29 de dezembro de 2018

OURO É O QUE VALE (WATERHOLE # 3) – JAMES COBURN TENTANDO SER ENGRAÇADO



Blake Edwards
Realizar um western-comédia sem descambar para a paródia sempre foi difícil e a maior parte das tentativas resultou em fracasso artístico. “Dívida de Sangue” (Cat Ballou) é um dos raros exemplos em que propostas como essas deram bom resultado, agradando inclusive ao público. Blake Edwards era nos anos 60 um dos expoentes das comédias produzidas em Hollywood e emprestou seu nome a uma produção que tencionava fazer o público rir. A escolha de James Coburn como ator central já indicava, no entanto, que o projeto poderia dar errado. Coburn era excelente ator e criou um tipo marcante que após se destacar em inúmeros filmes como coadjuvante passou à condição de astro principal, insuperável em seu estilo ‘cool’. Mas Coburn não era engraçado e isso fica mais que evidente em “Ouro é o que Vale” (Waterhole # 3), western-comédia de 1967 que foi dirigido por William A. Graham, que passou quase toda longa carreira dirigindo séries e filmes para a televisão. Blake Edwards participou como roteirista e ator dos westerns “Expiação” (Panhandle) e “Debandada” (Stampede), respectivamente de 1948 e 1949, antes de passar a escrever, produzir e dirigir as comédias que o tornaram famoso. Somente em 1971 Edwards dirigiria seu primeiro faroeste que foi “Os Dois Indomáveis” (The Wild Rovers). Caso tivesse assumido a direção de “Ouro é o que Vale”, que não foi escrito por ele, talvez resultasse em um western-comédia com alguma graça, o que acabou não acontecendo.


James Coburn e Carroll O'Connor
A disputa pelo ouro roubado - Lewton Cole (James Coburn) é um jogador à espera de uma oportunidade melhor para ganhar dinheiro. Quando surge essa possibilidade Cole não hesita em matar um oponente para descobrir onde estão escondidos 45 quilos de ouro em barras roubados do Exército. Um pequeno mapa indica o local e para chegar lá Cole precisa de um bom cavalo e o melhor que existe na cidade de Integrity pertence ao xerife John Copperud (Carroll O’Connor). Já procurado pela justiça pelo crime praticado, Cole rouba o cavalo do xerife, deixa-o nu dentro da cela da delegacia e ainda estupra Billee (Margaret Blye) a bela filha do xerife. Copperud precisa prender Cole para refazer sua imagem e para se reeleger xerife de Integrity, saindo na captura do desafeto. Encontra Cole mas acaba seduzido pela possibilidade de dividir o tesouro encontrado pelo assassino, escondido num poço d’água natural, o ‘waterhole’ do título original. Outros bandidos disputam o ouro e o Exército também se empenha em recuperá-lo, mas ao final Cole fica com o ouro e vai desfrutar da boa vida no México após ultrapassar a fronteira.

Margaret Blye e Carroll O'Connor.
Carroll O'Connor e Bruce Dern
Código particular - Chamar Lewton Cole de amoral seria eufemismo. Entre suas atitudes infames ele concorda em duelar com o líder da quadrilha que roubou o ouro (Roy Jenson), desrespeitando porém as clássicas leis de um duelo, ocasião em que assassina covardemente o adversário. Para ficar com o cavalo do xerife Copperud, não se satisfaz em prendê-lo em sua própria cela mas o humilha deixando-o totalmente despido juntamente com o apalermado auxiliar (Bruce Dern). Encontrando a apetitosa Billee não hesita em possuí-la, ainda que a resistência oferecida pela moça tenha sido relativamente pequena. Cole corrompe o corruptível xerife porque naquele momento esta é sua melhor opção. Outro bandido (Timothy Carey) sucumbe à sua fria covardia e quantas mentiras forem necessário, quantas vezes Cole mentirá. A pobre Billee que por ele se apaixonou e a quem volta a se entregar na esperança de ficar com seu violador é desprezada. Mal imagina a moça que para ele ‘ouro é o que vale’ e só pelo ouro se interessa para valer. Tudo o mais Cole usa como usa um cavalo. Esse é o código todo particular das leis do Oeste para Lewton Cole.

Margaret Blye
A irrelevância da mulher - Um enredo que poderia ser interessante se desenvolvido dramaticamente é comprometido pela opção pelo western-comédia, ainda que em “Ouro é o que Vale” todos se esforcem para parecerem engraçados. Apenas Carroll O’Connor chegue perto disso.  A balada-tema “Code of the West” cantada por Roger Miller indica a subversão dos códigos tradicionais inclusive os de honra, mas com a intenção de fazer graça o filme é excessivamente agressivo ao mostrar o desprezo pela mulher. O pai da moça estuprada nem se importa com o fato, encarado como natural já que mulheres, segundo ele, servem para atender aos instintos masculinos. Repulsivo é o mínimo que se pode dizer desse desnecessário e deslocado, mesmo em 1967, enfoque. James Coburn e Carroll O’Connor deveriam formar uma dupla tão desajustada quanto desonesta, porém a parceria não funciona. Não por culpa de O’Connor, mas porque o cinismo, a frieza e o despudor de Coburn operam em sentido contrário.

James Coburn e Carroll O'Connor
O persistente baladeiro - À parte a absoluta falta de graça, a narrativa não prende a atenção embora trate da clássica disputa por ouro. E a surpresa da mensagem final demonstra que o crime pode sim compensar e, aí sim, ninguém melhor que James Coburn para sarcasticamente expressar a impudência. Procurando copiar o que deu certo em “Cat Ballou”, um baladeiro, cansativamente, se torna narrador não escondendo que isso foi necessário para que o faroeste não perdesse o rumo. O cantor Roger Miller não aparece no filme, ao contrário de Nat ‘King’ Cole e Stubby Kaye, cujas presenças alegram ainda mais o western-comédia estrelado por Lee Marvin. O excelente elenco de apoio de “Ouro é o que Vale” contou com James Whitmore, Claude Akins, Bruce Dern, Roy Jenson e Timothy Carey não tem oportunidade de brilhar. A veterana Joan Blondell é a cortesão de Integrity e o destaque do cast fica para Margaret Blye.

