UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN
17 de junho de 2025
13 de junho de 2025
DESEJO DE VINGANÇA (HANNIE CAULDER)
O nome de Burt Kennedy era um dos mais prestigiados do cinema, em se tratando de westerns. Isto porque nos anos 50 Kennedy havia sido o roteirista e/ou autor das histórias de cinco dos faroestes da série clássica interpretada por Randolph Scott, série iniciada por “Sete Homens Sem Destino” (Seven Men from Now). Passando à direção nos anos 60, Burt Kennedy rodou os elogiados “Gigantes em Luta” (The War Wagon), “Uma Cidade Contra o Xerife” (Support Your Local Sheriff) e “Latigo, o Pistoleiro” (Support Your Local Gunfighter). Em 1971 a produtora Curtwell, do casal Patrick Curtis e Raquel Welch decidiu produzir um western que tivesse como protagonista a própria Raquel e que seria filmado em Almería, na Espanha, onde os custos eram muito inferiores aos dos Estados Unidos. Raquel seria ‘Hannie Caulder’ e para compor o elenco foram chamados Robert Culp, que adquirira fama com a série de TV “I Spy” (Os Destemidos) e seu último filme - “Bob and Carol and Teddy and Alice” - se tornara um dos maiores sucessos de 1969. Além de Culp foram contratados Ernest Borgnine, Jack Elam e Strother Martin, completando o elenco principal. Artistas conhecidos como Christopher Lee, Stephen Boyd e Diana Dors foram chamados para participações especiais e tudo indicava que “Hannie Caulder”, que no Brasil recebeu o título “Desejo de Vingança” seria um sucesso de bilheteria, o que acabou não acontecendo, sendo bem recebido na Europa mas fracassando nos Estados Unidos, mesmo tendo este filme de Burt Kennedy muitas qualidades.
Vingança passo a passo - Emmett (Ernest Borgnine), Frank (Jack Elam) e Rufus (Strother Martin) são os irmãos Clemens, trio de malfeitores desastrados que fogem dos Federales após um frustrado assalto a banco, no México. Esgotados pela fuga chegam a um posto de diligências onde matam o administrador Jim Caulder (Bud Strait), estupram sua esposa Hannie (Raquel Welch) e ateiam fogo ao posto. Surge no local o caçador de recompensas Thomas Luther Price (Robert Culp) que entende ser justo o desejo de vingança da mulher violentada e a ensina a manejar um revólver. Price leva Hannie até o México onde vive Bailey (Christopher Lee), um armeiro amigo seu que fábrica um revólver especial para Hannie. De retorno aos Estados Unidos chegam a uma pequena cidade e descobrem que lá também estão os irmãos Clemens. Price pretendia prender os irmãos e receber as recompensas mas Emmett o atinge com uma faca, e Price morre. Hannie agora tem dupla razão para se vingar e primeiro se defronta com Frank e mais rápida ao sacar mata o fora-da-lei. Em seguida é a vez de Rufus, que mesmo armado com carabina de cano duplo é morto por Hannie. O encontro com Emmett se dá em uma prisão desativada onde Hannie consuma sua vingança.
Fugindo da seriedade - A influência dos Westerns Spaghetti era sentida nos faroestes norte-americanos, especialmente quanto à violência mostrada na tela. E “Desejo de Vingança” era uma história com conteúdo violento, mas Burt Kennedy, que gostava de acrescentar pitadas de comédia em seus filmes, quis mesclar dramaticidade com risos provocados pelo trio de bandidos que lembram os Três Patetas, com Emmett, o irascível irmão mais velho nunca perdoando a estupidez de Rufus, o caçula. Ainda que Borgnine, Elam e Martin sejam talentosos e já deram provas de serem bons na criação de tipos jocosos, as trapalhadas do trio não funcionam bem neste western e fica-se a imaginar se não seria melhor ter explorado o lado sádico de cada um desses atores. Histórias de vingança requerem tensão constante e essa tensão é quebrada a cada confusão dos Clemons após o que não faltam xingamentos, tapas e chutes. De todos os momentos pretensamente engraçados promovidos pelos irmãos, o único que faz rir é o desespero de Rufus, o mais idiotizado dos três, que não consegue participar do estupro coletivo porque Emmett e Frank não lhes cedem a vez, o que o leva a mais um acesso de raiva e a atear fogo na casa dos Caulder.
Prioridade para matar - Um ingrediente bastante criativo no roteiro é o fato de Thomas Price ser um respeitado caçador de recompensas a ponto de atemorizar um dos xerifes quando a ele se apresenta para receber uma recompensa. O sheriff treme diante dele. E Price sabe que cada um dos irmãos Clemens significa dinheiro em seu bolso, ao mesmo tempo que sua admiração por Hannie aumenta enquanto ele melhor a vai conhecendo. Sentimento recíproco e que resulta em um dos momento fracos do filme quando caminham na areia do mar, enamorados à luz do luar. Apesar de Price ser frio como deve ser um caçador de recompensas e Hannie ter olhos apenas para a vingança, ambos imaginam uma possível vida juntos, ele com crianças ao redor e ela refazendo o lar destruído. Price sabe que a prioridade da morte dos Clemons é dela em seu desejo justificado de vingança, mas adverte Hannie dizendo que ela não conseguirá executar a missão a que se propõe contra três bandidos inescrupulosos. Price morre antes de se defrontar com os bandidos, morto por Emmett, mais rápido que ele ao lançar uma certeira faca em seu abdome com tempo ainda de se desviar do tiro desferido pelo pistoleiro. Kennedy fez uso de câmera lenta e aí não tem jeito, lembramos inevitavelmente de Sam Peckimpah e o que ele faria com um roteiro como o de “Desejo de Vingança”.
Raquel sensual e Culp perfeito - Nenhuma outra atriz de Hollywood foi mais bonita e sensual que Raquel Welch naqueles anos 60/70. A atriz era a campeoníssima da venda de pôsteres que emolduravam as paredes, o que era moda naquele tempo. Sua foto ampliada do filme “Mil Séculos Antes de Cristo” estava em centenas de milhares de quartos de rapazes no mundo todo. Os anúncios de “Desejo de Vingança” chamavam a atenção para a seminudez de Raquel, coberta apenas por um poncho e ninguém poderia reclamar deste western se pagou para vê-la provocante e linda. Seria demais exigir que fosse também ótima atriz na proporção de sua beleza, o que ela nunca pretendeu ser e Raquel saiu-se bem como a viúva vingativa. Porém quem surpreende de verdade é Robert Culp, uma perfeita cópia de Henry Fonda de quem tem o estilo comedido e simplista de atuar, sem excesso algum. Excelente como o pistoleiro caçador de recompensas. Sua aula de manejo e disparo de revólver ensinando Hannie Caulder é um momento brilhante do filme, que aproveita e mostra como era a fabricação artesanal de um revólver por um armeiro.
