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15 de outubro de 2024

QUANDO EXPLODE A VINGANÇA (Giù la Testa/A Fistful of Dynamite/Duck, you Sucker)

 


  Sergio Leone é uma quase unanimidade quando se trata de westerns e o ‘quase’ é em razão do último faroeste que dirigiu que foi “Quando Explode a Vingança” (Giu la Testa/A Fistful of Dynamite/Duck, you Sucker), 1972. Com a Trilogia dos Dólares, seguida por “Era uma Vez no Oeste” (C’Era una Volta il West), Leone atingiu o panteão dos grandes diretores do gênero, ao lado de Ford, Hawks, Mann, Peckinpah e Sturges. Sucesso de crítica e público, esses quatro westerns abriram as portas (e os cofres) dos maiores estúdios e produtores possibilitando a ele voos mais altos e, por que não, uma nova trilogia, muito mais ambiciosa que a bem sucedida ‘dos Dólares’. E esta segunda trilogia imaginada por Leone já havia sido iniciada justamente com “Era uma Vez no Oeste”, e seria seguida por “Era uma Vez a Revolução” e fechada ainda mais pretensiosamente com “Era uma Vez na América”, sendo que com este último filme Leone atingiu, 12 anos mais tarde, o ápice de sua carreira como diretor. O que era para ser chamado “Era uma Vez a Revolução” começou de forma acidentada desde o início do projeto, com o roteiro feito por Luciano Vincenzoni, Sergio Donati e o próprio Sergio Leone, gerando diversos desentendimentos, a começar pelo título que foi alterado para “Giù la Testa”,.

 


  O roteiro foi gestado durante muito tempo até ser considerado ideal e pronto para ser filmado, mas por outro diretor porque a essa altura Leone desistira de dirigir “Giu la Testa”, que no Brasil seria chamado de “Quando Explode a Vingança”. A United Artists, que iria produzir o filme, indicou Peter Bogdanovich para dirigi-lo, isto apesar de Bogdanovich ter, até então, dirigido somente um filme, que foi “Na Mira da Morte” (Target) e ser mais conhecido pelo documentário “Directed by John Ford” que fez entrevistando longamente o veterano diretor que era avesso a entrevistas. A parceria Leone-Bogdanovich tinha tudo para não dar certo, o que só a diretoria da United Artists não percebeu, e em menos de um mês o norte-americano abandonou o projeto. Nos planos de Leone estava Eli Wallach que chegou a um acordo verbal com Leone para atuar nesse novo filme, ficando com um dos dois principais papéis, porém a United Artists tinha Rod Steiger sobre contrato com o ator devendo um filme ao estúdio. Steiger vinha de premiada atuação em “No Calor da Noite” (In the Heat of the Night), pela qual recebeu um Oscar de Melhor Ator e a United Artists contratou James Coburn para completar a dupla de principais intérpretes do filme que seria dirigido por Giancarlo Santi. Quando Coburn e Steiger souberam que o diretor não seria o muito afamado criador de “Era uma Vez no Oeste”, se recusaram a atuar dirigidos por outro diretor que não fosse Leone e este não teve alternativa a não ser assumir a direção de “Giù la Testa”. E com certa alegria porque desde que vira James Coburn como o lacônico cowboy que duela atirando uma faca no oponente (Robert J. Wilke) em “Sete Homens e um Destino” (The Magnificent Seven), 1960, Leone nunca o esquecera. Tanto que Coburn era o nome preferido pelo diretor para interpretar o taciturno ‘Blondie’ em “Por um Punhado de Dólares” (Per un Pugno di Dollari). Como a pedida de Coburn havia sido alta demais, o pouco conhecido Clint Eastwood aceitou a oferta e depois do encontro com Leone se tornou ídolo mundial. Por outro lado Leone sabia bem que trabalhar com Steiger não seria tarefa fácil, conhecido que era por ser ator tão incontrolável quando Marlon Brando, aliás seu ex-colega de Actors’ Studio. Pouco tempo antes Rod Steiger acabara de abandonar as filmagens de “Guerra e Paz” em que interpretava Napoleão Bonaparte, por não se entender com o diretor russo Serguei Bondartchuk.

 

Acima James Coburn com Robert J. Wilke;
no centro Coburn atirando sua faca;
Rod Steiger em "No Calor da Noite".

