12 de setembro de 2024

TOP-TEN WESTERNS - UMA QUADRA DE SPAGHETTI WESTERNS

 


    Esta grande enquete feita pelo Westerncinemania chega ao seu final e se depara com uma clara e grave distorção: a presença de um acentuado número de opinadores que têm pouca ou nenhuma familiaridade ou simpatia pela safra de faroestes produzidos na Europa, mais especificamente na Itália. Pejorativamente apelidados de ‘Spaghetti-Westerns’ eles podem ser melhor chamados de vertente do gênero e são poucos os cinéfilos mais antigos que se propuseram a conhecer ao menos alguns dos aproximadamente 500 filmes produzidos entre os anos de 1964 a 1974. Posso falar a respeito com certo conhecimento de causa por ter pertencido por 18 anos ao grupo de apaixonados por faroestes que se reuniam semanalmente em São Paulo no clube fundado pelo médico Dr. Aulo Barretti, o Clube Amigos do Western, mais tarde rebatizado como Cineclube Amigos do Western (CAW). Especialmente no primeiro deles era terminantemente proibida a exibição de westerns-spaghetti, todos, sem exceção abominados pelos membros da confraria. Só o fato de, entre centenas de títulos programados através dos anos, nenhum faroeste Made-in-Italy ter sido exibido é a prova cabal da ojeriza que eles despertavam ao grupo. Era repulsa mesmo e pobre daquele que em discussões ousasse defender a vertente italiana de westerns.

 

Grupo de sócios do Clube Amigos do Western;
quase todos repudiavam os westerns-spaghetti

    Nesta enquete 22 dos participantes foram membros do CAW e dentre os 220 filmes apontados por eles apenas quatro eram da safra westerns-spaghetti: “C’Era una Volta Il West” (votos de Giulio Cesare de Castro Pandolfi e Joaquim Romão Gomes); “Por um Punhado de Dólares” (voto de Osvaldo Poitier de Paulo) e “O Vingador Silencioso” (voto de Darci Fonseca). Nem mesmo a presença de Clint Eastwood na trilogia dirigida por Sergio Leone comoveu os programadores do clube a exibir tais filmes, até porque nenhum sócio se atrevia a solicitar tal programação. Por outro lado, entre os demais 54 participantes da enquete, num total de 540 filmes indicados, houve 56 menções a westerns-spaghetti, ou seja, eles foram citados em média de um por lista. A maior parte dessas citações foram para “C’Era Una Volta Il West” e para “Três Homens em Conflito”, unanimidades como os melhores Made-in-Italy de todos os tempos nesta enquete. E o resultado apontado por estes números evidenciam um radicalismo exacerbado por parte do grupo de participantes que pertenceu à mais antiga e maior confraria de fãs de faroestes do Brasil. No meu entender, como todo radicalismo, leva mais à perda do que a algum ganho.

 

Osvaldo 'Poitier' de Paulo, um dos raros cinéfilos
do CAW que não rejeitavam westerns-spaghetti

    Eu conheço cinéfilo apreciador de westerns que jamais assistiu a um western-spaghetti, recusando-se a assisti-los. É o caso típico do absurdo ‘não vi e não gostei’. Um dos argumentos daqueles que não apreciam westerns-spaghetti é que exceto meia dúzia de títulos o que sobra é um conjunto de faroestes muito ruins, o que é um risível exagero e que remete à conhecida frase de Sergio Leone: “Dizem que eu sou o pai dos spaghettis. Se isso é verdade, sou o pai de um monte de filhos-da-puta”. A produção de faroestes norte-americanos é incomparavelmente maior que os 500 exemplares italianos produzidos. E nem todos os westerns rodados na América chegam próximos dos grandes clássicos de John Ford, Anthony Mann, Sam Peckinpah, John Sturges e outros mais. Faroestes ruins existem dos dois lados. Ao criar o blog tive contato com um tipo de seguidores com profundo conhecimento de faroestes, inteligentes, cultos e, posso dizer, de gosto apurado. Em comum todos eles tinham o fato de gostar igualmente dos westerns produzidos nos Estados Unidos e dos chamados westerns-spaghetti. Vinicius Le Marc, Joailton de Carvalho, Edelzio Sanches, Aprigio Alves de Oliveira e Thomaz Antônio de Freitas são alguns deles, a quem agradeço a paciência e perseverança nos tantos debates que travamos neste Westerncinemania.

