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25 de outubro de 2014

SAM PECKINPAH SE APRESENTA A HOLLYWOOD COM SUA PRIMEIRA OBRA-PRIMA


Acima Brian Keith em um episódio da
série "The Westerner", criada por
Sam Peckinpah (abaixo).
Doze mil dólares foi o salário oferecido pelo produtor Richard D. Lyons para Sam Peckinpah dirigir “Guns in the Afternoon”, história que Lyons detinha os direitos de filmagem. A adaptação para o cinema já havia sido feita pelo roteirista N.B. Stone Jr. e quando Peckinpah recebeu o roteiro ficou tão impressionado após a leitura que sequer discutiu o pequeno salário oferecido por Lyons. Como comparação, John Ford, nesse mesmo ano de 1961 recebeu 250 mil dólares para dirigir “O Homem que Matou o Facínora” (The Man Who Shot Liberty Valance), além de participação nos lucros deste filme. John Ford era há tempos o Mestre dos Faroestes e Sam Peckinpah era apenas um diretor praticamente desconhecido. Sabia-se dele que escrevera algumas histórias para séries de televisão e até criara uma série própria intitulada “The Westerner”. Essa série estrelada por Brian Keith teve pouca audiência e acabou sendo cancelada antes de completar a primeira temporada. Porém “The Westerner” impressionou a todos que assistiram alguns de seus poucos episódios e, mais que todos, impressionou Brian Keith que se tornou admirador de Sam Peckinpah. Em 1961 Brian Keith era um astro em ascensão e obteve bastante sucesso contracenando com Maureen O’Hara em “O Grande Amor de Nossas Vidas” (The Parent Trap), comédia em que faziam os pais separados das gêmeas interpretadas por Hayley Mills. Curiosamente, naquela comédia da Disney, começou indiretamente a carreira de diretor de cinema de Sam Peckinpah.

Brian Keith e Maureen O'Hara em
"Parceiros da Noite".
Problemas já na estréia - A Warner Bros. quis aproveitar o sucesso da dupla Brian Keith-Maureen O’Hara e produziu “Parceiros da Morte” (The Deadly Companions). O produtor-executivo desse western era o irlandês Charles B. Fitzsimons, irmão de Maureen O’Hara e por imposição de Brian Keith aceitou que o filme fosse dirigido pelo novato Sam Peckinpah. O batismo cinematográfico de Peckinpah foi terrível pois Fitzsimons atormentou o diretor o tempo todo, impedindo-o de dirigir a famosa irmã nas cenas em que ela participava, além de dar palpites durante toda a filmagem. Para concluir, Fitzsimons não deixou Peckinpah orientar a montagem de “Parceiros da Noite” que foi editado à revelia do diretor e resultou num filme bastante ruim. Mas quem é que consegue entender os críticos? Alguns deles elogiaram a direção de Sam Peckinpah vendo qualidades naquele diretor de 35 anos que fazia sua estreia no cinema...

Os jovens Randolph Scott e Joel McCrea
em início de suas carreiras.
O encontro de dois veteranos cowboys - Richard D. Lyons inicialmente queria reunir Gary Cooper e John Wayne para os papéis dos envelhecidos pistoleiros de “Guns in the Afternoon”. Mas Cooper estava bastante doente e morreria de câncer naquele ano de 1961. John Wayne, por sua vez, andava aceitando toda e qualquer proposta de trabalho para tentar amortizar as dívidas contraídas com o monumental prejuízo que tivera com “O Álamo”. O problema é que John Wayne cobrava ‘apenas’ 500 mil dólares por filme, além de participação nos lucros. Lyons havia conseguido 750 mil dólares com a MGM para produzir “Guns in the Afternoon” e não poderia pagar o que John Wayne pedira. O jeito foi se contentar com Randolph Scott e Joel McCrea, muito mais baratos, até porque ambos estavam semi-aposentados do cinema e sem nenhuma oferta de trabalho naqueles dias. O veterano Randolph Scott, no cinema desde 1928, nunca havia trabalhado para a Metro Goldwyn Mayer. Joel McCrea, sete anos mais novo que Scott, tinha se iniciado no cinema em 1927. Os dois haviam atuado juntos em apenas um filme, no início de suas carreiras, em 1929. “Dinamite” foi o título desse drama dirigido por Cecil B. DeMille. Satisfeito por conseguir Scott e McCrea, Lyon ainda precisava de um diretor.