Único faroeste de Christopher Lee - Ainda entre os bons momentos de “Desejo de Vingança” está a morte de Ernest Borgnine, muito bem coreografada e ele com as expressões inimitáveis que o consagraram. Jack Elam ao enfrentar Hannie Caulder mostra porque ele foi um dos grandes vilões do cinema. Strother Martin repete-se a cada sequência nada inventando na idiotice do personagem Rufus. Nos créditos iniciais não aparece o nome de Stephen Boyd que tem curta participação em apenas duas sequências interpretando outro caçador de recompensas sem que haja uma explicação para suas aparições, inclusive na velha prisão abandonada. Diana Dors foi a resposta inglesa para Marilyn Monroe e interpreta uma cafetina. Em sua longa carreira Christopher Lee fez somente um único western e ele é o tranquilo armeiro que se retira no México onde faz mais filhos que armas. Um desses filhos é Paco de Lucia, o famoso instrumentista espanhol, em rápida aparição. Embora filmado na Espanha, “Desejo de Vingança” não utiliza muitos dos conhecidos coadjuvantes dos westerns spaghetti e somente Aldo Sambrell e Luís Barboo estão entre os rostos mais familiares. Para variar os mexicanos aparecem como preguiçosos federales na sequência do primeiro assalto a banco praticado pelos irmãos Clemens. Todos dormindo enquanto o banco é assaltado. E mesmo no ataque de um grupo de bandidos mexicanos, doze ao todo, à casa do armeiro, são rechaçados e somente quatro sobrevivem, em demonstração que além de preguiçosos são ruins de pontaria. Não sem razão o governo mexicano sempre faz restrições a muitas filmagens em seu país.
Raquel/Hannie Caulder: inesquecível - “Desejo de Vingança” é um bom faroeste mas daqueles filmes que deixam a impressão que poderiam ser melhor. Burt Kennedy não foi creditado como roteirista mas consta que fez diversas alterações no roteiro deste western. O filme seguinte de Kennedy foi “Os Chacais do Oeste” (The Train Robbers), com John Wayne e Ann-Margret, faroeste que, assim como “Desejo de Vingança” estão em nível inferior se comparados aos melhores trabalhos de Burt Kennedy como diretor. E a partir de então Kennedy passou a se dedicar mais a filmes feitos para a televisão, entre eles diversos faroestes, o mais conhecido a sua versão para a defesa do Álamo em “Álamo - 13 Dias de Glória” (Alamo - Thirteen Days to Glory), com James Arness como Jim Bowie. E Raquel Welch, que havia atuado em “O Preço de um Covarde” (Bandolero!) e em “100 Rifles” (sobre a Revolução Mexicana), despediu-se do gênero como Hannie Caulder, num western que se não se tornou ium clássico, pelo menos tornou a imagem da bela atriz vestida apenas com um poncho é inesquecível. Digna de um pôster.
Ernest Borgnine
3 de junho de 2025
ESTRONDO DE TAMBORES (A THUNDER OF DRUMS)
No início dos anos 60, enquanto na TV as séries westerns ainda estavam entre as campeãs de audiência, no cinema o gênero experimentava o declínio e prova disso é que, em 1961, alguns grandes estúdios produziram um único western cada, como foi o caso da Columbia, Warner Bros., Paramount e MGM. O faroeste que a Metro produziu nesse ano foi “Estrondo de Tambores” (A Thunder of Drums), baseado em história de James Warner Bellah e com roteiro do mesmo Bellah, cujo nome é bastante conhecido pelos fãs de westerns, especialmente aqueles que apreciam filmes sobre a Cavalaria Norte-Americana. São de autoria de Bellah as histórias que John Ford usou em sua Trilogia da Cavalaria (“Sangue de Heróis”/Fort Apache, “Legião Invencível”/She Wore a Yellow Ribbon e “Rio Grande”/Rio Bravo), além de “Audazes e Malditos” (Sergeant Rutledge). E James Warner Bellah foi também o autor da história e um dos roteiristas da obra-prima “O Homem que Matou o Facínora” (The Man who Shot Liberty Valance). Esses títulos seriam mais que suficientes para recomendar “Estrondo de Tambores”, com a direção entregue a Joseph Newman, diretor que três anos antes havia dirigido o ótimo “Forte Massacre” (Fort Massacre). E o elenco desta produção da Metro foi liderado por Richard Boone, outra atração, ele que fazia sucesso como o Paladino do Oeste, na série de TV que esteve no ar por seis temporadas, entre 1957 e 1963, sempre entre as mais assistidas. Nas folgas entre os episódios como ‘The Paladin’, Boone teve marcante participação em “O Álamo” (The Alamo), de John Wayne, interpretando o General Sam Houston e vestiu novamente uniforme militar para ser o comandante do forte onde se passa a história de “Estrondo de Tambores”.
Caça aos índios assassinos - Uma patrulha composta por soldados do Forte Canby é atacada por índios quando quatro soldados são mortos. Aparentemente são os mesmos índios também atacaram a casa de uma família de colonos matando-os e estuprando duas mulheres brancas. O Capitão Stephen Maddocks (Richard Boone) que comanda o forte exige que se descubra se os autores dos massacres são Comanches ou Apaches, onde eles estão e que paguem com suas vidas pelos assassinatos que cometeram. Chega ao Forte Canby o jovem e inexperiente Tenente Curtis McQuade (George Hamilton), recém formado pela Academia Militar e filho de um general do Exército que comandara o mesmo Forte Canby tendo, então, Maddocks sob seu comando. O Tenente McQuade encontra no forte a jovem Tracey Hamilton (Luana Patten) que está prestes a se casar com o Tenente Thomas Gresham (James Douglas), também lotado em Forte Canby. McQuade e Tracey se conheceram no Leste, onde mantiveram um caso e a antiga paixão é reacendida. Maddocks envia o Tenente Gresham comandando uma patrulha de sete soldados para localizar os índios e todos os oito homens da patrulha são brutalmente mortos. Após mais esta baixa em suas tropas, num total de doze num intervalo de poucos dias, o Capitão Maddocks reúne um destacamento maior que também é atacado pelos Apaches. Após dois confrontos os índios são abatidos e McQuade consegue provar a Maddock sua coragem e valor. A tropa retorna ao Forte Canby de onde Tracey Hamilton parte sozinha de volta para o Leste.