James Whitmore, Timothy Carey e Claude Akins

Imagens é o que vale... - Uma curiosidade é Robert Burks ter sido o Diretor de Fotografia, ele que era o cinegrafista preferido de Alfred Hitchcock. Este não foi o primeiro western de Burks pois é dele a ótima fotografia (3D) de “Caminhos Ásperos” (Hondo), de 1953, mas após tantos filmes trabalhando com Hitch é inesperado o retorno ao Velho Oeste. E a cinematografia acaba sendo o ponto alto de “Ouro é o que Vale”. O fracasso deste faroeste em nada abalou a carreira de James Coburn que entre outros grandes filmes interpretaria o melhor Pat Garrett que o cinema já viu. Pelas mãos de Sam Peckinpah, o que é outra conversa...
À direita James Coburn.

16 de dezembro de 2018

AS QUATRO CONFISSÕES (THE OUTRAGE) – UM WESTERN PARA PAUL NEWMAN ESQUECER


Acima Akira Kurosawa e Martin Ritt;
no centro Toshiro Mifune e Paul Newman;
abaixo Claire Bloom e Rod Steiger

Paul Newman passou a década de 50 tentando se livrar da imagem de imitador de Marlon Brando, ambos oriundos do Actors Studio, de Nova York, escola formadora de uma geração de excepcionais atores. Nos anos 60 Brando amargou uma queda de qualidade em seus filmes enquanto Newman acertava em quase todos seus personagens, ultrapassando Brando em número de fãs e salário. É conhecida a associação de Paul Newman com o diretor Martin Ritt, que o havia dirigido em “O Mercador de Almas”, “Paris Vive à Noite” e “O Indomado”, todos rendendo elogios às atuações de Newman que foi indicado ao Oscar de Melhor Ator por “O Indomado”, este de 1963. Quando Ritt se propôs a realizar uma versão-western de “Rashomon”, o filme que tornou Akira Kurosawa conhecido no Ocidente, o diretor pensou em Marlon Brando para interpretar o personagem central. Nesta versão um bandido mexicano chamado ‘Juan Carrasco’. Brando que já havia interpretado um mexicano em “Viva Zapata!” declinou da oferta e Ritt ofereceu o papel a Paul Newman que vinha mesmo procurando diversificar os personagens que interpretava. ‘Juan carrasco’ viria a calhar e Newman poderia mostrar ser capaz de fazer um mexicano melhor do que Brando faria. Essa versão, com roteiro de Michael Kanin, diferia bastante daquela que Kanin escrevera para a encenação de “Rashomon” na Broadway, em 1959, interpretada por Rod Steiger como o bandido e Claire Bloom como a esposa estuprada, ela que era casada com Steiger na vida real. A nova versão de Michael Kanin dirigida por Martin Ritt foi ambientada no deserto do Arizona, transformando-se em um faroeste, o segundo que Hollywood baseava em filmes de Akira Kurosawa. Antes houvera “Sete Homens e um Destino” (The Magnificent Seven), em 1960, e simultaneamente ao western de Ritt, o italiano Sergio Leone filmava em Almería (Espanha) sua versão de “Yojimbo” com o título de “Per un Pugno di Dollari”, o bem sucedido “Por um Punhado de Dólares”.


Acima William Shatner, Howard Da Silva e
Edward G. Robinson; abaixo Laurence Harvey
Quatro versões para uma morte - Um padre (William Shatner), um garimpeiro (Howard Da Silva) e um velho escroque (Edward G. Robinson) se encontram numa estação em Silver Gulch à espera de um trem e comentam o recente enforcamento de Juan Carrasco (Paul Newman). Carrasco é um conhecido bandido mexicano acusado de haver matado o ex-Coronel Confederado Wakefield (Laurence Harvey) e estuprado sua esposa Nina (Claire Bloom). Durante a conversa são narrados os relatos dos crimes, relatos feitos pelo próprio Juan Carrasco e recontado pelo padre; por Nina; pelo Coronel morto através de depoimento de um velho índio que encontrara o sulista ainda com vida; e finalmente pelo garimpeiro que chegara ao local do crime e encontrara Wakefield morto. Uma narrativa difere em vários aspectos da outra e o único fato concreto é que Carrasco foi sentenciado pela morte do Coronel. Justa ou injustamente é a dúvida que o filme levanta.

Acima Paul Newman; Newman e Harvey
Narrativa nebulosa - A verdade é algo subjetivo que depende do ponto de vista de quem a expressa, gerando inevitavelmente contradições quando há divergências de opiniões sobre ela. É isso que Ryünosuke Akutagawa propôs em suas duas histórias reunidas no roteiro original de “Rashomon” de Akira Kurosawa. Refilmado com o título “The Outrage” (As Quatro Confissões) manteve-se a nada convencional narrativa em flashbacks do filme de Kurosawa. O faroeste de Ritt mantém certo interesse quando do relato feito por Carrasco, o qual parece bastante verossímil. A mudança brusca se dá quando Nina relata sua versão dos acontecimentos, mais nebulosa e dramática pois expressa o difícil relacionamento da mulher com seu marido. A história contada pelo velho índio faz com que a atenção do espectador seja reduzida e afinal o depoimento do garimpeiro pouco acrescenta ao interesse pela ‘verdade’. Nessa parte final o roteiro deixa de ter o brilho dos diálogos iniciais e a direção de Martin Ritt se perde totalmente com a tragédia convertendo-se numa comédia e mais ainda, com um sentimentalismo inadequado.

