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25 de janeiro de 2013

A VOZ DA HONRA (Fury at Furnace Creek), EXCELENTE WESTERN COM VICTOR MATURE



Os tão criticados títulos nacionais são, por vezes, melhores e mais apropriados que os nomes originais de muitos filmes. É o caso de “A Voz da Honra”, título muito mais acertado que o apelativo “Fury at Furnace Creek”, faroeste estrelado por Victor Mature. Dirigido por Bruce Humberstone este western merece ser destacado imediatamente após os clássicos faroestes produzidos em 1948. Esse foi o ano de “Sangue na Lua”, “Rio Vermelho”, “Céu Amarelo” e os dois westerns de John Ford “O Céu Mandou Alguém” e “Sangue de Heróis”. Ano também de “Abutres Humanos”, recém resenhado aqui no WESTERNCINEMANIA. Victor Mature havia deixado muito boa impressão em seu primeiro western que foi “Paixão dos Fortes” no qual interpretou ‘Doc Holliday’ e havia participado do noir “O Beijo da Morte”. Depois desses sucessos a 20th Century-Fox entendeu que seu contratado Victor Mature deveria fazer mais um faroeste e escalou o ator para o menosprezado “A Voz da Honra”.


O General Blackwell no banco dos réus
de uma Corte Marcial.
Sentença de morte - A história original de David Garth não era assim tão original uma vez que foi calcada em “Quatro Homens e uma Prece”, dirigido por John Ford em 1938. Nesse filme os irmãos Richard Greene, George Sanders, David Niven e William Henry tem por objetivo lavar a honra do pai C. Aubrey Smith, oficial britânico acusado de traição. O escritor David Garth reduziu o número de irmãos para apenas dois os quais igualmente devem limpar o nome do pai, o General Fletcher Blackwell (Robert Warwick). Os dois filhos são Cash Blackwell (Victor Mature) e Rufe Blackwell (Glenn Langan). Uma trama engendrada por Edward Leverett (Albert Dekker) faz com que uma falsa ordem militar atribuída ao General Blackwell provoque o massacre do Forte Furnace Creek, sede do 6.º Regimento de Cavalaria. O Capitão Walsh (Reginald Gardiner), comparsa de Leverett na trama cumpre a absurda ordem de deixar o forte e uma caravana de sitiantes desguarnecidos, à sanha dos apaches. O batedor da caravana observa que “Isso não é uma ordem, é uma sentença de morte”. À espreita o chefe apache Little Dog (Jay Silverheels) e seus guerreiros impiedosamente exterminam até o último homem da caravana e queimam o Forte Furnace Creek, não deixando nenhum sobrevivente. O General Blackwell é levado à corte marcial, senta-se no banco dos réus e não suportando as injuriosas acusações falece em pleno tribunal militar. Diante da tragédia a consciência pesada assombra o Capitão Walsh e faz com que ele peça baixa do Exército e se refugie na cidade próxima de Furnace Creek.

Albert Dekker, vilão a quem todos obedecem.
Farsa trágica - Os irmãos Cash e Rufe trilham caminhos diferentes em suas vidas pois Cash e um jogador e pistoleiro, enquanto Rufe é um Capitão do Exército formado em West Point. Ambos, no entanto, têm em comum a meta de trazer à tona os fatos verdadeiros que levaram à humilhação e morte do General Blackwell. Os irmãos, que há seis anos não se viam, chegam anonimamente a Furnace Creek pois descobriram o paradeiro do ex-Capitão Walsh. Os irmãos adotam os nomes fictícios de ‘Tex Cameron’ (Cash) e ‘Sam Gilmore’ (Rufe) e cada um, unilateralmente, quer resgatar a verdade. Edward Leverett é o homem mais poderoso de Furnace Creek, controlando o sindicato dos exploradores de prata da cidade. Para chegar a essa posição Leverett articulou a farsa que culminou com uma ordem de Washington expulsando os apaches da rica região que ele passou a controlar. Cash Blackwell/Tex Cameron infiltra-se na quadrilha de Leverett, ganha a confiança do arrependido Walsh e extermina com o bando de Leverett, não sem antes obter a confissão de Walsh.