A Tropa sob o comando do Capitão Maddocks; a patrulha dizimada pelos Apaches
A vida no Forte Canby - Deixe-se de lado a expectativa de “Estrondo de Tambores”, por ser uma história da Cavalaria de James Warner Bellah, resultar num western como os da trilogia dirigida por John Ford já que qualquer comparação seria imprópria. Feito isso, este filme de Joseph Newman consegue despertar razoável interesse na abordagem da rotina de um forte encravado no Velho Oeste. As reivindicações do capitão-comandante são só parcialmente atendidas; o número de soldados do forte é insuficiente para conter os ataques dos índios na circunscrição do forte; a alegria dos soldados no dia de receber o soldo (payday) que é gasto quase todo ele no consumo de whiskey; as intrigas que correm boca-a-boca; os momentos de descontração nos bailes; o temor das ordens do irascível capitão sempre pronto a humilhar um subordinado. A isso some-se a insatisfação do próprio Capitão Maddocks confinado ao Forte Canby sem nenhuma previsão de promoção em razão de um erro militar cometido no passado. Dois terços de “Estrondo de Tambores” são consumidos para mostrar a vida entre as muralhas do forte, no que o filme não deixa de ser bem sucedido. Isto apesar do triângulo amoroso pouco ou nada convincente inserido na história com a coincidência da chegada do Tenente McQuade na véspera do casamento da jovem Tracey com o Tenente (Gresham), ela que quase se tornara a senhora McQuade quando viviam no Leste. E mais ainda com a sequência de encontros fortuitos e troca de beijos sempre interrompidos pela chegada inesperada de um soldado ou mesmo do Capitão Maddocks.
Richard Boone dançando com Luana Patten; Arthur O'Connell, James Douglas e George Hamilton; Luana Patten e James Douglas; Duane Eddy e seu violão
Um soldado mau caráter - Após muita conversa e pouca ação, vem o aguardado final de “Estrondo de Tambores” quando a Cavalaria parte para encontrar os índios e é emboscada pelos Apaches, em situação confusa com o Capitão Maddocks dando ordens ambíguas. E o ponto alto que poderia ser o confronto decisivo é decepcionante e despido de emoção e ritmo, sem uso de stuntmen e sem as lutas corpo a corpo e quedas de cavalos tradicionais nos melhores westerns. Em nada ajuda o excesso de frases de fundo psico-filósofico expressas pelo Capitão Maddock cuja didática consiste em humilhar todos sob seu comando. O único momento de ação na parte inicial ocorre quando o Tenente McQuade é extorquido pelo soldado Hanna (Charles Bronson) com quem trava luta feroz interrompida pela chegada de Maddock. Hanna havia presenciado diálogo comprometedor entre McQuade e Tracey e tenta tirar proveito disso cobrando McQuade pelo seu silêncio. Na econômica sequência inicial do filme, quando do ataque de Apaches, que sequer são mostrados, ao rancho da família Detweiler, a menina Laurie sofre um trauma que a deixa muda e sem reações sendo assim encontrada. E ao final do filme, sem maiores explicações a menina parece se recuperar e é enviada à casa de uma tia no Leste. Assim como o romance proibido entre McQuade e Tracey, a presença da menina Laurie é mal resolvida pelo roteiro. James Warner Bellah publicava suas histórias em forma de pulps e é provável que essas situações façam sentido no livro, o que não ocorre no roteiro escrito pelo próprio Bellah.
Carole Wells; Charles Bronson, Slim Pickens e Tammy Marihugh; George Hamilton e Charles Bronson; Charles Bronson
Charles Bronson o destaque do filme - A Metro-Goldwyn-Mayer entendeu ser esta aventura de Cavalaria uma boa oportunidade para impulsionar as carreiras de George Hamilton (que não decolava), James Douglas, Richard Chamberlain (em seu segundo filme e ainda antes da série de TV “Dr. Kildare”) e de Luana Patten (ex-atriz infantil). Porém quem domina este western com atuações seguras são os ‘veteranos’ Richard Boone, Arthur O’Connell e Charles Bronson, este aos 40 anos e já com uma década atuando em mais de trinta filmes, alguns deles westerns clássicos. Seu personagem é cínico, obcecado por mulheres e irresponsável a ponto de estar sempre devendo ao Exército. E quem diria que, de todo o elenco, Bronson seria poucos anos mais tarde uma sensação nas bilheteria do cinema! Claro que Boone é o destaque maior com sua presença forte e voz tonitruante, contrastando com os galãs Hamilton e James Douglas impecavelmente fardados e ainda o também bonitão Richard Chamberlain. Luana Patten, cuja beleza lembra um pouco Romy Schneider, pouco tem a fazer a não ser não conseguir evitar os abraços e beijos de Hamilton, seu ex-noivo. O diretor Newman não foi capaz de explorar o talento de comediante de Slim Pickens para dar um pouco de leveza ao filme. Como era moda nos westerns daqueles anos colocar jovens artistas da música nos elencos, desta vez foi o guitarrista Duane Eddy quem foi usado para atrair os fãs de rock’n’roll. Muito boa a música de Harry Sukman bem como a fotografia de William W. Spencer, que ajudam a fazer “Estrondo de Tambores” merecer ser assistido. Curiosamente a sequência final parece ter sido inspirada em “Casablanca”, com a amizade que nasce entre o Capitão Maddocks e o Tenente McQuade. E é de Maddocks a frase “o melhor soldado é o solteiro porque a única coisa que ele tem a perder é a solidão”.
Richard Boone
Bellah, um patriota extremado - “Estrondo de Tambores” foi um western logo esquecido, em parte por sua qualidade mediana e mais ainda porque quando foi produzido já se iniciara uma revisão da mentalidade que por décadas imperou em Hollywood vendo os nativos como selvagens, ecoando a frase do General Sheridan que “índio bom é índio morto”. Segundo o filho de James Warner Bellah, o pai era um homem misantropo e racista e que odiava os índios. Bellah lutou nas duas grandes guerras mundiais e se tornou membro da Society of Colonial Wars, uma associação patriótica criada para defesa e preservação das colônias norte-americanas espalhadas pelo mundo. O roteiro de Bellah trata os Apaches como seres que devem ser mortos e nada é mostrado no filme sobre eles ou suas razões para lutar, a não ser que são responsáveis por ataques covardes e cruéis contra os brancos e contra a Cavalaria. Por sinal, no combate com os túnicas azuis os Apaches sequer sdemonstram saber lutar e são presas fáceis da Cavalaria, a não ser quando, como foi dito, atacam covardemente. “A Thunder of Drums” foi o último livro escrito por James Warner Bellah e é provável que nos dias atuais seus livros voltem a fazer sucesso.