  “Quando Explode a Vingança” se passa em 1913, já em plena revolução mexicana e começa com o bandido Juan Miranda (Rod Steiger) e sua enorme família de salteadores de estrada em ação dominando uma diligência que transporta um grupo de burgueses. Concretizado o assalto, Miranda vê chegar Sean Mallory (James Coburn) pilotando uma motocicleta. Mallory é perito no uso de explosivos e Miranda percebe que ele pode ser útil ao seu intento de, com seu bando familiar, assaltar o banco de Mesa Verde. Mallory trabalha para uma empresa mineradora alemã e após relutar, aceita a parceria com Miranda, trabalho muito mais rendoso que explodir rochas no deserto. O assalto ao banco é bem sucedido, mas o que Miranda não sabia é que todo dinheiro havia sido transferido para a Cidade do México e que o local, fortemente guarnecido por guardas armados, havia sido transformado em cadeia onde se encontravam 150 presos políticos. Involuntariamente Miranda os liberta e se torna herói para os revoltosos que o carregam nos ombros, ao mesmo tempo que passa a ser considerado líder revolucionário. Mallory, um irlandês que pertencera ao Exército Republicano Irlandês (IRA) e fugira para o México para escapar de ser preso pelos ingleses, nutre simpatia pela causa revolucionária mexicana pois vê semelhanças com o que acontece em seu país e termina por se envolver com a revolução, o mesmo ocorrendo com Miranda que vê toda sua família ser vítima das forças do governador mexicano. Perseguidos como terroristas, Miranda e Mallory seguem praticando vários atos que causam baixas às forças governistas, a maior delas quando dinamitam um trem que transporta um batalhão inteiro, evento em que Mallory morre, encerrando a parceria com Miranda.

 

Sean Mallory com sua motocicleta Indian;
Juan Miranda e família, no centro;
Abaixo Mallory carregado de dinamite

  O título original “Giù la Testa” significa ‘abaixe a cabeça’ e nos Estados Unidos recebeu o título “Duck, you Sucker” (Abaixe-se, Idiota). Já na Inglaterra “Giù la Testa” foi chamado de “A Fistful of Dynamite” (Um Punhado de Dinamite), título muito mais adequado que o brasileiro “Quando Explode a Vingança” (ou o de Portugal que foi “Aguenta-te, Canalha!”) e isto porque a história não gira em torno de nenhuma vingança e porque o que não falta neste filme são explosões. Mas que não se pense que Leone dirigiu mais um daqueles muitos filmes em que o destaque fica para os cansativos efeitos visuais e os ensurdecedores efeitos sonoros. O roteiro é bem concebido narrando como o humilde mexicano Juan Miranda (Rod Steiger) , homem que não se interessa pela revolução que está por todos os lados no México, aos poucos é tomado pela consciência política, isto ao passo que o politizado irlandês Sean Mallory (James Coburn), ex-ativista do IRA, tenta fugir de seu passado mas, assim como Miranda, é envolvido pelos acontecimentos. Entre uma explosão e outra, sempre providenciadas por Mallory e entre as centenas de tiros das metralhadoras do irlandês e de Miranda, nos quais são mortos incontáveis soldados do exército governista, “Quando Explode a Vingança” ressalta o quadro cruel de uma revolução com execuções por toda parte e mostra a amizade que brota entre os inicialmente desafetos Mallory e Miranda. Em sua primeira parte, o tom imprimido se aproxima da comicidade nas disputas entre os dois antepondo a violência de Miranda com o cinismo de Mallory que lembra que pode refazer o mapa do local com seu domínio da nitroglicerina e da dinamite. E é nesse início do filme que Leone narra sua visão social.

 

