UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

26 de julho de 2015

O DERRADEIRO, REAL E DOLOROSO EMBATE CINEMATOGRÁFICO DE JOHN WAYNE


Acima o livro 'The Shootist' e seu autor,
Glendon Swarthout; abaixo Paul Newman
e George C. Scott.
“O Último Pistoleiro” (The Shootist) foi um fecho perfeito para a extraordinária carreira de John Wayne. Muitos acreditam mesmo que o roteiro tenha sido feito de encomenda para que o Duke desse adeus ao cinema após mais de 200 filmes, quase a metade deles deles faroestes. Mas a história desse western é bem diferente e teve início com a publicação do livro “The Shootist”, de autoria de Glendon Swarthout. Desde o lançamento do livro, no início de 1975, Hollywood de imediato vislumbrou as enormes possibilidades de realizar um filme e mesmo John Wayne, sem ler o livro, se interessou em adquirir os direitos cinematográficos da obra. Porém a Paramount se antecipou e o autor vendeu ao estúdio o direito de filmar “The Shootist”, impondo uma condição: que seu filho Miles Hood Swarthout fosse o responsável pela adaptação para o cinema, condição aceita pelo estúdio. Miles acabara de se formar e o pai viu naquele contrato a possibilidade de impulsionar a carreira de escritor-roteirista do filho. A Paramount saiu então em busca do ator certo para interpretar o pistoleiro que é vítima de doença fatal. O primeiro nome lembrado foi o de Paul Newman, um dos atores que mais público atraía em meados da década de 70. Newman, porém, apostou em um filme dirigido por Robert Altman, western intitulado “Oeste Selvagem” (Buffalo Bill and the Indians), enorme fracasso de bilheteria apesar dos nomes de Paul Newman e Burt Lancaster no elenco. O segundo nome em pauta foi o de George C. Scott, ator que impressionou o mundo em “Patton – Rebelde ou Herói?”, mas que francamente não levava jeito como cowboy. Só então foi considerado o nome de John Wayne.

Clint Eastwood e Don Siegel
‘Ninguém melhor que John Wayne’ - Havia dois problemas com John Wayne: em 1975 ele já deixara de frequentar a lista dos Top-Ten Money Making Stars, como o vinha fazendo ininterruptamente desde 1949 (exceto 1958) e não era mais uma grande atração de bilheteria; o segundo problema era a saúde de John Wayne que não ia nada bem e era impossível esconder dos jornalistas que em seus últimos filmes ele atuava com a desagradável companhia de um cilindro de oxigênio para compensar sua dificuldade respiratória. Hollywood sempre pensou em primeiro lugar em dinheiro e John Wayne, aos 69 anos de idade, significava altíssimo risco para investimentos em produções por ele estreladas. Mesmo assim e até por falta de outras opções, o Duke foi o escolhido para estrelar “The Shootist”, sendo a palavra final tendo sido dada pelo produtor Dino De Laurentiis que foi taxativo: “Ninguém melhor para um western que John Wayne”. Para dirigir a Paramount contratou Don Siegel, cujo nome foi aprovado por Wayne, menos pelos bons filmes do diretor, mas principalmente pela bem sucedida ligação de Siegel com Clint Eastwood. Wayne e Eastwood se admiravam mutuamente, ainda que John Wayne acreditasse que os filmes de Eastwood tivessem violência em excesso e diálogos onde predominava a linguagem vulgar com o uso de palavras obscenas. Essa imagem de Eastwood foi desfeita por Siegel no primeiro encontro do diretor com John Wayne.

John Wayne
Câncer na próstata - Don Siegel não gostou do roteiro de Miles Hood Swarthout e disse ao produtor executivo Mike Frankovitch que haveria necessidade de algumas alterações e indicou Scott Hale, colaborador constante de Siegel. Após Hale alterar bastante o roteiro sob a orientação de Siegel, chegou a vez de John Wayne, numa reunião com o diretor exigir outras modificações. No livro de Glendon Swarthout, o pistoleiro J.B. Books (personagem de Wayne) sofre de câncer na próstata. O autor havia descoberto que cowboys morriam mais de câncer na próstata do que qualquer outro tipo de doença, incluídas as feitas por balas de revólver, e que isso se devia ao fato de permanecerem por longo tempo sobre a sela montado nos cavalos. Jamais uma história passada no Velho Oeste havia abordado essa questão e ao ler o roteiro John Wayne teve um verdadeiro sobressalto. De forma alguma o Duke poderia conceber que seu personagem sofresse de um câncer na próstata, por mais normal que isso pudesse ser. De nada adiantaram as ponderações do autor, dos roteiristas, da produção e do diretor. O câncer passou da próstata para a espinha.

