Charles Portis; os irmãos Coen; John Wayne |
Refilmar um western de sucesso é sempre
um desafio e esse desafio se torna ainda maior quando o protagonista do
original foi John Wayne. Os destemidos irmãos Joel e Ethan Coen, logo após o
êxito e prêmios de “Onde os Fracos Não Têm Vez”, decidiram se aventurar em um
faroeste de verdade e escolheram provocantemente o remake de “Bravura
Indômita”. Não houve quem não ficasse desconfiado dessa empreitada, não por
duvidar do talento mais que comprovado dos irmãos Coen (em outros gêneros), mas
porque o western de Henry Hathaway é daqueles que ganharam importância com o
passar dos anos. Foi com ele que John Wayne, afinal, ganhou um prêmio Oscar e
“Bravura Indômita” se transformou em um dos maiores sucessos de bilheteria do
Duke. Mas cá pra nós, seria mesmo necessário refilmar a clássica história de
Charles Portis? No livro de Portis o caolho Reuben J. Cogburn tem 40 anos e
John Wayne estava com 62 quando o convenceram a aparecer com um tapa-olho na
tela; escolhido para o mesmo papel, Jeff Bridges acabara de completar 60 anos,
praticamente a mesma idade do Duke e, ao contrário deste, se caracterizou muito
mais próximo do marshal que vivia embriagado, colocando não só o tapa-olho, mas
deixando crescer barba, bigode e uma barriga ainda maior que a de Wayne que
usou espartilho para disfarçar a incômoda barriguinha. Outro problema a ser
enfrentado na nova versão seria a escolha de quem seria ‘Mattie Ross’, a menina
de 14 anos da história, isto porque um dos pontos negativos do filme de
Hathaway foi a interpretação de Kim Darby. No fim tudo deu certo nesta refilmagem
que praticamente tudo supera em tudo o western de quatro décadas atrás.
Hailee Steinfeld |
A
garota vingativa - No roteiro de autoria dos próprios
irmãos Coen, o pai da menina Mattie Ross (Hailee Steinfeld) é assassinado e a
garota de 14 anos procura o marshal ‘Rooster’ Cogburn (Jeff Bridges) para que
este capture Tom Chaney (Josh Brolin), o criminoso. Mattie consegue juntar
certa quantia em dinheiro e oferece cem dólares a Cogburn para que este aceite
prender o assassino de seu pai. O bandido já era procurado pela morte de um
senador e um Texas Ranger chamado LaBoeuf (Matt Damon) junta-se a Cogburn no
encalço de Chaney. Tudo fica mais difícil porque Chaney agora faz parte do
bando liderado por Lucky Ned Pepper (Barry Pepper). No primeiro encontro com a
quadrilha LaBoeuf é ferido e em seguida Mattie é atacada por Tom Chaney conseguindo
disparar contra ele matando-o. Cogburn se vê então frente a frente com Pepper e
mais três bandidos, enfrentando-os e liquidando a quadrilha com a providencial
ajuda de LaBoeuf.
Jeff Bridges |
Jeff
Bridges melhor que o Duke - John Wayne teve uma das mais
gloriosas carreiras em Hollywood, mesmo não precisando se esforçar nas suas
interpretações. Wayne criou uma persona cinematográfica de extraordinário apelo
junto ao público e em quase todos seus filmes o personagem é quem se adaptava à
figura do ator. E justiça seja feita, nas poucas vezes em que deixou de ser ele
próprio foi quando o Duke proporcionou suas melhores performances, como os
inesquecíveis ‘Tom Dunson’ em “Rio Vermelho” e ‘Ethan Edwards’ em “Rastros de
Ódio”. O Duke se apresentou um pouco diferente como ‘Rooster’ Cogburn mas não
deixou de ser o eterno John Wayne. Jeff Bridges, por sua vez, demonstrou ser, através
de inúmeras performances memoráveis, um dos grandes atores de sua geração e,
inegavelmente, mais versátil que John Wayne. Seu ‘Rooster’ Cogburn é, como
afirmam aqueles que leram o livro de Charles Portis, a perfeita imagem do
protagonista da história descrito pelo autor, enquanto Wayne, como já foi dito,
mais uma vez foi ele mesmo apesar do tapa-olho e de viver um personagem pouco
condizente com o íntegro herói de tantos westerns.