Sean Mallory e Juan Miranda

  No interior da luxuosa diligência assaltada por Miranda e sua família, encontra-se um grupo de burgueses. O condutor da diligência, por puro sadismo permite que Juan Miranda entre na diligência para empestear o perfumado ambiente onde estão acomodados, em caríssimas poltronas de couro, quatro homens exalando arrogância, um deles um padre e mais uma mulher tão ou mais soberba que os quatro homens. Ao ver Miranda todos demonstram impiedosamente o desprezo que nutrem por quem é pobre, para eles seres que em nada se diferenciam dos animais. Miranda aceita os insultos, até concordando com as ofensas que lhe imputam. Quando a presunçosa senhora fala ela diz que ‘essa espécie de gente deve viver na promiscuidade, todos num só quarto, como ratos, machos e fêmeas amontoados e quando a luz se apaga, desaparecem as inibições e é a vez de tocar mães, filhas, irmãs, sem distinção’. Ela diz isso enquanto seus lábios chupam sensualmente uma cereja e seus olhos brilham lubricamente, o que não passa despercebido por Miranda. A diligência estaciona num posto abandonado, onde a aguarda a família de Miranda que mata o condutor e o segurança. Um dos quatro homens tenta puxar uma arma e é morto por um dos filhos de Juan que ordena que os demais homens se dispam, ficando nus, inclusive o padre (cuja fisionomia lembra o Papa Pio XII). Miranda encaminha a mulher para um local afastado não para estuprá-la pois ele percebeu o quanto ela era uma mulher carente por sexo. Ela sem opor maior resistência aceita o contato carnal com Miranda que a satisfaz. Leone fecha a câmara nos olhos da afetada burguesa e com isso expressa mais que se mostrasse o coito mais explicitamente. Luís Buñuel não faria melhor.

 

Maria Monti como a burguesa satisfeita por Juan Miranda;
abaixo parte dos passageiros da luxuosa diligência

  A parceria entre o mexicano e o irlandês se consolida, apesar das diferenças entre os dois. Juan diz que a pátria para ele é só a sua família e que só luta por ela e por mais ninguém. Mesmo não politizado, Miranda sabe que os teóricos das revoluções não vão à luta, deixando isso para o povo que ao final de uma revolução continuará sofrendo da mesma forma. Para o mexicano, o modo de corrigir as desigualdades sociais é assaltando os que possuem riqueza. Mallory que quer se afastar das questões sociais, cinicamente diz que que a única ideologia que existe é a da dinamite, mas carrega consigo “O Patriotismo”, livro de autoria do russo Bakunin. Em flashbacks Mallory surge como jovem em seus tempos como ativista do Exército Republicano Irlandês, quando foi traído por Sean Nolan (David Warbeck), um amigo inseparável, que Mallory mata no momento em que, denunciado por Nolan sob tortura, estava para ser preso, matando também dois policiais que estão com Nolan. Mallory fugiu então para o México, mas o passado o atormenta, recorrendo ao álcool para esquecer. Ardilosamente Miranda consegue fazer com que o irlandês conceba assaltar o banco de Mesa Verde, sonho antigo do simplório bandido mexicano. Sean Mallory com Juan Miranda e a família deste chegam a Mesa Verde, onde o banco havia se transformado em cadeia e, lembrando “Tempos Modernos” (Modern Times) de Chaplin, Miranda se torna um constrangido herói revolucionário. A dupla passa a integrar uma célula revolucionária dirigida pelo Dr. Villegas (Romulo Valli) e a amizade entre ‘Juan e John’, ou ‘Johnny e Johnny’, como os dois costumam se tratar, leva Mallory a salvar o amigo que está diante de um pelotão de fuzilamento após ser capturado e ter toda sua família assassinada, ou seja, ver que está sozinho no mundo, exceto pelo parceiro irlandês.

 

O banco de Mesa Verde sendo dinamitado;
Juan Miranda se tornando herói;
Sean Mallory ainda na Irlanda

  Lembrado pelas muitas explosões, “Quando Explode a Vingança” tem seu trepidante epílogo durante a tentativa de fuga de Miranda e Mallory que tencionam sair do México, em direção aos Estados Unidos, num trem que conduz, além do governador Jaime (Franco Graziosi), o coronel Gunther Ruiz (Antoine Saint-John), incansável perseguidor da dupla. Miranda vinga-se do governador, a quem considera responsável pela morte de toda sua família, matando-o. O ataque ao trem é determinado pelo Dr. Villegas que, preso e também sob tortura, denuncia todo o comando da célula revolucionária. Lembrando seu passado, Mallory escolhe o Dr. Villegas para juntos colidirem uma locomotiva contra o trem que leva o coronel Gunther e sua tropa. Villegas comete suicídio durante a colisão e o trem é destruído, não sem antes o coronel Gunther escapar do trem em chamas e atirar contra Mallory. Miranda então dispara sua metralhadora contra o coronel e quando busca socorro para o amigo ferido vê à distância que Mallory provoca uma proposital explosão na qual sucumbe. Sergio Leone era admirador de “Pierrot Le Fou” (O Demônio das Onze Horas), de Jean-Luc Godard, a quem presta homenagem com a morte de Mallory. “Quando Explode a Vingança” se encerra com o amargurado Juan Miranda desaparecendo sob o título “Duck, you Sucker”.

