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21 de janeiro de 2013

O GALANTE AVENTUREIRO (The Westerner) – DUELO ENTRE WALTER BRENNAN E GARY COOPER



O verdadeiro Juiz Roy Bean.
Stuart N. Lake foi um escritor de histórias ambientadas no Velho Oeste e autor da biografia “Wyatt Earp, Frontier Marshal”. Entre outros livros de Stuart N. Lake estão “Wells Fargo”, “Powder River”, “Winchester ‘73” e “The Westerner”. Todas essas histórias viraram filmes e “The Westerner”, produzido em 1940, tem como um dos personagens principais a figura lendária do Juiz Roy Bean. No ano anterior John Ford havia dirigido “No Tempo das Diligências” (Stagecoach), western excepcionalmente bem recebido pela crítica e que também agradou ao público.  Quem produziu “No Tempo das Diligências” foi Walter Wanger, um produtor independente, e o sucesso do filme estrelado por John Wayne entusiasmou Samuel Goldwyn, outro produtor independente, a também filmar um faroeste classe ‘A’. Goldwyn adquiriu os direitos da história de Stuart N. Lake e investiu em seu western muito mais dinheiro que Walter Wanger. Enquanto “No Tempo das Diligências” custou 530 mil dólares, “The Westerner” teve orçamento de dois milhões de dólares, a metade do que havia custado “E o Vento Levou” rodado um ano antes e que depois de pronto teve custo final de quatro milhões de dólares.


Gary Cooper em "Agora ou Nunca".
A luta por Gary Cooper - “The Westerner”, que no Brasil se chamou “O Galante Aventureiro”, foi adaptado para o cinema pelos roteiristas Niven Busch e Jo Swerling. Samuel Goldwyn queria Gary Cooper para interpretar o galante aventureiro do título, mas Cooper após ler o roteiro não aceitou o convite. Gary Cooper percebeu que o verdadeiro destaque do filme seria o ator que interpretasse o Juiz Roy Bean. E Cooper sabia que Walter Brennan já havia assinado com Goldwyn para esse papel. Em 1940 Brennan gozava de grande prestígio em Hollywood pois ganhara os Oscars de Melhor Ator Coadjuvante em 1937 e em 1939. Gary Cooper não queria ser ‘engolido’ por Walter Brennan no filme, mas William Wyler, contratado para dirigir “The Westerner”, procurou Cooper e o convenceu a reler o roteiro que havia sido reescrito por Lilian Hellman. Grande amiga de William Wyler, Lilian foi contratada para deixar o roteiro ao gosto de Gary Cooper, no entanto o que Lilian Hellman fez foi valorizar o principal personagem feminino, que seria interpretado pela pouco conhecida Doris Davenport. Cooper declinou novamente. A dupla Goldwyn-Wyler não desistiu do galã e colocou W.R. Burnett e Oliver La Farge, dois outros roteiristas, para decididamente dar maior importância ao personagem ‘Cole Harden’. Goldwyn e Wyler queriam de qualquer maneira Gary Cooper como o galante aventureiro e afinal obtiveram o sim do grande astro de “O Galante Mr. Deeds”, “Beau Geste” e dos westerns “Agora ou Nunca” (The Virginian) e “Jornadas Heróicas” (The Plainsman).

