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1 de setembro de 2024

TOP-TEN WESTERNS DE IONALDO A. CAVALCANTI

 


        Em seu período áureo o Clube Amigos do Westerns chegou a congregar 50 aficionados que se reuniam semanalmente, aos sábados à tarde, na sede da Rua José Getúlio, no bairro da Aclimação, em São Paulo. Entre esses tantos associados havia advogados, professores, radialistas, jornalista, artistas, representantes comerciais, toda sorte enfim de apaixonados por faroestes. Um dos sócios era um artista na acepção do termo, ele que era (e é) verbete em muitos dicionários de arte e têm suas obras em museus diversos do Brasil e do Exterior. 

Multi-artista ou Cowboy? Por que não os dois...

        Com seu bigode a la Salvador Dali, Ionaldo Cavalcanti era a modéstia em pessoa, apesar de ser famoso no meio das artes plásticas. desenhista, gravurista e pintor, o pernambucano Ionaldo era ainda escritor, sendo de sua autoria os dois excelentes livros sobre personagens e autores de história em quadrinhos, obras fundamentais e que não podem faltar em nenhuma biblioteca de admiradores dessa arte atualmente bem mais valorizada. E Ionaldo era ainda apaixonado pela música brasileira e seu falecimento impediu que completasse e publicasse as pesquisas que fez por anos a fio.

Obras fundamentais para fãs das HQs,
de autoria de Ionaldo

          Ionaldo exerceu também o jornalismo e o autor destas linhas teve a honra de ser contemporâneo de Ionaldo no jornal Última Hora, de São Paulo, ele na redação, como principal diagramador e eu, como linotipista, na gráfica. Posteriormente trabalhamos ainda ao mesmo tempo na Imprensa Oficial do Estado, eu sempre como linotipista na gráfica e Ionaldo na direção do magnífico “Leitura”, caderno de cultura que hoje a Imesp não mais edita. Mas foi no Clube Amigos do Western que meu contato com Ionaldo se estreitou, quando eu aproveitava todas as oportunidades para com ele conversar e aprender sobre as diversas vertentes culturais que Ionaldo dominava como ninguém. Entre elas a arte cinematográfica que aos sábados se desviava para um subgênero que só mesmo naquele clube era desenvolvido, os faroestes ‘B’ e os seriados. 

O maravilhoso vitral do saguão de entrada da FAAP,
em São Paulo, com destaque para o vitral de Ionaldo

        Com que alegria aquele homem com ar sisudo discorria sobre seus mocinhos preferidos e os inesquecíveis seriados que ele revia em capítulos no CAW, isto após ter assistido a muitos deles nos cinemas de sua terra natal. Guardo como um verdadeiro tesouro um esboço de história em quadrinhos com desenhos de fazer inveja a Will Eisner, Alex Raymond, Hal Foster e outros gigantes dos criadores de comic books, esboço esse que Ionaldo me presenteou. E quando do lançamento da revista ‘Pardner’, Ionaldo foi o escolhido para ser o primeiro entrevistado, falando de suas preferências cinematográficas. Foi justamente nessa ocasião durante o longo bate-papo que Ionaldo relacionou os faroestes de sua preferência e que agora, em forma de Top-Ten, são publicados neste blog. Eis as preferências de Ionaldo Cavalcanti|:

 

  1.º) Matar ou Morrer (High Noon), 1952 - Dir.: Fred Zinnemann

  2.º) Conquistadores (Western Union), 1941 - Dir.: Fritz Lang

  3.º) Os Brutos Também Amam (Shane), 1953 - Dir.: George Stevens

  4.º) Sem Lei e Sem Alma (Gunfight at the OK Corral), 1957 - Dir.: John Sturges

  5.º) Indomável (The Spoilers), 1942 - Dir.: Ray Enright

  6.º) O Passado não Perdoa (The Unforgiven), 1960 - Dir. John Huston

  7.º) No Tempo das Diligências (Stagecoach), 1939 - Dir.: John Ford

  8.º) Sete Homens e um Destino (The Magnificent Seven), 1960 - Dir.: John Sturges

  9.º) Os Imperdoáveis (Unforgiven), 19__ - Dir.: Clint Eastwood

10.º) Duelo de Titãs (Last Train from Gun Hill), 1959 - Dir.: John Sturges

  

"O Passado não Perdoa", que Ionaldo reputa como
um dos melhores westerns de todos os tempos

Abaixo texto publicado no número um da revista ‘Pardner’, que teve Ionaldo Andrade Cavalcanti como biografado.