O apache Little Dog (Jay Silverheels).
Tratado desrespeitado - O influente crítico Bosley Crowther, do jornal ‘The New York Times’, ao comentar “A Voz da Honra” disse que esse filme “era apenas um mais um faroeste convencional entre os campeões do bem contra os praticantes do mal”. Com sua crítica Crowther relegou “A Voz da Honra” à condição de um rotineiro western ‘B’, mais um entre os 108 faroestes produzidos em 1948 em Hollywood. Essa evidente má vontade com o gênero sempre existiu, mesmo diante de um faroeste com complexo e bem desenvolvido roteiro, boa produção da Fox e ótimo trabalho do elenco. Assim como ocorreu em “Sangue de Heróis”, também produzido em 1948, “A Voz da Honra”, com roteiro de autoria de Charles G. Booth e Winston Miller justifica a selvageria dos índios. Confinados pelo governo norte-americano em Furnace Hills, os apaches vêem o tratado que o próprio governo os obrigou a assinar ser desrespeitado pelo homem branco com a consequente expulsão da tribo do local. Os homens brancos se apropriam daquelas terras após a descoberta de ricos depósitos minerais, entre eles muita prata. Aos apaches só resta lutar por seus direitos diante da cobiça dos invasores das terras onde viviam há séculos. Está certo que depois de “O Caminho do Diabo” de Anthony Mann e “Flechas de Fogo” de Delmer Davis, filmes de 1950, o cinema norte-americano deixou de mostrar os índios como meros selvagens bons apenas depois de mortos, como sentenciou o General Sheridan. Nem esse importante detalhe Bosley Crowther percebeu. Aliás o iminente crítico não percebeu nada em “A Voz da Honra”.

Reginald Gardiner como o Capitão Walsh.
Exemplo de covardia no Velho Oeste - Algumas quadrilhas marcaram fortemente os faroestes e a quadrilha comandada por Leverett (Albert Dekker) é notável como perfeito retrato do poder em uma pequena cidade do Oeste. Laverett é o que se pode chamar de ‘empreendedor inescrupuloso’ cuja perniciosa ação recebe o aval do governo. Leverett alicia o Capitão Walsh (Reginald Gardiner) e provoca a humilhação a um exemplar General que dedicou sua vida à caserna e às batalhas. Esse é o modus operandis do ganancioso Leverett numa cidade em que a Justiça é feita por ele próprio. Um tribunal civil reunido para julgar Rufe Blackwell tem o júri composto por cidadãos aparentemente de bem mas subjugados por Leverett. E o juiz comanda o julgamento para agradar o poderoso Leverett. Não à toa o personagem Peaceful Jones observa: “Chega uma hora na vida em que o homem é meio avestruz”, lembrando daqueles que covardemente fecham os olhos para os mais escabrosos fatos,aceitando-os covardemente. No entanto a peça-chave de “A Voz da Honra” é o ex-Capitão Walsh, que depois de se vender a Leverett é assomado pelos fantasmas dos tantos mortos no massacre do Fort Furnace. Walsh vê na bebida a única saída para afogar seus remorsos. Walsh torna-se um morto-vivo incapaz de um ato de coragem e hombridade com seu silêncio também a serviço de Laverett. Teria o crítico do ‘The New York Times’ dormido durante a projeção de “A Voz da Honra”? Tenho certeza que sim!

O par romântico Colleen Gray e Victor Mature.
Trama complexa e bem conduzida - Bruce Humberstone realizou um ótimo trabalho dirigindo “A Voz da Honra”, provavelmente o melhor filme de sua pouco brilhante carreira. E fica-se a imaginar se nas mãos de um diretor mais inspirado esse faroeste não seria hoje um clássico. Humberstone deu a “A Voz da Honra” um ritmo compassado, com nada menos que duas sequências de tribunais, que normalmente tornariam o faroeste estático. Mas não é o que acontece pois a trama, visivelmente inspirada pelos tão em voga, em 1948, enredos-noir, envolve o espectador. E há um pouco de tudo em “A Voz da Honra”, desde ataque índio, perseguição a cavalo e o climático tiroteio, lembrando ainda a ótima sequência passada no saloon. Nesta sequência o ardiloso Bird (fred Clark), assecla de Leverett, tenta matar o assustado Walsh na mesa de pôquer. Se alguma coisa não funciona bem neste faroeste é o romance entre Cash Blackwell e a mocinha Molly (Colleen Gray). A 20th Century-Fox já havia reunido Victor e Colleen um ano antes, de forma mais convincente, em “O Beijo da Morte”. Entende-se, porém, a necessidade que havia de um par romântico nos filmes para satisfazer o público que sempre queria se enternecer com o amor nas telas.

