Produzido por Thomas H. Ince e filmado
nos meses de setembro e outubro de 1915, “As Portas do Inferno” é unanimemente
considerado o melhor dos westerns estrelados por William S. Hart. Consta dos
créditos, como diretor, o nome do alemão Charles Swickard, mas a direção de
fato foi de William S. Hart, cabendo a Swickard a assistência de direção. Tendo
estreado no cinema em filmes de dois rolos somente em 1914 (antes havia
participado de alguns ‘shorts’), aos 50 anos de idade Hart, que era
novaiorquino de nascimento, se identificou inteiramente com o gênero western.
Tornou-se então o maior astro daqueles filmes que retratavam um Velho Oeste que
há poucos anos havia sofrido a profunda transição para um tempo mais moderno.
Pode-se afirmar que William Surrey Hart estava para o faroeste nos primórdios
do cinema assim como Chaplin estava para a comédia, tamanha era sua
popularidade. Em suas duas primeiras incursões no faroeste, Hart com sua cara
de poucos amigos, raros sorrisos e 1,88m de altura, interpretou vilões,
passando depois a ser herói nos filmes seguintes. C. Gardner Sullivan escreveu
a história e o roteiro original de “Hell’s Hinges”, filme com 64 minutos de
duração e que no Brasil recebeu o título de “As Portas do Inferno”, sendo, no
entanto também conhecido como “Terra do Inferno” e “Dobradiças do Inferno”. Nas fotos à direita William S. Hart e Thomas H. Ince.
A
cidade que virou um inferno - O padre Robert Henley (Jack
Standing) é designado para a cidade de Placer Center, lugar mais conhecido como
‘Hell’s Hinges’ devido à violência que lá campeia. Ainda jovem e com tendências
licenciosas, o padre acredita que encontrará muitas mulheres para exercitar seu
lado libertino. Henley viaja acompanhado da irmã Faith (Clara Williams) que, ao
contrário dele, é virtuosa. Chegando a Hell’s Hinges, Henley desperta a
preocupação de Silk Miller (Alfred Hollingsworth), dono do saloon local e que
acredita que o padre poderá com sua pregação afastar os frequentadores do
saloon. Miller então pede a Blaze Tracy (William S. Hart), temido pistoleiro,
que force o padre a sair da cidade, mas o que ocorre é que Tracy se encanta com
Faith e passa a protegê-la e também a seu irmão. Miller no entanto percebe a
fraqueza do padre Henley e faz com que a saloon girl Dolly (Louise Glaum) o
embebede, o seduza e o desmoralize. Henley é alvejado e ferido pelos capangas
de Silk Miller e Blaze Tracy cavalga até o povoado vizinho buscar um médico
para socorrer o padre Henley. Enquanto isso o povo de Hell’s Hinges é incitado
a incendiar a igreja que é defendida por alguns poucos fiéis. Quando Tracy
retorna encontra a igreja foi destruída pelo fogo nela ateado e o padre Henley
morto. Indignado Tracy se revolta, mata Miller e seus homens e queima o que
restou da cidade, começando pelo saloon. Tracy e Faith olham a cidade em cinzas
e partem juntos para algum local onde possam começar uma nova vida.
William S. Hart |
A
fúria do pistoleiro - Tornou-se recorrente nos faroestes
estrelados por William S. Hart os seus personagens passarem de foras-da-lei
para homens íntegros e defensores dos oprimidos. Some-se a esse aspecto os
temas moralistas, a religião sempre presente e uma mulher bonita com bom
coração para ajudar na conversão do herói, ingredientes que agradavam as
plateias. O diferencial de “As Portas do Inferno” é a violência exacerbada, a
fúria que se apossa do pistoleiro convertido e a vingança cruel que ele
executa. Quase 60 anos depois Clint Eastwood como o ‘Stranger’, incendeia a
cidade de Lago em “O Estranho Sem Nome” (High Plains Drifter), certamente
influenciado pelo filme de William S. Hart. A figura de Hart impressiona
bastante, não só pelo seu porte, mas pela sinceridade que transmite. O cinema
de Hart é austero, sem lugar para comicidade e seu personagem nada elegante no
trajar tenta se aproximar o mais possível daquilo que era o Velho Oeste. O
realismo incutido em seus westerns atingiu o ápice em “As Portas do Inferno”
com os cenários sendo queimados e com isso criando a desejada atmosfera de
horror.
Jack Standing |
Realismo
chocante - Hell’s Hinges é mostrada como uma cidade turbulenta onde
fala mais alto a lei do revólver. Tiroteios acontecem e o saloon é o local onde
todos vão se embebedar e divertir com as prostitutas. O refúgio da igreja
comporta poucos fiéis, incapazes de conter a violência dos valentões, alguns
deles a soldo do homem mau da cidade, Silk Miller. Paradoxalmente a igreja,
sempre símbolo da paz e da generosidade, é mostrada como passível de ter entre
seus evangelizadores um homem inepto e, mais que isso, dissoluto mesmo. Isto
num faroeste dos primórdios do cinema mais que surpreender, é mesmo chocante e
é outra prova do realismo com que William S. Hart dava a seus filmes.
Louise Glaum; Louise Glaum e Jack Standing |
William S. Hart |
Hart,
um bom ator - As interpretações, como não poderia deixar de ser são
teatrais, exagerando nos olhares e gestos, padrão daqueles tempos. William S.
Hart se distancia desses excessos e é convincente como o pistoleiro redimido. “As
Portas do Inferno” marcou a estreia no cinema de John Gilbert, que viria a ser na
década seguinte o maior galã do cinema mudo, fazendo quase figuração como um
dos homens de Silk Miller. O fã atento vai reconhecer também Jean Hersholt e
ainda Bob Kortman, vilão em quase 300 filmes, a maior parte faroestes, com sua
fisionomia assustadora. O cavalo de William S. Hart era ‘Fritz’ e neste filme
tem pouco destaque e o melhor momento é quando o mocinho salta de uma elevação
caindo sobre a sela e saindo a galope.
William S. Hart e Alfred Hollingsorth |
Reconhecimento
80 anos depois - Filmado em Inceville, a cidade cenográfica criada por
Thomas H. Ince, “As Portas do Inferno” teve o merecido reconhecimento muitas
décadas depois de seu lançamento. Quando exibido num circuito de arte em 1994,
o crítico do ‘Chicago Tribune’ afirmou ser este o mais importante western até o
aparecimento de “No Tempo das Diligências” (Stagecoach), o célebre filme
dirigido por John Ford em 1939. Este western de Willaim S. Hart foi
selecionado, ainda em 1994 pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos para
ser preservado pela sua importância cultural, histórica e estética. Esta
excelente cópia foi fornecida ao blog Westerncinemania pelo cinéfilo e
colecionador Sebá Santos.
Clara Williams; William S. Hart e Clara Williams |
Bom ver este clássico por aqui. Está na lista dos "100 Maiores Westerns de Todos os Tempos" que criei há 5 anos. Ah, também tenho 1,88m.
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