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5 de outubro de 2016

SUBLIME TENTAÇÃO (FRIENDLY PERSUASION) – GARY COOPER, UM DIGNO PACIFISTA


Acima Jessamyn West e seu livro; abaixo
Katharine Hepburn, Ingrid Bergman,
Vivie Leigh, Jane Wyman,
Eleanor Parker e Maureen O'Hara.
A Allied Artists era um pequeno estúdio (sucessor da Monogram), especializado nos anos 50 em faroestes B, aventuras do jovem Bomba (Johnny Sheffield) e comédias com Os Anjos da Cara Suja. Pois foi a Allied Artists que acabou realizando um dos mais disputados projetos de Hollywood que era levar à tela o livro “Friendly Persuasion”, de autoria da escritora Jessamyn West. Lançado em 1945 e obtendo de imediato enorme sucesso, os direitos sobre o filme acabaram nas mãos de William Wyler que inicialmente pensou em Bing Crosby para interpretar o chefe da família Quaker do Sul de Indiana. Crosby não se interessou e Wyler foi atrás de Gary Cooper que, afirmando sempre ter outros compromissos, fugiu o quanto pode da proposta, até que em 1956 Cooper finalmente aceitou o trabalho, com a condição de ter Ingrid Bergman como sua esposa no filme. Devido a seus compromissos com as filmagens de “Anastácia, a Rainha Esquecida”, a atriz sueca teve que recusar, sendo então sucessivamente convidadas Katharine Hepburn, Jane Wyman, Viven Leigh, Eleanor Parker e Maureen O’Hara. Como não houve acerto com nenhuma delas Dorothy McGuire foi contratada para desgosto de Gary Cooper que não considerava Dorothy uma atriz à altura de seu prestígio de ator para ser sua leading-lady. Superprodução para os econômicos padrões da Allied Artists, “Friendly Persuasion” (“Sublime Tentação” no Brasil) foi indicado para o Oscar em seis categorias, obtendo razoável sucesso e é para muitos um dos mais belos filmes da década de 50. E muito se discute, até hoje, se “Sublime Tentação” pode ou não ser considerado um western.


Dorothy McGuire e Gary Cooper
Quakers e a Guerra Civil - Jessamyn West atuou como consultora durante a produção, sendo o roteiro escrito por Michael Wilson, cujo nome constava da lista negra de Hollywood. Nessa história passada em 1862, Jess Birdwell (Gary Cooper) e sua esposa Eliza (Dorothy McGuire) estão apreensivos com a aproximação de forças confederadas, então avançando sobre territórios nortistas. Os Birdwells são Quakers, religião que refuta qualquer prática de violência, mesmo quando suas propriedades estão ameaçadas por saqueadores membros de destacamentos sulistas. Mattie Birdwell (Phyllis Love), filha de Jess e Eliza se envolve amorosamente com Gard Jordan (Mark Richman), soldado da União. Quaker menos convicto, Josh Birdwell (Anthony Perkins), filho mais velho do casal, se defronta com o dilema de se juntar a um grupo armado para emboscar um destacamento que se aproxima das áreas próximas à fazenda de Jess Birdwell. Josh termina por empunhar armas, no que é seguido por seu pai, enquanto até mesmo a esposa Eliza se esquece momentaneamente de seus princípios religiosos.

Dororthy McGuire
Princípios religiosos acima de tudo - Para alguns críticos o estilo de William Wyler era ‘não possuir estilo’ pois esse diretor nascido na Alsácia (Alemanha), apesar de tantos excelentes filmes não deixava sua marca pessoal em nenhum neles. Com “Sublime Tentação” Wyler chegou bastante perto do que John Ford gostava de fazer no cinema, ou seja, escrever a ‘Americana’, a história e costumes do povo norte-americano, especialmente da gente das pequenas cidades e áreas rurais. Este drama rural é narrado de modo agradável, delicado e com muitos momentos de humor, mais até do que seria necessário. O clímax, que deveria ser a aguardada batalha entre uma guarda local formada por civis e um destacamento confederado, torna-se secundária diante da questão mais importante do filme que é a discussão de até onde princípios religiosos podem determinar as decisões pessoais. “Um homem deve ouvir a voz da sua consciência” diz Jess quando questionado a respeito de seu filho Josh empunhar ou não armas. Quando o motivo da guerra entre irmãos é aludido como argumento, nem mesmo para conseguir a liberdade de alguém um Quaker se disporia a matar um semelhante.

