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12 de fevereiro de 2016

COMO JOHN WAYNE LEVOU O OSCAR VENCENDO ATORES EXCEPCIONAIS


Acima John Wayne e Rock Hudson em
"Jamais Foram Vencidos"; abaixo Rock.
No final dos anos 60 o mundo havia mudado bastante. A convulsão social parisiense em maio de 1968; os três dias de rock, drogas e sexo em Woodstock; a interminável guerra do Vietnã. O cinema refletia essa agitação global com filmes ultraviolentos como “Bonnie & Clyde” e “Meu Ódio Será Sua Herança” ou filmes atrevidos que tocavam em temas polêmicos como “Bob and Carol and Ted and Alice” e “Perdidos na Noite”. John Wayne, há duas décadas na lista dos campeões de bilheteria e um dos mais queridos atores norte-americanos era reconhecido e temido por sua visão política retrógrada e defensor intransigente de um discutível ideário social. Em 1969 John Wayne filmou para a 20th Century-Fox “Jamais Foram Vencidos” (The Undefeated), tendo como coastro Rock Hudson. Todos sabiam que Hudson era gay e tudo indicava que para o Duke seria difícil a convivência com ele durante os dois meses de filmagens pois John Wayne, decididamente, não gostava de gays. Para surpresa geral ambos se deram bastante bem, respeitosamente bem, ainda que intimamente o Duke não aceitasse a opção sexual de Hudson. Certo dia, durante as filmagens em Sonora, no México, Rock Hudson estava diante das câmaras e John Wayne sentado observava, tendo sua filha Aissa, então com 14 anos, a seu lado. Wayne comentou com Aissa: “Veja só o rosto de Rock Hudson. Que desperdício um rosto desse numa bicha. Imagine, filha, o sucesso que eu faria se tivesse um rosto igual ao dele”.

John Wayne e John Schlesinger
Concorrência fortíssima - Quando “Jamais Foram Vencidos” foi lançado, era dada como certa a indicação de John Wayne para o Oscar por sua interpretação como ‘Rooster Cogburn’ em “Bravura Indômita” (True Grit), o que de fato aconteceu. John Wayne havia sido indicado uma única vez ao prêmio, isso em 1949, por sua atuação em “Iwo-Jima – O portal da Glória”, tendo perdido para Broderick Crawford por seu trabalho em “A Grande Ilusão”. 20 anos mais tarde e John Wayne teria nova oportunidade de disputar o cobiçado prêmio máximo do cinema, ainda que suas chances fossem, aparentemente, remotíssimas. Isto devido aos demais indicados: Richard Burton por “Ana dos Mil Dias”, Peter O’Toole por “Adeus, Mr. Chips”, Dustin Hoffman e John Voight ambos por “Perdidos na Noite”. Para avaliar suas chances, John Wayne decidiu assistir aos três filmes na sala de projeção de sua casa e considerou extraordinárias as atuações de Burton e O’Toole. Os dois atores britânicos juntos acumulavam oito indicações até aquele ano, cinco para Burton e três para O’Toole, o que os tornava candidatos ainda mais fortes ao prêmio. Então John Wayne foi assistir ao filme de John Schlesinger, diretor abertamente gay e que em “Perdidos na Noite” mostrava um jovem cowboy recém-chegado a Nova York e que termina por se prostituir.

O Duke como Rooster Cogburn; John Voight e Dustin Hoffman à direita;
Richard Burton como Henrique VIII e Peter O'Toole como Mr. Chips.

John Wayne recebendo o Oscar pelas
mãos de Barbara Streisand.
‘O conjunto da obra’ - John Wayne confessou que assistiu horrorizado a “Perdidos na Noite”, não conseguindo entender como um filme como aquele obtivera o certificado (‘R’) de censura pois não deveria ser exibido em cinema algum dos Estados Unidos. Porém se o drama de Schlesinger o impressionou negativamente, Wayne ficou comovido e maravilhado com as interpretações de Hoffman e Voight em “Perdidos na Noite”. Mais perdido ficou ele em relação às probabilidades de vencer atores tão fantásticos, chegando a dizer que o prêmio deveria ser dado a Dustin Hoffman, mas tinha certeza que Richard Burton, então marido de Liz Taylor, seria o vencedor. Porém grande parte dos membros da Academia, de maioria liberal, pensava diferente e resolveu que, apesar de suas posições conservadoras e de ser politicamente um ultradireitista, chegara a vez de John Wayne levar a estatueta para casa. Entre as hipóteses dessa escolha estavam: tudo que Wayne havia feito em sua longa carreira pelo cinema; a injustiça cometida com sua não premiação pela interpretação como ‘Ethan Edwards’ em “Rastros de Ódio”; a luta contra o câncer que ele havia vencido alguns anos antes e que emocionara todo país. Como ‘Rooster Cogburn’, John Wayne havia tido mais uma de sua muitas boas interpretações, mas daí a vencer os demais concorrentes, só mesmo se as referidas questões extra-“True Grit” falassem mais alto. E como falaram! Na noite de 7 de abril de 1970, no Dorothy Chandler Pavilion, em Los Angeles, John Wayne recebeu das mãos de Barbara Streisand o Oscar que premiava, como se costuma dizer, “o conjunto da obra” do maior cowboy do cinema.

John Wayne
Idolatrado cowboy - Dustin Hoffman ganharia, em anos posteriores, o Oscar duas vezes e John Voight uma vez. Peter O’Toole teria de se contentar com um Oscar Honorário recebido quando já era um velhinho e Richard Burton nem isso. Quanto a John Wayne, claro que o prêmio ficou bem na estante de sua casa em Newport Beach, na Califórnia. Mas hoje, 46 anos depois daquela premiação, pode-se afirmar que o Oscar quase nada acrescentou à veneração que os cinéfilos tem por John Wayne, uma das figuras máximas do universo cinematográfico. Com ou sem o prestigiado prêmio, o truculento, homofóbico e reacionário John Wayne nunca deixou de morar no coração dos westernmaníacos.



5 comentários:

  1. Uau! Matéria sensacional Darci. Informativa e, ao mesmo tempo, isenta e carinhosa. Você descrevendo a pesssoa controversa que foi Wayne, sem firulas, mas também demonstrando o carinho que todo admirador de faroeste e cinema sente por sua persona cinematográfica, exprimiu com perfeição o sentimento de muitos fãs, como eu. Parabéns!
    Abraço!

    Robson

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    1. Robson, examinar a cabeça do Duke renderia muitos livros, que por sinal já foram escritos rsrsrsrs. Big Duke John Wayne. - Abraços.

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  2. Olá, Darci!
    Sou suspeito para falar de "Perdidos na Noite", um dos meus 10 filmes favoritos de todos os tempos. Mas se analisarmos friamente apenas os personagens, e não os filmes como um todo, acho que a estatueta ficou em boas mãos.
    Um abraço do Thomaz!

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    1. Pois é, Thomaz. O texto também diz que o Oscar ficou bem na estante de John Wayne. Abraço.

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    2. Ficaria bem em qualquer estante, especialmente na minha :-)

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