O perplexo Roy Bean acreditando nas
invencionices de Cole Harden.
A obsessão de Roy Bean - “O Galante Aventureiro” mostra porque o juiz Roy Bean (Walter Brennan) era considerado ‘A única lei a Oeste de Pecos’. Despoticamente Roy Bean impõe a sua lei na cidadezinha de Vinegarroon e não vacila em condenar à forca quem violar as regras por ele estipuladas. Roy Bean condena o réu mais rapidamente ainda se ele for um dos pequenos agricultores que cercam suas propriedades para que elas não sejam invadidas pelos rebanhos dos pecuaristas. O Juiz Roy Bean é defensor intransigente dos criadores de gado e entende como crime o uso de cercas com arame farpado delimitando os pastos. O tribunal do Juiz Roy Bean funciona no pequeno saloon que o ‘juiz’ dirige e onde vai julgar um forasteiro acusado de roubar um cavalo. Esse homem é Cole Harden (Gary Cooper). O saloon-tribunal é forrado de fotos de Lily Langtry (Lilian Bond), uma atriz inglesa que se exibe no Velho Oeste e por quem Roy Bean é obcecado. Cole Harden percebe a paixão de Roy Bean e espertamente diz a ele que conheceu pessoalmente a atriz. O juiz suspende a sentença e continua a ser enganado por Harden que lhe diz possuir uma legítima mecha de cabelos de Lily Langtry. O verdadeiro ladrão do cavalo roubado é encontrado e Cole Harden é inocentado. Harden torna-se amigo de Jane-Ellen Mathews (Doris Davenport) e de seu pai Caliphet Mathews (Fred Stone), sitiantes perseguidos por Roy Bean. Cole Harden tenta conciliar os interesses dos pecuaristas e dos plantadores, o que é impossível pois o inescrupuloso Roy Bean ordena a queima das plantações e das casas dos pequenos sitiantes. Harden e Roy Bean tornam-se inimigos exatamente quando Lily Langtry vai se apresentar em Fort Davis, cidade próxima. Roy Bean vai para Fort Davis e dentro do teatro se depara com Harden. Os dois se enfrentam e o juiz é baleado mortalmente por Harden. Antes de morrer Roy Bean conhece Lily Langtry e o galante aventureiro decide fincar raízes casando-se com Jane-Ellen.

Roy Bean conhecendo Lily Langtry pouco
 antes de morrer.
Personagem insólito - Quase toda a primeira metade de “O Galante Aventureiro” é conduzida em tom de comédia que pouco a pouco se transforma num drama intenso com o conflito nada engraçado dos interesses dos grupos antagônicos. A lei dos mais fortes que prevalecia no Velho Oeste (especialmente à Oeste de Pecos) é aplicada com violência contra os oprimidos plantadores. E é justamente a mescla de drama e comédia que faz deste filme de William Wyler um western diferente. A eterna e clássica luta entre criadores de gado e pequenos sitiantes resolvida com a presença de um forasteiro serviu de pano de fundo para muitos faroestes antes de “O Galante Aventureiro”. E continuaria sendo vista nas décadas seguintes, como no clássico “Os Brutos Também Amam”. Mas nenhum outro faroeste teria um personagem como o Juiz Roy Bean para transformar uma história-clichê em um western incomum. Esse memorável personagem com sua idolatria pela atriz inglesa Lily Langtry e o poder adquirido permite que até mesmo mudar o nome da cidade de Vinegarroon para Langtry, forma maior de demonstrar a extensão da paixão pela diva. Vilão capaz de atitudes torpes, Roy Bean compra todos os ingressos da estréia de Lily Langtry em Fort Davis para assistir sozinho à apresentação de sua musa. Para o solene evento Roy Bean comparece trajado com sua farda de ex-oficial do Exército Confederado, inclusive com sua preciosa espada, conquistando a simpatia do espectador que inevitavelmente até chega a torcer por ele.

Walter Brennan
Um filme de Walter Brennan - Grandes vilões dos faroestes conseguem roubar os filmes dos heróis, isto desde Noah Beery até chegar a Gene Hackman (“Os Imperdoáveis”), passando por Lee Marvin, Dan Duryea, Lee J. Cobb, Klaus Kinski e Eli Wallach e tantos outros. Walter Brennan se destaca nesse time admirável com sua criação como Roy Bean. Brennan voltaria a ser malfeitor em “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine), mas seu ‘Old Man Clanton’ é um personagem tímido perto de Judge Roy Bean. A excepcional atuação de Walter Brennan lhe valeu um merecido terceiro Oscar, tornando secundária a trama principal de “O Galante Aventureiro” pois as excentricidades de Roy Bean sutilmente interpretadas por Brennan dominam inteiramente o filme. Entre os muitos momentos tornados inesquecíveis pelo ator está aquele em que ele jura em falso pela Bíblia e pelas Leis, mas não consegue jurar em falso por Lily Langtry. Ou quando recebe de Cole Harden a mecha de cabelos que seriam da atriz. Com tantos grandes momentos de Walter Brennan, tudo o mais que poderia depreciar “O Galante Aventureiro” é esquecido. Assim como Stuart N. Lake mitificou Wyatt Earp, fez o mesmo com Judge Roy Bean. Na vida real o juiz jamais chegou a conhecer a atriz Lily Langtry e não morreu alvejado por arma de fogo, mas sim deitado em sua cama, em verdadeiro coma alcoólico, aos 83 anos de idade. Mas a imagem que permanece é a cinematográfica criação de Walter Brennan.

