29 de novembro de 2012

QUADRILHA DO INFERNO (Posse from Hell) – UM DOS MELHORES WESTERNS DE AUDIE MURPHY


Ao lado de Randolph Scott, Audie Murphy dominou a década de 50 com os muitos faroestes que estrelou. Nos anos 60 a carreira de ator do maior herói norte-americano da II Guerra Mundial entrou em declínio, assim como o próprio gênero western. “Quadrilha do Inferno” (Posse from Hell), lançado em 1961 foi o 23.º faroeste de Audie Murphy e o primeiro da década de 60, que seria a sua última como ator. E certamente nenhum fã de Audie Murphy saiu decepcionado com este movimentado faroeste.


Acima os bandidos Vic Morrow, Lee Van Cleef,
Henry Wills e Charles Horvath; abaixo os
sete homens liderados por Audie Murphy.
Caçada a um violento bando - O diretor de “Quadrilha do Inferno” foi Herbert Coleman, ex-produtor associado de Alfred Hitchcock de quem foi assistente de direção em alguns dos melhores filmes do Mestre do Suspense, entre eles “Janela Indiscreta”, “O Homem que Sabia Demais” e “Um Corpo que Cai”. Portanto muito podia se esperar do primeiro filme de Coleman como diretor, justamente “Quadrilha do Inferno”, mesmo sendo um faroeste de médio orçamento da Universal. O autor da história “Posse from Hell” era Clair Huffaker, responsável também pelas histórias de “Estrela de Fogo” (Flaming Star), “Gigantes em Luta” (The War Wagon) e “Rio Conchos”, bem como pelo roteiro de “Os Comancheiros”, entre outros westerns. “Quadrilha do Inferno” começa com a chegada à cidade de Paradise de quatro foragidos da Prisão de Sedalla. Na curta permanência em Paradise, o quarteto mata a sangue frio algumas pessoas, leva onze mil dólares do banco local e parte levando como refém a jovem Helen Caldwell (Zohra Lampert). Antes ferem gravemente o xerife da cidade. Recém chegado a Paradise, para atuar como assistente do xerife, Banner Cole (Audie Murphy) se vê responsável pela perseguição e captura dos assassinos, conseguindo somente seis homens dispostos a acompanhá-lo. Após uma extenuante perseguição aos bandidos, com o grupo se reduzindo a Cole e ao inexperiente Seymour Kern (John Saxon), o bando de facínoras é liquidado e Helen Caldwell resgatada.

Rodolfo Acosta e Royal Dano
abaixo Paul Carr.
O bêbado, o índio, o exibicionista - “Quadrilha do Inferno” tem uma história nada inovadora, mas destaca-se dos muitos faroestes de Audie Murphy por seu enredo com inúmeras situações incomuns aos filmes do ator. O começo de “Quadrilha do Inferno” é visivelmente inspirado na primeira longa sequência inicial de “Onde Começa o Inferno”, diferenciando-se dela pela violência do bando comandado por Crip (Vic Morrow). Ao tentar reunir um grupo de captura o western de Coleman já demonstra a insólita intenção de discutir problemas sociais comuns ao Velho Oeste. Uma delas é a rejeição a Banner Cole por parte dos cidadãos acuados de Paradise, isto devido ao seu obscuro passado de pistoleiro. O desprezo ao índio Johnny Caddo (Rodolfo Acosta) é expresso nas palavras de Billy (Royal Dano), o bêbado da cidade, que se diz “tão útil quanto um índio”, desqualificando Johnny Caddo. E ainda o desespero de Helen Caldwell que após ser currada pelos quatro bandidos sabe que seu futuro será se tornar uma prostituta. Paralelamente a essas situações há os estereotipados personagens Jock Wiley (Paul Carr), jovem exibicionista com seu par de revólveres; o também jovem assistente bancário Seymour Kern, vindo de Nova York e adaptando-se aos rigores do Velho Oeste; o vingativo Burt Hogan (Frank Overton) que participa da caçada apenas para se vingar de um dos bandidos, pretenso assassino de seu irmão.

O janota a cavalo é John Saxon;
o obtuso ex-capitão é Robert Keith.
Psicologismos a granel - Banner Cole tem profundo desprezo pelos seis homens que o acompanham na caçada, dizendo a eles “Por que vocês não voltam? Nenhum de vocês vale nada!” Essa frase exagerada deveria ser dita só à quase cômica figura de Jeremiah Brown (Robert Keith), ex-capitão da Cavalaria do Exército e que se julga um expert táticas de abordagem. O pobre capitão provoca risos em cada uma de suas desastradas sugestões. No entanto, no decorrer da perseguição Cole descobre a nobreza do caráter do índio Johnny Caddo, bem como sua valentia e experiência. O janota Seymour Kern é outro que se transforma durante a jornada, passando a ganhar a simpatia do líder Cole. E mesmo a jovem violentada acaba conquistando o amargo e ambíguo Cole cuja relação de amizade com o xerife morto não é bem explicada. Cole diz ao moribundo xerife baleado pelo bandido Crip, que irá atrás dos foras-da-lei “por amor a você”. Quanto a Seymour Kern (John Saxon), Cole passa a estimá-lo a ponto de carregar nas costas o moço do Leste por alguns quilômetros para lhe salvar a vida, valendo lembrar que Saxon tinha no mínimo o mesmo peso de Murphy. Poucos faroestes de Audie Murphy refletiram antes sobre um conjunto de temas tão variados como “Quadrilha do Inferno”, não lhe faltando sequer uma menção ao macarthismo do início da década de 50.

Uma das espetaculares mortes do filme;
Zohra Lampert; Allan Lane com
bigode sendo olhado por Rodolfo Acosta.

Rocky Lane fica em cena por 20 segundos.
'Estilo Elvis' de interpretar - À parte suas intenções sociais e psicológicas, “Quadrilha do Inferno” vale mesmo por ser um filme tenso e com muitos momentos de excelente ação, filme enriquecido por um ótimo elenco de apoio. Algumas das mortes são quase tão impactantes quanto a de ‘Stonewall Torrey’ (Elisha Cook Jr.) em “Os Brutos Também Amam”, com corpos literalmente voando pelo efeito dos tiros das espingardas de grosso calibre. As alternâncias entre caçadores e caçados é inquietante e a sucessão de mortes deixa o espectador em suspense quanto ao final. E se há algo que Audie Murphy sabia fazer era comportar-se como valente personagem, espécie de compensação à sua limitação como ator. E não é que Murphy encontra em “Quadrilha do Inferno” uma leading-lady à altura em Zohra Lampert. A técnica de interpretação dessa atriz lembra a todo momento a técnica de Elvis Presley, com quem ela até se parece um pouco. Há, porém, a compensação dos excelentes coadjuvantes Ray Teal, Robert Keith, Royal Dano. Os fãs de Rocky Lane devem se contentar com os exatos 20 segundos em que o querido mocinho surge na tela com o rosto encoberto por um vasto bigode, recebendo dois balaços disparados pelo psicótico Crip.

