François Truffaut. Esse era mais um ingrediente com dose de lubricidade no roteiro William Goldman. Para emoldurar tanta beleza na tela se fazia necessário música de qualidade e bastante moderna como por exemplo fazia Burt Bacharach. No final dos anos 60 nenhum nome era tão importante na música norte-americana como o de Bacharach que emplacava sucessos um atrás do outros, ainda que sua melodiosidade fosse um tanto sacarina. E o compositor foi responsável pela trilha musical de “Butch Cassidy”, incluindo uma canção interpretada pelo cantor country B.J. Thomas que se transformaria em sucesso mundial após ser ouvida num clip musical pioneiro num faroeste numa sequência em que Butch e Etta se divertem romanticamente com uma bicicleta.

Acima Etta Place, a namorada de Sundance
passeia de bicicleta com o amigo Butch
Cassidy; abaixo os três em viagem.
Clips musicais interrompendo a ação - Quando de seu lançamento em 1969, parte da crítica especializada e fãs de faroestes não gostaram de “Butch Cassidy”, mas o público adorou e lotou os cinemas onde o faroeste foi exibido. Nunca se viu tantas mulheres acompanhando maridos e namorados para assistir um western. E muitas voltavam sozinhas ou junto com amigas para se enternecer com a história dos fascinantes bandidos. Crítica e público raramente concordam um com o outro e em relação ao filme de George Roy Hill ambos têm razão. É de fato um filme bonito, alegre, provocante e pouco violento para um tempo em que faziam sucesso “Sem Destino” e “Perdidos na Noite”. “Butch Cassidy” tinha a receita perfeita para o sucesso, mas para ser um faroeste de verdade lhe faltava o essencial: a rudeza de seus personagens-título. Num faroeste propositalmente lento as melhores sequências são aquelas em que Sundance Kid dispara contra um jogador de cartas (Sam Elliott em seu primeiro filme) e Butch Cassidy se impõe ao gigantesco bandido Logan (Ted Cassidy). E “Butch Cassidy” transcorre com uma longa e morosa perseguição entremeada por clips musicais – o da bicicleta e o da passagem por Nova York ao som do charleston “Old Fun City” – até o momento da morte dos parceiros na Bolívia. Coincidentemente Butch e Sundance tem final parecido com o de “Meu Ódio Será Sua Herança”, mas evidentemente sem se atrever ao artístico epílogo do filme de Sam Peckinpah.

Newman, Katharine Ross e Redford
numa pausa entre as filmagens.
Uma mulher para dois bandidos - A personagem Etta Place está inteiramente deslocada da história, mais parecendo ter sido criada para atenuar a latente relação homossexual entre Butch e Sundance. Melhor seria o roteiro de Goldman discutir mais profundamente a amizade entre os dois amigos inseparáveis, tão amigos que despudoradamente namoram a mesma mulher. Etta é mostrada como uma professora quando na vida real fora mesmo uma prostituta e Roy Hill nem de leve consegue dar ao filme o lirismo de “Uma Mulher para Dois” (Jules et Jim). E o final com imagem congelada de Butch e Sundance enfrentando o exército de soldados é de uma frustração ímpar para o espectador que aguarda um epílogo mais heroico. Certo que há evidências que os dois amigos teriam saído com vida da Bolívia e falecido décadas depois nos Estados Unidos onde viviam com outros nomes que não os seus verdadeiros. Mas para um filme que se inicia informando que ‘a maior parte do que vocês vão ver é verdade’ fica a impressão que bem pouco da real história de Butch Cassidy e Sundance Kid foi contada.

O controverso fim dos amigos na Bolívia.
Até que a morte nos separe – O roteiro de “Butch Cassidy” tenta ser leve e engraçado, porém riso de verdade só provoca nas aulas de Espanhol da professora Etta e na confusão linguística dos ladrões de banco na Bolívia. Com a presença permanente de Paul Newman e Robert Redford na tela, “Butch Cassidy” desperdiça um precioso elenco de coadjuvantes que entram e saem de cena sem praticamente nenhuma função. É o caso de Jeff Corey, Sam Elliott e da excelente Cloris Leachman. Melhor sorte teve Strother Martin com direito a algumas frases no roteiro e mais minutos na tela. Registre-se ainda as presenças de Henry Jones, Percy Helton e dos mexicanos José Torvay (“O Tesouro de Sierra Madre”) e Jorge Russek (“Minha Vontade é Lei”). Paul Newman interpreta Butch Cassidy com um mínimo de esforço, enquanto Robert Redford, sai-se melhor como um cínico e cético Sundance Kid. Refere-se comumente ao faroeste “Butch Cassidy” como precursor dos ‘buddy movies’, filmes que relatam as aventuras de dois cowboys companheiros, o que não é verdade e “Minha Vontade é Lei” é apenas um dos faroestes que têm personagens amigos até que a morte os separe.

Entre os melhores de todos os tempos - Um dos mais queridos filmes norte-americanos de todos os tempos, “Butch Cassidy” é o segundo western de melhor bilheteria nos Estados Unidos, perdendo apenas para “Duelo ao Sol”. Concorrendo em sete categorias ao prêmio Oscar referente aos filmes de 1969, “Butch Cassidy” recebeu os de Melhor Roteiro Original, Melhor Cinematografia, Melhor Canção original (“Raindrops Keep Fallin’ on My Head”) e Melhor Trilha Sonora Musical. Perdeu, no entanto os prêmios de Melhor Filme e Melhor Diretor, além de Melhor Som. Em enquete realizada em 2008 pelo American Film Institute, “Butch Cassidy” foi considerado o 73.º melhor filme norte-americano de todos os tempos. O mesmo AFI, no entanto, perde um pouco a credibilidade ao atribuir à canção “Raindrops Keep Fallin’ on my Head” a 23.ª colocação entre as melhores canções de todos os tempos para filmes. Ainda o American Film Institute lista “Butch Cassidy” como o sétimo melhor faroeste de todos os tempos. Difícil entender como esse western é assim querido.


Logan (Ted Cassidy) sofre golpe baixo de Butch Cassidy.

Acima Strother Martin e Cloris Leachman;
abaixo Jeff Corey entre Paul Newman e Robert Redford.


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