6 de dezembro de 2024
DOMINÓ KID, O VINGADOR (DOMINO KID)
Vingança é um dos temas mais utilizados nas histórias de faroestes. Vinga-se irmão, pai, mãe, filho, esposa e por vezes toda uma família, como no caso de “Dominó Kid, o Vingador” (Domino Kid), faroeste de 1957. Rory Calhoun, juntamente com Kenneth Gamet e Hall Biller, escreveu o roteiro em que um ex-confederado retorna da Guerra de Secessão e sua obsessão é a vingança que para ser consumada ele deve matar nada menos que os cinco assassinos de sua família. Dois anos depois deste western, Henry King dirigiu o clássico “Estigma da Crueldade” (The Bravados), no qual Gregory Peck persegue quatro supostos homens maus até descobrir que não foram eles os assassinos de sua esposa. “The Bravados” é um western A, enquanto “Dominó Kid” é um daqueles faroestes de pequeno orçamento (produzido por Rory Calhoun), filmado em preto e branco e destinado a ser um ‘double feature’, aqueles filmes que complementavam os programa duplo dos cinemas não lançadores. Os mais antigos devem se lembrar que, muitas vezes, o ‘double feature’ agradava mais que o filme principal e pode ter sido o caso de “Dominó Kid, o Vingador”, assim como os muitos outros pequenos westerns de Rory Calhoun. Essa série de westerns B de Calhoun foi interrompida pelas duas temporadas da série de TV “O Texano” (The Texan), em que em 79 episódios de 30 minutos ele interpreta Bill Longley, também um veterano da Guerra Civil, com o indefectível colete que Dominó Kid (Rory Calhoun) usa.
Matando um a um - A fama de pistoleiro de Dominó Kid já se espalhara pela vizinhança de Littlefield, cidade onde o comerciante Wade Harrington (Andrew Duggan) pretende ser o homem mais poderoso da região, comprando todas as pequenas propriedades. Ao retornar a Littlefield, Dominó Kid vinga-se de quatro dos assassinos de sua família, matando-os em confrontos em que é sempre mais rápido. Esses homens maus são Haimes (Fred Graham), Bob Trancas (Duane Grey), Ed Sandlin (Roy Barcroft) e Sam Beal (James Griffith). Resta a Dominó Kid descobrir quem seria o último nome da quintúpla vingança. Barbara Ellison (Kristine Miller) e Dominó Kid se conhecem desde a infância e Barbara quer que Dominó desista da vingança para não correr risco de ser morto e poderem se casar. Wade Harrington, além de querer comprar todas as propriedades ainda quer se casar com Kristine. Lafe Prentiss (Peter Whitney) é o quinto homem procurado por Dominó Kid e reaparece em Littlefield Ambos entram em confronto, com Harrington ajudando Dominó e impedindo que ele seja alvejado por um comparsa de Prentiss. Este é morto por Dominó Kid que ao final fica com Barbara.
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Rory Calhoun; Andrew Duggan e Rory Calhoun |
Final surpreendente - Este western de Rory Calhoun tem 74 minutos de duração, 24 a menos que o citado “Estigma da Crueldade”. Enquanto o filme de Henry King é magnificamente desenvolvido mostrando psicologicamente como é cada um dos homens perseguidos por Gregory Peck, em “Dominó Kid” tudo é muito rápido e as mortes se sucedem pouco ou nada se sabendo sobre cada um dos assassinos da família do Vingador. Como Dominó atira sempre em legítima defesa, o sheriff Travers (Robert Burton) de Littlefield nada pode fazer contra ele e paralelamente aos showdowns “Dominó Kid, o Vingador” faz uma ciranda amorosa com Wade Harrington se mostrando apaixonado por Barbara Ellison que ama Dominó. E o vingador ainda desperta a paixão de Rosita, dançarina mexicana de quem Juan Cortez (Eugene Iglesias), amigo de Dominó, gosta. E quem é enganado na história é o espectador que tem certeza que o quinto homem da lista só pode ser o ganancioso Wade Harrington. Sem maiores explicações Lafe Prentiss ressurge para ser morto pelo Vingador e para a história ter um final feliz, ou quase feliz porque tanto Wade quanto Juan Cortez e Rosita saem frustrados amorosamente. E frustrado também o público porque a mudança de Wade Harrington de possível homem mau para homem de bem não é nada convincente.
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Rory Calhoun e Yvette Duguay (acima); Yvette Duguay e Eugene Iglesias; Andrew Duggan e Kristine Miller; Rory Calhoun e Kristine Miller (abaixo) |
Faltou uma boa troca de socos - Fãs de faroestes matam neste filme a saudade de rostos muito conhecidos como Roy Barcroft, Denver Pyle, James Griffith, Dennis Moore, Fred Graham e outros, mas apenas Griffith tem maior oportunidade de exibir talento de homem mau antes de ser morto pelo Vingador. O sempre bom Andrew Duggan é perfeito como o negociante que quer lucrar com a desgraça alheia mas que inesperadamente mostra que tem bom coração e que sabe perder quando o assunto é amor. Kristine Miller fez longa carreira participando de séries de TV onde a exigência é sempre menor e perde longe e em tudo para a francesa Yvette Duguay, a sensual Rosita. Rory Calhoun, um tanto maduro para ser ‘Kid’, tem tudo que um mocinho da tela deve ter e é uma pena que as sequências de ação não tenham sido melhor desenvolvidas pelo diretor Ray Nazarro. Como Roy Barcroft já não tinha a mesma disposição física para brigas como nos tempos em que enfrentava Allan ‘Rocky’ Lane na série da Republic Pictures, uma boa troca de socos entre Calhoun e o corpulento Peter Whitney viria a propósito e “Dominó Kid, o Vingador” teria um desfecho ideal. Mas mesmo assim, merece ser visto pelos fãs do gênero.
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Rory Calhoun com Roy Barcroft; abaixo James griffith |
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Andrew Duggan; Rory Calhoun |
30 de novembro de 2024
AS AVENTURAS DE BUFFALO BILL (Pony Express)
Em 1953 a Paramount sabia que tinha sob contrato um ator que viria se transformar em um dos maiores astros de Hollywood. Seu nome era Charlton Heston, que, como nenhum outro, estava fadado a interpretar grandes vultos da História Universal. Antes dos 30 anos Heston já fora Marco Antônio no filme amador “Julius Caesar” e a figura do presidente Andrew Jackson em “O Destino me Persegue”, contracenando com Susan Hayward. E nesse início de carreira em Hollywood, o futuro Moises, Ben-Hur, El Cid, Cardeal Richelieu, Henrique VIII, João Batista, Michelangelo e outros personagens históricos, vestiu um buckskin, aquela vestimenta feita com pele de gamo, para ser William Frederick Cody, o Buffalo Bill. Sem as longas madeixas, sem o bigode e cavanhaque com que dezenas e dezenas de vezes esse lendário personagem apareceu em filmes, Charlton Heston foi escolha mais que apropriada para dar a Buffalo Bill a característica ‘bigger than life’, ou seja, aquele herói impossível de ser abatido, alguém maior que a própria vida. Se o próprio Buffalo Bill se incumbiu de ser mais lendário que real, a Paramount não tencionou produzir um semidocumentário historicamente acurado e sim mais um western na linha do mais puro entretenimento.