Paul Newman e Claire Bloom; Claire Bloom.
Erotismo dramático - Um filme que inicialmente se propõe a discutir seriamente a ‘verdade’ termina de forma melancólica mal servindo, que seja, para uma provocativa brincadeira com o espectador. Claire Bloom e Laurence Harvey estão bastante expressivos em seus personagens, ele que como poucos é capaz de criar um tipo arrogante, no caso aqui o aristocrático ex-Coronel. As nuances de Claire são perfeitas, especialmente quando sob seu ponto de vista o esnobe Coronel Wakefield não é mais que um covarde que passava mal antes de partir para as batalhas da Guerra Civil. E ele também a desnuda revelando ser ela uma mulher oportunista e fútil. Os melhores momentos do filme são quando Nina se mostra satisfeita por ter sido possuída por Carrasco e mais ainda porque diante do marido a quem despreza e que está amarrado e amordaçado mas com os olhos bem abertos testemunhando a cena erótica. Sequência e diálogos fortes e raros no genero. Porém o grande equívoco deste filme foi justamente aquilo que parecia ser o maior trunfo para atrair o público: seu astro principal Paul Newman.

Laurence Harvey; Claire Bloom e Paul Newman

Paul Newman
Paul Newman grotesco - Mal recebido pela crítica quando de seu lançamento, “As Quatro Confissões” é um daqueles filmes, como o caso de “O Cálice Sagrado”, que Paul Newman certamente gostaria de omitir de sua filmografia, o mesmo valendo para Ritt. Newman conta que passou duas semanas no México para adquirir a maneira de falar dos mexicanos. Nem precisava ter perdido esse tempo pois melhor seria assistir a alguns filmes de Anthony Quinn, de cuja voz e rudeza naturais Newman muito se aproximou na composição de seu exagerado Carrasco. Ter sido realizado em preto e branco foi uma sorte para Newman que não precisou usar lentes para tornar seus olhos castanhos, embora tenha tentado esconder com lentes os olhos azuis masculinos mais famosos do cinema. Newman não se adaptou mas o preto e branco amenizou o problema. Mas havia ainda o bigode, o cavanhaque e a franja escura complementados com um grotesco aumento do nariz do ator para formar a mais bizarra imagem que Newman levou à tela em sua carreira. Somado a isso a mal concebida mudança de comportamento de seu personagem ao longo do filme.

Acima Howard Da Silva e Edward G.
Robinson; abaixo William Shatner e
Edward G. Robinson
Comparação impossível - James Wong Howe foi o responsável pela fotografia, como sempre excelente do notável cinegrafista. Sem preciosismo de angulações e travellings desnecessários Howe é preciso ao filmar as expressões e enquadrar o triângulo mantido mesmo com o personagem de Harvey à distância amarrado a uma árvore. Boas as sequências de luta, ainda que a última delas descambe para a galhofa. O reduzido elenco traz ainda William Shatner antes da fama como o ‘Capitão Kirk’ de “Jornada nas Estrelas” e os veteranos Edward G. Robinson e Howard Da Silva. Robinson num personagem filosofal e antipático que se torna por vezes irritante; e é sempre bom rever o ótimo Da Silva de tantos e excelentes filmes até sumir das telas por mais de uma década após ter sido ‘blacklistado’ pelas bruxas de Hollywood. Dois anos após “As Quatro Confissões”, Martin Ritt e Paul Newman se reencontrariam no admirável western “Hombre”, um dos grandes filmes de Ritt e das melhores interpretações de Newman como o mestiço taciturno. É recomendável que se assista primeiro a “As Quatro Confissões” e depois “Rashomon” de Kurosawa para que o filme de Ritt não pareça ainda mais fraco do que é.

Claire Bloom; Paul Newman

26 de novembro de 2018

JORNADAS HEROICAS (THE PLAINSMAN) – GARY COOPER É O HEROICO ‘WILD BILL’ HICKOK



Cecil B. DeMille;
Hickok; Calamity Jane
e Buffalo Bill
Cecil B. DeMille era já um diretor famoso que fazia filmes desde 1914 e reconhecido como ótimo contador de histórias, mais ainda se estas tivessem origem em textos bíblicos. Tendo feito diversos westerns no cinema mudo, DeMille ainda não havia incursionado pelo gênero western depois que o cinema passou a falar, mesmo tendo percebido que não faltavam ótimas oportunidades para filmes com seu característico estilo grandiloquente. Ainda no cinema silencioso foram filmadas superproduções como “Os Bandeirantes” (The Covered Wagon), de James Cruze, 1923 e “O Cavalo de Ferro” (The Iron Horse), de John Ford, 1925; o premiado “Cimarron”, de Wesley Ruggles, chegaria em 1931 e certamente fez com que DeMille reavaliasse a ideia de enveredar pelo Velho Oeste, o que ocorreria em 1936 com “The Plainsman”. Esse não foi o primeiro título pensado para essa produção que chegou a se chamar “The Breed of Men”, isto na fase de elaboração do roteiro no qual trabalharam Waldemar Young, Harold Lamb e Lyan Riggs. O personagem principal da história de “The Plainsman” é James Butler Hickok, mais conhecido como ‘Wild Bill’ Hickok, cujos 39 anos de vida foram repletos de aventuras. O lendário Hickok foi, entre outras coisas, homem da lei, soldado na Guerra Civil e jogador de pôquer e o roteiro se baseou principalmente no livro “Wild Bill Hickok: The Prince of Pistoleers”, de Frank J. Wilstach, além de uma compilação de textos feita por Jeannie MacPherson. DeMille não perderia a oportunidade de visitar o Oeste Selvagem deixando de lado alguns de seus principais personagens e sem nenhum constrangimento ‘encomendou’ a presença de George Armstrong Custer, de Buffalo Bill e de Calamity Jane para participarem da história. Hickok, realmente, conheceu William Cody (Buffalo Bill) e mais ainda Calamity Jane. Esta, por sinal, em sua autobiografia relatou que chegou a se casar com Hickok. Mas a intenção de DeMille não era se ater unicamente aos fatos históricos e sim tornar seu filme mais interessante e emocionante. Para isso, até mesmo Abraham Lincoln tem uma ‘pequena participação’ na parte inicial. Esqueceu-se, no entanto, o produtor-diretor da figura também lendária de John Wesley Hardin, outro que chegou a conhecer Hickok. E nem pensar em citar que ‘Wild Bill’ teve uma doença comum naqueles tempos (gonorreia), uma vez que isso em nada enalteceria sua imagem heroica vivida por ninguém menos que Gary Cooper. Mas DeMille simplesmente seguia, com a falta de rigor histórico, o modelo daqueles tempos ainda distantes da precisão revisionista que ocorreria em Hollywood décadas mais tarde. Custer, Billy the Kid, Jesse James, entre outros eram reverenciados nos filmes norte-americanos e o mesmo fez DeMille com Hickok, Buffalo Bill e Calamity Jane em seu “The Plainsman” que no Brasil recebeu o título “Jornadas Heroicas”.