Hailee Steinfeld; Jeff Bridges |
A
menina eloquente - Crianças e adolescentes em filmes
por vezes chegam a ser irritantes, mas nada é pior quando se pretende convencer
o público que uma atriz de 20 anos, como Kim Darby, possa passar por uma menina
de 14 anos. E vale recordar que Mia Farrow (então com 24 anos) recusou o papel
por não simpatizar com John Wayne. Para a versão dos irmãos Coen foram testadas
1.500 adolescentes e a produção optou por Hailee Steinfeld, então com 13 anos
apenas e experiência somente com a participação em dois episódios de séries de
TV. Incomparavelmente mais convincente que Kim Darby, Hailee formou com Bridges
uma dupla harmoniosa e quem ganhou com isso foi o faroeste dos Coen que teve
esmerada produção a cargo nada menos de Steven Spielberg, nome que dispensa
apresentação. A história é contada em flash-back por Mattie Ross adulta, aos 40
anos (Elizabeth Marvel) e se há algo que mereça uma crítica negativa no filme é
o impróprio linguajar da menina. Poucas mulheres naqueles tempos de quase
nenhuma instrução no Velho Oeste, exceto algumas professoras, seriam capazes de
elaborar frases que melhor ficariam se pronunciadas por loquazes advogados mas
que saem de modo pouco convincente da boca da corajosa e obcecada menina de 14
anos. Em alguns momentos o próprio Cogburn debocha das inusitadas palavras
pronunciadas com tanta facilidade por Mattie. Mas este “Bravura Indômita” é tão
bom que isso não chega a ser um problema.
Jeff Bridges; Matt Damon |
‘Rooster’
Cogburn, o homem certo - Centenas e centenas de histórias já
foram escritas para faroestes tendo como tema a vingança, muitas vezes
perpetrada por alguma criança que viu um parente (ou toda sua família) ser
assassinado por um bandido. Mais tarde, já adulto, a criança encontra o
assassino e ocorre a vingança. O autor Charles Portis fez com que a menina
Mattie Ross não esperasse o tempo passar e sim, de imediato, exigisse que fosse
feita justiça e não necessariamente com a prisão de Tom Chaney. Ao sair no
encalço do assassino ao lado de ‘Rooster’ Cogburn, Mattie se depara direta e
pessoalmente com a brutalidade dos homens maus do Velho Oeste, o que não a
abate e, afinal, é ela quem tira a vida de Tom Chaney. Dito assim parece que é
para Mattie Ross que ficam os melhores momentos do filme, o que não é verdade,
uma vez que eles são divididos entre a garota e o relaxado marshal apelidado de
‘Rooster’ (galo). Laboeuf, o Texas Ranger é mostrado de forma jocosa com sua
vestimenta de franjas e fanfarronice que esbarra no sarcasmo sempre presente do
experiente Cogburn. O marshal é ouvido pela primeira vez praguejando ao ser
interrompido em suas necessidades quando está dentro de uma casinhola, um
daqueles fétidos banheiros externos. Sua verdadeiramente primeira aparição,
digna dos grandes momentos de John Ford, se dá em uma sessão de tribunal na
qual é acusado de ser um mero e impiedoso exterminador de bandidos. Exatamente
o que Mattie, presente, procura. Esse é o homem.