O invencível Buffalo Bill - “As Aventuras de Buffalo Bill” (Pony Express), com roteiro de Charles Marquis Warren baseado num daqueles livrinhos (pulp) com histórias de faroeste, de autoria de Frank Gruber, é um faroeste recheado de inverdades históricas, contando que em 1860 havia um movimento na Califórnia visando separar o Estado da União. A criação de um correio a cavalo impediria essa secessão uma vez que, em poucos dias, documentos e informações chegariam da Califórnia a locais distantes como Saint Joseph, no Missouri, até então acessíveis somente através das companhias que operavam as diligências. Uma delas era a Overland Stage Line, de propriedade de um certo Pemberton (Stuart Randall) que, em conluio com os irmãos Hastings - Evelyn (Rhonda Fleming) e Rance (Michael Moore) - buscavam boicotar a criação do Pony Express, o correio a cavalo, isto além de os três defenderem o separatismo. No entanto o trio não contava com o aparecimento de William F. Cody (Charlton Heston), o Buffalo Bill, e menos ainda que a bela Evelyn Hastings se apaixonasse por Cody. A elegante e encantadora Evelyn consegue fazer com que Cody se interesse por ela deixando de lado sua namorada Denny Russell (Jan Sterling), filha do empreendedor que criaria a Pony Express. Pemberton é aliado de Joe Cooper (Henry Brandon), comerciante que fornece armas aos índios comandados por Yellow Hand (Pat Hogan). Além dos inimigos da criação do Pony Express, também Yellow Hand e seus bravos atacam Bill Cody que a todos enfrenta com a ajuda de seu amigo Wild Bill Hickok (Forrest Tucker) e também da valente Denny Russell. Evelyn Hastings se volta contra o irmão e contra Pemberton e passa para o lado de Buffalo Bill que, após aniquilar o grupo contrário e vencer Yellow Hand em luta pessoal, dá a partida à primeira missão do Pony Express.
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Rhonda Fleming e Jan Sterling disputando o Buffalo Bill Charlton Heston; Rhonda e Jan no banho |
Buffalo Bill disputado pelas mulheres - A primeira parte de “As Aventuras de Buffalo Bill” é bastante divertida e repleta de frases irônicas e debochadas, como quando o cocheiro da diligência dúvida que o novo passageiro seja de fato Buffalo Bill e diz a ele: “Se você é Buffalo Bill, então eu sou Wild Bill Hickok”, tendo como resposta de Bill: “Não, você não é tão feio”. Pouco depois, ao chegar em Sacramento, Evelyn e Denny se conhecem e iniciam uma enciumada luta pois ambas são atraídas por Buffalo Bill, até que Evelyn descobre que Denny não é casada com Bill e também não será páreo para ela na conquista do homem do buckskin. Sem demora vem a sequência em que Wild Bill Hickok e Buffalo Bill se ‘cumprimentam’ da maneira mais insólita já vista em um faroeste, um esvaziando seus duplos Colts Peacemakers em direção ao outro, após o que Evelyn que a tudo assistia de uma janela diz que naquele reencontro “um aperto de mão seria muito mais natural”. Enquanto o espectador torce pela masculinizada Denny na disputa por Bill Cody, Evelyn, por amor, se afasta dos homens maus e leva vantagem na disputa. E nem poderia ser diferente já que Evelyn é refinada e linda, enquanto Denny está mais para uma original Calamity Jane, não a irresistível Doris Day de “Ardida como Pimenta”. Uma pena que em 1953 a censura não permitia mostrar mais da anatomia feminina porque, numa criativa sequência, as moças tomam banho em banheiras separadas mostrando quase nada. Enquanto isso os dois amigos fazem planos para o futuro correio a cavalo tomando alguns tragos para clarear a imaginação. Nem Charlton Heston e nem Forrest Tucker possuíam dotes de comediantes mas se esforçam para dar ao filme o tom ‘tongue-in-cheek’ (irônico) bem humorado que o roteiro pretendia.
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Charlton Heston em luta contra Pat Hogan (Yellow Hand) |
Marketing indígena - O chefe índio Yellow Hand sabe o poder que uma boa jogada, como vencer Buffalo Bill em luta mano-a-mano, lhe traria. Atualmente os ‘marqueteiros’ se encarregam desse trabalho imaginado por Yellow Hand que nada tem contra Bill Cody, mas que resultará em repeito jamais alcançado entre os índios e mesmo entre os cara-pálidas. Porém numa luta que poderia ser muito mais renhida e emocionante, Yellow Hand é vencido e, sem a ameaça dos nativos, os adversários do Pony Express se tornam mais fáceis de serem vencidos, até porque Henry Brandon (Joe Cooper), o mais ameaçador dos homens maus do filme morre muito antes do confronto decisivo. O ‘momento documentário’ de “As Aventuras de Buffalo Bill” é o trajeto inicial do correio a cavalo com a troca constante de montarias nos postos do Pony Express que culmina com a chegada, 20 minutos antes do prazo de dez dias se encerrar, de Buffalo Bill. Ele adentra Sacramento a galope para alegria da população local e para sua tristeza vê sua querida amiga Denny, na tentativa de avisar o amado prestes a ser alvejado, ser vítima de uma bala disparada por Pemberton. Quanto ao marketing, ninguém no Velho Oeste soube usá-lo como Bill Cody e como este faroeste não prima pelos fatos autênticos, não foi com Yellow Hand que o herói das planícies e caçador de búfalos teve a primeira lição.
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Acima Charlton Heston e Jan Sterling; abaixo Heston e Forrest Tucker |
Jan Sterling, a moça apaixonada - Charlton Heston nem precisa atuar para impor sua figura impressionante na tela e também não tem oportunidade de mostrar que sabia sim atuar, isto porque para muitos críticos ‘Chuck’ era mais persona que ator. Forrest Tucker não tem muito o que fazer, a não ser sacar seus Colts Peacemakers com cabos virados para a frente (Colt Peacemaker em 1860?). E no duelo feminino Rhonda Fleming ganha na beleza e perde na interpretação para a sempre excelente Jan Sterling, num raro papel engraçado e que ela demostra que gostou de fazer depois de tantas interpretações dramáticas. A menosprezada Jan foi marcante no cinema desde sua interpretação como a esposa frívola de “A Montanha dos Sete Abutres” (1950) até a sofrida passageira de “O Incidente” (1967). Outro personagem histórico que surge neste western é Jim Bridger, famoso montanhês e batedor do Exército, sendo nome de um Forte (Fort Bridger) no Wyoming. Neste faroeste o veterano Porter Hall interpreta Jim Bridges, amigo de Bill Cody e de Wild Bill Hickok. A curiosidade é que Porter Hall, que viria a falecer logo após as filmagens de “As Aventuras de Buffalo Bill”, interpretou Jack McCall em “Jornadas Heróicas (The Plainsman), 1936, sendo que Jack McCall foi o homem que, de verdade, matou Wild Bill Hickok. Evidentemente este faroeste dirigido por Jerry Hopper não lembra que o Pony Express durou menos de dois anos, ficando obsoleto com a chegada do telégrafo. Em sua longa carreira Charlton Heston estrelaria muitos westerns e se “As Aventuras de Buffalo Bill” não está entre os melhores, é boa diversão desde que não seja levado muito a sério.
