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5 de maio de 2013

PANCA DE VALENTE, O FAROESTE-CABOCLO-COMÉDIA DE LUÍS SÉRGIO PERSON



Em meados dos anos 60 a capital nacional do cinema estava situada no Rio de Janeiro, com os cinemanovistas se acotovelando nos bares de Ipanema e discutindo Godard. Surpresos esses pretensos diretores descobriram que na cinzenta São Paulo um jovem desconhecido (sem barba e com cabelo curto) fazia filmes melhor que a maioria deles. Era Luís Sérgio Person que depois de causar sensação em 1965 com “São Paulo S.A.” (com Walmor Chagas e Eva Wilma), impressionou ainda mais com “O Caso dos Irmãos Nave”, em 1967. Esse filme que conta uma história de prisão, tortura e morte durante o Estado Novo, tinha no elenco Juca de Oliveira, Raul Cortez, Anselmo Duarte e John Herbert, confirmou o talento de Person. O diretor paulistano de 31 anos (Person nascera em 1936), era citado ao lado de Glauber Rocha e de Nelson Pereira dos Santos quando se falava da nova geração dos grandes diretores do cinema brasileiro. Luís Sérgio Person acreditando na sua versatilidade deixou de lado os temas sérios ao filmar “Panca de Valente” um faroeste-comédia ambientado no interior de São Paulo.

Acima Walmor Chagas e Eva Wilma em "São Paulo S.A."; ao lado Luís Sérgio
Person com a câmara na mão; nas fotos abaixo Raul Cortez com Juca de Oliveira
e novamente Cortez, desta vez sendo torturado por Anselmo Duarte.

Milton Ribeiro e Alberto Ruschel;
Grande Othelo e Oscarito.
O momento de Djangos, Ringos e Sartanas - O cinema brasileiro já havia vivido o Ciclo Cinematográfico Campineiro, em São Paulo, que produzira vários faroestes caboclos estrelados pelo ator Maurício Morey. Veio depois o chamado Ciclo dos Nordesterns com filmes sobre o cangaço, cujo modelo foi “O Cangaceiro”, dirigido por Lima Barreto em 1953. E a carioca Atlântida, em 1954, brindou o público com a deliciosa paródia “Matar ou Correr”, de Carlos Manga. Essa chanchada satirizava, é claro, o western clássico de Fred Zinnemann. Quem encantou a maior parte do público brasileiro, a partir de 1965, foram os Westerns-Spaghetti, responsáveis pelos sucessos de bilheteria dos cinemas dos grandes e pequenos centros. Pensando mais como produtor que como diretor, Luís Sérgio Person decidiu aproveitar a ‘onda’ e satirizar o gênero que imortalizara John Wayne e que então tinha como atrações Sartanas, Djangos, Sabatas, Gringos, Ringos e o principal deles, ‘O Estranho’ interpretado por Clint Eastwood. Person queria, também, render homenagem às gloriosas chanchadas, marco importante do cinema nacional.



Acima os atores entre as rochas de
Cabreúva; abaixo a tranquila cidadezinha.
A Alabama Hills do interior de São Paulo - A comédia-faroeste de Luís Sérgio Person teve o título “Panca de Valente” e para produzi-la Person cercou-se de gente que já possuía ou começava a ter prestígio no mundo artístico de São Paulo. Trabalharam com Person em “Panca de Valente” Glauco Mirko Laurelli (produção e montagem), Osvaldo de Oliveira (cinematografia), Marika Gidali (coreografia), Rogério Duprat e Damiano Cozzela (música). O elenco reunido por Person tinha Átila Iório, que se consagrara como o vaqueiro Fabiano em “Vidas Secas”; Jofre Soares, que se revelara um excelente ator interpretando Joãozinho Bem-Bem em “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”; e Roberto Ferreira, o jornalista de “O Pagador de Promessas”. As belas e jovens atrizes Marlene França e Bibi Vogel (esta ex-cantora do 'Brazil 66' de Sérgio Mendes) eram a garantia de atrair o público masculino. O galã era Tony Vieira. Não poderia faltar um menino e o escolhido foi Tuca, ator infantil que participou da série “Vigilante Rodoviário”. Durval de Souza, que apresentava na TV Record o programa “Grande Ginkana Kibon” interpretaria um dos bandidos. E entre os muitos atores chamados para completar o elenco estava Sílvio de Abreu, um jovem vindo do teatro e que fazia sua estréia no cinema aos 25 anos de idade. Sílvio de Abreu é hoje um renomado escritor de telenovelas. Para interpretar Jerônimo, o personagem principal do filme, Person chamou Chico Martins, um dos fundadores do lendário Teatro Oficina, em São Paulo. Person levou todos para a pequena cidade de Cabreúva, distante 80 quilômetros de São Paulo, vizinha de Itu. Quem passa pela estrada que leva a Cabreúva fica com a impressão que está em Alabama Hills, tamanha a semelhança daquela região do interior do Estado de São Paulo com o palco de milhares de faroestes próximo a Lone Pine, na Califórnia.

