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17 de dezembro de 2013

CINE SAUDADE – DUILIO GALLI, O PEQUENO ‘CLYDE BEATTY’ BRASILEIRO


Ibitinga, situada a 360 km de São Paulo, é conhecida como ‘A Capital dos Bordados’ e foi uma das primeiras cidades do interior paulista a ganhar um cinema de categoria, o Cine-Theatro Rio Branco. Inaugurado em 1920, sua arquitetura, como era o estilo da época, incluía camarotes ocupados pelas famílias mais importantes da cidade. Mais que um simples cinema o Rio Branco foi também palco de encenações teatrais, antes de se definir como a principal sala exibidora de Ibitinga e cidades vizinhas. Os proprietários eram os irmãos Oreste e Olívio Russi, grandes amigos do Sr. Luiz Galli, proprietário da ‘Alfaiataria Galli’. Companheiros de pescarias, Luiz Galli era tão querido pelos irmãos Russi que possuía até um camarote exclusivo no Cine Rio Branco. E nesse camarote foi que o menino Duílio Galli assistiu aos primeiros filmes de sua vida, sucessos como “Gunga Din”, “A Ponte de Waterloo”, “Suez”, “Maria Antonieta” e o filme que mais o impressionou, que foi “Tempos Modernos”. Outro filme que jamais saiu da memória de Duílio foi “No Tempo das Diligências”, um de seus faroestes preferidos e mais ainda por ter sido visto pela primeira vez no Cine Rio Branco.

Acima a fachada do Cine Rio Branco, em Ibitinga; abaixo foto do interior
do cinema, com indicação do camarote da Família Galli, de onde Duílio
assistiu centenas de filmes e seriados, entre eles "A Deusa de Joba".

Rua Domingos Robert, em Ibitinga, em foto dos anos 30
já apresentando um pequeno congestionamento;
o círculo à direita indica as portas do imóvel onde se
localizava a 'Alfaiataria Galli' e que deu lugar
posteriormente a uma agência do Itaú.
Assistindo “A Deusa de Joba” de camarote - Duílio ia praticamente todas as noites ao Cine Rio Branco uma vez que não pagava entrada e sentava-se no camarote dos Galli, de onde tinha visão privilegiada da tela sem que nenhuma cabeça mais alta o atrapalhasse. Sem esconder uma ponta de inveja seus amiguinhos diziam que aquele privilégio se devia ao fato de o pai de Duílio fazer ternos de graça para os donos do cinema. Mas as sessões que Duílio mais gostava eram mesmo as matinês que sempre exibiam os trepidantes faroestes acompanhados por um eletrizante seriado. Como a molecada torcia freneticamente durante a projeção batendo mãos e pés, levantando-se e impedindo até que fosse visto o final do filme, Duílio preferia mesmo o conforto do camarote onde vibrava tanto ou mais que a turma da plateia. Entre os 'far-wests' que a garotada mais apreciava estavam aqueles com Durango Kid, o mocinho mascarado interpretado por Charles Starrett. E entre os muitos seriados que Duílio assistiu um deles o marcou para sempre: “A Deusa de Joba” (Darkest Africa), de 1936. Esse foi o primeiro seriado produzido pela Republic Pictures, companhia que realizaria nos próximos 20 anos os melhores filmes em capítulos da história do cinema. O herói do filme era Clyde Beatty, o mais famoso domador de leões dos circos norte-americanos e que após o seriado “A Deusa de Joba” se tornou ídolo dos jovens espectadores.