Vic Morrow matando;
Lee Van Cleef morrendo.
O sumiço dos bandidos - “Quadrilha do Inferno” passa longe de ser um grande filme devido a ter um script onde convivem frases ótimas e outras sem nenhuma inspiração. Some-se ao roteiro desigual o incrível não aprofundamento da presença dos quatro bandidos que após cinco minutos de filme só reaparecem para serem mortos. E entre os bandidos estão nada menos que Vic Morrow, sempre tentando ser Marlon Brando; outro bandido é Lee Van Cleef implorando piedade para não morrer como o fizera antes em “Estigma da Crueladade”. Completam o quarteto, sem maiores chances, Henry Wills e Charles Horvath. Quem se aproveita do vazio de interpretações é Rodolfo Acosta em um de seus melhores momentos em um faroeste, melhores justamente por serrm mais amplos. E destaque também para John Saxon que se sai razoavelmente bem como o novaiorquino que faz um intensivo e engraçado aprendizado da vida do Velho Oeste. O espectador vai reconhecer a região onde “Quadrilha do Inferno” foi filmado, esperando a todo momento que surja Randolph Scott que tanto cavalgou por Alabama Hills, na Califórnia, onde o filme de Coleman foi rodado, com cenas também nas Dunas de Olancha, também na Califórnia. E, claro que por economia, as cenas noturnas foram todas elas rodadas em disfarçados cenários de estúdio. Por economia também, a trilha sonora é uma colcha de retalhos dos estoques da Universal, com peças compostas por diversos maestros (entre eles Henry Mancini) para outros filmes. “Quadrilha do Inferno” é, sem dúvida, um dos cinco melhores westerns de Audie Murphy.

A amizade de Audie Murphy e John Saxon, aumentando gradativamente.

O mocinho Audie Murphy; os melhores do filme, Rodolfo Acosta e John Saxon;
uma cena comum aos faroestes depois de "Shane".


27 de novembro de 2012

CINE SAUDADE – ARCHIMEDES LOMBARDI E SUA TRUNCADA CARREIRA COMO ATOR


Archimedes Lombardi é uma personalidade bastante conhecida no ambiente cinematográfico paulistano no qual mantém, de longa data, laços de amizade com atores, diretores e escritores. Archimedes é o presidente da Associação Brasileira de Colecionadores de Filmes em 16mm e há décadas promove semanalmente sessões que exibem filmes raros de sua coleção. Os frequentadores da Biblioteca Municipal ‘Roberto Santos’, no bairro do Ipiranga em São Paulo, são os felizardos que assistem aos filmes projetados pelo Archimedes ao som do barulhinho mágico e nostálgico de um antigo projetor. Quem conhece Archimedes sabe que sua coleção, assim como seu gosto pessoal é o mais eclético possível, indo dos faroestes aos filmes nacionais. Quem priva da amizade de Archimedes Lombardi sabe também que escutará saborosas histórias sobre gente do cinema. Mas o que poucos sabem porque nunca foi contado, é que esse cinéfilo por pouco não se tornou ator, numa história que merece ser lembrada.

A famosa Rua do Triunfo, em São Paulo.
A lendária Rua do Triumpho - O cinema nacional conheceu nos anos 60 talvez seu mais criativo momento, começando a década ganhando a Palma de Ouro em Cannes, com “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte. Os anos 60 viram surgir Glauber Rocha e toda a geração do Cinema Novo e do Cinema Underground (udigrud, como se dizia). E havia também o cinema feito por aqueles que se reuniam numa região atípica de São Paulo. Nessa região compreendida pelas Estações da Luz, Sorocabana e a antiga Rodoviária, funcionava também a zona do meretrício paulistano, daí o apelido de ‘Boca do Lixo Paulistana’ dado à área compreendida por algumas ruas. Havia quem chamasse o local de 'Quadrilátero do Amor'. A Rua do Triumpho era onde se concentravam as distribuidoras e os principais escritórios das produtoras e o pessoal ligado ao cinema. Para muitos, porém, o verdadeiro escritório eram o ‘Bar Soberano’ ou o ‘Bar do Ferreira’, do outro lado da rua. O cinema ali projetado e produzido foi chamado de 'Cinema da Boca'. E foi lá que Archimedes Lombardi iniciou sua grande aventura cinematográfica.

Milton Ribeiro em figurinha do álbum 'Ídolos da Tela'
e como cangaceiro.
A amizade com Milton Ribeiro - Nascido na pequena cidade de Santo Anastácio, no extremo Oeste de São Paulo, cidade próxima de Presidente Prudente, Archimedes aos 18 anos de idade se mudou para São Paulo. Na capital paulista Archimedes empregou-se como gráfico, profissão que já exercia em Santo Anastácio, onde não perdia nenhuma sessão no único cinema local. São Paulo, então conhecida como ‘A cidade que mais cresce no mundo’, possuía mais de uma centena de cinemas e Archimedes já havia entrado em muitos deles para ver filmes de seus ídolos. O moço de Santo Anastácio frequentava assiduamente os cinemas do bairro da Colina Histórica, o Ipiranga, onde residia. Mas Archimedes gostava também do luxo e conforto dos cinemas da Cinelândia Paulistana, no centro da cidade. O cinema que mais o impressionava era o Cine República, com sua gigantesca tela de 250 m2, considerada a mais larga do mundo. Apaixonado por faroestes, Archimedes foi num sábado ao Cine República que exibia a reprise de “Um Certo Capitão Lockhart”, filme que ainda não havia assistido. Após a sessão, Archimedes saiu do cinema e atravessou a famosa Praça da República quando avistou Milton Ribeiro, ator de quem era fã desde que assistira “O Cangaceiro”, lá em Santo Anastácio. Archimedes não teve dúvidas e se aproximou do ator, cumprimentando-o. Milton ficou surpreso quando o rapaz vestido com terno e gravata tirou do bolso uma carteira e de tirou de dentro dela algumas figurinhas do álbum “Ídolos da Tela”. Arquimedes mostrou os cromos de seus atores preferidos: Gary Cooper, Amedeo Nazzari, John Wayne, Eliana e a figurinha dele, Milton Ribeiro.