 

O artista-cowboy Ionaldo visto pelo também artista-cowboy
Umberto 'Hoppy' Losso

          Início dos anos 80, fui consultar meu dicionário “O Mundo dos Quadrinhos” e percebi que várias páginas haviam sido arrancadas do livro. Autor do vandalismo: o filho caçula, punido com corte de mesada por várias semanas, até que o custo de um novo exemplar fosse coberto. Esse livro até hoje é consultado com satisfação por pai e filho, mesmo porque é obra única no gênero, no Brasil. Na contracapa havia a foto do bigodudo autor: Ionaldo A. Cavalcanti. Mais de uma década depois, lá estávamos, meu filho e eu, na pequena sala de projeção do Clube Amigos do Western, sentados ao lado daquele salvadordaliano bigode. Era, em pessoa, o próprio Ionaldo. Custamos a acreditar, mas passado o momento de estupefação, até conversamos com ele, que se revelou simpático e atencioso. Desse dia para cá uma sucessão de informações a respeito desse pernambucano ‘arretado’ foi conseguida e só fez aumentar a admiração pelo autor de “O Mundo dos Quadrinhos”. Foi seu amor pelos velhos faroestes que fez com que se juntasse aos cowboys do CAW. E sua paixão pelas histórias em quadrinhos fez com que escrevesse também “Esses Incríveis Heróis de Papel”.

          E que jornalista que é o Ionaldo! Dos poucos capazes de redigir, ilustrar e diagramar com igual perfeição, o que fez ao longo de quase 40 anos de carreira. E seus predicados artísticos parecem não ter fim, já que foi como extraordinário artista plástico que viu seu nome ultrapassar as fronteiras dos países ditos de Primeiro Mundo, para com suas telas disputar espaços com mestres internacionais em afamados museus como o MASP (Museu de Arte de São Paulo) e MAM (Museu de Arte Moderna), para falar só dos mais conhecidos e que ficam aqui em São Paulo. Ionaldo é daqueles artistas que conseguiram o respeito do público e crítica criando arte original e voltada para os variados temas da cultura brasileira. Como ninguém aborda as coisas do nosso país, temperando suas tintas com talento, sensibilidade e amor. E haja amor, tanto que extrapola a pintura e chega à música, à nossa legítima música popular, com suas importantes variantes, cujo carro-chefe é o samba. Do nosso samba Ionaldo é profundo estudioso, possuindo arquivo de dados de fazer inveja a qualquer Tinhorão.

          Quem observa o circunspecto Ionaldo, com sisudez apenas aparente, assistindo aos faroestes do nosso clube, mal é capaz de imaginar o múltiplo artista que ele é, com versatilidade só comparável a Mário de Andrade. Porém ele só fala de si quando perguntado e, mesmo assim, com a simplicidade dos grandes espíritos, sempre cativando simpatia. Certo que vez por outra lança um olhar feroz e reprovador para aqueles que conversam com insistência durante as projeções, fato que ajuda a dissimular ainda mais o homem espirituoso e brincalhão que com seu grupo particular de amigos se diz pertencer à ‘Cortina de Jabá’, alusão feita por Ignácio de Loyola Brandão às origens nordestinas da leva que aportou no extinto jornal ‘Última Hora’ no final dos anos 50. E quase nada escapa ao seu humor inteligente, nem mesmo a doença que recentemente o acometeu e, que depois de superada, foi comunicada aos amigos com o significativo e esclarecedor aviso: “Venci o filho da puta”. Com quase 40 anos de São Paulo, Ionaldo conserva a elegância e o charme da juventude, os quais, segundo consta, fizeram dele um galã que arrebatava os corações femininos. Esse nosso pardner que cavalgou do Recife até nosso clube é um inesgotável baú de inteligência, conhecimento e sensibilidade, baú esse que nos permitimos remexer para levar aos demais companheiros muito mais sobre um cowboy que, como nenhum outro, saca rápido do pincel ou da pena para enriquecer nossa cultura.