James Stewart
Outras alterações – Na sequência final de “The Shootist”, J.B. Books atira em um dos oponentes pelas costas, o que também foi alterado por John Wayne que afirmou jamais haver atirado em alguém pelas costas num filme e que nunca o faria. Outra alteração substancial promovida por John Wayne foi quanto ao personagem do jovem Gillon Rogers (Ron Howard) que é quem, no livro, mata John Bernard Books atirando nele pelas costas. Wayne entendeu que isso seria um péssimo exemplo para a juventude norte-americana e toda a parte de Gillon Rogers foi alterada, inclusive sua participação no tiroteio no saloon. Refeito o script com essas mudanças exigidas por Wayne, este aprovou o elenco principal que contaria com velhos conhecidos que com ele contracenaram em outros filmes como James Stewart, Lauren Bacall, John Carradine, Hugh O’Brian, Harry Morgan e Richard Boone, este último amigo do Duke com quem contracenara duas vezes. Bill McKinney entrou no elenco por indicação de Clint Eastwood a seu amigo Don Siegel.

John Wayne
‘O nome do diretor é Mr. Siegel’ - Alguém dissera a John Wayne que Don Siegel era um diretor que ‘aceitava’ sugestões do ator principal e que isso sempre ocorria quando dirigia Clint Eastwood. Clint já era conhecido por intervir o tempo todo na direção dos filmes em que atuava. John Wayne, por sua vez, desde que o diretor não fosse John Ford, orientava praticamente todas as cenas nas quais participava. É bastante conhecida a história de Howard Hawks durante as filmagens de “El Dorado”, quando Wayne lhe perguntou se não estava dando palpites demais e Hawks respondeu: “Duke, você não tem feito outras coisa, o tempo todo, senão dirigir este filme...” No primeiro dia de filmagem em Carson City, Nevada, Wayne palpitou incansavelmente, até que Siegel perdeu a paciência e abruptamente dispensou toda a equipe dizendo que os trabalhos estavam encerrados naquele dia, horas antes do horário previsto. John Wayne entendeu o recado e no dia seguinte, antes de recomeçar as filmagens, pediu a atenção de todos e disse: “Quero que todos saibam que este filme tem apenas um diretor e o nome dele é Mr. Siegel, a quem peço desculpas pelas intromissões em seu trabalho que fiz ontem”. Siegel disse que todas as boas sugestões seriam aceitas, inclusive as de John Wayne. O cristal, no entanto, havia sido inevitavelmente trincado.

John Wayne e Lauren Bacall
A irritação do Duke - John Wayne havia atuado com Lauren Bacall em “Rota Sangrenta” (Blood Alley), em 1955, não tendo nascido desse encontro nenhuma grande amizade. E nem poderia ser de outro modo pois o radical republicano Wayne gostava de discutir política nos sets de filmagem e Bacall, esposa do liberal Humphrey Bogart, repudiava as posições políticas reacionárias do Duke. O reencontro de Wayne com Bacall em “The Shootist” foi frio e em poucos dias os dois mal se falavam. Wayne passou a implicar constantemente com o cinegrafista Bruce Surtees, até que Don Siegel perguntou ao ator se ele havia visto as sequências já filmadas por Surtees. Como Wayne não se interessava por ver cenas rodadas, Siegel o chamou para uma saleta onde projetou algumas das belíssimas tomadas do cinegrafista. Mais uma vez Wayne se rendeu, o que não quer dizer que tenha se comportado com melhores modos durante as filmagens. Até que certa manhã Wayne não apareceu para trabalhar pois teve que ser levado às pressas para um hospital devido a uma infecção no ouvido. Há dias o Duke vinha convivendo com dores lancinantes, insuportáveis mesmo, causa de sua constante irritação. O ator ficou internado por duas semanas, o que o levou quase ao desespero, ele que sempre foi inimigo maior daqueles que, geralmente por ataque de estrelismo, atrasavam as produções. Durante a ausência de Wayne, Don Siegel fez o que pode para não atrasar as filmagens, filmando todas sequências possíveis sem a presença do ator ou utilizando um dublê para ele.