Jornal da semana em que o Cine República reprisou "Um Certo Capitão Lockhart".

Acima o 'Rei da Boca' Polo Galante;
abaixo Carlão Reichenbach.
Archimedes descobre o Cinema da Boca – Milton Ribeiro convidou Archimedes para tomar um refrigerante no Restaurante Salada Paulista, na Avenida Ipiranga, e percebeu o desejo daquele rapaz de olhos azuis de conhecer o pessoal que fazia cinema. Milton pediu a Archimedes que se encontrasse com ele na semana seguinte quando o levou à Rua do Triumpho, mais precisamente ao ‘Bar Soberano’. Milton era muito querido e conhecido de todos, apresentando o jovem Archimedes a figurões do ‘Cinema da Boca’ como Oswaldo Massaini, José Mojica Marins, o ‘Zé do Caixão’ e Antonio Polo Galante. Este último tinha o apelido de ‘Rei da Boca’. Archimedes se emocionou quando foi apresentado a Carlos Miranda, o Vigilante Rodoviário, tão ídolo para ele quanto o próprio Milton Ribeiro. Archimedes foi também apresentado a pessoas de quem ele nunca tinha ouvido falar como Carlos Bierrenbach, que todos chamavam de ‘Carlão’, um diretor chamado Ody Fraga e um outro de nome esquisito, um tal Ozualdo Candeias. Com 1,80m de altura e expressão de homem mau acentuada por seus olhos claros, Archimedes foi logo sondado para ser ator recebendo promessas de participações em futuros projetos.

Acima Ozualdo Candeias e abaixo seu clássico
"A Margem", cujo cenário é o Rio Tietê.
O convite de Ozualdo Candeias - Mesmo sem ter ainda dirigido nenhum filme, Ozualdo Candeias era uma das personalidades mais destacadas do ‘Bar Soberano’ e falava a todos do projeto de seu primeiro filme que se chamaria “A Margem”. Candeias já tinha tudo pronto para iniciar seu filme, faltando apenas completar o elenco de apoio, sendo que um dos papéis menores ele reservara justamente para Archimedes Lombardi.  Convidado por Candeias, que prometeu lhe pagar cinco mil cruzeiros pelo trabalho de um dia, Archimedes viu na proposta uma oportunidade de se tornar conhecido pois havia no ar a certeza que Candeias faria um filme marcante. Archimedes perguntou a Candeias qual seria seu papel e pediu ao diretor uma sinopse do roteiro para estudar a composição do seu personagem. Candeias acalmou o ansioso Archimedes dizendo que ele participaria de uma única sequência, no início do filme e que no próprio dia da filmagem lhe explicaria o que fazer em cena. Ozualdo Candeias pediu ainda a Archimedes para ele estar na quarta-feira seguinte na Rua Conselheiro Nébias, num prédio onde funcionavam conjuntos de escritórios pois ali seria rodada a sequência. Archimedes comemorou o ‘contrato’ tomando uma Seven-Up no ‘Bar Soberano’ com o amigo Milton Ribeiro, enquanto este tomava uma Brahma. O famoso ator, batendo nas costas de Archimedes Lombardi, dizia a todos que era o padrinho artístico do moço de Santo Anastácio.

A atriz Lucy Rangel com quem Archimedes
Lombardi deveria contracenar.
A sequência do estupro - Em meados dos anos 60, a maioria dos jovens de São Paulo havia aderido à contracultura, com muito rock e até mesmo o uso de drogas como maconha e anfetaminas. Começava-se a falar num tal de LSD que ninguém sabia direito o que era. Mas Archimedes Lombardi fazia a linha do rapaz ‘quadrado’, influenciado que era pela igreja que frequentava bastante na época. No dia aprazado, às nove horas da manhã, Archimedes estava no endereço dado por Candeias, vestindo terno e gravata, como o diretor lhe pedira. Candeias então explicou a sequência a Arquimedes que deveria simular que estava trabalhando, sozinho, numa sala de escritório. Pela porta aberta da sala entraria uma vendedora de café (a atriz Lucy Rangel) que lhe serviria um cafezinho. Archimedes deveria parar de teclar a Remington e olhar de forma lânguida e fixa para a moça do café, por quem tinha forte atração. Levantando-se, Archimedes fecharia a porta por dentro e agarraria Lucy Rangel, tentando beijá-la na boca e no pescoço. Lucy procuraria escapar mas o forte Archimedes a dominaria, colocando-a sobre a mesa e tentaria estuprá-la. A câmara de Candeias iria fechar no rosto da moça, finalizando a sequência. Após ouvir toda a orientação do diretor, Archimedes disse a ele que não poderia fazer aquela cena pois suas convicções religiosas não permitiriam. O incrédulo Candeias viu seu ator pedir licença, se despedir e se retirar do prédio da Rua Conselheiro Nébias.

Publicidade de "As Libertinas" e abaixo José Mojica
Marins em "Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver".
O assunto do momento no ‘Bar Soberano’ - Esse fato esdrúxulo tornou-se o grande assunto do ‘Bar Soberano’, com cada um contando a história à sua maneira. Em algumas versões dizia-se que Archimedes tentara uma vez fazer a cena, mas no momento de agarrar e levantar a saia de Lucy Rangel começara a chorar. Passou-se mais de um mês sem que Archimedes retornasse ao ‘Bar Soberano’ e quando por lá apareceu, um tanto envergonhado, cada um dos frequentadores, jocosamente, tinha uma proposta de trabalho para Archimedes. ‘Carlão’ queria Archimedes em seu filme de estreia “As Libertinas” e ‘Zé do Caixão’ convidou Archimedes para atuar em “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver”. Até o discreto Walter Hugo Khouri falou a Archimedes que tinha um papel para ele em “Corpo Ardente”, seu próximo filme. Objetivo mesmo foi Polo Galante que disse a Archimedes: “Você como ator vai dar um ótimo gráfico!” Em seguida Galante encomendou a Archimedes alguns impressos para sua produtora.