Gary Cooper e Dorothy McGuire
Tentações irresistíveis - O roteiro de Michael Wilson tem momentos brilhantes, menos com a muito focalizada hesitação do filho Josh, mas sim com as ‘desobediências’ do pai Jess. Como quando ele decide comprar o órgão, instrumento musical impensável para um Quaker. Ou ainda quando Jess se trai pelo gosto de disputar corrida de charrete com seu amigo Sam Jordan (Robert Middleton). Em outro momento o Jess se torna conivente com o assédio ao qual seu filho Josh é submetido pelas três ávidas filhas da viúva Hudspeth (Marjorie Main), há anos sem ver um homem e, ele mesmo Jess, percebendo a nada discreta insinuação da velha senhora. O melhor de todos esses episódios é quando a contrariada Eliza decide dormir sozinha no celeiro vindo a ter a companhia do marido que lhe traz cobertores. A noite que se anunciava angustiante termina tão prazerosa que Jess não se contém e diz à esposa pela manhã: “Vamos dormir lá outras vezes?”. Essa cumplicidade entre o casal Quaker é saborosíssima, mais ainda porque sua crença impede a senhora Birdwell sequer de esboçar um sorriso de aprovação.

Marjorie Main e Gary Cooper; Marjorie Durant, Anthony Perkins, Edna Skinner,
Frances Farwell, Marjorie Durant e Gary Cooper.

Dorothy McGuire, Gary Cooper e Walter Catlett; a corrida de charretes.

Dorothy McGuire
Surra de vassoura - Se Jess Birdwell passa por constantes conflitos íntimos, sequer pensa neles a filha Mattie, apaixonada pelo soldado Gard Jordan e para quem as convenções religiosas da família são de menor importância. O prazer da dança e a emoção de estar junto do namorado falam muito mais alto para a jovem Mattie. Resoluta em jamais usar qualquer forma de violência, mesmo verbal, Eliza Birdwell empunha uma vassoura como arma para defender Samantha, a gansa de estimação da família e, após surrar o soldado confederado que já imaginava a ave assada, percebe que mesmo ela havia esquecido e desobedecido seus princípios, em outra sequência deliciosa. São esses momentos e a descrição primorosa dos costumes daquela gente simples que tornam encantador o filme de Wyler. O cínico e intrometido Sam Jordan rindo dos apuros conjugais do amigo Quaker são igualmente ótimas e altamente críticas passagens de “Sublime Tentação”.

Samantha, Don Kennedy e Dorothy McGuire

Robert Middleton
Refinada persuasão - Há uma contradição no comportamento da senhora Birdwell tão ciosa ao não aceitar a violência mas permitir que os saqueadores sulistas levem tudo de sua fazenda. Chega ao extremo de, para não revidar, permitir que aquele bando de homens pratiquem selvageria, traindo sua gente, muitos deles arriscando suas vidas na improvisada emboscada no rio próximo. Essa é uma das rápidas sequências de ação que duram pouco mais de dez minutos na parte final do filme de Wyler. Numa delas Jess Birdwell não consegue disparar contra um soldado confederado que matara seu amigo metodista Sam Jordan e tentara também matá-lo. Essa que deveria ser uma cena de grande impacto torna-se fraca e inconvincente na tentativa de ser exemplar. Wyler desenvolveu seu filme com refinada persuasão, fechando-o infelizmente de modo pouco inspirado.

Richard Hale e Gary Cooper; Gary Cooper e Robert Middleton

Gary Cooper e Dorothy McGuire
Gary e Dorothy adoráveis - Consta que Gary Cooper insatisfeito com o que viu nas diversas etapas de filmagem se desinteressou de tal forma pelo filme que nunca o assistiu. Certamente é um exagero a autocrítica de Cooper achando que não tenha se saído bem como o cético e por vezes sarcástico Quaker. A ele “Sublime Tentação” deve muito de sua graça e emoção e esta é uma de suas excelentes interpretações moldadas na sobriedade, sem nenhuma afetação como deve ser o modo de um Quaker. À altura de Cooper está a magnífica atuação da esplêndida Dorothy McGuire, nunca menos que adorável como a determinada esposa Quaker. Eliza Birdwell chega a ser antipática ao negar a si e a todos um momento mínimo de felicidade e Dorothy assim se expressa formidavelmente. Anthony Perkins ainda não marcado pelo personagem de sua vida (Norman Bates) é apenas regular como o filho que tenta imitar os gestos e ideias do pai. Mesmo assim Perkins foi indicado ao Oscar de Melhor ator Coadjuvante. Do vasto elenco reunido para esta produção, destaque maior entre os coadjuvantes para o ótimo Robert Middleton, para Marjorie Main que faz divertida parceria com Gary Cooper, John Smith como um dos jovens Quakers e para Russell Simpson como o sisudo membro do comitê de anciãos. Consta dos créditos o nome da gansa Samantha, o que não é algo inusitado pois os cavalos de Roy Rogers, Gene Autry, Tom Mix e outros cowboys também mereciam esse destaque, assim como a Cheetah nas aventuras de Tarzan.