O Jerônimo de Espalha Brasa.
O mais estúpido homem da lei - Com argumento e roteiro escritos pelo próprio Luís Sérgio Person, “Panca de Valente” passa-se numa cidadezinha chamada Espalha Brasa que acaba de ver seu sexto delegado assassinado naquele ano. O exterminador de delegados é Costa Larga (Átila Iório) e seu bando. Costa Larga quer que o delegado de Espalha Brasa obedeça suas ordens e para isso o homem da lei deve ser alguém covarde, desajeitado e sem inteligência. Ninguém melhor que Jerônimo (Chico Martins), que preenche todos os requisitos e é ‘eleito’ delegado. Jerônimo é também tímido e incapaz de corresponder ao amor que Terezinha (Marlene França) tem por ele. Terezinha é filha de um fazendeiro da região (Jofre Soares) que tem seu gado roubado por Costa Larga. Pressionado por Teresinha, pela ação do facínora e por seu amigo Faz Tudo (Tony Vieira), Jerônimo enfrenta à sua maneira atrapalhada Costa Larga e seu bando fazendo a paz voltar a Espalha Brasa.

A criação de Moysés Weltman editada em quadrinhos
pela arte de Edmundo Rodrigues.
Uma homenagem desastrosa - Com “Panca de Valente” Luís Sérgio Person viu ser colocado em dúvida seu talento como diretor pois realizou uma comédia desprovida de graça e sem o sabor das chanchadas da Atlântida, produtora que pretendia homenagear. “Panca de Valente” está mais para os piores momentos de Herbert Richers que para os melhores da Atlântida e isso muito se deve à presença de Chico Martins. Tentando imitar a comicidade de Oscarito que complementava suas expressões com uma incrivelmente graciosa habilidade física, Chico Martins é um arremedo do genial Oscarito. Todas as situações que Person imaginou provocar risos são destruídas pelo tedioso Chico Martins que jamais deveria ter caído na armadilha de interpretar um cowboy desajeitado. A própria escolha do nome ‘Jerônimo’ para o personagem foi bastante infeliz porque sempre lembrado como ‘O Herói do Sertão’, Jerônimo esperava ser levada ao cinema como um mocinho caboclo e não como um boboca. Criado para o rádio por Moysés Weltman, esse mocinho da nossa hinterland foi levado às histórias em quadrinhos e depois à TV, antes de merecer um filme mais sério, em 1972, chamado “Jerônimo, o Herói do Sertão”.