Peaceful Jones (Charles Kemper) e sua cela móvel.
Acorrentado a uma cela móvel - O elenco de “A Voz da Honra” é magnífico, especialmente pelo grande número de atores característicos que apresenta. Destacam-se Robert Warwick como o general humilhado e Reginald Gardiner como o pária Walsh. Muito bons também Albert Dekker, Fred Clark, George Cleveland e Charles Kemper. O personagem ‘Peaceful Jones’, interpretado por Kemper é impagável e inusitado. Peaceful vive preso por beber e armar confusões, mas Furnace Hills não possui cadeia, o que faz com que o xerife acorrente o simpático beberrão a um pesado tronco de árvore, verdadeira cela ao ar livre. Mas Peaceful é fortíssimo e carrega seu tronco até mesmo para dentro do saloon. Charles Kemper, o inesquecível ‘Uncle Shilloh Clegg’ de “Caravana de Bravos” faleceu aos 49 anos de idade, em 1952, tendo participado de 36 filmes, entre eles o faroeste “Céu Amarelo”. Ainda antes de se imortalizar como ‘Tonto’ na série de TV “The Lone Ranger”, Jay Silverheels é o apache Little Dog, com participação determinante em “A Voz da Honra”. Victor Mature, para muitos um inefável canastrão, comprova mais uma vez com sua boa atuação que foi um ator injustiçado. Talvez mesmo o mais menosprezado de todos os atores. Colleen Gray, que completou 90 anos de idade em 2012 e ainda está viva, tendo pouco destaque em “A Voz da Honra”. Glenn Langan, aposta da Fox como galã nos anos 40, acabou não vingando apesar da bela estampa e também por não demonstrar maior talento.

Momentos de humor com Charles Kemper e sua cela móvel; abaixo à direita
Victor Mature exibe impressionante destreza ao atirar as cartas no chapéu.

Charles Stevens em papel importante - Os fãs de faroestes ‘B’ vão reconhecer entre outros rostos conhecidos os de Mauritz Hugo, George Chesebro, Si Jenks, Kermit Maynard, Guy Wilkerson e muitos mais. Mas o que lava a alma dos fãs é ver na tela o ator Charles Stevens. No cinema desde 1915, tendo atuado em “O Nascimento de uma Nação”, Charles Stevens participou de mais de 200 filmes e seriados, quase sempre interpretando personagens latinos ou índios. Ele é o ‘Indian Joe’ que agita Tombstone em “Paixão dos Fortes”, até levar uma coronhada de Henry Fonda (Wyatt Earp), cena em que mal se vê o rosto de Charles Stevens nessa obra-prima de John Ford. Em “A Voz da Honra” Charles Stevens tem provavelmente o grande papel de sua carreira, aparecendo na tela muito mais que na soma de dezenas e dezenas de filmes nos quais participou. Seu personagem José Artego é quem assassina o ex-Capitão Walsh, perseguindo-o como um rato pelos becos escuros de Furnace Creek e no tiroteio final é morto por Victor Mature.

Charles Stevens finalmente em papel de destaque num faroeste.


Linha ‘B’ da Fox - Com metragem de 88 minutos, em preto e branco, “A Voz da Honra” foi rodado com orçamento reduzido da linha ‘B’ da Fox, o que mais ainda valoriza suas muitas qualidades. A cinematografia coube a Harry Jackson e a insípida música original teve a autoria de David Raksin. Ao diretor musical do estúdio, Alfred Newman, deve-se a inserção de músicas conhecidas como “Bury me not on the lonely prairie” e “Clementine”, curiosamente constantes também das trilhas sonoras de “No Tempo das Diligências” e “Paixão dos Fortes”. Lançado pela 20th Century-Fox em DVD, “A Voz da Honra” é daqueles faroestes que merecem ocupar espaço em qualquer DVDteca de fãs de faroestes.

Victor Mature e o mais desajeitado cinturão do Velho Oeste, mas também com
o mais cativante sorriso que um cowboy pode ter.
Acima Victor Mature e Colleen Gray; abaixo com Glenn Langan.

Lobby-cards de "A Voz da Honra": acima Victor Mature e Glenn Langan;
abaixo Mature com o vilão Albert Dekker.


3 comentários:

  1. Esse eu não vi. Mas com sua indicação tornou-se obrigatório!

    Abraço!

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  2. Grande Darci,
    Mais um Grande Post! Fico boquiaberto com a quantidade de informações, fotos e a riqueza de detalhes de suas resenhas, um dia quem sabe eu consiga escrever assim kkkk!

    Parabéns!

    Gostei muito de conhecer sobre esse filme, que até então eu desconhecia a existência! Será que foi lançado em DVD no Brasil?

    Grande Abraço!

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