Anthony Perkins; Charles Halton, Russell Simpson e Everett Glass

Acima o roteirista 'blacklistado'
Michael Wilson e Phyllis Love;
abaixo álbum de Pat Boone contendo
o hit "Friendly Persuasion".
Seis indicações e nenhum Oscar - Entre as muitas curiosidades deste filme está o fato de Dorothy McGuire (nascida em 1918) interpretar a mãe da atriz Phyllis Love (nascida em 1925), sendo apenas sete anos mais velha. William Wyler fez questão que seu filmes fosse lançado no majestoso Radio City Music Hall, em Nova York, coisa que jamais havia acontecido com um filme da pequena Allied Artists. Wyler, cujo conceito como diretor era dos maiores conseguiu levar “Sublime Tentação” para a famosa casa de espetáculos. Pat Boone gravou a canção-título de autoria de Dimitri Tiomkin com letra de Paul Francis Webster, música que alcançou êxito na voz romântica de Boone. A canção “Friendly Persuasion (Thee I Love)” concorreu ao Oscar de Melhor Canção ao lado de outras cinco indicações (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Som e Melhor Roteiro Adaptado). O filme acabou não recebendo nenhum prêmio da Academia em nenhuma dessas categorias. Michael Wilson, o autor do roteiro teve seu nome retirado dos créditos do filme pela Allied Artists, isto devido a Wilson fazer parte da Lista Negra de Hollywood por não ter colaborado com o comitê presidido pelo Senador Joseph McCarthy. Mesmo assim Wilson recebeu a láurea de Melhor Roteiro Dramático do ano de 1957, outorgado pela associação dos roteiristas de cinema (Writers Guild of America). Quando “Sublime Tentação” foi lançado em DVD Wilson teve seu nome inserido nos créditos, forma de reparar uma das maiores injustiças cometidas por Hollywood. Este filme de Wyler foi o vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1957 e Wyler gostou tanto de trabalhar com a escritora Jessamyn West que a contratou como roteirista para sua produção seguinte que foi o western “Da Terra Nascem os Homens” (The Big Country)

William Wyler dirigindo Gary Cooper
e Marjorie Durant.
Western ou não western - O responsável pela bela fotografia foi Ellsworth Fredericks e a trilha musical teve a autoria de Dimitri Tiomkin, neste bem cuidado filme que é comumente classificado como western. Assim como ocorreu com “...E o Vento Levou”, a Guerra Civil surge como pano de fundo para uma história dramática. A melhor classificação para “Sublime Tentação” seria na categoria ‘Drama’, não deixando, porém, de ser um ‘Western impuro’, aquele ao qual faltam os mais autênticos elementos de um faroeste. A figura de Gary Cooper bastante ligada ao gênero na década de 50, na qual atuou em nada menos que uma dezena de faroestes, também ajudou na aceitação de “Sublime Tentação” como western. Agradável de se assistir, com história interessante e sentimental, o filme de William Wyler só não agradará àqueles que esperarem ver algo trepidante como o espetacular “Vera Cruz”.


Em primeiro plano, à esquerda, John Pickard, Anthony Perkins e Tom London

Dorothy McGuire

Anthony perkins, Richard Hale, John Smith e Robert Fuller, no canto à direita;
Peter Mark Richman, Gary Cooper e Robert Fuller.

Richard Eyer, Phyllis Lve, Gary Cooper, Dorothy Mcguire e Anthony Perkins;
Marjorie Durant, Frances Farwell e Edna Skinner.

3 comentários:

  1. Olá Darci, tudo legal amigo? Espero que sim! Darci gostei da resenha de; Sublime Tentação, pelo que eu li, será interessante assistir, principalmente, por ter sido indicado a tantos Oscar (06), e não ter ganhado nenhum. Agora, Gary Cooper, foi um pouco cruel, em não assistir ao próprio filme, que foi até bem indicado. Engraçado, Darci, que eu assisti com ele (Cooper) o filme; Pistoleiro do Destino, que ele faz um papel de bobão, e muita comédia no filme, concorda, amigo? Será que reclamou também, ou será que a grana no bolso foi maior! Abraços, amigo, ao casal maravilhoso.

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  2. Olá, Darci!
    Assim como em "Sargento York", motivos religiosos tentam impedir Cooper e seus familiares de guerrearem, mas devido às circunstâncias isso não ocorre, inclusive na cena com Samantha. "Sublime Tentação" é mais uma das muitas obras sublimes de Wyler.
    Um abraço!

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  3. "- Pegue um daqueles rebeldes pra mim, pai.
    - Josh, nunca fale assim a respeito da vida de um homem!"

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