Roberto Duval (acima) e Átila Iório.
Homenzarrão de voz suave e melíflua - Archimedes seguiu o sábio conselho de Antônio Polo Galante e decidiu então abandonar sua carreira de ator dedicando-se apenas ao ramo gráfico. Dentro de pouco tempo diversas empresas como a Embrafilmes, a Polifilmes, a Cinedistri e outras encomendavam trabalhos gráficos a Archimedes. “A Margem” tornou-se num clássico do cinema brasileiro e Candeias um dos mais prestigiados diretores do 'Cinema da Boca'. Archimedes que se tornara empresário do ramo gráfico atendeu às produtoras por mais de 20 anos, fazendo novos amigos como Sérgio Reis, David Cardoso e outros. O caso de amor de Archimedes com o cinema dura até hoje, quase 50 anos depois da malfadada experiência como ator, o que foi uma pena. Com seu corpanzil incompatível com sua voz suave e melíflua, certamente Archimedes Lombardi estaria hoje entre os grandes homens maus do cinema nacional, ao lado de Átila Iório, Roberto Duval e claro, seu ídolo e amigo Milton Ribeiro, o eterno Capitão Galdino Ferreira.


Archimedes Lombardi com os amigos Anselmo Duarte, Milton Gonçalves,
Antonio Leão e Carlos Miranda, o Vigilante Rodoviário.
Archimedes em versão cowboy e assistindo a um de seus westerns favoritos.

Archimedes e Antônio Leão visitando Carlos Miranda em sua casa em
Águas da Prata; abaixo Archimedes em foto publicada no jornal
Folha de S. Paulo em reportagem de página; Archimedes e um
 dos muitos prêmios já recebido por sua dedicação ao cinema.

25 de novembro de 2012

JOHN WAYNE ENFRENTA UM INESPERADO ASSÉDIO EM “O ÁLAMO”



A obsessão de John Wayne em filmar “O Álamo” fez com que ele enfrentasse situações que só mesmo um homem com sua fibra seria capaz de superar. Desde a falta de dinheiro para começar e depois terminar o épico até as críticas negativas que quase destruíram o filme nas bilheterias, o que não faltou foram problemas de toda ordem. Alguns episódios da série ‘Histórias do Álamo’, contados aqui no WESTERNCINEMANIA certamente deixaram o Duke com muito menos cabelo do que sua peruca escondia. Mas a ‘saia justa’ que John Wayne teve que enfrentar com Laurence Harvey talvez tenha sido a mais inesperada de todas as situações que o afligiram durante a tumultuada produção do filme de seus sonhos.

No alto Hermione Baddeley e Margaret Leighton;
abaixo Joan Perry e Paulene Stone.
As esposas de Laurence Harvey - O lituano Laurence Harvey quando ainda era um jovem pretendente a ator viveu maritalmente por alguns anos com a atriz Hermione Baddeley. O detalhe curioso nesse relacionamento é que a atriz tinha mais que o dobro da idade de Laurence. Ele nascera em 1928 e ela em 1906. Para valer mesmo Laurence Harvey se casou por três vezes. A primeira delas com a atriz Margaret Leighton, seis anos mais velha que Laurence, casamento que durou quatro anos, de 1957 a 1961. Em 1968 Laurence se casou com Joan Perry (Cohn), a riquíssima viúva de Harry Cohn, o magnata da Columbia Pictures. Joan era 17 anos mais velha que Laurence e o casamento também durou quatro anos, terminando em 1972. Nesse mesmo ano em que se divorciou de Joan Perry, Laurence se casou novamente. Desta vez com alguém mais jovem que ele, a bela modelo Paulene Stone, com quem teve a filha Domino Harvey. Essa filha de Harvey ficaria famosa como uma moderna caçadora de bandidos cuja vida virou até filme (“Dominó – A Caçadora de Recompensas”). Porém durante todos esses anos de casamentos com mulheres, Laurence Harvey nunca abandonou o relacionamento homossexual com seu agente James Wolf. O mundo do cinema sabia da bissexualidade de Laurence Harvey, mas como ocorria com tantos outros atores, ninguém tocava no assunto.

Acima pose de Joan Perry sozinha e nos tempos em que era mocinha de
Charles Starrett; abaixo à esquerda Harvey com Margaret Leighton;
à direita o ator com sua última e bela esposa Paulene Stone.

Coronel Travis (Laurence Harvey) e Coronel Davy Crockett
(John Wayne), em cena de "O Álamo".
Admiração por Laurence Harvey - John Wayne, por seu lado, era o mais bem acabado exemplo do macho norte-americano, imagem reforçada pelos personagens que interpretava, todos muito parecidos com ele próprio. Nas locações de “O Álamo”, em Brackettville, foram muito notadas e comentadas a recíproca e nunca disfarçada antipatia entre John Wayne e Richard Widmark assim como a amizade desenvolvida entre Duke e Laurence Harvey. O esnobe ator que fizera carreira na Inglaterra conquistou a admiração de John Wayne. Essa admiração era de certa forma bastante estranha pois Laurence Harvey sempre esteve entre os atores mais antipáticos do cinema, raramente recebendo um elogio de colegas, especialmente das atrizes que o detestavam. O que despertou a admiração de John Wayne por Laurence Harvey em “O Álamo” foi o profissionalismo do ator lituano. Essa admiração é bem exemplificada na bastante divulgada cena em que a roda de um pesado canhão desliza sobre o pé de Harvey sem que este demonstrasse a dor que sentia para não estragar a tomada. Sabe-se lá como Harvey entendeu a admiração do Duke pois certo dia Laurence Harvey decidiu ter uma conversa estranha com John Wayne.

Duke e Harvey
Uma ‘cantada’ em Brackteville - Segundo contam os autores Randy Roberts e James S. Olson na biografia “John Wayne American”, Laurence Harvey andava atrás de John Wayne o tempo todo durante as filmagens de “O Álamo”. Todos no set percebiam que Harvey estava tomado por forte atração pelo ator-produtor-diretor. Certa ocasião Harvey acreditou que o clima era propício para uma conversa mais íntima e disse a John Wayne que queria passar uma noite inteira com ele. Segundo os autores do referido livro, Harvey falou assim: “Por favor, Duke. Esta noite. Somente uma vez. Eu serei a rainha e você será o rei”. A proposta, claro, irritou profundamente John Wayne que passou a evitar Laurence Harvey, apenas não o despedindo do filme porque àquela altura isso significaria um enorme prejuízo e mais publicidade negativa para seu filme. A nota explicativa dos autores de “John Wayne American” indica que o próprio John Wayne teria contado essa história a seu amigo Joe De Franco e este recontou a história em uma entrevista.

