UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

24 de junho de 2016

À SOMBRA DE UM REVÓLVER (ALL’OMBRA DI UNA COLT) – ‘UMA BALA ENTRE OS OLHOS’


Stephen Forsyth e o pôster
de "O Alerta Vermelho da
Loucura", de Mario Bava.
Stephen Forsyth, o ator principal de “À Sombra de um Revólver” (All’Ombra di una Colt) é um canadense que teve passagem rápida como ator na Europa. Forsyth, que atuou em dez filmes na Espanha e na Itália, três deles westerns, possuía múltiplos talentos, como poeta, fotógrafo, músico, dançarino, coreógrafo, compositor e produtor musical, sendo que logo descobriu que fazer filmes de qualidade duvidosa não o agradava. Cedo ele deu adeus a Cinecittà e a lugares inóspitos como Colmenar Viejo, onde foi rodada a maior parte de “À Sombra de um Revólver” (1965) e Almería. Este western foi filmado com pequeno orçamento e a produção que procurava alguém parecido com Clint Eastwood contratou o quase inexperiente Stephen Forsyth que lembra mais Gabriele Tinti. Giovanni (Gianni) Grimaldi, o diretor de “À Sombra de um Revólver” havia escrito mais de 40 roteiros para filmes, muitos deles comédias de Totó e mais tarde épicos da fase ‘sandália e espada’. Entre os roteiros de Grimaldi o mais apelativo certamente é “Totó Contra Maciste”, cujo título fala por si só. Em meados da década de 60, como fazia a quase totalidade do pessoal ligado ao cinema, Grimaldi convergiu para o gênero western, decidindo que chegara a hora de experimentar a direção. Ele próprio escreveu o roteiro deste pouco citado faroeste que não chegou a fazer sombra aos extraordinários sucessos que os dois filmes iniciais da ‘Trilogia dos Dólares’ de Sergio Leone ou "O Dólar Furado" (Un Dollaro Bucato), com Giuliano Gemma, faziam.


Stephen Forsyth com Ana Maria Polani e abaixo
Conrado San Martín e Stephen Forsyth.
A regra de um pistoleiro - Duke (Conrado San Martín) e Steve Blane (Stephen Forsyth) são dois pistoleiros que se apossam de seis mil dólares que o bando de Ramirez (Aldo Sambrell) extorquiria de um povoado mexicano a título de proteção. Durante o confronto a dupla liquida com os bandidos mas Duke é ferido e concorda que Steve fique com o dinheiro, com a condição que entregue metade para sua filha Susan (Anna Maria Polani). Duke sabe que Steve e Susan se gostam e impõe também a condição de o amigo não se casar com sua filha, ameaçando matá-lo se este descumprir essa ordem. Mas Steve quer abandonar a vida de pistoleiro, casar-se com Susan, constituir família e viver tranquilo numa fazenda. Após encontrar com a moça Steve ruma para uma cidade dominada pelos inescrupulosos empresários Jackson (Franco Ressel) e Burn (Franco Lantieri). A única propriedade que ainda não pertence à sociedade Jackson & Burns é uma fazenda que interessa a Steve, o que provoca um inevitável confronto com os bandidos travestidos de homens de negócios e seus capangas. Quando o embate está para acontecer o recuperado Duke reaparece e se junta a Steve no enfrentamento aparentemente desigual. Duke e Steve são exímios atiradores e dizimam Jackson e Burns e o bando destes. Duke, no entanto, não perdoou Steve por este ter se casado com sua filha, aplicando violenta surra no ex-companheiro que não reage. Duke parte deixando o casal seguir sua vida.

Acima Conrado San Martín;
abaixo Stephen Forsyth.
Uma bala entre os olhos - O eterno tema da vingança se faz presente em “À Sombra de um Revólver”, ainda que motivado por razão singular. Um pistoleiro experiente sabe que o futuro nessa profissão nunca é promissor. Duke não quer que sua filha se una ao amigo para que esta não venha a sofrer e se torne viúva precocemente. Sabedor que o companheiro Steve ama sua filha, avisa-o que lhe meterá “uma bala entre os olhos” se ele insistir em ficar com ela. Steve e Susan projetam uma vida juntos, o que origina a inaudita vingança e praticamente toda a ação do filme gira em torno da determinação de Steve em encontrar o lugar para viver e ser feliz com Susan e concretizar seu sonho de criar família. Steve chega mesmo a enterrar seu coldre e Colt, determinado a abandonar assim a violência, mesmo sabendo que a violência não o abandonará tão cedo. E é justamente a sanha dos poderosos que fará com que ele adie seu projeto de vida, curiosamente realizado com a ajuda daquele que prometeu colocar uma bala entre seus olhos.