 

Sergio Leone, considerado o pai dos westerns-spaghetti

          Como compensar a presença desse numeroso grupo de amigos do blog refratários aos westerns-spaghetti? E não falo apenas dos que pertenceram ao CAW, mas também dos muitos que igualmente não simpatizavam com os filmes de Leone, Corbucci, Solima, Enzo Barboni, Gianfranco Parolini, Ferdinando Baldi e outros. A fórmula que encontrei foi acrescentar à enquete quatro listas de aficionados por faroestes, todos os quatro especilizados em westerns-spaghetti. Essas listas foram publicadas no livro “Once Upon a Time in the Italian West”, de autoria do norte-americano Howard Hughes (não confundir com o milionário aviador diretor de “O Proscrito” (The Outlaw, 1946). Abaixo breve apresentação de cada um dos quatro cinéfilos que tiveram suas listas publicadas no livro de Hughes:

 

  ‘Sir” Christopher Frayling, inglês, historiador, escritor, crítico e Reitor do Royal College of Arts de Londres. Com mais de 20 livros publicados sobre Literatura, História, Educação e Cinema, merecem destaque ‘Sergio Leone, Something to do with Death’, ‘Clint Eastwood’, ‘American Westerners’ e ‘Mad, Bad and Dangerous: The Scientist and the Cinema’.

         Alex Cox, inglês, escritor, diretor, ator, documentarista e apresentador. Dirigiu “Sid and Nancy”, “Straight to Hell” e “Repo Man”, entre outros. Cox escreveu diversos livros, merecendo destaque “10,000 Ways to Die: A Director's Take on the Spaghetti Western”.

         Tom Betts, norte-americano, editor do fanzine ‘Western All’Italiana, publicado na California desde 1983.

         Howard Hughes, norte-americano, tem mais de 30 livros publicados sobre assuntos diversos, com destaque para o cinema: ‘Stagecoach to Tombstone: The Filmgoer’s Guide to Great Westerns’; ‘Cinema Italiano: The Complete Guide from Classics to Cults’; ‘Once Upon a Time in the Italian West: The Filmgoers' Guide to Spaghetti Western’; ‘Spaghetti Westerns’; ‘Outer Limits: The Filmgoers' Guide to the Great Science-Fiction Films’; ‘When Eagles Dared: The Filmgoers' History of World War II’; ‘Aim for the Heart: The Films of Clint Eastwood’.

  

Sir Christopher Frayling, Alex Cox, Tom Betts
e Howard Hughes

TOP-TEN WESTERNS DE CHRISTOPHER FRAYLING

   1.º) Era uma Vez no Oeste (C’Era Una Volta Il West),

  1968 - Dir.: Sergio Leone

  2.º) Três Homens em Conflito (Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo),

  1966 - Dir.: Sergio Leone

  3.º) O Vingador Silencioso (Il Grande Silenzio), 1967

  - Dir.: Sergio Corbucci

  4.º) Por uns Dólares a Mais (Per Qualche Dollaro in Più),

  1965 - Dir.: Sergio Leone

  5.º) Django Vem para Matar (Se Sei Vivo, Spara),

  1967 - Dir.: Giulio Questi

  6.º) O Dia da Desforra (La Resa dei Conti), 1966

  - Dir.: Sergio Solima

  7.º) Django (Django), 1966 - Dir.: Sergio Corbucci

  8.º) Meu Nome é Ninguém (Il Mio Nome è Nessuno),

  1968 - Dir.: Tonino Valerii

  9.º) Os Violentos Vão para o Inferno (Il Mercenario),

  1968 - Dir.: Sergio Corbucci

10.º) Gringo/Uma Bala para o General (Quien Sabe?),

  1966 - Dir.: Damiano Damiani

  