No set em Brackettville Harvey mostra sua filmadora para John Wayne;
o diretor Wayne ajuda Laurence Harvey antes de uma cena; nas fotos abaixo,
anos depois de "O Álamo" os dois amigos se reencontraram algumas vezes.

Laurence Harvey
A ousadia do lituano - Como Laurence Harvey era sabidamente bissexual, a história contada por Joe De Franco pode até ter ocorrido de verdade. Porém o mais surpreendente teria sido a ousadia do ator lituano criado na África do Sul. Laurence Harvey faleceu aos 45 anos de idade, em 1973, vitimado por um câncer no estômago, ele que nunca se livrou do tabagismo e do alcoolismo. Se o atrevimento de Laurence Harvey aconteceu mesmo, pode ser atribuído ao fato de ele ter exagerado nos copos de vinho que tomava. Quando chegou a Brackettville, causou espanto a quantidade de caixas de vinhos que Laurence Harvey trouxe na bagagem, não deixando nenhuma dúvida que ele era muito bom de copo. E John Wayne, que durante sua vida enfrentou críticos e a esquerda liberal que o combatia, tornou-se um dos nomes verdadeiramente imortais do cinema. Pensando bem, com a personalidade que John Wayne possuía, Laurence Harvey foi um probleminha que o Duke contornou com facilidade.

22 de novembro de 2012

DENVER PYLE, DE BANDIDÃO DOS FAROESTES ‘B’ AO MAIS QUERIDO ‘TIO’ DA TELEVISÃO



Acima Denver com Faye Dunnaway.
Um dos mais importante filmes dos anos 60 foi “Uma Rajada de Balas” (Bonnie and Clyde), lançado em 1967. Entre as tantas sequências com balas cuspidas por revólveres e metralhadoras, houve uma cena com violência psicológica e que se tornou uma das mais importantes desse filme de Arthur Penn. É quando o casal de ladrão de bancos faz zombarias com um xerife por eles algemado. Poucos cinéfilos sabiam quem era aquele ator que teve um memorável desempenho sendo, naquela cena, beijado por Bonnie Parker e depois cuspindo na assaltante. O ator era Denver Pyle e fãs de westerns que assistiram “Bonnie and Clyde” certamente reconheceram o ator que desde o final dos anos 40 atuava em muitos faroestes ‘B’, chegando posteriormente a ser um ator característico dos mais requisitados pelo cinema e pela TV. Nos anos 70, graças à televisão, não havia um único norte-americano que não soubesse quem era Denver Pyle, mais conhecido como o querido ‘Uncle Jesse’ da série “The Dukes of Hazzard”. Relembrar a carreira de Denver Pyle é falar de um grande ator, da linhagem direta de Charles Buchanan e outros de igual quilate.

Acima Willis Pyle, irmão mais velho
e renomado desenhista da equipe de
Walt Disney; ao lado o jovem no centro Maria
Ouspenskaya e Michael Checkov;
o jovem Denver Pyle.
Cursos com mestres do teatro - No dia 11 de maio de 1920, na pequena cidade de Bethune, no Colorado, nasceu Denver Dell Pyle, filho de um casal que vivia na zona rural. O nome Denver foi dado em homenagem à capital do Colorado e Dell também homenageava uma pequena cidade do mesmo Estado. O jovem Denver chegou à Universidade do Colorado, a qual abandonou após cursar dois anos deixando os estudos para ser baterista de uma orquestra. Não tendo sorte como músico, Denver trabalhou depois em campos de petróleo e numa companhia especializada em pesca de camarões. Denver tinha um irmão mais velho chamado Willis Pyle que, tendo ido para Los Angeles, estava se dando melhor pois era ilustrador da Walt Disney Productions. Willis Pyle levou a irmã para trabalhar numa empresa de publicidade ligada ao cinema e só faltava o irmão Denver ali na Califórnia. Quando os Estados Unidos entraram na II Guerra Mundial Denver Pyle se alistou na Marinha e foi mandado para a Base de Guadalcanal. Lá Denver sofreu um ferimento grave que provocou sua baixa. Denver chegou finalmente à Califórnia, mas para trabalhar na Lockheed, na construção de aviões militares, em Los Angeles. Na terra do cinema Denver foi atraído pelo mundo artístico e passou a trabalhar para a companhia da russa Maria Ouspenskaya que além de professora de Arte Dramática era também atriz. Como faz-tudo da companhia, Denver ganhou um curso com Maria Ouspenskaya, sendo posteriormente apresentado a Michael Checkov, irmão do escritor Anton Checkov. Michael Checkov era também professor de teatro e da turma de Denver Pyle faziam parte, entre outros, John Dehner, Marc Lawrence e Akim Tamiroff, com quem Denver atuou em algumas montagens.

Denver Pyle em luta com Wayne Morris (acima);
abaixo à esquerda com Dick Reeves e Phyllis Coates;
na outra foto com Clayton Moore, Pat Butram
e Gene Autry.
Denver Pyle, sempre nos faroestes - Tanta teoria não ajudou imediatamente aquele ator com nome de cidade pois as primeiras oportunidades de Denver no cinema foram em papéis pequenos, a maioria faroestes. Nesses filmes Denver invariavelmente interpretava bandidos e, claro, sendo preso ou mesmo morrendo através dos certeiros tiros de Bill Elliott, Rocky Lane, Tim Holt, Gene Autry, Johnny Mack Brown e até mesmo de Wayne Morris. Vivia-se, no final dos anos 40 e início dos anos 50, os derradeiros momentos dos faroestes feitos em série e os atores citados acima foram os que apagaram as luzes dos westerns de pequeno orçamento. Denver Pyle era alto (1,85m) e seu cabelo começava a ficar grisalho aos 30 anos de idade, o que era comum em sua família. Sua estampa foi definida quando Denver deixou crescer o bigode e duas portas se abriram para o ator. A posta da iniciante TV e a porta do no cinema, com os westerns estrelados pelos mocinhos que supriram a ausência dos cowboys dos queridos ‘bezinhos’. Entre esses mocinhos estavam Audie Murphy, Rory Calhoun, George Montgomery e o mais importante deles, Randolph Scott. Denver Pyle atuou em praticamente todas as primeiras séries westerns de TV, entre elas as de Hopalong Cassidy, Gene Autry, Roy Rogers, Cisco Kid (Duncan Renaldo), The Lone Ranger (Clayton Moore) e Jock Mahoney, tornando Denver Pyle um rosto bastante familiar para os fãs de faroestes.