Átila Iório como o bandido Costa Larga.
Elenco irregular - A presença inadequada de Chico Martins é compensada pelas boas interpretações de Átila Iório e Jofre Soares. Iório, com sua vasta experiência em comédias interpreta Costa Larga tendo como modelo ‘Liberty Valance’ criado por Lee Marvin. Interessante também ver Jofre Soares abandonar seus personagens sérios e marcantes de tantos filmes. Bibi Vogel que está um tanto tímida em seu primeiro filme como atriz, com sua delicada beleza nórdica é um perfeito contraponto à exuberante morenice de Marlene França. Pode-se imaginar a sensual Marlene França como uma inocente e sonhadora moça do interior? Tony Vieira, que produziria e estrelaria diversos faroestes nos anos 70 demonstra suas habilidades como cavaleiro, ele que era egresso do mundo circense. Tony Vieira dirigiria também “Gringo, o Matador Erótico”, em 1972, filme que o levou num caminho sem volta para a pornochanchada. Roberto Ferreira passa o filme todo rindo, deixando saudade do personagem ‘Dedé’ que interpretou em “O Pagador de Promessas”. Tentar descobrir Sílvio de Abreu e Durval de Souza escondidos atrás de bigodes ajuda a suportar “Panca de Valente”.

Acima Átila Iório, o Liberty Valance Brasileiro; ao lado Jofre Soares.
No centro Marlene França e Bibi Vogel; Tuca, Chico Martins e Tony Vieira.
Abaixo Roberto Ferreira; ao lado Tony Vieira e Tuca dando mau exemplo...

O mais ridículo dos cowboys.
Música de vanguarda num faroeste - Luís Sérgio Person teria certamente conseguido melhor resultado se optasse por fazer uma paródia ao invés de satirizar o faroeste. O imbecilizado Jerônimo no lombo de um burrico mostrando sua inaptidão no enfrentamento dos bandidos é levado ao extremo do aborrecimento. O melhor que Person consegue é uma pífia sequência de tiroteio. Não faltaram o baile na fazenda, coreografado por Marika Gidali, luta de socos dentro de uma lagoa e o indefectível final à la Mazzaropi com quase todo o elenco dentro de um coreto na praça principal de Espalha Brasa. Nada porém compromete mais “Panca de Valente” que a deprimente sequência pastelão com os bolos de Espalha Brasa acertando todos os rostos ao final do concurso de bolos da cidade. Músicos, então rotulados como ‘de vanguarda’, Damiano Cozzela e Rogério Duprat foram responsáveis pela trilha sonora levando seus sons tropicalistas às formações rochosas de Cabreúva, com inevitáveis citações dos primeiros acordes de “O Dólar Furado” e do assovio marcante de “Por um Punhado de Dólares”. E Person juntamente com Cláudio Petraglia assinam as deploráveis canções que ao modo dos westerns dos anos 50 narram as desventuras de Jerônimo. Após esta triste experiência Luís Sérgio Person passaria para a comédia erótica com “Cassy Jones, o Magnífico Sedutor”, antes de falecer num acidente de automóvel em 1976, um mês antes de completar 40 anos. Melhor esquecer que Person foi o diretor deste filme sem brilho e sem graça intitulado “Panca de Valente”.


Bandoleiros cavalgando em Cabreúva; enquanto isso o mocinho cavalga seu burrico.

4 comentários:

  1. Realmente, uma bomba monumental. Quando vi pensei que tinha sido feito antes de São Paulo SA e Os Irmãos Naves. O Chico Martins é inacreditavelmente ruim. Enfim: um desastre total.

    Ao fim e ao cabo, Person parece ter tido uns arroubos criativos com os dois primeiros filmes e depois a fonte secou, não é? Tony Vieira, também, outra decepção.

    Abraços
    José Tadeu

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    1. Olá, Tadeu
      É verdade o que você disse sobre o talento de Person. Pena que ele faleceu e não fez mais nada à altura de seus dois primeiros longa-metragens.
      Chico Martins como comediante era muito ruim.
      Um abraço do Darci

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  2. Grande Darci, como vai, tudo bem?
    Confesso que não conhecia essa fase do cinema nacional, muito menos imaginava que filmes assim já haviam sido produzidos. Matérias interessantes assim, só mesmo em seu blog para conhecermos! Parabéns.

    Grande Abraço!

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    1. Olá, Jefferson
      Vale à pena conhecer os ciclos brasileiros que de alguma forma remeteram ao faroeste. Pena que a comédia de Person não seja um bom começo para isso.
      Um abraço do Darci

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