Daniel B. Ullman; Jacques Tourneur |
Wyatt Earp é um personagem histórico e
polêmico que foi muitas vezes levado ao cinema de modo, para dizer o mínimo,
discutível. E o maior culpado pela imagem do famoso homem da lei edificada em
filmes foi Stuart N. Lake, espécie de biógrafo oficial de Earp e que se
distanciava da verdade a cada linha que escrevia sobre o biografado. A história
e roteiro de “Choque de Ódios” (Wichita), de autoria do prolífico escritor-roteirista
Daniel B. Ullman, contou com a consultoria de Stuart N. Lake, o que garante que
o Wyatt Earp desta nova aventura será muito parecido com o mítico personagem
que o cinema mostrou nos anos 30, 40 e 50, inclusive em uma série de TV. O
curioso é que, mesmo ganhando uma falsa imagem irrepreensível de herói austero
e humano, os westerns tendo Wyatt Earp como protagonista têm, como regra serem muito
bons, um deles uma obra-prima que foi “Paixão dos Fortes” (My Darling
Clementine) de John Ford. Quem dirigiu “Choque de Ódios” foi o francês Jacques
Tourneur, que construiu uma excelente reputação com bons filmes em gêneros
diversos, de clássicos do terror até “Fuga do Passado”, um dos melhores ‘noir’
já filmados. Joel McCrea que em sua carreira interpretou Buffalo Bill, Sam
Houston e Bat Masterson é Wyatt Earp neste western de 1955.
Joel McCrea; Robert J. Wilke e Walter Sande |
Pacificando
Wichita - Deixando a atividade de caçador de búfalos, Wyatt Earp
(Joel McCrea) ruma a Wichita com 2.460 dólares no bolso tencionando se
estabelecer como comerciante. Wichita está prestes a ganhar uma estrada de
ferro o que favorecerá os criadores de gado no transporte do rebanho para
outras regiões do país. Ao mesmo tempo em que Earp chega à cidade dezenas de
vaqueiros texanos também adentram Wichita com a intenção de se divertir,
diversão que sempre se transforma em desordem e não raro com mortes de
inocentes. Mal entrara na cidade e Wyatt Earp evita um assalto a banco, recebendo
por isso convite do prefeito para ser o xerife de Wichita e impor a lei e a
ordem. Ele aceita e age com rigor prendendo alguns vaqueiros, o que contraria
interesses de homens poderosos homens de negócio, um deles Doc Black (Edgar
Buchanan). Inicialmente Wyatt conta somente a ajuda do jovem Bat Masterson
(Keith Larsen), porém os irmãos de Earp, Jim (John Smith) e Morgan (Peter
Graves) surgem para reforçar o grupo do xerife que agora tem de enfrentar a
revolta dos vaqueiros contra sua gestão. Além destes o comerciante e o
proeminente Sam McCoy (Walter Coy) também se voltam contra Earp que, afinal,
comprova ser fundamental para a paz que Wichita precisa ser imposta a lei e a
ordem na cidade. Earp se casa com Laurie McCoy (Vera Miles), filha de Sam McCoy
e, após pacificar Wichita, Earp e a esposa partem para Dodge City, em nova
etapa de sua vida como homem da lei.
Joel McCrea; McCrea e Walter Coy |
Fugindo
dos lugares comuns - “Choque de Ódios” é um western com
todas as características de filme ‘B’, seja na metragem bem como na composição
do elenco, mas a Allied Artists apostou alto na parte técnica ao produzir com
este faroeste sua primeira película no processo Cinemascope e também em cores.
E o estúdio fez feliz escolha ao entregar a direção a Jacques Tourneur que
realizou um faroeste que do início ao fim prende o espectador. Tourneur foge
dos lugares comuns do gênero e dá ênfase a detalhes marcantes como a morte do
menino atingido por uma bala perdida e o desespero da mãe com a criança morta
no colo. Em outra sequência, esta verdadeiramente admirável, Doc Black alicia
dois homens com aparência de pistoleiros para que executem Wyatt Earp num
saloon. A cena é concebida de tal maneira que gera um invulgar suspense
desfeito com a revelação de quem são os dois supostos pistoleiros. Sequências como
essas produzem a atmosfera incomum aos westerns e que tornam “Choque de Ódios”
um faroeste quase perfeito.