Gary Cooper, o maior astro do cinema
norte-americano nos anos 40.
A naturalidade e o charme de Gary Cooper - William Wyler fez ótimos filmes em diversos gêneros, porém não pode ser colocado no mesmo nível de diretores de faroestes como John Ford, Anthony Mann, Henry Hathaway, John Sturges e Sam Peckinpah. Deliberadamente Wyler dirigiu “O Galante Aventureiro” com ritmo menos acelerado, dando mais ênfase aos diálogos que à ação. Quando porém as cenas exigem, como no duelo final dentro do teatro e principalmente nas extraordinárias sequências de incêndios e destruição, Wyler mostra porque era um dos mais renomados diretores de Hollywood. E, sem dúvida, extraordinário diretor de atores como comprova a longa lista de intérpretes premiados em filmes dirigidos por Wyler. E Gary Cooper surpreende com uma de suas melhores e menos lacônicas atuações interpretando o galante aventureiro discreta e saborosamente. Cooper enfrenta o incrível talento de Brennan com suas armas que são a naturalidade e o charme transmitidos a Cole Harden. E com que prazer se vê Gary Cooper cavalgando espetacularmente na tela como verdadeiro mocinho, o que não mais aconteceria com o alquebrado cowboy dos anos 50. A mocinha Jane-Ellen, interpretada pela ótima atriz Doris Davenport é um dos poucos casos de personagem feminino importante em tantos westerns filmados. Doris, que concorreu ao papel de ‘Scarlet O’Hara’ não chegou, infelizmente, a fazer carreira no cinema. Doris sofreu um acidente que a obrigou a se locomover com a ajuda de muletas pelo resto da vida, encerrando sua promissora trajetória como atriz. Menos intensa que a ‘Scarlet O’Hara’ de Vivien Leigh, Doris Davenport lembra e muito as irmãs Olivia De Havilland e Joan Fontaine.

Walter Brennan, Doris Davenport e Gary Cooper.

Edgar Buchanan e Paul Newman,
diferentes Judge Roy Bean.
Os Roy Bean de Buchanan e Newman - “O Galante Aventureiro” marcou a estréia no cinema de Forrest Tucker aos 25 anos de idade e foi  um dos primeiros filmes de Dana Andrews, numa ponta. O extenso elenco apresenta ainda Chill Wills, Paul Hurst, Tom Tyler e muitos outros rostos conhecidos. Outro ponto alto de “O Galante Aventureiro” é o excelente trabalho do cinegrafista Gregg Toland (“Cidadão Kane”). Dimitri Tiomkin compôs a trilha musical que foi rejeitada por William Wyler e inteiramente substituída por outra trilha composta por Alfred Newman. Por razões contratuais permaneceu nos créditos o nome de Tiomkin. A direção de arte de “O Galante Aventureiro” concorreu ao Oscar e a reprodução do saloon-tribunal do juiz Roy Bean é quase perfeita, ainda mais quando comparada com o original saloon-tribunal que foi preservado e é aberto à visitação pública em Langtry, no Texas. A história original de Stuart N. Lake concorreu igualmente ao Oscar de 1941, mas o único prêmio recebido pelo filme de William Wyler foi a terceira (e última) estatueta que Walter Brennan levou para casa. “O Galante Aventureiro” é merecidamente considerado um clássico dos faroestes e a figura do Juiz Roy Bean é lembrada em muitos filmes, séries e episódios de séries de TV. Em 1972 John Huston dirigiu “Roy Bean – O Homem da Lei” (The Life and Times of Judge Roy Bean), versão da vida do juiz, aqui interpretado pelo galã Paul Newman. Mais autêntico fisicamente, Edgar Buchanan interpretou Roy Bean nos 39 episódios da série de TV “The Judge of Pecos Valley”, produzida em 1956.