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Charlton Heston com Jan Sterling |
25 de novembro de 2024
DUELO EM DIABLO CANYON (DUEL AT DIABLO)
O branco escalpelador - Ellen Grange (Bibi Andersson), esposa do comerciante Willard Grange (Dennis Weaver) é sequestrada pelos Apaches e mantida na tribo por um ano até que consegue escapar e é encontrada no deserto por Jess Remsberg (James Garner), um batedor do Exército. Jess leva Ellen para onde ela mora e para onde ele está indo, a cidade de Creel. O marido de Ellen não aceita seu retorno à casa ao saber que ela engravidara de um índio. Jess compreende a situação de Ellen porque ele teve sua esposa Comanche morta e escalpelada por um homem branco. Em Creel há um Forte comandado pelo Tenente Scotty McAllister (Bill Travers) que é incumbido de transportar um carregamento de dinamite e armas até o Forte Concho, sendo necessário para isso atravessar o território Apache. A tropa de McAllister é composta por 25 soldados, muitos deles inexperientes e o tenente recruta o batedor Jess e também o ex-sargento Toller (Sidney Poitier), um negro especialista em domar cavalos. Jess descobre que o escalpo de sua esposa Comanche passou pelas mãos do xerife de Concho (John Crawford), motivo que o leva a acompanhar a tropa. Toller também aceita participar da arriscada missão porque o Exército lhe deve dinheiro que só receberá em Conchos. Willard Granger faz parte da caravana para fazer negócios em Conchos e, por fim, Ellen vê nessa viagem a possibilidade de resgatar seu filho mestiço. No caminho o batalhão é atacado pelos Apaches chefiados por Chata (John Hoyt), muito mais numerosos que o grupo militar que é praticamente dizimado, só não o sendo totalmente porque chega, do Forte Conchos, a tropa do Coronel Foster (Ralph Nelson) que rende e captura os Apaches. Jess Remsberg descobre que foi Willard Grange quem matou e tirou o escalpo sua mulher Comanche, mas durante o confronto Grange é capturado pelos Apaches e torturado até quase a morte. Jess o encontra e coloca seu revólver na mão de Granger que se mata. Ellen retorna a Creel em companhia de Jess.
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Bibi Andersson e Dennis Weaver, desespero e revolta; desconsolo |
‘Apaches mais civilizados que os brancos’ - Reputado como um dos westerns mais violentos da década - Ralph Nelson se superaria com “Quando é Preciso Ser Homem” seu western seguinte - “Duelo em Diablo Canyon” tem um roteiro exemplar juntando situações de cunho racial que tentam justificar o ódio que é despertado em seres aparentemente normais. Jess Remsberg não descansa enquanto não encontrar e matar o assassino de sua esposa, vingança motivada pela crueldade do crime. Mesmo Jess descobrindo que Willard Granger foi quem matou sua esposa Comanche para se vingar dos índios Apaches que sequestraram e, para ele provavelmente mataram, Ellen a mulher branca fugitiva que ele Jess encontrara no deserto. Willard, movido pelo ódio, entendeu justa a ‘Lei de Talião’, assim como justo é o desejo de vingança do batedor Jess. Em meio ao ódio despertado entre os brancos, há também o sentimento de vingança dos Apaches uma vez que a criança nascida da relação entre Ellen e o apache Alchise (Eddie Little Sky) pertence aos Apaches e não à mãe branca que renunciou a viver com a tribo. E a razão está com cada um dos envolvidos, fruto mais de seus resentimentos que da capacidade de raciocinar sobre as culturas uns dos outros. Ellen, que tanto sofreu, é a pessoa mais racional entre os brancos chegando a dizer que ‘encontrou mais civilidade em meio aos Apaches que entre seu povo’. Este western é de 1966 mas sua atualidade é total apesar das lutas contra a segregação em tempos em que a etnia dita os comportamentos.
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Sidney Poitier; Poitier e Bill Travis; Bibi Andersson; James Garner |
Um branco humilhado e torturado - De todos os personagens de “Duelo em Diablo Canyon” o mais relevante é o interpretado por Dennis Weaver, o comerciante que tem sua esposa sequestrada pelos índios. Não bastasse a humilhação pela qual passa diante do povo de Creel por saber que sua esposa viveu um ano com os Apaches, ele ainda recebe a notícia que Ellen dera à luz a um bebê mestiço, um ultraje incontornável. O igualmente sofrido Jess ainda diz a Ellen que ela e o marido poderiam viver em outro lugar onde ninguém saberia do passado deles, ao que Ellen responde referindo-se ao bebê: “Meu povo, em qualquer lugar, jamais o criaria como um deles”. Granger perde de tal forma a clareza das idéias que se sente vingado pela perda da esposa ao matar e tirar o escalpo uma mulher Comanche como se os povos indígenas fossem todos iguais. Ellen compreende a tortura psicológica por que passa seu marido e até aceita sua reação chegando a dizer que Granger é um homem bom. A reação de Granger seria então a reação natural de qualquer homem de seu tempo e lugar e a prova disso é o sentimento de vingança do batedor de bom coração Jess, obcecado pelo desejo de encontrar e matar o assassino de sua esposa. Os ‘mais civilizados’ Apaches lutam para não terem que retornar ao confinamento em São Carlos, de onde fugiram e onde sofreram não só o cativeiro mas a liberdade e a perda de tudo que por séculos viveram segundo sua cultura. O roteiro não deixa de mostrar que os Apaches eram sim cruéis e a forma como torturaram Grange e dois outros soldados prova que o filme não tencionou poupar ninguém.
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Dennis Weaver torturado psicológica e fisicamente |
Um negro na Cavalaria - Nenhum outro ator no cinema norte-americano elevou o negro à condição de ser humano forte, íntegro, inteligente e sensível, como Sidney Poitier. Isto desde seus primeiros filmes sendo os mais importantes deles “Acorrentados” (The Defiant Ones), 1958, e “Uma Voz nas Sombras” (Lilies of the Fields), 1963, este dirigido pelo mesmo Ralph Nelson. Em “Duelo em Diablo Canyon” o personagem Toller de Poitier parece ter sido criado apenas para demonstrar que pode sim um negro ser importante como militar e isto na Cavalaria que sempre os discriminou. E o cidadão Toller é o homem mais elegante de Creel, ganhando a vida no pôquer após dar adeus ao Exército e preferir auferir mais dinheiro que o mísero soldo que recebia como sargento. Cínico, Toller paira acima dos demais personagens, mesmo do oficial da Cavalaria, Tenente McAllister e há até um excesso nessa composição como se o negro necessitasse ser arrogante para se sobrepor àqueles que por séculos os segregaram. E curiosamente, foi após “Duelo em Diablo Canyon” que Poitier atuou em três filmes que, definitivamente, mudaram a história do negro no cinema, três filmes de 1967: “Ao Mestre com Carinho” (To Sir with Love), “No Calor da Noite” (In the Heat of the Night) e “Advinhe quem Vem para Jantar?” (Guess who’s Coming to Dinner). Porém como Toller, Sidney Poitier não tem oportunidade de demonstrar sua excepcional qualidade como ator. Por outro lado ele está à vontade como cowboy neste seu primeiro western e como lembrou James Garner, Poitier teve que aprender a montar e usar armas, o que fez com perícia de veterano.