Boetticher não, Peckinpah sim - Randolph Scott indicou Budd Boetticher ao produtor Lyons. Scott e Boetticher haviam feito juntos uma memorável série de sete westerns, série muito elogiada especialmente pela crítica francesa. Boetticher, porém, estava às voltas com seu projeto sobre a vida do toureiro Carlos Arruza e declinou da oferta. Boetticher levaria dez anos para completar esse documentário, dirigindo apenas um único filme nesse período, o western “A Time for Dying”, com Audie Murphy. Esse acabaria sendo o último filme de Boetticher e também a derradeira participação de Audie Murphy no cinema. Ainda à procura de um diretor bom e barato, Lyons recebeu um recado de Sylvia Hersh, funcionária do departamento de roteiristas da MGM. Sylvia conhecia Sam Peckinpah e disse ao produtor Lyons que assistisse a alguns episódios da série “The Westerner” para conhecer o trabalho de Peckinpah como diretor. Lyons assistiu aos cinco episódios da série dirigidos por Sam e ficou impressionado com o que viu, fazendo então a oferta de 12 mil dólares a Peckinpah e enviando-lhe o roteiro para que ele o lesse.

Scott e McCrea divertindo-se num
duelo num intervalo das filmagens.
A caneta vermelha do diretor - Sam Peckinpah foi autorizado por Richard D. Lyons a fazer algumas alterações no roteiro escrito por N.B. Stone Jr., com a condição que as alterações não afetassem substancialmente a história. Peckinpah fez apenas uma única mudança maior no roteiro que foi inverter o pistoleiro que morre ao final. Ao invés de Gil Westrum, o velho de caráter condenável, quem morreria seria o outro velho pistoleiro, Steve Judd. Não houve, no entanto, uma única página do roteiro original que não tivesse sido riscada e modificada pela caneta vermelha de Peckinpah. As alterações foram aceitas por Richard D. Lyons e também por Randolph Scott e Joel McCrea que perceberam que o texto ficou muito mais rico e intenso que o de autoria de Stone Jr. O restante do elenco foi formado em parte por jovens atores da televisão que já haviam sido dirigidos por Sam Peckinpah em episódios de séries de televisão como Warren Oates, James Drury, John Anderson e R.G. Armstrong. Mariette Hartley, de 21 anos, foi submetida a um teste e imediatamente Peckinpah aprovou a moça de cabelos curtos. Mariette havia participado pouco antes de uma encenação teatral interpretando Joanna D’Arc e é grande sua semelhança com Ingrid Bergman.

Atores que já haviam sido dirigidos por Sam Peckinpah: R.G. Armstrong,
James Drury, John Anderson e Warren Oates.

Mariette Hartley

Sam Peckinpah em pé orientando a
posição da câmara.
Parceria com Lucien Ballard - O título do filme foi alterado para “Ride the High Country” e Peckinpah exultou quando soube que o cinegrafista seria Lucien Ballard, com quem havia trabalhado em alguns episódios da série “The Westerner”. Peckinpah e Ballard fariam, a partir de então, uma parceria que resultou em magníficos trabalhos e na obra-prima “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch). Parte das locações de “Ride the High Country” foram feitas no Parque Nacional Inyo, na Califórnia, até que nevascas impediram a continuação do trabalho naquele extasiante cenário. Peckinpah queria esperar que as tempestades de neve cessassem, mas a MGM ordenou que outros locais fossem encontrados e Bronson Canyon, Griffith Park e Mammoth Lake, todos na Califórnia foram utilizados como locações. As filmagens duraram 25 dias, cinco a mais que o previsto e consumiram 813 mil dólares, 63 mil além do orçamento inicialmente autorizado. Para maior economia dessa produção, a MGM utilizou as velas dos navios de “O Grande Motim” (Marlon Brando) para fazer as tendas do acampamento dos mineradores no filme de Peckinpah.

Complemento de programa duplo - “Ride the High Country”, que no Brasil recebeu o título de “Pistoleiros do Entardecer” teve uma projeção para o presidente da MGM que detestou o filme chamando-o de horrível. O estúdio decidiu distribuí-lo como complemento de programa duplo, lançando-o juntamente com “Os Bravos Tártaros” (I Tartari), produção europeia distribuída nos Estados Unidos pela MGM. No elenco desse épico ‘espadas-e-sandálias’ os destaques eram Victor Mature e Orson Welles. Alguns cinemas em Nova York exibiam em junho de 1962 um programa duplo tendo como filme principal “Os Bravos Tártaros”, complementado por um western intitulado “Ride the High Country”. O respeitado crítico do ‘The New York Times’ Bosley Crowther foi a uma dessas sessões e no dia 21 de junho escreveu em sua coluna que havia assistido a um filme abominável com Orson Welles mais parecendo uma casa ambulante e a um pequeno e excepcional western.