Algumas das sequências impressionantes de "O Galante Aventureiro";
abaixo Gary Cooper com Doris Davenport; à direita Lilian Bond.

Acima foto da construção original da corte-saloon do Juiz Roy Bean, em Langtry,
no Texas; abaixo cenário do filme dirigido por William Wyler.



5 comentários:

  1. Prezado Darci,

    William Wyler dirigiu cerca de trinta e seis westerns durante uma carreira que iniciou ainda no cinema mudo, porém destacou-se em outros gêneros como o épico “Ben-Hur” que na versão de 1925 foi assistente do diretor e que Gary Cooper fez uma pequena participação, musical “Funny Girl, a Garota Genial” (Funny Girl), romance “A Princesa e o Plebeu” (Roman Holiday) e drama “Horas de Desespero” (Desperate Hours) entre outros. Creio que o seu western mais conhecido do grande público seja o excelente “Da Terra Nasce os Homens” (The Big Country).

    O “Galante Aventureiro” (The Western) é dividido em partes que beiram a comicidade e o sentimentalismo, passando por cenas de violência entre posseiros e criadores de gado até o dramático confronto entre Roy Bean e Cole.

    Na verdade o personagem principal é o “Juiz” Roy Bean no qual Walter Brennan rouba completamente o filme, embora Gary Cooper tenha conseguido sustentar a sua parte de forma elegante e com muita naturalidade.

    Como você comentou, a real história de Roy Bean é completamente diferente da roteirizada, como acontece na maioria dos filmes que retratam personagens verídicos do antigo oeste americano.

    Por fim, é um western que ainda de assiste com atenção, principalmente devido aos grandes profissionais envolvidos na produção, incluindo cinematógrafo Gregg Toland.

    Mario Peixoto Alves

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  2. Olá, Mário - Entre os muitos dramas dirigidos por William Wyler eu destacaria "Infâmia", baseado em texto de Lillian Hellman e que toca no delicado tema do lesbianismo. Wyler é desses cineastas de quem pode-se citar uma dezena de grandes filmes sem precisar qualquer pesquisa. - Um abraço do Darci.

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  3. Darci,
    Envio post só para registrar que retirei da prateleira o dvd The Westerner, uma edição que nem tem o título em português, estou assistindo e até já sinto pena que o vou agora para a última parte.

    Dorivaldo Salles de Oliveira,
    São Paulo

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  4. Olá, Darci!
    Uma bela resenha, como sempre rica em detalhes, deste western onde Walter Brennan se destaca. O filme alterna momentos cômicos, dramáticos e poéticos.
    Andei pesquisando e li que um dos melhores westerns dirigidos por William Wyler ainda é praticamente desconhecido do público brasileiro. Trata-se de OS TRÊS PADRINHOS (Hell's Heroes, 1929), com Charles Bickford, um dos grandes westerns do início do cinema falado, uma das muitas versões de "Three Godfathers" levadas ao cinema. Ford já a havia realizado no cinema mudo ("Homens Marcados", 1919, está perdida) e depois a refilmou em 1948 em Technicolor. Pelo que pesquisei a versão de 1929 de Wyler, com Charles Bickford, é a melhor de todas. Vamos torcer para que alguma distribuidora brasileira lance-a por aqui algum dia.
    Um abraço!

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  5. O melhor faroeste do Gary, depois de "Matar ou Morrer", claro!
    Bela fotografia e trilha, elenco (merecido Oscar pro sempre ótimo Brennan) e roteiro que não dá pra falar mal, mas o ponto alto é a direção... salve Wyler!

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