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26 de dezembro de 2017

DANÇA COM LOBOS (DANCES WITH WOLVES) – O PREMIADO WESTERN DE KEVIN COSTNER


Acima Michael Blake e Kevin Costner ao
receberem o prêmio Golden Globe;
abaixo Blake e Costner anos depois.
A carreira de Kevin Costner como ator (e mesmo como diretor) se assemelha a uma gangorra, tantos são os altos e baixos que conheceu. Essa trajetória oscilou de fracassos de público como “Wyatt Earp”, “Waterworld” e “O Mensageiro” a muitos sucessos, o maior deles “Dança com Lobos”, o qual não só Costner estrelou como foi também sua estreia como diretor. O escritor Michael Blake havia, em meados dos anos 80, elaborado um pré-roteiro que Kevin Costner leu e pediu ao autor para desenvolvê-lo ainda mais, conseguindo que o trabalho fosse editado e publicado em livro. Costner então comprou os direitos cinematográficos da obra que se intitulou “Dances with Wolves” e levantou a nada desprezível quantia de 15 milhões de dólares para produzir o filme. Rodado em grande parte na Dakota do Sul, durante as filmagens houve muita preocupação com o orçamento que foi insuficiente, sendo necessários outros sete milhões de dólares, quantia quase toda desembolsada com recursos do próprio ator-produtor-diretor. Acreditava-se que se desenhava o que acontecera com “Heaven’s Gate” (Portal do Paraíso), o western de Michael Cimino que foi um monumental fracasso, tanto que “Dances with Wolves” era chamado, a boca não tão pequena, de “Kevin’s Gate”. Mais dificuldades ocorreriam com a edição do filme de Costner pois a Orion que iria distribuí-lo não aceitava a metragem de mais de três horas de duração, insistindo em reduzi-lo a 140 minutos. Prevaleceu a vontade de Kevin Costner, então um dos homens mais poderosos de Hollywood e que surpreendeu a todos que não esperavam de um diretor iniciante uma realização que agradasse crítica e público, ainda mais com um faroeste, gênero mais que desacreditado. “Dança com Lobos” rendeu 184 milhões de dólares nos Estados Unidos e um total de 424 milhões de dólares no mundo todo, isto apenas por ocasião de seu lançamento nos cinemas. É, até hoje, o faroeste de maior bilheteria de todos os tempos, bem como o mais premiado, arrebatando sete prêmios Oscar e uma vasta lista de premiações no mundo todo.


Kevin Costner; abaixo Costner
com Graham Greene
A descoberta e o fim de uma forma de vida - Ferido em combate, o Tenente John Dunbar (Kevin Costner) deveria ter seu pé amputado. Ao perceber a intenção dos cirurgiões e num descuido destes, foge da mesa de cirurgia e do acampamento, chegando à frente de batalha em Saint Davis, no Tennessee. Acreditando que morreria de qualquer modo, Dunbar num gesto suicida galopa solitário diante das barricadas sulistas e por milagre escapa às centenas de tiros disparados contra ele. Como prêmio por seu gesto heroico lhe é dada a opção de escolher o posto onde passará a atuar. Escolhe o Forte Sedgewick, local isolado na fronteira onde, ao chegar, Dunbar não encontra ninguém e solitário tem a companhia apenas de seu cavalo e de um lobo que o está sempre observando. Sedgewick fica próximo de um acampamento Sioux, tribo de quem Dunbar se torna amigo após salvar da morte ‘Stand with a Fist’ (Mary McDonnell) uma mulher branca que vive com os índios desde os seis anos. A amizade e a admiração de Dunbar pela forma de vida dos Sioux o leva não só a aprender a língua Lakota dos nativos como a lutar ao lado deles contra os hostis Pawnee. Nesse conflito Dunbar arma os Sioux com rifles e munição pertencente ao Exército, armas que escondera no Forte. Dunbar e ‘Stand with a Fist’ se apaixonam e se casam no ritual Sioux, antecedendo a aproximação do Exército ao Forte Segdewick com ordens de Washington de submeter os nativos à reserva indicada. Dunbar que assistira à matança de búfalos por brancos caçadores de pele, vira a morte de seu cavalo ‘Cisco’ e de ‘Two Socks’, seu amigo lobo, afastou-se com a esposa testemunhando a crueldade do homem branco com seus amigos índios e com isso, mais um capítulo do fim da admirável forma de vida dos nativos.