Jean Arthur e Gary Cooper;
Gary Cooper e Charles Bickford
Hickok desarmando os índios - Coincidiu com o fim da Guerra Civil a invenção do rifle de repetição e a indústria bélica do Norte se viu em dificuldade para desovar a nova produção. Como os índios ainda resistiam à política de Washington de deixar suas terras para que os brancos as explorassem, os nativos passaram a ser vistos pelos fabricantes como um potencial mercado consumidor dessas novas armas. Mas havia o Exército para impedir esse arriscado comércio e a solução era contratar contrabandistas de armas, alguém como John Lattimer (Charles Bickford) que conseguia ter como sequazes até mesmo soldados da União. Lattimer passou a armar os índios porém teve a má sorte de ‘Wild Bill’ Hickok (Gary Cooper) atravessar seu caminho. E isto justamente quando Hickok havia reencontrado seu amigo Buffalo Bill (James Ellison), ambos sempre dispostos à ajuda mútua. Buffalo Bill acabara de se casar com Louisa Cody (Helen Burgess), enquanto Hickok não se decidia a transformar sua eterna namorada Calamity Jane (Jean Arthur) em sua esposa, por mais que ela se esforçasse para isso. Tentando desbaratar o contrabando de armas Hickok acaba, juntamente com Jane, prisioneiro dos Cheyennes. Libertado, ajuda uma patrulha do Exército que sofre uma emboscada e mais tarde encontra um índio Cheyenne (Anthony Quinn), que relata o massacre Sioux ao regimento comandado pelo General Custer (John Miljan). Após a aniquilação do 7.º Regimento de Cavalaria, Hickok segue para Deadwood onde se defronta com Lattimer e o mata em legítima defesa. Descuida-se porém em um jogo de cartas e é alvejado pelas costas por Jack McCall (Porter Hall), comparsa de Lattimer. Calamity Jane fica sem seu grande amor e o tráfico de armas para os índios cessa graças à ação de ‘Wild Bill’ Hickok.

Gary Cooper e Jean Arthur
Western sem ‘happy end’ - Um dos maiores sucessos do ano de 1936, “Jornadas Heroicas” não tinha outro objetivo senão o de agradar ao público, com seu diretor-produtor sabendo sobejamente como fazer isto. E DeMille não teve pudores em mostrar ‘Wild Bill’ Hickok como um homem digno e corajoso cujo defeito único talvez fosse não resistir a um jogo de pôquer. Valente frente aos malfeitores, era durão também no seu namoro com Calamity Jane, a quem desdenhava mas sabia que a amava. E o destemido Hickok enfrenta sucessivos desafios vencendo-os a quase todos e a exceção fica por conta da impossibilidade de evitar o extermínio do regimento do General Custer.  Se o roteiro não deu maior importância aos fatos históricos ele é bastante coerente na narrativa ficcional e por isso mesmo chega a chocar a coragem de dar a este western um final nada feliz, frustrando o espectador com a morte do herói. Final paradoxalmente muito próximo de como o evento ocorreu, ou seja, com Hickok baleado pelas costas enquanto estava numa mesa de pôquer.

Gary Cooper
Sarcasmo e patriotismo - Embora por vezes o ritmo de “Jornadas Heroicas” decaia bruscamente, este é um western repleto de ação e o ponto alto é quando Hickok busca promover uma conferência de paz com o Chefe Yellow Hand (Paul Harvey). Wild Bill é feito prisioneiro juntamente com Calamity Jane e submetido a uma tortura sendo exposto a uma fogueira para que diga onde estão as balas para municiar os rifles que os índios trocaram por peles. Bravamente Hickok resiste mas Calamity ao vê-lo sofrer conta o que sabe ao chefe Cheyenne. São então libertados e isso é o suficiente para Hickok hostilizar mais a garota, o que faz sarcasticamente o tempo todo, momentos em que DeMille exercita sua comicidade nem sempre engraçada. A resistência de Hickok expressa seu sentimento patriótico, o que permeia todo o filme e que numa história de pura ficção com personagens idealizados é uma das formas de agradar o público. E Gary Cooper se identificou como poucos outros atores ao americano digno, patriota e intrépido.