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Sidney Poitier em seu primeiro western |
A loucura produzida pela batalha - Se Sidney Poitier se saiu bem como homem do Oeste, certamente muito se deve a ser Ralph Nader exigente o que é constatado nas inúmeras sequências de ação repletas de quedas de cavalo e lutas corpo a corpo. As filmagens exigiram um grupo de nada menos de 13 stuntmen, entre eles Richard Farnsworth e Neil Summers que podem ser reconhecidos em pontas. As sequências de combate são convincentes e emocionantes concentrando paralelamente as questões raciais, ou seja, não há pano de fundo e o drama e ação se harmonizam perfeitamente. Um senão em “Duelo em Diablo Canyon” é a resistência dos feridos durante a batalha, como no caso do Tenente McAllister que com uma perna quebrada, ombro perfurado por flecha consegue montar e lutar bravamente. Ele que sonhava em ser General e que entrando em estado de alucinação pelos ferimentos e pelo sol inclemente, luta de espada na mão, contra inimigos invisíveis. Mesmo o negro Toller tem o braço varado por uma flecha que ao ser retirada deveria produzir dor insuportável, enfaixa o braço e volta a disparar contra os Apaches.
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Muito trabalho para os stuntmen |
Dennis Weaver excelente - James Garner é sempre ótimo como cowboy, muito bom e menosprezado ator. Ganhou fama como Bret Maverick e fez muitos westerns, sempre com sua discreta competência dando credibilidade às personagens. A bergmaniana Bibi Andersson (minha favorita entre as atrizes suecas) fez sua estreia em Hollywood com esse filme que é, certamente, um de seus melhores trabalhos na meia dúzia de participações no cinema norte-americano. Totalmente desglamurizada Bibi expressa com perfeição o sofrimento de Ellen Grange, desprezada pelos brancos e maltratada também pelas índias Apaches. Não muito feliz foi a escolha de Bill Travers como oficial da Cavalaria, ele que é inglês e com seu sotaque soando inteiramente fora do contexto. Dennis Weaver que então brilhava na TV como Chester, o manquitola assistente de Matt Dillon (James Arness) em “Gunsmoke”, tem a melhor atuação de todo elenco, antecipando seu magnífico trabalho como o acuado motorista de “Encurralado” (Duel), 1971. O diretor Ralph Nelson faz uma participação como Coronel da Cavalaria. A trilha sonora musical ficou a cargo de Neil Hefti, cujo tema principal não entusiasma, mas os arranjos para as sequências de ação produzem efeitos estupendos e que somados à ótima fotografia completam este western que não fez o sucesso que merecia.
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James Garner com Sidney Poitier; com Bibi Andersson; em uma sequência arriscada; e novamente com Bibi Andersson |
18 de novembro de 2024
ATÉ O ÚLTIMO TIRO (The Maverick Queen)
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Barbara Stanwyck afirmou algumas vezes que gostava mais de atuar em faroestes por se sentir melhor nos espaços abertos que dentro dos estúdios. E os westerns também gostavam de Barbara pois quase todos em que atuou resultaram em filmes bons, ótimos e até excelentes como “Dragões da Violência” (Forty Guns), 1957. O problema é que os grandes atores evitavam atuar ao lado de Barbara porque ela os engolia com suas interpretações, como aconteceu em “Sangue da Terra” (Blowing Wild), 1953, em que Anthony Quinn e Gary Cooper viram a pequena atriz se agigantar com seu talento. Já os diretores tinham prazer em trabalhar com Barbara e foi Cecil B. DeMille quem declarou que nunca havia dirigido uma atriz tão cooperativa e que não fazia exigências absurdas como as maiores estrelas de Hollywood. E Barbara era uma dessas grandes estrelas, ou pelo menos foi durante as décadas de 30 e 40 quando, em 1945, chegou a ser a atriz mais bem paga do cinema. Ao se aproximar dos 50 anos, o que poderia representar a inevitável decadência, Barbara passou a atuar mais vezes em faroestes, quase sempre interpretando mulheres dominadoras e antipáticas, exatamente como a Kit Banion de “Até o Último Tiro” (The Maverick Queen). Herbert J. Yates, o detestado chefão da Republic Pictures, satisfeito com o sucesso de crítica de “Johnny Guitar”, 1954, decidiu produzir outro faroeste ‘A’ tendo, outra vez, uma mulher como personagem principal e os demais atores como coadjuvantes. Para isso contratou Barbara Stanwyck, um dos maiores acertos de sua longa trajetória como presidente da Republic Pictures. Esse faroeste marcou a única passagem de Barbara pela Republic Pictures.
Uma mulher no ‘The Wild Bunch’ - A história de “Até o Último Tiro” conta como a sulista Kit Banion (Barbara Stanwyck) deixa o Estado da Virginia após a Guerra de Secessão e se torna uma bem sucedida mulher de negócios no Wyoming, onde é chamada ‘The Maverick Queen’, isto porque colocava sua marca em reses desgarradas. Na cidade de Rock Springs, Kit Banion é dona do hotel e do saloon e negocia, sempre com altos lucros, a compra de gado de pequenos criadores como a jovem Lucy Lee (Mary Murphy). A ganância faz com que Kit se envolva com o temido ‘The Wild Bunch’, o bando de Butch Cassidy (Howard Petrie), cujo braço direito é Sundance (Scott Brady), o mais recente amante de Kit. Chega ao lugar um estranho que se diz chamar Jeff Younger (Barry Sullivan) e que afirma ser sobrinho dos famosos bandidos Cole e James Younger. Jeff é, na realidade, um agente da Pinkerton. Kit, que não costuma ficar muito tempo com um amante, ao conhecer Jeff Younger se apaixona por ele sem desconfiar que o agente a usa para, através dela, se infiltrar no bando de Butch Cassidy e descobrir onde fica o esconderijo da quadrilha, local chamado ‘Hole on the Wall’. Surge então em Rock Springs o verdadeiro Jeff Younger (Jim Davis) e o agente da Pinkerton é desmascarado. Inconformado por perder Kit Banion, Sundance tenta matá-la, mas o agente a defende e Sundance é quem termina por ser morto. Com a ajuda de reforço da Pinkerton, ocorre um confronto com o bando de Butch Cassidy quando Kit é ferida mortalmente terminando assim o império da ‘Maverick Queen’.