O imitador de Clyde Beatty - “A Deusa de Joba” impressionou tanto o menino Duílio que ele decidiu montar seu próprio cirquinho e se transformar num Clyde Beatty-mirim. Com canas de milho Duílio construiu uma jaula onde colocava os animais que iria domar diante da plateia embevecida formada pelas crianças da vizinhança. De chicote em punho Duílio ‘lutava’ com seus cães rolando com eles pelo chão e não raro machucando as mandíbulas dos pobres animais ao tentar fazer com eles o que Clyde Beatty fazia com os leões. Quando Duílio começava a montar seu circo os cachorros tratavam de se esconder para não serem 'domados'. Mas o pior mesmo foi quando ‘Duílio Beatty’ se dispôs a domar um felino de verdade, um gato que morava nas imediações de sua casa e que foi capturado para ser atração do cirquinho do Duílio. Nesse dia a plateia estava formada por meninos e meninas esperando para ver Duílio demonstrar sua habilidade e quando a jaula foi aberta eis que, inesperadamente, o desesperado bichano salta direto no rosto do pequeno ‘domador’ cravando-lhe as unhas nas faces. Os espectadores apavorados debandaram para suas casas contando para as mães como terminara a sessão do circo naquela tarde, sessão que foi a última da curta carreira de Duílio como imitador de Clyde Beatty. Depois disso nenhuma mãe autorizou seus filhos a voltar a assistir ‘Duílio Beatty’ domando nem mesmo se fossem pulgas.

Clyde Beatty domando um leão e influenciando o pequeno Duílio Galli.

Duílio Galli exibe seriado em Ibitinga - Mais de 50 anos depois, após se tornar um dos pioneiros das provas de motociclismo no Brasil e rodar o mundo como artista plástico de reconhecido e premiado talento, Duílio Galli voltou a se encontrar com Clyde Beatty. Foi quando Duílio, ganhou de um amigo uma fita VHS com os 15 capítulos de “A Deusa de Joba”. Tendo voltado a residir em Ibitinga depois de morar por quatro décadas em São Paulo, Duílio avisou seus amigos da cidade que todos os sábados à tarde iria exibir um capítulo de “A Deusa de Joba”. Formou-se uma plateia composta por senhores quase todos já passados dos 60 anos, entre eles alguns que haviam frequentado o cirquinho de Duilio e testemunhado suas 'proezas'. Todos se emocionaram ao rever Clyde Beatty e o pequeno Baru (Manuel King), que era apresentado no seriado como ‘O mais jovem domador de animais selvagens do mundo’. Isto apesar do menino Manuel King estar muitos quilos acima do peso de uma criança da sua idade. Mas era um tempo em que ser gordo era ter saúde e Manuel King era também ídolo infantil da criançada. O seriado “A Deusa de Joba” foi lançado posteriormente em DVD e é um clássico que não pode faltar na coleção de nenhum cinéfilo.

Clyde Beatty e o robusto Manuel King (Baru).
Saudade do Cine Rio Branco - Em 1943 aconteceram duas coisas: a família Galli se mudou para São Paulo e o Cine Rio Branco foi vendido para o empresário do ramo de cinemas Ilydio Polachini, dono dos cinemas de Mirassol, Tanabi, Buritama, Potirendaba, Cassilândia, Paranaíba, Auriflama, Palestina, José Bonifácio, Ibirá e Cardoso. Escritor, pintor, gravador, escultor, ex-campeão de motovelocidade, em 1974 Duílio Galli recebeu o título de Cidadão Ibitinguense. Duílio foi por muito tempo colaborador do jornal “O Comércio”, editado em Ibitinga e atualmente, aos 83 anos de idade, Duílio é repórter do Complexo Centro Paulista de Radio e Televisão, cujo site é  portalternurafm.com.br. Duílio já efetuou 1.600 reportagens, uma delas divulgada no mundo inteiro quando foi exibida pelo canal Animal Planet. Essa matéria teve o título 'Sucuri Anaconda Gigante de Ibitinga', cobra que foi encontrada e filmada por Duílio Galli. Estão no Youtube ‘Carandiru, as Ruínas do Inferno’, ‘O Maravilhoso Pantaninho de São Paulo – Carpa de 70 quilos é pescada em Ibitinga’ e outras reportagens realizadas por Duílio Galli. Com todas essas atividades Duílio nunca abandonou as artes plásticas e continua pintando com talento e inesgotável criatividade. Esse homem incansável se orgulha de ser um autêntico caipira que deu a volta ao mundo mas que nunca esqueceu dos momentos felizes passados no Cine Rio Branco da sua querida Ibitinga. E entre suas saborosas memórias está a malfadada carreira como imitador de Clyde Beatty domando cães e gatos...



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