Jean Arthur
Calamity Jane, quase perfeita dama - Muito se comentou que o diretor-produtor cedeu de sua coleção particular 64 armas da época da Guerra Civil para tornar mais realistas as sequências de batalha. E nelas utilizou, pelo que diziam os ‘releases’, dois mil extras. Mesmo filmadas em locações numa Reserva Indígena em Montana, essas sequências não chegam a impressionar ao modo de John Ford ou Raoul Walsh. Porém a recriação de Deadwood City e antes o cenário de Leavenworth, construídos nos estúdios da Paramount, criam a impressão de se voltar àquelas cidades em meados do século XIX. A riqueza de detalhes também chama a atenção e compensa o fato de DeMille ter utilizado atores brancos como índios, exceto o nativo Chief Thundercloud que sequer tem falas na película. O mexicano Anthony Quinn que se destacaria em sua carreira pelos personagens multirraciais é quem mais se assemelha a um Cheyenne de verdade. As muitas liberdades que DeMille tomou em relação à História, como foi citado acima, objetivavam agradar ao público, mas a Calamity Jane de Jean Arthur se distancia exageradamente da mulher nada feminina que ela sabidamente foi. E Calamity é neste western uma figura sem a vivacidade, insolência e rudeza que caracterizaram a lendária Calamity. Não fosse assim a personagem não poderia ser interpretada pela delicada Jean Arthur.

James Ellison
Buffalo Bill sem carisma - Errol Flynn não era ainda o grande modelo de herói que viria a se tornar no decorrer da década de 30, mas James Ellison mais parece um carbono do grande astro de “Capitão Blood”, claro que sem o carisma de Flynn. A escolha de Ellison para interpretar Buffalo Bill foi um erro tão gritante quanto Jean Arthur ser escalada como Calamity Jane. Ellison era um alto e simpático mas obscuro ator de westerns-B, pardner de Hopalong Cassidy e não consegue fazer o público acreditar ter sido ele autor das proezas atribuídas a William ‘Buffalo Bill’ Cody. Tanto que sua carreira, apesar desta excepcional oportunidade jamais fez dele um astro de primeira grandeza. A esposa de Buffalo Bill neste filme foi interpretada com suavidade por Helen Burgess, jovem atriz descoberta por DeMille e que teve sua carreira truncada aos 20 anos de idade quando faleceu vítima de uma pneumonia.


Excepcional elenco de apoio - O excelente Charles Bickford é o vilão principal e mereceria ter maior relevância no filme. Conta-se que a Paramount não aceitou que ‘Wild Bil’l Hickok fosse morto por alguém de tão pouca importância como o Jack McCall interpretado pelo eterno coadjuvante Porter Hall. Mas DeMille bateu o pé e ao menos nesse evento foi fiel aos fatos históricos, mantendo McCall como o covarde assassino de Hickok. O vastíssimo elenco é um prazer extra para aqueles que reconhecem os atores coadjuvantes e podem ser vistos, entre outros, George ‘Gabby’ Hayes, Hank Bell, Francis Ford, Charles Stevens, Fuzzy Knight, Francis McDonald, Bud Osborne, Richard Alexander, Ted Oliver e os eternos bandidões Harry Woods e Fred Kholer. O Imponente John Miljean é George Armstrong Custer e Anthony Quinn numa breve aparição dá início a uma das mais extraordinárias vidas artísticas que um ator poderia ter. Segundo ele mesmo gostava de contar, seu papel era ainda menor, mas ele chamou a atenção de DeMille quanto ao modo que um Cheyenne se aproximaria dos brancos. O diretor inconformado com atrevimento do jovem desconhecido de 21 anos o dispensou sumariamente, mas Katherine, a filha de DeMille, presente ao set a tudo observou e disse ao pai que havia coerência dna observação de Quinn. Este não só continuou no filme como se casou com Katherine e se tornou um protegido do diretor.
À direita Gary Cooper com Fred Kholer, Harry Woods e George 'Gabby' Hayes


Gary Cooper
Gary Cooper mais ele próprio que Hickok - “Jornadas heroicas” gira praticamente inteiro em torno da presença de Gary Cooper que com seu modo habitual de interpretar, aparentemente sem fazer maior esforço, convence e conquista o espectador. Cooper parece um tanto lento por vezes mas isso era parte do seu charme. Cabelos, bigode e cavanhaque longos eram uma característica de Wild Bill Hickok, mas DeMille sabia que Cooper não ficaria bem com esse perfil e o que temos é um Hickok com o jeito de Gary Cooper e não o contrário. Este foi mais um êxito na carreira do ator que conseguiu a proeza de enfileirar uma longa sequência de sucessos, coisa que raros atores conseguiram fazer em tantas décadas de cinema norte-americano. Cecil B. DeMille que se iniciou como diretor em 1914 com o western “Amor de Índio”, posteriormente a “Jornadas Heroicas” ainda dirigiria “Aliança de aço” (Union Pacific), “Legião de Heróis” (North West Mounted Police) e “Os Inconquistáveis” (Unconquered), estes dois últimos estrelado por Gary Cooper e não westerns legítimos. Nenhum deles, no entanto se aproximou tanto de ser um clássico como “Jornadas Heroicas” que é um western que nenhum fã do gênero pode deixar de ver pois é garantia de boa diversão.