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Barbara Stanwyck com Scott Brady e com Barry Sullivan |
Sundance, o ciumento - “Até o Último Tiro” foi dirigido pelo prolífico Joseph Kane, diretor especializado nos westerns-B da Republic, o que não seria uma boa recomendação para uma produção mais elaborada como este filme. Mas Herbert J. Yates sempre primou pela sovinice e Kane compensaria financeiramente o gasto com o salário de Barbara Stanwyck. Mas que surpresa! Kane realizou um filme excelente, movimentado e ao mesmo tempo repleto de intrigas, romance e traição. Afinal esse é um território que Barbara domina como ninguém, especialista que é em se mostrar mulher dominadora e que se impõe aos brutos que a cercam. Kit Banion usa os homens para satisfazer seus próprios desejos e espera sempre que o próximo seja melhor que o anterior, o que consegue quando conhece o falso Jeff Younger, por quem se apaixona. Como Kit havia desfeito seu caso com Sundance, não chega a haver um triângulo amoroso entre eles, mas sim o bandido Sundance ferido em seus brios por ter sido, por duas vezes, desarmado por Jeff e ser humilhado por Kit. Sundance é um homem sem escrúpulos e mesmo não aceitando o fim de seu relacionamento com Kit, persegue a jovem Lucy Lee, a quem tenta violentar. Toda a ação do agente da Pinkerton serve como pano de fundo para os dramas sentimentais da trama, uma vez que Lucy Lee, a exemplo de Kit Banion, também se sente atraída pelo falso Jeff Younger.
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Mary Murphy; Scott Brady e Mary Murphy |
Cozinheiro espião - Cozinheiros nos faroestes são sempre tipos alegres e confiáveis, mas Jamie (Wallace Ford), cozinheiro de Lucy Lee, ainda que goste de tocar sua gaita de boca, é um homem tão triste quanto falso, sendo mais um a serviço da Maverick Queen, de quem é espião. Ou melhor, contraespião porque presta serviços a Butch Cassidy. Jamie não consegue fugir de seu passado ele que assassinou o pai de Lucy Lee, fato que ela desconhece e é usado como chantagem por Sundance e por Butch Cassidy. A história foi escrita por Zane Grey, que a deixou incompleta, sendo concluída por seu sobrinho e mais parecendo um enredo de filme noir. Joseph Kane que dirigiu tantas e tantas lutas de Roy Rogers, Gene Autry, John Wayne, Bill Elliott, Rod Cameron e outros, contra os badmen da Republic, mostrou que poderia fazer o mesmo com atores de mais nomeada como Scott Brady e Barry Sullivan, além, claro de Barbara Stanwyck. Entre as melhores sequências de “Até o Último Tiro” está aquela em que Sundance tenta matar Kit Banion e ela o joga declive abaixo da montanha onde estão, fazendo rolar um pesado tronco sobre o bandido. E não falta um assalto a um trem que transporta uma fortuna e confrontos entre Jeff Younger e Sundance, entremeando as intrigas amorosas.
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Wallace Ford com Barbara Stanwyck e com Scott Brady |
Lucro é o que interessa - Herbert J. Yates vendo outros estúdios utilizarem processos de tela larga como o Cinemascope, o Technirama, o Warnerscope, o Regalscope e outros, criou para este filme o Naturama, que como os processos citados tinha a dimensão 2:35.1. Isso representou um problema para quem não conseguiu ver uma cópia do filme nesse formato. Em VHS, no Brasil, “Até o Último Tiro” foi lançado em formato 4x3 e assim era exibido também na TV, o que fazia com que em algumas sequências não houvesse atores no quadro uma vez que foram colocados nas extremidades para ocupar todo o formato do Naturama. Mesmo a cópia que é exibida no YouTube, ainda que um pouco mais larga, corta as laterais, sem falar que para alargar o formato, sacrifica um pouco das partes de cima e de baixo dos fotogramas, mutilando-os. O colorido é o Trucolor, o mesmo de outros westerns em cores da Republic, processo que é muito inferior aos mais utilizados como o Technicolor ou Eastmancolor. Yates sabia que muitos chamavam seu estúdio de ‘Repulsive Pictures’, mas ele pouco se importava, desde que seus filmes dessem lucro. Ora, se a tão importante parte técnica era menosprezada por Herbert J. Yates, não seria ele que iria exigir um roteiro que primasse pela autenticidade histórica como ocorre quando o filme junta Butch Cassidy, Sundance (Kid), os irmãos Younger e faz com que Sundance venha a morrer no Wyoming e não na Bolívia, como de fato ocorreu e é mostrado em “Butch Cassidy and the Sundance Kid”, de 1969, com Paul Newman e Robert Redford. Por sinal, esse western que foi estrondoso sucesso de bilheteria, foi filmado em locações em Silverston, Colorado, onde também havia sido filmado “Até o Último Tiro” 13 anos antes.
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Barry Sullivan acima e abaixo; o The Wild Bunch com John Doucette, George Keymas, Howard Petrie e Scott Brady |
Filme de Barbara Stanwyck - O premiado compositor Victor Young compôs a trilha musical de “Até o Último Tiro” e a exemplo do que havia feito para “Johnny Guitar” (1954), compôs também uma canção (em parceria com Ned Washington) que narrasse as aventuras e desventuras de Kit Banion, canção denominada ‘The Maverick Queen’ e interpretada pela cantora Joni James. A gravação fez algum sucesso mas foi logo esquecida, ao contrário daquela interpretada por Peggy Lee em “Johnny Guitar”. Este foi um dos últimos trabalhos de Victor Young que faleceria em 1956, não sem antes receber um Oscar por “A Volta ao Mundo em 80 Dias”. Scott Brady desempenhou bem o bandido enciumado e ao mesmo tempo amoral assediando Lucy Lee. Igualmente bem Wallace Ford como o torturado e pusilânime cozinheiro. Mary Murphy mostra que poderia render mais em papeis mais complexos e Howard Petrie não foi bem aproveitado na sua característica brutalidade. Barry Sullivan não foi a escolha certa para ser o inspetor da Pinkerton, carecendo de maior agilidade física e do carisma que ele, bom ator que era, nunca teve. E carisma é o que não falta para Barbara Stanwyck que domina todo o filme, como era de se esperar em mais uma excelente atuação. E curiosamente a produção não economizou no guarda-roupa que a atriz exibe em “Até o Último Tiro”. Mais alguns filmes com a qualidade deste e a Republic Pictures seria um estúdio muito mais respeitado.
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Barbara Stanwyck |