TOP-TEN WESTERNS DE ALEX COX

   1.º) O Vingador Silencioso (Il Grande Silenzio),

  1967 - Dir.: Sergio Corbucci

  2.º) Gringo/Uma Bala para o General (Quien Sabe?),

  1966 - Dir.: Damiano Damiani

  3.º) Django Vem para Matar (Se Sei Vivo, Spara),

  1967 - Dir.: Giulio Questi

  4.º) Por uns Dólares a Mais (Per Qualche Dollaro in Più),

  1965 - Dir.: Sergio Leone

  5.º) Era uma Vez no Oeste (C’Era Una Volta Il West),

  1968 - Dir.: Sergio Leone

  6.º) Os Cruéis (I Crudeli), 1967 - Dir.: Sergio Corbucci

  7.º) O Dia da Desforra (La Resa dei Conti),

  1966 - Dir.: Sergio Solima

  8.º) Réquiem para Matar (Requiescant),

  1967 - Dir.: Damiano Damiani

  9.º) Django (Django), 1966 - Dir.: Sergio Corbucci

10.º) Três Homens em Conflito (Il Buono, Il Brutto,

  Il Cattivo), 1966 - Dir.: Sergio Corbucci

 

 TOP-TEN WESTERNS DE TOM BETTS

   1.º) Era uma Vez no Oeste (C’Era Una Volta Il West),

  1968 - Dir.: Sergio Leone

  2.º) Por uns Dólares a Mais (Per Qualche Dollaro in Più),

  1965 - Dir.: Sergio Leone

  3.º) Três Homens em Conflito (Il Buono, Il Brutto,

  Il Cattivo), 1966 - Dir.: Sergio Leone

  4.º) O Dia da Desforra (La Resa dei Conti), 1966

  - Dir.: Sergio Solima

  5.º) A Morte Anda a Cavalo (Da Uomo a Uomo),

  1967 - Dir.: Giulio Petroni

  6.º) Um Dólar para Matar (Bandidos), 1967

  - Dir.: Massimo Dallamano

  7.º) O Vingador Silencioso (Il Grande Silenzio),

  1967 - Dir.: Sergio Corbucci

  8.º) O Pistoleiro da Ave Maria (Il Pistolero dell’Ave

  Maria), 1969 - Dir.: Ferdinando Baldi

  9.º) Procurado Vivo ou Morto (Lo Voglio Morto),

  1968 - Dir.: Paolo Bianchini

10.º) Sartana, o Matador (Sono Sartana, il Vostro

  Becchino), 1969 - Dir.: Giuliano Carmineo

 

 TOP-TEN WESTERNS DE HOWARD HUGHES

   1.º) Três Homens em Conflito (Il Buono, Il Brutto,

  Il Cattivo), 1966 - Dir.: Sergio Leone

  2.º) Django (Django), 1966 - Dir.: Sergio Corbucci

  3.º) O Dia da Desforra (La Resa dei Conti),

  1966 - Dir.: Sergio Solima

  4.º) Por uns Dólares a Mais (Per Qualche Dollaro

  in Più), 1965 - Dir.: Sergio Leone

  5.º) O Vingador Silencioso (Il Grande Silenzio),

  1967 - Dir.: Sergio Corbucci

  6.º) Sabata (Eh amico... C’É Sabata, Hai Chiuso!),

  1969 - Dir.: Gianfranco Parolini

  7.º) Joe, o Pistoleiro Implacável (Navajo Joe),

  1966 - Dir.:Sergio Coorbucci

  8.º) Eles me Chamam Trinity (Lo Chiamavano Trinità),

  1970 - Dir.: Enzo Barboni

  9.º) Os Violentos Vão para o Inferno (Il Mercenario),

  1968 - Dir.: Sergio Corbucci

10.º) Sangue nas Montanhas (Un Fiume di Dollari),

  1966 - Dir.: Carlo Lizzani


5 comentários:

  1. Devemos reconhecer.Passados alguns anos,verificamos que há uma meia dúzia de bons westerns spaguets.Nada mais que isto.

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  2. Gosto do Vingador do Corbucci,que vim a conhecer em Indaiatuba. Era uma vez no oeste é absolutamente belo. Tres homens em conflito,Por um punhado e Por uns dolares a mais,se juntam a esta lista dos meus preferidos . Leone é bom demais.