17 de novembro de 2018

TERRA DE SANGUE (SHORT GRASS) – REUNIÃO DE LESLEY SELANDER E ROD CAMERON


Lesley Selander com Allan 'Rocky' Lane

A assinatura de Lesley Selander como diretor de westerns é uma garantia de bom filme e “Terra de Sangue”, estrelado por Rod Cameron apenas comprova o talento desse diretor. Desta vez Selander teve em mãos uma interessante história de autoria de Thomaz W. Blackburn, autor de inúmeros textos originais ou roteiros, entre eles os bons “Calibre 45” (Colt .45) e “Alma de Renegado” (Riding Shotgun), ambos estrelados por Randolph Scott e já resenhados aqui no WESTERNCINEMANIA. Esta produção da pequena Allied Artists não esconde o orçamento limitado com sequências passadas em estúdio com cenários pintados ao fundo, uma reduzida ‘manada’ de gado pastando numa propriedade e gerando guerra entre criadores e mais um elenco composto por rostos conhecidos de muitos westerns-B. Aos 40 anos de idade Rod Cameron está em excelente forma tendo como leading-lady Cathy Downs, a doce ‘Clementine’ de “Paixão dos Fortes”, a inesquecível obra-prima de John Ford. Johnny Mack Brown aparece como xerife enfrentando, ao lado de Cameron, vilões da estirpe de Morris Ankrum e Harry Woods. A cópia impecável faz de “Terra de Sangue” um ótimo programa.


Acima Rod Cameron e Stanley Andrews;
abaixo Jonathan Hale, Kack Ingram e Cameron
A disputa pela grama curta - O criador Hal Fenton (Morris Ankrum) reúne um grupo de cowboys dispostos não apenas a desrespeitar limites de propriedades alheias mas também a impor a vontade de Fenton. Para expandir seu império e se tornar um poderoso ‘barão de gado’, Fenton ordena que seus homens, liderados por Sam Dreen (Harry Woods), sejam e impiedosos e matem aqueles que se opuserem a seus interesses. Chega à região o forasteiro Steve Llewellyn (Rod Cameron) que, embora inocente, se vê envolvido em um roubo seguido de morte. Llewellyn fica com 400 dólares sem saber que a quantia era produto do roubo e torna-se sócio de Pete Lynch (Stanley Andrews), pai de Sharon Lynch (Cathy Downs) numa pequena propriedade para criar gado. Fenton quer intimidar Llewellyn e este mata em legítima defesa o irmão de Fenton, sendo obrigado a sair do Novo México. Retornando cinco anos depois. Ao voltar Llewellyn encontra Sharon casada com um jornalista bêbado e a moça lhe conta que seu pai fora assassinado. Sharon perde o marido e Llewellyn decide enfrentar Fenton e seus homens ajudando o xerife Ord Keown (Johnny Mack Brown). Num confronto em um saloon na cidade de Silver Spur, Llewellyn e Keown, com a ajuda de mais alguns homens, liquidam Fenton e seu bando, a paz volta à região e Llewellyn fica com Sharon.

Rod Cameron
Cameron: justo, honesto e destemido - Praticamente todos os elementos necessários para compor uma história convencional sobre guerra entre criadores está presente em “Terra de Sangue”. Mas Lesley Selander contorna bastante bem os previsíveis clichês e mantém o ótimo ritmo deste faroeste ao qual não faltam uma boa luta e muita troca de tiros. O personagem de Rod Cameron é justo, honesto e destemido, a imagem exata do ator canadense imortalizado para os fãs de seriado como o ‘Agente Secreto Rex Bennett’ em “A Adaga de Salomão” e “O Dragão Negro”. Lembre-se que Steven Spielberg confessou que se inspirou em ‘Rex Bennett’ para criar ‘Indiana Jones’ e melhor referência é impossível. Mas voltando a “Terra de Sangue”, Cameron até assusta um pouco o espectador com a sucessão de mortes que provoca, sempre em legítima defesa e, por azar, tendo de enfrentar homens maus desde que chega a Silver Spur. Com um deles, interpretado por Jeff York, Cameron com seus 1,96m de altura trava uma violenta luta que termina com o oponente jurando vingança e a mocinha vendo naquele forasteiro o homem de sua vida.

Cathy Downs; abaixo Morris Ankrum,
Harry Woods e Johnny Mack Brown
A morte seguindo seus passos - Mas a história de Blackburn sofre algumas alterações na segunda parte, quando do retorno de Steve Llewellyn. A mocinha casou com a pessoa errada, o dono do jornal local, e este, entre um porre e outro, ainda bem, fica livre para voltar aos braços do antigo amor. Mas Llewellyn precisa provar que merece o amor de Sharon que agora tem a responsabilidade de tocar com dignidade o ‘The Courier’, jornal que o finado marido deixou. Nada parece fácil para Llewellyn, especialmente porque o xerife não o vê com bons olhos uma vez que a cada passo deixa ele algum corpo crivado de balas justificando o título nacional de “Terra de Sangue”. Se há algo que mereça reparo neste faroeste é a pequena participação de Morris Ankrum, o excelente ator de tantos e tantos filmes em gêneros diversos. Mas para compensar há a presença marcante de Harry Woods, um dos grandes homens maus dos westerns-B e que enfrentou a praticamente todos os mocinhos daqueles filmes, desde Ken Maynard a Sunset Carson , passando por Johnny Mack Brown. E ‘John Mack Brown, como fazia questão de dizer e escrever o westernmaníaco Umberto Losso, tem expressiva participação demonstrando que era bom ator, ele que contracenou com Joan Crawford, Norma Shearer, Greta Garbo, Mary Pickford e Marion Davies, antes de ter sua carreira como galã truncada pelo ciúmes de William Randolph Hearst, o ‘Cidadão Kane’.