Denver Pyle com Joel McCrea; numa cena de "No Velho
Colorado"; com Audie Murphy em "A Morte tem seu
Preço"; Edgar Buchanan, o modelo de Denver Pyle.
A influência de Edgar Buchanan - Em 1948, Denver Pyle teve pequena participação em “No Velho Colorado” (The Man from Colorado), estrelado por Glenn Ford e William Holden. Foi nesse western que Denver atuou pela primeira vez com Edgar Buchanan, ator a quem passou a admirar, de quem ficou amigo e de quem passou a imitar o estilo. Numa entrevista, nos anos 70, Denver Pyle declarou que quem o influenciou verdadeiramente no estilo de atuar foi Edgar Buchanan. Na grande maioria dos filmes que fez nos anos 50, Denver Pyle atuava recebendo salário pela chamada ‘escala’ determinada pelo Actors Screen Guild, o sindicato da categoria. Nunca faltou trabalho a Denver Pyle que, só em 1954, participou de seis longa-metragens e 19 séries de TV. Muitos dos filmes dos anos 50 que contaram com a presença de Denver Pyle foram inexpressivos, mas outros são sempre lembrados, como os estrelados por Audie Murphy: “A Morte tem seu Preço” (Gunsmoke), “Jornada Sangrenta” (Column South), “Traição Cruel” (Ride Clear of Diablo) e “Um Homem Contra o Destino” (Cast a Long Shadow); ou aqueles com Randolph Scott: “Arizona Violento” (Ten Wanted Men), “Fúria ao Entardecer” (Rage at Dwan) e “O Fantasma do General Custer” (7th Cavalry); ou ainda com Joel McCrea: “O Forte do Massacre” (Fort Massacre) e “Na Sombra do Disfarce” (The Lone Hand).

Denver Pyle engraçadíssimo com
John Wayne em "Marcha de Heróis";
abaixo com o Duke em "O Álamo".
Amigo de John Wayne - Entre os westerns de maior orçamento Denver Pyle demonstrou seu talento em “Johnny Guitar”, com Sterling Hayden; “Rajadas de Ódio” (Drum Beat), com Alan ladd; “Fora das Grades” (Run for Cover), com James Cagney; “Um de Nós Morrerá” (The Left-Handed Gun), com Paul Newman; “O Bandoleiro Solitário” (The Lone Man), com Jack Palance. Denver Pyle atuou em não-faroestes como  “Terrível como o Inferno” (To Hell and Back), biografia filmada de Audie Murphy e estrelada por ele mesmo e “Estradas do Inferno” (Sky Pilot), primeiro trabalho de Pyle com John Wayne. Paralelamente a esses trabalhos no cinema, Denver Pyle atuou em praticamente todas as melhores séries westerns da TV. Quando a década de 50 estava se fechando, Denver Pyle participou de “Marcha de Heróis” (The Horse Soldiers), de John Ford, com William Holden e John Wayne. Foi nesse filme que Denver e Duke ficaram amigos e John Wayne convidou Denver Pyle para participar de “O Álamo”. Nessa superprodução o Duke percebeu que Denver Pyle se destacava dos demais atores auxiliando-o como se fosse um verdadeiro assistente de direção, o que Denver acabou mesmo sendo. Veio em seguida “O Homem que Matou o Facínora” (The Man Who Shot Liberty Valance” que reuniu John Wayne, John Ford e mais uma vez Denver Pyle. No último western de John Ford que foi “Crepúsculo de uma Raça” (Cheyenne Autumn) Pyle interpretou um Senador da República.

Denver Pyle com Gene Hackman em
"Uma Rajada de Balas"; abaixo com
James Stewart em "Shenandoah".
Roubando a cena dos ladrões Bonnie e Clyde - Nos anos 60 Denver Pyle havia passado à condição de ator característico e poucos eram melhor que ele para interpretar personagens que expressavam autoridade e integridade apenas com o olhar. Desse período são o drama “Herança da Carne”, com Robert Mitchum e a comédia “A Corrida do Século” (The Great Race), com Tony Curtis, Jack Lemmon e Natalie Wood. Mas o faroeste era mesmo o gênero em que Denver Pyle era mais solicitado, tendo participado, entre os mais importantes de “Gerônimo”, com Chuck Connors; “Ginetes Intrépidos” (The Rounders), com Glenn Ford e Henry Fonda; “Shenandoah”, com James Stewart; “Matar ou Cair”, com Audie Murphy; “O Homem com a Morte nos Olhos” (Welcome to Hard Times), com Henry Fonda; “O Preço de um Covarde” (Bandolero!), com James Stewart e Dean Martin; “Pôquer de Sangue” (Five Card Stud), com Dean Martin e Robert Mitchum. Quando participou destes três últimos filmes, Denver Pyle já havia atuado em “Uma Rajada de Balas” (Bonnie and Clyde), um dos maiores sucessos de bilheteria de 1967. O personagem de Denver Pyle é o de Frank Hamer, o sheriff dos Texas Rangers que não descansa enquanto liquida Bonnie Parker-Clyde Barrow e seu bando. Dali em diante nunca mais Denver Pyle trabalharia ‘pela escala’ pois demostrou como era talentoso em papéis dramáticos.

Sequência do bullying sofrido pelo sheriff  Frank Hamer (Denver Pyle),
nas mãos de Bonnie (Faye Dunnaway), Clyde (Warren Beatty),
Buck Barrow (Gene Hackman) e C.W. Moss (Michael J. Pollard).