Joel McCrea |
Duelos
rápidos - O ‘quase’ fica por conta de alguns pequenos senões que o
filme apresenta, a começar pela canção interpretada por Tex Ritter e que não
possui a força da balada “High Noon” de “Matar ou Morrer”. Ainda que o autor
dos versos seja o mesmo Ned Washington, falta a vibração da melodia de Dimitri
Tiomkin pois a canção “Wichita” tem música composta por Hans J. Salter. Os
versos são insossos e Tex Ritter não transmite a mínima emoção, aquilo que
Frankie Laine fazia com maestria. Há ainda a questão de Joel McCrea, aos 49
anos de idade parecer velho demais para ser o par romântico da jovem Vera
Miles. Hollywood tinha a mania de desconsiderar a diferença de idade e são
muitos os westerns em que Gary Cooper, Randolph Scott e James Stewart namoraram
moças que mais pareciam suas filhas. O vilão verdadeiro do filme é Edgar
Buchanan e são mal aproveitados atores como Robert J. Wilke, Jack Elam e mesmo
Lloyd Bridges, sempre ótimos como homens maus, especialmente Wilke e Elam. Por
fim, era de se esperar que os irmãos Earp e mais Bat Masterson travassem
momentos mais intensos de confronto com os oponentes, mas Tourneur procurou ser
econômico nesse aspecto. O duelo final entre Wyatt Earp e o vaqueiro Gyp Clements
(Bridges) chega a frustrar por não ser melhor elaborado. E vale lembrar que, por
ser um filme para ser exibido em programa duplo, a metragem de 81 minutos não
permitiu um trabalho ainda mais elaborado do diretor.
Texanos
desordeiros - A rigor só há um vilão neste western e ele é Doc Black,
comerciante que sequer mantém uma quadrilha e a quem não interessa que os
vaqueiros deixem de visitar a cidade. O assalto a banco é praticado por
bandidos de passagem e os cowboys texanos com seus maus modos não chegam a ser
exatamente foras-da-lei. A insurreição se dá porque o xerife anterior era fraco
e seu desconhecido substituto decreta a ‘lei do desarmamento’, o que significa
um insulto àqueles acostumados a carregar seus Colts para se defender ou para
intimidar. Os texanos são vistos aqui como desordeiros e fica-se a imaginar a
insatisfação daquele Estado diante dessa imagem, não raramente citado em tom de
deboche nos filmes. O Wyatt Earp da história é relutante em aceitar a insígnia e
prestar juramento, só o fazendo porque sua consciência falou mais alto ao ver a
criança morta. Outro fator, este implícito, é o interesse de Earp pela bela
jovem Laurie McCoy (curiosamente Vera Miles tem o mesmo nome da personagem da
que interpreta em “Rastros de Ódio”, seu filme seguinte). Vera Miles estava com
26 anos em 1955, enquanto Joel McCrea chegava aos 50 e sabe-se que Wyatt Earp
passou por Wichita, lá permanecendo por uma temporada, quanto estava com a
idade de 26 anos.
Joel McCrea e Vera Miles |
Joel McCrea |
Xerife
contra o jogo e a bebida - Subliminarmente “Choque de Ódios”
antepõe interesses capitalistas aos dos cidadãos. Wyatt Earp tem que lutar não
só contra os vaqueiros embriagados mas tem como adversários homens que temem
ver seus negócios deixarem de prosperar. Quando chega a Wichita o jornalista
Whiteside (Wallace Ford) elogia o recém chegado Wyatt por não ser mais um
forasteiro disposto a investir no jogo, bebida (e prostituição), como outros o
fizeram. Justamente Wyatt Earp que tinha irrefreável inclinação pelas cartas.
Wichita caminhava para se tornar outra cidade do vício e o estoico xerife é
quem impede e com isso desperta a ira dos capitalistas. O título nacional
exagera ao denominar o filme como “Choque de Ódios”. Earp não tem ódio, tanto
que só mata em última instância, não hesitando, no entanto, em prender os
desordeiros.
Sam Peckinpah e Joel McCrea |
Não
atire, sou só o caixa Sam Peckinpah! - Além de um tanto maduro para
interpretar o jovem Wyatt Earp, falta ao sóbrio Joel McCrea o carisma que
outros atores (Fonda, Lancaster e mais tarde Kurt Russell) deram ao personagem.
Vera Miles pouco tem a fazer e o trio de veteranos Wallace Ford, Edgar Buchanan
e Carl Benton Reid, além de Walter Coy tem momentos e falas bem melhores. E é
uma pena, como já foi dito, que não se dimensionasse os papeis de Robert J.
Wilke, Jack Elam e Lloyd Bridges, todos relativamente obscuros no filme e com
poucas oportunidades de mostrar talento. John Smith e Peter Graves tem
igualmente participações pequenas. Uma curiosidade é a presença de Sam Peckinpah
como o caixa do banco assaltado, ele que alguns anos depois realizaria alguns
dos melhores westerns do cinema, um deles, estrelado por Joel McCrea e que foi “Pistoleiros
do entardecer” (Ride the High Country). “Choque de Ódios” recebeu, merecidamente,
um Golden Globe de ‘Melhor Drama em Locações Externas’ e as belas imagens do
cinegrafista Harold Lipstein são acompanhadas pela música de Hans J. Salter, da
escola de Max Steiner. Este desaparecido western demorou anos para ser redescoberto
e isso só ocorreu com seu lançamento em DVD, reafirmando o talento de Jacques
Tourneur, um diretor que merece sempre a maior atenção. Grande programa!
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