Rod Cameron
Rod Cameron, êmulo de Randolph Scott - Um bom faroeste não dispensa as figuras clássicas do simpático médico bêbado (Raymond Walburn), do cozinheiro chinês (Lee Tung Foo), de um elegante homem de bem (Jonathan Hale), dos fieis rancheiros mexicanos (George J. Lewis e Felipe Turich) e do velho pai (Stanley Andrews) da linda mocinha, interpretada por Cathy Downs. Cathy tem oportunidade de mostrar que Hollywood não foi generosa com ela apesar do início promissor no clássico de John Ford. Nunca mais teve ela bons papeis apesar de ser bonita e talentosa, vindo a falecer precocemente aos 50 anos de idade. “Terra de Sangue” termina com um intenso tiroteio noturno dentro de um saloon Com Rod Cameron e Johnny Mack Brown lado a lado enfrentando e exterminando os malfeitores. Imagina-se a vibração que um faroeste como esse provocava nas matinês dos anos 50, aquelas nas quais Rod Cameron era, acreditem, tão famoso quanto Randolph Scott, a quem o canadense lembra bastante. Uma diferença entre eles é que, ao contrário de Scott, Cameron sempre beijava a mocinha...

Cathy Downs e Rod Cameron; Johnny Mack Brown e Raymond Walburn

Cópia gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador MARCELO CARDOSO.

3 de novembro de 2018

UM HOMEM DIFÍCIL DE MATAR (MONTE WALSH) – A DECADÊNCIA DO COWBOY


Acima Jack Schaefer; na foto
maior William A. Fraker

Jack Schaefer é mais conhecido por “Shane”, seu primeiro livro e que George Stevens transformou no admirado clássico do faroeste. Com o sucesso estrondoso de “Shane”, que Schaefer escreveu aos 41 anos, o autor não mais parou de escrever e em 1963 lançou aquela que para muitos é sua obra máxima: “Monte Walsh”. Esse livro conta a história de um cowboy, desde sua juventude, até seus últimos dias, sendo esse livro aclamado como um das mais completas narrativas sobre a vida daqueles que lidavam com o gado. Como não poderia deixar de ser a obra chamou a atenção dos produtores mas demorou longos sete anos até virar filme. Nesse tempo foi cogitado o nome de John Wayne como protagonista, mas o papel acabou nas mãos de Lee Marvin, bem mais jovem que o Duke e então em grande evidência como astro. Para interpretar ‘Monte Walsh’ Lee Marvin recebeu um milhão de dólares e mais 10% do lucro líquido da bilheteria. William A. Fraker, diretor de fotografia dos sucessos “Bullit” e “O Bebê de Rosemary” e ainda de “Os Aventureiros do Ouro” (Paint Your Wagon), foi escolhido para dirigir “Monte Walsh”, com a devida aprovação de Lee Marvin. Jeanne Moreau, o par romântico de Lee no filme gerou certa desconfiança pois poucos apostavam que ele se desse bem com a atriz francesa. Para surpresa geral o entendimento foi completo nas filmagens e fora delas, não faltando fofocas sobre essa grande amizade. Jack Palance completou o elenco central como o pardner de Monte Walsh, com Jack e Lee se reunindo pela quarta vez em um filme. Em 1966 atuaram juntos em “Os Profissionais” (The Professionals). O roteiro de “Monte Walsh” (Um Homem Difícil de Matar) ficou a cargo de Lucas Heller e David Zelag Goodman.


Lee Marvin, Jack Palance e Jim Davis;
abaixo os três junto ao grupo de cowboys
Desemprego e deses-perança - Procurando novo emprego, os antigos amigos Monte Walsh (Lee Marvin) e Chet Rollins (Jack Palance) chegam ao rancho Slash Y dirigido por Cal Brennan (Jim Davis), sendo contratados e juntando-se ao grupo de vaqueiros. Como diversão nos dias de folga os cowboys vão à pequena cidade vizinha chamada Harmony onde bebem, jogam e namoram. Lá Monte se encontra com sua amiga Martine Bernard (Jeanne Moreau) prostituta que dorme com ele, corta seu cabelo e nada lhe cobra. Chet flerta com a viúva Mary Eagle (Allyn Ann McLerie), dona do armazém local. Os capitalistas do Leste passam a dirigir o negócio de gado e pouco a pouco os cowboys veem seus empregos desaparecerem. Brennan é obrigado a dispensar três vaqueiros, os mais jovens, entre eles Shorty Austin (Michell Ryan). O tempo passa e o Slash Y também definha, o que leva Chet a se casar com Mary Eagle e trabalhar no armazém; Martine se vai de Harmony para Charleyville e Monte a procura e lhe propõe casamento, mesmo estando desempregado; tornando-se fora-da-lei, Shorty Austin assalta o armazém de Chet e o mata. Martine adoece e falece após o que Monte decide vingar o amigo e vai ao encalço de Shorty, encontrando-o e matando-o. Monte segue seu caminho sem saber exatamente o que fazer diante dos novos tempos.

Lee Marvin; Jack Palance
Fim de uma era, fim de um gênero - O gênero western começou a dar sinais de esgotamento nos anos 60 e na década seguinte era já uma categoria de filmes a caminho da extinção. Coincidentemente foi quando surgiram faroestes cujo tema era justamente o crepúsculo da era dos cowboys. “O Homem que Matou o Facínora” (The Man Who Shot Liberty Valance), de John Ford e “Pistoleiros do Entardecer” (Ride the High Country), de Sam Peckinpah, ambos de 1962 narraram admiravelmente o fim dos tempos dos heróis e das lendas do Velho Oeste. Vieram pouco depois os magníficos “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch), também de Peckinpah e “...E o Bravo Ficou Só” (Will Penny), de Tom Gries, aquele tratando de velhos e ultrapassados westerners fugindo para o desconhecido; este narrando as desventuras de um igualmente envelhecido cowboy e sua dura lida para sobreviver. A esta quadra de grandes filmes poderia se juntar “Um Homem Difícil de Matar”, que contempla melancolicamente o anacronismo do cowboy diante da perda de seu espaço para os trens e técnicas modernas de criar e conduzir gado, pensadas, como o filme lembra por contadores e gente que chama o rebanho de ‘capital’.