Forsyth assoviando para o cavalo.
Um invencível herói - A originalidade do roteiro de Giovanni Grimaldi se esgota com a diferença entre os dois companheiros pois o filme já se inicia com um episódio inspirado no bando de Calvero em “Sete Homens e um Destino” (The Magnificent Seven). A sequência de placas no comércio local indicando Jackson & Burns serem os donos da cidade é outra demonstração que situações comuns a tantos e tantos westerns virão a seguir.  O desejo de mudar de vida foi um argumento usado á exaustão em westerns norte-americanos. Há ainda o indestrutível herói Steve Blane sobrevivendo a atentados e surras diversos e quando necessário mostrando uma perícia rara, disparando seu Colt tanto para a frente quanto matando adversários que estão às suas costas. E até seu cavalo, relembrando as montarias dos mocinhos dos antigos westerns ‘B’ sabe se fingir de morto e atende ao assovio do dono. Vale lembrar que ‘Steve’ era o recorrente nome do personagem da série ‘Durango Kid’. O espectador adquire a certeza que o destemido Steve a todos vencerá e eis que o final reserva uma surpresa: a surra que seu sogro lhe aplica, à qual ele não reage por julgar-se merecedor da punição e porque o prêmio representado por Susan vale à pena. E são justamente os lugares comuns que tornam este western leve e agradável. E isso é resultado da opção de Grimaldi por se afastar do estilo que já em 1965 dominava o subgênero que viria a ser cunhado de ‘spaghetti’ e ter uma proximidade maior com o western de Hollywood.

Stephen Forsyth como se fosse um mocinho dos westerns 'B' de Hollywood.

Conrado San Martín e Stephen Forsyth (acima).
Frases patéticas - “À Sombra de um Revólver” tem dois momentos brilhantes: a sequência em que Duke e Steve enfrentam Ramirez e seu bando e o tiroteio na rua principal da cidade dominada por Jackson & Burns. Para um diretor estreante em westerns, até que Giovanni Grimaldi se sai bastante bem nessas sequências de ação, ele que curiosamente só voltaria ao gênero em tom de comédia com a dupla Franco Franchi-Ciccio Ingrassia. Otimamente coreografado, o referido showdown peca apenas pelo excesso de homens caindo dos telhados. “À Sombra de um Revólver” é prejudicado pela mão do próprio Grimaldi em cujo roteiro ‘reluzem’ frases como esta: “Darei a ele um belo funeral, digno das primeiras e últimas lágrimas da minha filha”, frase dita por Duke falando de Steve. Fica a dúvida se este não é um daqueles dramas filmados por Emílio Fernandez em Churubusco... Ou ainda quando o mesmo Duke filosofa: “Um pistoleiro já é um velho aos 20 anos; já pode ser colocado numa cova de cemitério”. Ao ver Steve atirar certeiramente sem olhar para trás, um trio de mexicanos exclama pateticamente: “Aquele gringo atira bem...”. Como diretor de atores Grimaldi também deixa a desejar pois poucos no elenco escapam de interpretações estereotipadas quando não risíveis de tão amadoras.

Franco Lantieri e Franco Ressel;
a mão de madeira do vilão;
Franco Ressel e a cena de sua morte;
Elenco regular - Stephen Forsyth enveredou equivocadamente pela profissão de ator, ainda que esteja no mesmo nível de tantos outros anti-heróis dos westerns spaghetti. Artista multimídia, Forsyth desenvolveu brilhante carreira e certamente gostaria que seu passado como ator fosse esquecido. O canadense chegou a atuar sob a direção de Valério Zurlini em “Sentado à Sua Direita”, contracenou com Norma Bengell em “O Homem de Toledo” e estrelou o terror-cult “O Alerta Vermelho da Loucura”, de Mario Bava, após o que abandonou a carreira de ator em 1970. Os espanhóis Conrado San Martín e José ‘Pepe’ Calvo são os destaques do elenco, Conrado por sua forte expressividade dramática, e Calvo excelente como o xerife que se vê privado de sua autoridade como homem da lei. Uma pena que a participação de Aldo Sambrell, se resuma a poucos minutos na tela, ele que representaria maior ameaça junto ao grupo de bandidos escalados. Franco Ressel e Franco Lantieri deram o perfeito padrão de canastrice à dupla de bandidos que interpretaram. Interessante o bandido com mão de madeira como um Dr. Strangelove do Velho Oeste que numa gag própria de comédias debochadas termina levando um tiro na mão boa. Melhor que eles é Andrea Scotti como o guarda-costas da dupla de bandidos. A bela alemã Helga Liné é a oportunista Fabienne, enquanto Anna Maria Polani é fraquíssima como Susan. Eugenio Galadini é o pouco engraçado ‘old-timer’ Buck, personagem que nunca falta nos westerns spaghetti.