Hailee Steinfeld e Barry Pepper |
Versão
realista e crua - Este “Bravura Indômita” comprova a
importância de um bom roteiro que é desenvolvido magnificamente, ao contrário
da primeira versão, à qual os maiores elogios ficaram para a cinematografia de
Lucien Ballard. A introdução de cada personagem é perfeita e as sequências de
ação, se não chegam a tirar o fôlego do espectador, impressionam bastante. Em
2010 a violência era exibida de modo diferente de 40 anos antes e o filme
mostra de dedos cortados a um ninho de cobras dentro de um cadáver. E mesmo
Mattie Ross sem o braço esquerdo amputado pela necrose que se formou reforça a
crueza da história e que a versão de Hathaway edulcorou. Embora o filme seja
dos Coen, a sequência em que Mattie Ross é atacada pelas serpentes é puro
Steven Spielberg, o grande diretor da série ‘Indiana Jones’ na qual os repulsivos
répteis tinham sempre lugar garantido.
John Wayne; Jeff Bridges |
Rédeas
nos dentes - O ‘Rooster’ Cogburn de Wayne enfrentou bandidos
interpretados por atores do porte de Robert Duvall, Dennis Hopper e Jeff Corey,
que não chegam a ser tão amedrontadores como Barry Pepper e Josh Brolin nos
mesmos papeis. E a inevitável comparação final é a da sequência que ficou na
memória de todos e que se tornou a mais simbólica imagem do John Wayne em final
de carreira, tão altiva quanto ele jovem atirando com o rifle em cima de uma
diligência em disparada em “No Tempo das Diligências” ou mesmo elevando a
sobrinha Debbie ao reencontrá-la em “Rastros de Ódio”. Refilmada praticamente
quadro a quadro pelos Coen tendo como modelo a sequência de Henry Hathaway, é
nesse momento que se sente inevitavelmente que John Wayne é insubstituível. Mas
neste “Bravura Indômita” de 2010 a mesma sequência não faz feio e completa bem
os momentos de ação do western. E quanto as aspecto politicamente correto da
vingança, o filme em momento algum condena a obsessão da garota, justificada
pela brutalidade daqueles tempos e que pouco diferem dos atuais.
O confronto como se fosse uma disputa entre cavaleiros nos tempos medievais |
Ignorado
pelo Oscar e sucesso de público - Jeff Bridges está excelente como o
marshal desleixado mas nunca descuidado em mais uma de suas grandes interpretações.
Hailee Steinfeld é a boa surpresa do filme e assim como Bridges foi indicada ao
Oscar, ela estranhamente como Melhor Atriz Coadjuvante quando seu personagem é,
para a história, até mais importante que o próprio ‘Rooster’ Cogburn. Além dessas
duas indicações “Bravura Indômita” teve outras oito indicações, inclusive nas
categorias de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro e Cinematografia
(Roger Deakins). E a Academia, mais uma vez, ignorou um faroeste não premiando
o “Bravura Indômita” dos Coen em nenhuma das categorias nas quais concorreu.
Matt Damon destoa no elenco com fraca participação e Josh Brolin bem poderia
ter sequências mais longas. Se a Academia não fez jus à qualidade do western
dos Coen, o público gostou e muito. Tendo custado 38 milhões de dólares, o
filme arrecadou só nos Estado Unidos 171 milhões de dólares. Apenas a título de
comparação, “Django Unchained” de Quentin Tarantino, lançado dois anos depois,
em 2012, custou cem milhões de dólares e arrecadou 162 milhões, ou seja,
“Bravura Indômita” foi um grande sucesso de bilheteria, perdendo em valores
totais apenas para “Dança com Lobos” entre os westerns de melhor bilheteria nos
Estados Unidos.
Elizabeth Marvel; Josh Brolin |
Excelente crítica, Darci!
ResponderExcluirEu, honestamente, tenho um certo ranço com as refilmagens dos clássicos, mas este filme dos Irmãos Coen conseguiu atingir uma dignidade que muitos outros remakes não conseguiram.
Abraço, Darci, e parabéns pelo trabalho!
Olá, Luiz Henrique, pensamos igual quanto ao remake dos Coen. Grande western mesmo!!!
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