Denver Pyle na TV, com Doris Day (acima)
e com a divertida turma de "The Dukes of Hazzard".
‘Uncle Jesse Duke’, o tio mais querido da América - Em 1968, quando Doris Day foi obrigada a trabalhar na TV para pagar a astronômica dívida que o falecido marido lhe deixara, Denver Pyle foi escolhido para interpretar o simpático fazendeiro Buck Webb. Por três temporadas, as melhores da série “The Doris Day Show”, Denver Pyle esteve ao lado da incomparável atriz-cantora, fazendo com que o programa tivesse bons índices de audiência. Em 1971 Denver atuou em “Os Renegados” (Something Big), com Dean Martin; em 1973 Denver reencontrou-se com John Wayne em “Cahill – O Xerife do Oeste” (Cahill – U.S. Marshal). O Duke era J.D. Cahill e Denver era ‘Denver’ mesmo. Em 1976 Denver Pyle voltou a atuar com Paul Newman em “O Oeste Selvagem” (Buffalo Bill and the Indians). No final da década de 70 Denver Pyle, com quase 60 anos, havia engordado bastante e deixado crescer uma vasta barba grisalha. Ninguém mais perfeito para interpretar ‘Uncle Jesse Duke’ na série de TV “The Dukes of Hazzard”, que no Brasil foi exibida como “Os Gatões”. Espetacular sucesso de audiência, essa série transformou Denver Pyle em ídolo nacional na América. O sucesso da série perdurou por seis temporadas e até hoje é cultuada por seus fãs que se reúnem em cidades norte-americanas a bordo de seus Dodge Chargers 1969 pintados como o ‘General Lee’ (um automóvel customizado) da série.

Denver com a segunda esposa; abaixo em
uma cena de "Maverick".
Vida pessoal - Denver Pyle se casou pela primeira vez em 1955, com Marilee Carpenter, com quem teve dois filhos. Marilee trabalhava como assistente de produção na 20th Century-Fox, passando depois a ser uma espécie de agente do marido. Denver e Marilee se divorciaram em 1966, mas ela continuou a trabalhar para ele. Em 1983, aos 63 anos de idade, Denver Pyle se casou com Tippie Johnson, com quem viveu até o falecimento do ator. Denver morreu de câncer no pulmão no dia de Natal de 1997, em Burbank, Califórnia, no rancho de sua propriedade. Quando Denver se casou com Tippie ele vivia o auge do fenomenal sucesso da série “The Dukes of Hazzard”. Após o fim da série, em 1985, Denver Pyle passou a atuar cada vez menos no cinema e na TV, sendo “Maverick”, em 1994, seu último filme. Em “Maverick” Denver Pyle tem uma pequena mas marcante participação como um jogador de pôquer. Foi o último dos 114 filmes em que Denver Pyle atuou, além dos 140 programas de televisão, numa brilhante e prolífica carreira. Denver Pyle dirigiu diversos episódios das séries “The Dukes of Hazzard”, “The Doris Day Show” e “The Death Valley Days”. Em 1974 Denver Pyle ajudou a criar a série “Dirty Sally”, escrevendo e dirigindo alguns dos episódios. O personagem ‘Dirty Sally’ era intepretado por Jeanette Nolan, a magnífica atriz e esposa do igualmente magnífico John McIntire. São atores como Jeanette Nolan, John McIntire e Denver Pyle que ajudaram a fazer a grandeza do cinema e das séries de TV.

Diversos momentos da carreira de Denver Pyle, com destaque para os
personagens 'Briscoe Darling' (com Hugh Griffith) da série "The Andy Griffith
Show"; Buck Webb' (com Doris Day), da série "The Doris Day Show"
 e 'Mad Jack' (com Dan Haggerty), da série "O Homem da Montanha".
Cenas de "Marcha de Heróis", com Denver Pyle acima com Russell Simpson
e abaixo com Strother Martin.


20 de novembro de 2012

A LEI DO BRAVO (White Feather) – BELO E IGNORADO WESTERN PRÓ-ÍNDIOS


Comumente é atribuído a “Flechas de Fogo” (Broken Arrow), de Delbert Mann, ter sido o western pioneiro no tratamento simpático aos índios norte-americanos no cinema. Este blog já publicou uma postagem esclarecendo que antes de “Flechas de Fogo” foi produzido o faroeste dirigido por Anthony Mann intitulado “A Passagem do Diabo” (Devil’s Doorway), este sim, o primeiro filme a tratar dignamente os índios estadunideneses. Injustiça parecida ocorre com o western “A Lei do Bravo” (White Feather), dirigido por Robert D. Webb. Praticamente ignorado pelos autores de livros sobre faroestes, “A Lei do Bravo” só é citado como verbete pelas enciclopédias do gênero. Mesmo William K. Everson em seu primoroso estudo “The Hollywood Westerns” cita “A Lei do Bravo” em duas linhas, lembrando esse filme apenas pelo bom aproveitamento do então novo processo Cinemascope. Tão injustiçado quanto “A Passagem do Diabo” é “A Lei do Bravo”, filme rodado em 1954 em Durango, no México, lançado em 1955 e melhor ainda que os filme de Anthony Mann.


Jeffrey Hunter e Hugh O'Brian.
Dois bravos contra a Cavalaria - Delmer Daves que havia dirigido “Flechas de Fogo” foi o autor, em parceria com Leo Townsend, do roteiro de “A Lei do Bravo”, roteiro baseado em história de John Prebble. “A Lei do Bravo” se inicia informando que a história a ser contada se baseia em fatos reais, referindo-se evidentemente à retirada de centenas de milhares de índios das terras onde viviam há séculos, transferidos que foram para terras mais ao Sul de Dakota. É sempre válido lembrar que o que levou a esse processo de remoção das tribos foram os anúncios que haveria muito ouro nos territórios ocupados pelas nações indígenas. Foi inserida nos ‘fatos reais’ a fictícia presença do agrônomo Josh Tanner (Robert Wagner) enviado ao Forte Laramie para iniciar o trabalho de delimitação das terras a serem confiscadas aos índios. Antes de Josh Tanner se apresentar ao Coronel Lindsay (John Lund) ele trava contato e torna-se amigo dos provocadores cheyennes Little Dog (Jeffrey Hunter) e de American Horse (Hugh O’Brian). Little Dog é filho do chefe cheyenne Broken Hand (Eduard Franz) e irmão de Appearing Day (Debra Paget). O chefe Broken Hand decide assinar o tratado que implica na transferência dos cheyennes para as reservas, com o que não concordam Little Dog e American Horse. Os dois índios sozinhos enfrentam quixotescamente as tropas comandadas pelo aturdido Coronel Lindsay. Ao final Josh Tanner casa-se com Appearing Day.