 

Mallory e Miranda em ação;
abaixo execução em massa de revolucionários

  Conscientemente ou não, Sergio Leone criou o personagem ‘Juan Miranda’ como seu alter-ego. Através do bandido mexicano Leone tencionou mostrar o que pensava da política e, por que não, dos tantos spaghetti-zapata filmados por diretores socialistas como Damiano Damiani e Sergio Corbucci. Em todos os spaghetti-zapata desses diretores emergiam heróis revolucionários, enquanto em “Quando Explode a Vingança” nem Miranda e nem Mallory almejam heroismo ou liderança. São somente envolvidos pelas circunstâncias e nessa revolução perdem a vida (Mallory) e a família (Miranda) corroborando o que o mexicano dissera sobre o povo nesses eventos que se tornam históricos. Os excessivos maneirismos de Rod Steiger como Juan Miranda não deixam de retratar o próprio comportamento de Leone como diretor, maneirismos que quase sempre resultam em magníficas sequências, muitas delas antológicas mesmo, como quando Miranda assiste a um fuzilamento de revolucionários pela fresta que fez num dos muitos cartazes do governador Jaime, cujos olhos passam a ser os olhos de Juan Miranda. Porém a técnica leonesca de intermináveis close-ups torna o filme arrastado, além de alongá-lo em demasia, mais ainda com os flashbacks românticos na Irlanda em camera lenta, com Mallory e Nolan dividindo uma namorada a la “Jules et Jim” e “Butch Cassidy”. Leone pagou muitos de seus pecados (se é que os tinha), dirigindo Rod Steiger. Para cada sequência Steiger se exercitava através do ‘Método’ aprendido no Actors’s Studio, o que quase levou Leone à loucura. Tanto que em certo momento diretor e ator se indispuseram de tal forma que Leone não mais falava com Steiger, usando um assistente para se comunicar com ele. Ao contrário, com James Coburn imperou a paz e a amizade, até porque Coburn em uma entrevista relatou que Leone lhe dissera: “Rod Steiger parece querer engolir a lente da câmera. Seja você mesmo James, tranquilo e natural pois assim são os melhores atores”. O overacting de Steiger é compensado pelo estilo descontraído de Coburn. Romulo Valli tem o terceiro personagem importante na história e faz bem o enigmático médico revolucionário. Antoine Saint-James não consegue a expressividade necessária para um coronel inclemente, assim como Franco Graziosi, o governador. Essas escolhas erradas chamam a atenção porque Leone era mestre em encontrar tipos carismáticos perfeitos e marcantes.

 

Acima Rod Steiger e James Coburn em pose publicitária;
o cartaz com o governador e os olhos de Miranda,
o Dr. Villegas; coronel Gunther Ruiz;
abaixo Mallory, Nolan e a namorada na Irlanda

  “Quando Explode a Vingança” teve uma dispendiosa produção que rendeu excelente bilheteria na Itália, boas bilheterias na Europa em geral mas não foi bem quando lançado nos Estados Unidos, apesar dos nomes de Rod Steiger e James Coburn. Diante do volume de dinheiro gasto, o filme deixou a desejar como na sequência do choque dos trens com uma mal disfarçada miniaturização. Desta vez a cinematografia ficou a cargo de Giuseppe Ruzzolini, substituindo o ótimo Tonino Delli Colli, preferido de Leone, para quem faria a excepcional fotografia de “Era uma Vez na América”. O belíssimo tema principal da trilha musical de “Quando Explode a Vingança” é ouvido em boa parte do filme, trilha infelizmente completada por composições menos inspiradas de Ennio Morricone, uma delas o tema de Sean que melhor ficaria em algum western farsesco. Sergio Leone não chega a decepcionar com “Quando Explode a Vingança”, longe disso, mas esta aventura épica deixa saudade dos westerns que ele havia feito antes e mais ainda daquele que seria seu último filme: “Era uma Vez na América”.


Sergio Leone; abaixo Leone, Steiger e Coburn

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