José 'Pepe' Calvo - Aldo Sambrell - Helga Liné - Stephen Forsyth

A melancólica trilha musical - Nico Fidenco, cantor que fez enorme sucesso no início dos anos 60, passou a ser um dos mais requisitados compositores de trilhas musicais para filmes, muitos deles westerns spaghetti. O tema principal que Fidenco compôs para “À Sombra de um Revólver” e que ilustra praticamente todo o filme é belíssimo, triste e pungente, remetendo mesmo aos primeiros acordes de um de seus maiores sucessos como cantor que foi “A Casa d’Irene”. Tem-se a impressão, a todo momento, que Fidenco vai cantar os conhecidos versos “...Giorni senza domani e el desiderio di te...”. O tema de abertura não foge da influência de Ennio Morricone, com direito ao clássico assovio e podem ser ouvidos os versos na voz de Nico Fidenco neste endereço  https://www.youtube.com/watch?v=CEUIVIikzW. Na versão que circula no Brasil dublada em Inglês a voz não é de Fidenco. “À Sombra de um Revólver” certamente não agradará aos fãs do estilo atrevido, impetuoso e muitas vezes tosco dos westerns spaghetti, uma vez que este filme de Giovanni Grimaldi tem mais influência de Budd Boetticher que do então já muito influente Sergio Leone. É um faroeste menor se comparado aos grandes filmes de Leone e Corbucci, mas um bom western que merece ser assistido.


A cópia de “À Sombra de um Revólver” foi gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Thomaz Antônio de Freitas Dantas

Anúncio em jornal de São Paulo por ocasião do lançamento do western de
Giovanni Grimaldi, na semana do Natal de 1966, sucedendo a "O Dólar Furado"
que permaneceu por 25 semanas em cartaz naquela sala paulistana.

6 comentários:

  1. Olá, Darci!
    Antes de mais nada, lhe agradeço por mencionar-me no final do teu completíssimo texto. Obrigado! Se cada filme que eu te enviasse rendesse uma resenha como esta, minha ida aos Correios seria muito mais freqüente rs... Mas é você quem possui um acervo cinematográfico maior.
    Quanto ao filme, realmente os diálogos deixam a desejar às vezes. Mas o conjunto da obra me agradou bastante, especialmente a trilha sonora e os enquadramentos nas cenas finais de ação que também são muito boas. Nunca tinha ouvido falar de Stephen Forsyth. Mesmo pesquisando na internet foi difícil saber algo sobre ele, até que me deparei com esta postagem. Também gostei bastante da atuação de José Calvo como xerife.
    Minha conclusão sobre "À Sombra de um Revólver" é que trata-se do típico filme que vamos assistir sem esperarmos muita coisa e acaba por nos render uma agradabilíssima surpresa. A fita abre em uma seqüência estilizada com uma variedade incrível de pinturas entre os créditos, belíssima trilha sonora incluindo backing vocals femininos angelicais, imponentes estalos de guitarra, assovios que lembram Morricone e uma voz grave que surge em espaços misturando palavras de amor pela vida e amargura, preparando o terreno para um intrigante e único western. Roteiro simples mas interessante, cenas de ação bem coordenadas e surpreendentes (sem o típico exagero de tantos spaghettis), engenhoso trabalho de câmera que explora ao máximo o formato widescreen, assim como a riquíssima música de Nico Fidenco, orquestrada por Willy Brezza, presente em toda parte. Tais características conferem uma aura grandiosa ao filme, o que me faz pensar que teve seus tempos de glória, mas atualmente anda esquecido. Não há momentos vagos. Quem gosta de cinema bem feito não pode perder, especialmente os fãs do gênero!
    Um abraço!

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  2. Revisto ontem este excelente spaghetti a la Budd Boetticher. Faltam 2.204 para 1.000.000.

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  3. Eu gostaria de saber o nome da música que Nico Fidenco canta na abertura do filme 1 dólar para matar (aqui no Brasil, Bandidos)

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  4. A TRILHA SONORA DE FIDENCO É UMA DAS MAIS BELAS DO CICLO.

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  5. Prezado Darci estou de volta. Parabéns para esta resenha feita na medida. É realmente um spaghetti que bebe mais na fonte do clássicos americanos tanto na narrativa, quanto na parte formal, o que é percebido nos enquadramentos. Está realmente mais para Boetticher. Muito poucos zoons e big closes. O tempero spaghetti está na trilha musical e nos estampidos. E realmente tem qualidades e defeitos como as desastradas e até desnecessárias frases citadas por você.

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