“Um dos melhores de todos os tempos” - Outras críticas foram igualmente enfáticas em ressaltar as qualidades do filme do quase desconhecido diretor Sam Peckinpah. Um mês antes do lançamento do filme de Peckinpah havia sido lançado “O Homem Que Matou o Facínora” (The Man Who Shot Liberty Valance), western que demorou um pouco mais para ser saudado como a última obra-prima de John Ford no gênero. Ao filme de Ford juntou-se o de Sam Peckinpah e já se sabia que o jovem diretor passaria a ser citado igualmente como grande diretor, bastando para isso mais alguns westerns como “Ride the High Country”, o que não demorou a acontecer. Mas ninguém melhor que o renomado historiador cinematográfico William K. Everson para definir esse filme de Sam Peckinpah: Ride the High Country é não somente um dos melhores westerns dos anos 60, mas um dos melhores de todos os tempos”.


Acima à esquerda Randolph Scott, Mariette Hartley e Joel McCrea;
abaixo Scott e Mariette; na foto maior Joel McCrea e Randy Scott
com Tarita que participou de "O Grande Motim" com Marlon Brando.

6 comentários:

  1. Parabéns amigo Darci, gostei muito da postagem...sou suspeito pra falar do "Pistoleiros do Entardecer". Duas estrelas do naipe de Randy Scott e Joel, só podia ter dado esse resultado: estupendo !! Abraçooo !!

    Beto Montgomery

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    1. Olá, Beto
      Este está entre seus Top-Tens, merecidamente! Obrigado pela excelente cópia da sua coleção particular. Só havia visto esse filme em tela wide 35mm no cinema.
      Abração do Darci

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  2. COM CERTEZA, UMA PEQUENA OBRA-PRIMA. AO MESMO TEMPO QUE É UM PRECURSOR DO ESTILO DESMISTIFICADOR, É UM BELÍSSIMO TRIBUTO A ERA DOURADA DO WESTERN, QUE CHEGARA AOS SEUS DERRADEIROS DIAS. SIMPLESMENTE MAGNÍFICO!

    ROBSON

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    1. Olá, Robson
      Quem diria que depois de um filme simples, bonito e triste como esse Peckinpah realizaria os trabalhos que fez criando um estilo muito copiado mas sem a grandeza do Bloody Sam.
      Darci

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  3. OI, DARCY!
    A NÃO SER QUE NO LANÇAMENTO NOS CINEMAS TEVE ESTE TÍTULO, O PRIMEIRO FILME DE PECKINPAH É INTITULADO NO BRASIL COMO "PARCEIROS DA MORTE" OU "O HOMEM QUE EU DEVIA ODIAR", SÓ NÃO SEI COM QUAL DOS DOIS CHEGOU AOS CINES E QUAL FOI O UTILIZADO NO LANÇAMENTO EM VHS. "PARCEIROS DA NOITE" QUE EU CONHEÇO É UM POLICIAL DE WILLIAM FRIEDKIN (OPERAÇÃO FRANÇA), CRUISING, COM AL PACINO. UM BOM POST SOBRE SAM PECKINPAH DO CRÍTICO LUIZ MERTEN DO ESTADÃO: http://blogs.estadao.com.br/luiz-carlos-merten/o-meu-peckinpah/. ESPERO QUE GOSTE. ABRAÇO.
    ROBSON

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  4. Olá, Robson - Claro que o título nacional (um deles) é "Parceiros da Noite" e não como saiu na postagem. Correspondendo a 'The Deadly Companions', título em Inglês. Grato pela correção. O gaúcho Luís Carlos Merten é dos melhores críticos de cinema e vou sim ver o que ele fala sobre Sam Peckinpah. Segundo várias opiniões, "If They Move... Kill'Em" *The Life and Times of Sam Peckinpah), de David Weddle é o livro fundamental para se conhecer a vida e a obra de Bloody Sam.
    Um abraço - Darci

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