Debra Paget
Produção Classe A sem um grande astro - “A Lei do Bravo” foi uma produção da Panoramic Productions, associada à 20th Century-Fox. Embora com o custo relativamente pequeno de um milhão e trezentos mil dólares, “A Lei do Bravo” foi rodado em Technicolor, Cinemascope e com mais de mil figurantes recrutados no México. Esse foi o primeiro western a ser rodado em Durango e em algumas sequências observa-se a presença de mais de uma centena de cavalos, muitos deles montados sem sela por dublês interpretando índios. Era costume dos grandes estúdios que aplicavam o ‘star-system’ incluir jovens e promissores atores em pequenos papéis nos filmes para impulsionar suas carreiras. No caso de “A Lei do Bravo” os principais papéis foram entregues a Robert Wagner, Jeffrey Hunter e Debra Paget, todos jovens contratados da 20th Century-Fox, economizando assim os salários de astros do porte de um James Stewart, por exemplo. Ainda assim, com atores em início de carreira, “A Lei do Bravo” é uma produção classe A que contou com a cinematografia do já respeitado Lucien Ballard e com trilha sonora composta por Hugo Friedhofer. Na década de 60 Lucien Ballard seria o responsável pela cinematografia de filmes como “Bravura Indômita” e “Meu Ódio Será Sua Herança”, para citar apenas dois de seus grandes trabalhos. Um filme com essa produção enganosamente de médio orçamento foi dirigida por Robert D. Webb em seu quinto filme como diretor e que até então nada havia feito de mais expressivo.

A longa caminhada das tribos ao deixar as terras de seus ancestrais;
os dois bravos desafiando a cavalaria norte-americana.

Eduard Franz, o chefe cheyenne; abaixo
Franz com Iron Eyes Cody.
A cruel e verdadeira história - “A Lei do Bravo” resultou em um excelente western que atinge plenamente o objetivo de conscientizar o espectador sobre os fatos que levaram ao grande genocídio dos nativos norte-americanos. Em nenhum momento do filme é atenuada a denúncia da política criminosa praticada contra os índios e executada pelas tropas do Exército, cumpridoras de ordens vindas de Washington. ‘América para os Americanos’, entre os quais não se incluem os nativos da terra porque eram índios. Num crucial diálogo de “A Lei do Bravo” a índia Appearing Day inocentemente indaga por que razão os índios não podem viver nas terras onde vivem os invasores de seus territórios. Se os brancos deixam suas terras para viverem nas terras dos índios, por que Sioux, Arapahoes, Crow, Blackfeet e eles Cheyennes devem ir para terras desconhecidas? Mostra “A Lei do Bravo” que alguns poucos índios, no caso American Horse e Little Dog preferem morrer lutando por seus direitos que sobreviver envergonhado como o chefe Broken Hand. O chefe cheyenne justifica que desapareceram os búfalos de suas terras e que a falta de caça orientou sua decisão de assinar um tratado. Seu gesto covarde possibilitou a ele sobreviver por muitos anos mais, até mesmo, como informa o narrador do filme, ver seu neto mestiço se formar em West Point. Mais do que uma concessão ou uma aposta na miscigenação das raças, o casamento de exceção entre Josh Tanner e Appearing Day soa como uma amarga crítica ao futuro dos índios.

Broken Hand aceitando as condições do tratado
imposto pelos brancos.
O conformismo de uma nação – Certamente John Ford assinaria sem hesitar a belíssima sequência do êxodo das tribos em direção às terras desconhecidas. Talvez John Ford quisesse mesmo expressar com sua méa culpa que foi “Crepúsculo de uma Raça” (Cheyenne Autumn) um filme tão bonito e tocante como “A Lei do Bravo”. Se este western de Robert D. Webb não chega a ser perfeito é justamente por faltar aquele toque poético que Ford dava a seus filmes e personagens. Quando da morte de Little Dog com Josh Banner ao lado do amigo índio morto, cena que dura três longos minutos, ao invés de enternecer o que Webb consegue é cansar sem nada transmitir. Mas os magníficos achados de “A Lei do Bravo” são muitos, entre eles o treinamento dos cheyennes; o preconceito dos cheyennes que se julgam superiores aos crows; Little Dog e American Horse fustigando atrevidamente com seus cavalos um linha de soldados. Acima de qualquer outra situação é perfeita a triste visão do conformismo de uma nação índia derrotada e subjugada pela força superior de seus oponentes. A lamentar que uma subtrama importante tenha sido reduzida, no caso a presença de Ann Magruder (Virginia Leith), filha do comerciante racista Magruder (Emile Meyer), estuprada aos 13 anos. Ann se interessa por Josh Tanner que por sua vez se apaixona pela índia Appearing Day.

Jeffrey Hunter (acima); Noah Beery Jr.
e Virginia Leith (abaixo).
Cinematografia e trilha sonora impecáveis - A deslumbrante cinematografia de Lucien Ballard torna-se ainda mais bonita com a impressiva trilha música de Hugo Friedhofer, das melhores certamente entre os faroestes dos anos 50. O uso constante da percussão pela orquestra evidência os momentos de grande tensão. Esse conjunto torna “A Lei do Bravo” imperdível, mas há ainda a brilhante atuação de Eduard Franz como o chefe Broken Hand, dando a seu personagem, como poucas vezes se viu em um ator branco interpretando um nativo, a amargura de ser responsável pela dilaceração de seu povo. Jeffrey Hunter chega a ser caricato em alguns momentos com trajes índios mais parecidos com fantasias de carnaval. Comprova, porém, que é um bom ator, neste filme em que usa lentes de contato para escurecer os olhos azuis que anos depois fariam dele o mais bonito Jesus Cristo já visto no cinema. Debra Paget praticamente repete seu personagem de “Flechas de Fogo”, inclusive com o mesmo figurino. Robert Wagner é muito jovem e não convence como o corajoso agrimensor, dada a importância de seu personagem. Virginia Leith chama a atenção por sua semelhança, inclusive na fragilidade, com Gail Russell. O bom elenco de apoio é completado por Hugh O’Brian, o ótimo Emile Meyer, John Lund praticamente sem ser exigido e o querido Milburn Stone (o Doc de “Gunsmoke”, também num papel sem maiores chances de demonstrar seu real talento. “A Lei do Bravo” é um daqueles ótimos e subestimados faroestes ao qual faltou um nome de maior peso na direção e no elenco para despertar a atenção da crítica que praticamente o ignorou através dos anos, como foi escrito acima.

O índio Little Dog (Jeffrey Hunter).