Kevin Kostner; Rodney Grant e Graham Greene
Revendo a verdade dos fatos - O revisionismo da história do Oeste longínquo norte-americano no cinema teve início discretamente em 1950 com “A Passagem do Diabo” (Devil’s Doorway) e com “Flechas de Fogo” (Broken Arrow). Nos anos seguintes muitos outros westerns trataram os índios com dignidade, ao contrário do que era costume em Hollywood. Essa tendência ganhou mais força nos anos 70 e westerns como “Pequeno Grande Homem” (Little Big Man) e “Quando é Preciso Ser Homem” (Soldier Blue) não eram apenas claramente pró-índio como denunciavam as atrocidades cometidas pelos homens brancos naquele que foi o maior genocídio da história da humanidade. Mas foi em 1990, com “Dança com Lobos”, que a indústria cinematográfica norte-americana se rendeu ao movimento revisionista premiando com os mais importantes Oscars o filme de Kevin Costner. E seria impossível que isso não acontecesse porque o ator-diretor conseguiu narrar de forma épica e com imagens poéticas o roteiro de Michael Blake. Filme bastante longo, reflexivo e relativamente com pouca ação considerados seus 181 minutos, “Dança com Lobos” jamais cansa o espectador, mérito de Costner auxiliado pelas elegíacas cinematografia (Dean Semler) e música (John Barry).

Do sublime ao espetacular - Fazer um filme apenas bonito não é tarefa difícil num tempo em que o cinema ganhou contornos do artificialismo dos comerciais de propaganda. Incutir, no entanto, à história a exata dose de lírica melancolia sem cair na armadilha da pieguice é o desafio que cineastas encontram e poucas vezes superam de forma tão bem sucedida quanto se vê em “Dança com Lobos” quando narra o descobrimento da vida na fronteira. Solitário, os momentos em que Dunbar se diverte com suas únicas companhias, o cavalo Cisco e o reticente lobo ‘Duas Meias’ (Two Socks) que o visita, evocam a pureza ainda não maculada pela maldade humana. O contato com os nativos é igualmente enternecedor com toda dificuldade causada pela diferença do idioma. Do sublime ao espetacular é a sequência da caça aos búfalos para garantir o alimento e tudo mais necessário à sobrevivência durante o rigor do inverno. Esses momentos de grande cinema dão o apropriado tom épico a “Dança com Lobos”, mais que mera sequência de ação bem filmada. A curiosidade dos índios e a respeitosa vontade de melhor conhecê-los se afastam da figura imponente que cavalga com o pavilhão norte-americano mostrada quando Dunbar chega à aldeia Sioux. Num filme com poucos momentos de comicidade é inesquecível a singela expressão de Black Shaw (Tantoo Cardinal) ao se deparar com a surpresa de Dunbar ao vê-la fazendo amor com o marido Kicking Bird (Graham Greene) na mesma tenda em que, ao lado, dormem o Tenente e Stands with a Fist. A virtude maior de Costner como diretor foi ter realizado um filme sincero e cativante mesmo apesar dos aspectos que poderiam comprometer a película.

Jimmy Herman (acima) e Maury Chaykin
Selvagens nobres, soldados sórdidos - Nem tudo, no entanto, é perfeito neste western, a começar pela presença do próprio Kevin Costner com seus cabelos longos bem tratados e esvoaçantes realçando uma descabida figura que visa agradar ao público feminino. Costner como um Tenente Dunbar de fazer inveja ao Custer de Errol Flynn contrasta com a simplicidade desprovida de beleza de Mary McDonnell. A história de amor de ambos é forçada demais, ela uma espécie de Cynthia Ann Parker que tenta suicídio ao perder o esposo Sioux, sendo salva, claro pelo providencial e encantador Tenente. Consta que o gesto de Costner abrindo os braços como Cristo enquanto se torna alvo dos soldados confederados foi espontâneo e não estava previsto, mas a imagem mais que emocionar evidencia o egocentrismo do ator. O nada claro suicídio do repugnante Major que recebe e encaminha Dunbar ao Forte Sedgewick é uma sequência patética e deslocada na história. Por fim os Sioux, hábeis no manejo de rifles que eles nunca possuíram, são mostrados excessivamente idealizados enquanto quase todos os soldados são asquerosos, analfabetos, covardes e cruéis.