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    1. Pode acreditar amigo 'Lau Shane', a lista de excelentes spaghetti é bem maior que meia dúzia, ainda que entenda que seja força de expressão. E nem sou profundo conhecedor do gênero.

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  3. Posso fazer uma defesa do pessoal que não vai muito com a cara dos spaghettis? (E antes de mais nada, posso alegar que “Era Uma Vez no Oeste” e “Três Homens em Conflito” estão na minha lista; isso poderia indicar que não tenho tanto preconceito assim contra os paisani.)

    Como você lembrou, a maior parte dos westerns, americanos ou italianos, é medíocre. É assim em qualquer gênero. Mas acho que a percentagem de grandes faroestes entre os italianos é menor que entre os americanos. Uma exceção são os westerns de comédia: acho que os italianos são consistentemente melhores que os americanos. Justamente porque se beneficiam desse exagero, dessa caricatura, por se saberem, de certa forma, falsos.

    Não vi tantos spaghettis assim, e certamente não vi a esmagadora maioria dos que estão nas quatro listas acima. Mas ainda assim tenho a impressão de que a maior parte abusa do que se poderia chamar de caricatura, às vezes chegando ao histrionismo, a soluções fáceis demais, ao exagero narrativo. Os grandes filmes americanos têm uma complexidade psicológica que a grande maioria dos italianos não tem.

    Também pode-se alegar a inferioridade técnica — dublagens ruins, sonoplastia ruim — mas é preciso lembrar também do estranhamento cultural. O western é o resultado (e o criador) de uma cultura e uma história específicas de um povo. Parece falso contar isso em outra língua e em Almería. Além disso, a esmagadora maioria dos fãs de western é política, estética e culturalmente conservadora, e não poderia ser diferente se a gente olhar para as bases ideológicas do faroeste, o que faz de um faroeste um faroeste típico. Acho que poucos gêneros são tão esquemáticos quanto o western, e isso faz com que a maioria dos fãs seja refratária a estilos diferentes. Eu sempre digo que para um americano, e consequentemente a qualquer pessoa acostumada à linguagem do western, um spaghetti soa igual a um francês tentando ensinar um brasileiro a dançar samba.

    E finalmente ainda temos o problema dos limites das listas. Eu adoro “Meu Nome é Ninguém”, por exemplo, mas simplesmente não saberia que filme tirar da maior parte de todas as listas publicadas aqui ao longo dos anos para incluí-lo. As quatro listas acima são listas de nicho, o que quer dizer que a maioria não teria nenhuma chance numa disputa com os grandes clássicos americanos.

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  4. Excelente comentário, Rafael. Assim como você estou em dívida com muitos spaghetti considerados soberbos, o que não aconteceu com os made-in-Hollywood, até porque comecei a ir aos cinemas nos anos 50. A produção norte-americana, descontados os B-westerns é incontável e acredito que por alto beire os três mil faroestes. Muitos deles, independente da estética que você tão bem focalizou, são fraquíssimos. Outro dia eu estava justamente confrontando os westerns-comédia norte-americanos com os italianos e estes ganham de lavada, com raras exceções como Banzé no Oeste. Ardida como Pimenta é mais um musical e não conta. Discordo da questão 'nativa' do gênero que delimitaria a qualidade dos faroestes, até porque nenhum povo ama mais os westerns que os italianos. Lembro da exposição 'Tex' que esteve em São Paulo em 1992, se não me falha a memória. Construída por italianos era mais perfeita que sets de muitos westerns da terra de Tio Sam. E quer saber? Il Piccolo Sceriffo era para mim muito atraente que os gibis de Roy Rogers e outros da minha infância. Era fim da década de 40 e na Bota se publicava aquelas histórias incríveis que Rocky Lane gostaria de ter vivido. E bem lembrado, como você citou, as dificuldades linguísticas das dublagens. E muitos queridos atores de westerns foram se descobrir magníficos pelas mãos de vários 'Sérgios' italianos que perceberam o carisma de um Lee Van Cleef e Clint Eastwood. Há muito mais que somente 'meia dúzia de bons spaghetti', como se costuma dizer, isto se aceitarmos que são uma vertente do gênero e não mera imitação ou paródia. E o sol nasceu para todos, seja no Monument Valley ou em Almería.

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