          Foi lá pelos anos de 1942/43, em Recife, sua cidade natal, que Ionaldo começou a ir ao Cine Politheama, muitas vezes tendo que burlar a vigilância dos porteiros quando a censura era para menores de 10 anos. Dos filmes que viu nesse tempo lembra-se pouco, mas ainda estão em sua memória os seriados que faziam a alegria maior da garotada, como “Perturbadores dos Prados” (Wild West Days, 1937), com Johnny Mack Brown, “Cavaleiros da Morte” (Riders of Death Valley, 1941), com Dick Foran e Buck Jones, “Bandoleiros do Vale do Fogo” (Rustlers of Red Dog,1935), com Johnny Mack Brown. E também seriados não ambientados no Velho Oeste. Desses seriados vinha a inspiração para brincar de mocinho encarnando Buck Jones, por quem o menino de Recife tinha especial carinho, afeição aumentada pela traumática morte do ator. Mas às vezes o menino gostava de ser também George O’Brien, admiração compartilhada também pelo pai de Ionaldo que, a exemplo daquele ator, tinha físico privilegiado de atleta.

          Enquanto a matinê de domingo não chegava Ionaldo encontrava-se com outros heróis nos gibis que as bancas de jornais e revistas vendiam, preciosidades como ‘O Gibi Mensal’, ‘Globo Juvenil Mensal’, ‘o Mirim’ e ‘O Guri’, entre outros que ele lia avidamente. e cedo começou a ensaiar seus primeiros traços ilustrando roteiros que um amiguinho fazia. Era o pintor que nascia e que tinha especial preferência em desenhar Titan, o Homem Mistério, de Al Camy, que era publicado pelo ‘Gibi Mensal’. mais que simples preferência, o jovem pernambucano tinha verdadeira paixão por Titan, a quem copiava, bem como os inimigos desse heroi como O Caveira, O Homem Pantera, O Homem Fera e outros.Pouco tempo depois Ionaldo já identificaria O Espírito (The Spirit), de Will Eisner e O Príncipe Valente, de Harold Foster, como os maiores clássicos das Histórias em Quadrinhos.

          Os ídolos da tela do garoto Ionaldo ficaram para trás, dando lugar a astros como John Wayne, Clint Eastwood, Audrey Hepburn, Elizabeth Taylor, que estrelaram as grandes produções cinematográficas das décadas seguintes. Mas, curiosamente, seus filmes preferidos não são interpretados por gente tão famosa. Entre os filmes inesquecíveis de Ionaldo estão “Sapatinhos Vermelhos” (Red Shoes, 1948, de M. Powell-E. Pressburger), “Somos Todos Assassinos” (Nous Sommes Tous des Assassins, 1952, de André Cayatte), “O Ano Passado em Marienbad” (L’Année Dernière à Marienbad, 1961, de Alain Resnais), “A Morte num Beijo” (Kiss Me Deadly, 1955, de Robert Aldrich) e “Pânico nas Ruas” (Panic in the Streets, 1952, de Elia Kazan. A paixão pelos faroestes nunca deixou de existir e Ionaldo considera como exemplares clássicos do gênero “Matar ou Morrer” (High Noon, 1952), “Conquistadores”, (Western Union,1941), “Os Brutos Também Amam” (Shane, 1953), “Sem Lei e Sem Alma” (Gunfight at the OK Corral, 1957), “Indomável ” (The Spoilers, 1942), “Duelo de Titãs” (Last Train from Gun Hill, 1959), “No Tempo das Diligências” (Stagecoach, 1939) e “Sete Homens e um Destino” (The Magnificent Seven, 1960). Ionaldo julga “O Passado Não Perdoa” (The Unforgiven, 1960), como um dos mais importantes faroestes do cinema, verdadeiro divisor de águas pela temática abordada e clássico por sua narração e grandes interpretações. Isento de qualquer tipo de preconceito, gosta muito dos filmes de Clint Eastwood e do tipo de personagem que ele interpreta, definição quase perfeita do verdadeiro homem do oeste, como em “Os Imperdoáveis” (Unforgiven, 1992).

 

Ionaldo A. Cavalcanti não chegou a exercitar os recursos
digitais aplicados à arte, mas certamente com eles criaria
ainda muito mais do tanto que nos deixou

 


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