Kevin Costner e Rodney Grant;
Costner e Mary McDonnell
Convincente como Gary Cooper - Já foi dito que Kevin Costner é o mais próximo que um ator conseguiu chegar de Gary Cooper e essa comparação tem fundamento. Assim como o inolvidável ator de “Matar ou Morrer” (High Noon), Costner não é dotado de maior talento dramático e menos ainda preocupado com os truques interpretativos. Costner é sempre o mesmo, assim como era Cooper e, assim como este, convincente o suficiente para tornar seus personagens simpáticos. Em “Dança com Lobos” Kevin é o grande nome num filme quase que inteira e literalmente seu, tendo apenas a boa atuação de Graham Greene, índio canadense cuja impassibilidade faz lembrar Buster Keaton. Composto em grande parte por índios autênticos, destacando-se entre eles Rodney Grant e Tantoo Cardinal (esta também canadense), além do Cherokee Wes Studi interpretando um líder Pawnee. Mary McDonnell não chega a impressionar como a mulher branca que vive entre os Sioux, mas foi boa escolha justamente por não ser tão bonita.

Wes Studi (à esquerda); Tantoo Cardinal e Mary McDonnell

Kevin Costner e Graham Greene
Western superpremiado - “Dança com Lobos” fez com que os personagens Sioux do filme falassem em Lakota com os diálogos legendados na versão em língua inglesa, aspecto que poderia provocar desinteresse do público, o que obviamente não aconteceu. Outro fato digno de registro foi o cuidado do ator-diretor-produtor com os animais. Nenhum animal se feriu durante as filmagens e Kevin Costner, que dispensou seu dublê nas sequências mais perigosas, também saiu incólume. “Dança com Lobos” recebeu os prêmios Oscar de Melhor Filme, Diretor, Roteiro, Cinematografia, Escore Musical, Edição e Som, num total de sete estatuetas. Antes dele o único western a receber um Oscar de Melhor Filme foi Cimarron, em 1931. “Dança com Lobos” arrebatou prêmios em muitos países e pode-se dizer que animou Clint Eastwood a voltar ao gênero com “Os Imperdoáveis”, que também foi premiado com o Oscar de Melhor Filme em 1992. Dos atores famosos de sua geração e mesmo da geração posterior, Kevin Costner é o que mais atuou em faroestes, tendo dirigido e atuado no excepcional “Pacto de Justiça” (Open Range), em 2003 e também na elogiada minissérie “Hatfields & McCoys” (2012). “Dança com Lobos” foi relançado em edição especial (estendida) com 236 minutos, ou seja, mais de uma hora a mais, versão essa não tão bem recebida por nada mais relevante acrescentar à versão original.

Kevin Costner


5 comentários:

  1. Prezado Darci,

    Como sempre, um comentário perfeito para um filme quase irrepreensível.
    Kevin Costner, está devendo um outro western prometido "Horizons" espero, se for realizado, que seja do mesmo nível dos anteriores.

    Ótimo ano novo para você, familiares e leitores.

    Mario Peixoto Alves

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  2. Excelente Darci, aliás, como sempre. Só discordo do seu comentário com relação aos cabelos de Costner. É um filme, não uma reportagem, portanto a estética é importante. Gosto da frase de John Ford: Eu sou tal qual John Ford. "O que é mais forte, a história ou a lenda? Se for a lenda, imprima-se a lenda! rsrs
    Forte abraço meu amigo!

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  3. Eu próprio não gosto desse "Dança Com Lobos", não digo que o filme é ruim, mas não é o tipo de western que me agrada. Mas uma dica sua "excepcional “Pacto de Justiça” (Open Range), em 2003" me deixou curioso sobre esse outro filme do Kostner (nem sabia que ele tinha dirigido outro western). Pois acabei de ver o filme e concordo 100%: uma beleza!! Depois dessa dica certeira, fico fã do blog.

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  4. Acho que esse fim retrata verdadeiramente os peles vermelhas ...queria assistir mais filmes desse estilo

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