John Wayne
O vício invencível - Situada a mais de 1.400 metros de altitude, Carson City não era o lugar mais indicado para alguém com os problemas respiratórios de John Wayne. Mesmo em sua casa em Newport, ao nível do mar, Wayne encontrava cada vez maior dificuldade para respirar e as semanas passadas em Carson City se converteram em pesadelo para o ator. Wayne era acometido de crises violentas de tosse, tendo chegado a se agachar e sentar no chão desesperado com os acessos. Muitas sequências tiveram que ser interrompidas devido a essas crises nas quais Wayne muitas vezes expelia sangue misturado ao catarro. Temia-se que John Wayne não pudesse terminar o filme e após a internação devido à inflamação do ouvido, foram completadas às pressas as sequências em Nevada. A equipe rumou então para Burbank, na Califórnia, onde nos estúdios da Warner Bros. foi rodado a maior parte do filme. Situada a 185 metros de altitude, acreditava-se que John Wayne reagiria melhor quanto ao problema respiratório, mas isso não aconteceu. Uma das causas óbvias era o cigarro que ele não conseguia abandonar, ainda que o vício tenha sido reduzido para dois ou três maços por dia, a metade do que Wayne fumava em seus tempos saudáveis.

Richard Boone
Homem sem projetos - O organismo do gigante e aparentemente indestrutível John Wayne cobrava os excessos do tabagismo e das incontáveis garrafas de tequila e uísque consumidos ao longo da vida. Richard Boone contou que encontrou um Duke diferente durante as filmagens de “The Shootist”. Mais reservado, falando quase nada, diferente do John Wayne entusiasmado e sempre cheio de projetos de outros tempos. Pareceu a Richard Boone que o amigo sabia que aquele seria seu último trabalho como ator. E não podia ser de outra forma pois ninguém melhor que John Wayne conhecia os inúmeros outros problemas de saúde que tinha, além da inseparável companheira que era a tosse. Havia sido diagnosticada uma insuficiência cardíaca congestiva e problemas circulatórios. Para combater seus males físicos Wayne tomava Digitallis e Digoxina, Allupirol para seu problema de ácido úrico, além do diurético Lasix. O uso desses medicamentos acarretavam a perigosa perda de potássio. Atormentava o ator a necessidade de se levantar muitas vezes à noite para urinar, o que passou a a ocorrer também durante o dia. Por mais que Wayne fosse ao banheiro ficava sempre com a impressão de não ter esvaziado a bexiga, o que, além de tudo, o constrangia terrivelmente.. 

O drama de um pistoleiro - O drama que foi atuar em “The Shootist” chegou ao final no dia 5 de abril de 1976, quando as filmagens foram completadas. A saúde de John Wayne deteriorou-se implacavelmente tendo ele sofrido diversas internações até sucumbir em 11 de junho de 1979 com diagnóstico de câncer no pulmão e no estômago. O que se vê na tela ao assistir “The Shootist” é o drama de um pistoleiro que percebe que sua vida chegou ao fim, personagem interpretado por um ator que sabia que seus próximos anos de vida seriam de dor e de sofrimento. Outros atores passaram por situação parecida, atuando mesmo cientes que tinham seus dias contados, mas nenhum interpretou, como John Wayne, um personagem – John Bernard Books – tão próximo a ele próprio: o último grande pistoleiro.

John Wayne e sua carteira de habilitação com data de vencimento para 1981.

À direita uma das últimas fotos de John Wayne, em 1979, por ocasião da
entrega do Oscar de 1978.

5 comentários:

  1. Darci, como disse você o pessoal tem lido as resenhas, mas poucos comentam. Eu gostei muito da resenha, muito triste e, como era exigente o tal do Duke né. Amigo, a vontade de assistir novamente, foi imediata, principalmente ao ver grandes atores que participaram deste western,quando assisti, me envolvi no filme e prestei pouca atenção no elenco. Parabéns pela resenha, você caprichou, até documentos você buscou. Paulo, mineiro.

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  2. José Fernandes de Campos23 de outubro de 2015 às 09:59

    Um dos melhores artigos escritos por você. Uma homenagem que nenhum critico soube fazer sobre um dos grandes cowboys do cinema. Amanhã sem falta irei reve-lo e prestar muita atenção na atuação dele. Parabens sinceros. Até derepente

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  3. Parabéns, Darci.Seu blog é maravilhoso.Leio todos os dias e cada vez é mais prazeroso.Esse texto belíssimo sobre o “O Último Pistoleiro” e o bom e velho "Duke" é, assim como o filme, um magnífico tributo ao grande cowboy que foi John Wayne.Tomo a liberdade de uma singela sugestão: Você deveria transformar esses belos textos do blog em um livro.Eu, com certeza, compraria.Abraços

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  4. vejam,com Darci,a homenagem,que fiz " O ÚLTIMOS DOS PISTOLEIROS"em Ocasião de seu aniversário,23/05 ,com destaque em vermelhos ,dos filmes que John fez

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  5. Anõnimo 31/07/2015; \josé Fernando,de Campos 23/10/2015 e Charles Foster Kane 19/09/2016,meu email,é ariferreirasantos@gmail.com Salvador Bahia,pai de Kit;Lizzia e Garrett " O Pequeno Sheriff"

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