Jack Palance
A humilhação do arame farpado - Em sua primeira parte “Um Homem Difícil de Matar” mostra com boa dose de humor a camaradagem que permeia o dia a dia daqueles homens rudes, a comida ruim feita por um cozinheiro malcheiroso que desconhece o que é um banho, a disputa pelo único banheiro com a dor de barriga coletiva causada pela comida ruim e até uma boa briga para divertir. Com a chegada dos tempos sombrios os semblantes se fecham pois o administrador anuncia que deve reduzir o número de vaqueiros. Racionalmente opta por dispensar três dos mais novos estes sem encontrar trabalho acabam no caminho do crime. A dispensa seria de quatro mas a tristeza leva um veterano cowboy a cometer suicídio caindo de seu cavalo num despenhadeiro. Ele que havia sido soldado sob o comando do General Hooker, de quem emprestou o apelido ‘Fighting’ (lutador), e que paradoxalmente desiste de lutar contra um inimigo ainda maior que aqueles que enfrentou na Guerra Civil. Desiste da vida inconformado por deixar de montar e laçar tendo como humilhante função agora colocar cercas de arame. Este episódio retrata fielmente onde chegou a autoestima dos cowboys que amavam o que faziam mas, como diz Chet Rollins, “Ninguém pode ser cowboy para sempre”.

Lee Marvin e Eric Christmas
Cowboy de fantasia - A parte final deste western é um pouco mais movimentada e ainda mais amarga. Monte Walsh é um notável vaqueiro e domador, perfeito nessas funções que se tornaram arcaicas. Numa das melhores e mais longas sequências de “Um Homem Difícil e Matar” ele solitariamente doma um cavalo chucro assistido por uma única pessoa, um empresário de shows do Velho Oeste. Monte impressiona tanto o solitário espectador que é convidado para se tornar uma espécie de Buffalo Bill em apresentações circenses. Para isso deve se fantasiar e mudar seu nome para deslumbrar a plateia ávida pela emoção de ver uma lenda de perto, lenda que não passa de uma criativa atração. Para Monte Walsh sobreviver dessa maneira é um insulto ao seu passado e ele rejeita a tentadora oferta, mesmo estando desempregado e tendo proposto casamento à sua amiga prostituta europeia a quem chama carinhosamente de ‘Condessa’. Mais prático, seu pardner Chet se casou e toca a vida atrás de um balcão, o que Walsh reprova. A morte do amigo, brutalmente assassinado pelo ex-vaqueiro Shorty Austin dá o tom de tragédia ao filme de William A. Fraker, tragédia consumada com a vingança de Walsh e aumentada com a morte de Francine.

Lee Marvin

Lee Marvin e Jeanne Moreau
Fotogramas de arte - Os créditos iniciais e finais foram feitos sobre granulações de pinturas de Charles Russell, mencionado na tela final. Porém poderia ser lembrado também o igualmente notável artista Frederic Remington que como Russell retratou magnificamente o Velho Oeste, cowboys, índios e todos que habitavam a inóspita região. William A. Fraker com sua câmara concebe cenários que parecem extraídos dos quadros dos dois artistas. E o faz lentamente criando fotogramas belíssimos e com isso faz seu filme parecer um tanto arrastado uma vez que a história se desenrola sem que nada de mais importante aconteça. E vale lembrar que muitos cineastas optam pela teoria ‘os melhores filmes são aqueles em que parece que nada acontece’. É o caso de Fraker neste western. O romance entre Monte e Francine completa o lirismo das imagens e são sequências emotivas entre o homem bruto e a prostituta sofrida. Amam-se e é emocionante quando Francine, ao ser pedida em casamento, responde que o sonho de toda meretriz é um dia se tornar uma esposa. Isto representado por dois intérpretes superiores em momento excelso de suas carreiras.

Pura arte pelas lentes de William A. Fraker

Lee Marvin; o xerife morto é Lerpy Johnson
Ação econômica - Três são as sequências de ação, com o assassinato de Chet Rollins, a morte do xerife baleado por Rufus Brady (Matt Clark) e o confronto final entre Monte Walsh e Shorty Austin, este um pouco mais elaborado diante dos demais bastante econômicos. Fraker fugiu da estilização de duelos comuns a tantos westerns, bem em conformidade com o desenvolvimento de “Um Homem Difícil de Matar”. Fotografia, como não poderia deixar de ser primorosa e John Barry só erra no último embate, usando construção musical mais característica a filmes de James Bond. Mama Cass canta a canção “The Good Times Are Comin’” de autoria de John Barry e Al David, cujo título é pura ironia em relação ao filme.

Marvin e Moreau soberbos - Jack Palance como homem de bem está longe do ideal deste ator marcante em tipos fortes. Como Chet Rollins, Palance parece apático e desinteressado pois sabe que competir com Lee Marvin é tarefa inglória. Poucos diretores tiveram coragem de permitir que Lee atuasse e não apenas representasse o tipo forte e autoritário que cansou de levar à tela. Fraker deu essa oportunidade a Marvin fazendo-o fugir da caricatura e o ator comprova que foi dos grandes do seu tempo. Jeanne Moreau em seu melhor desempenho em filmes não-europeus está bonita, ela que não é exatamente linda, num personagem feminino emocionante, o que é raro em westerns. Roy Barcroft faz uma rápida aparição atrás de um balcão de bar neste que foi seu último trabalho no cinema. Como o filme foi rodado em 1969, ano da morte de Barcroft, este não chegou a assisti-lo.

Nas fotos ao lado Lee Marvin e Jeanne Moreau

Crítica massacrante - Por volta de 1970 os westerns de Clint Eastwood tinham orçamento de um milhão e meio de dólares e rendiam muito nas bilheterias. “Um Homem Difícil de Matar” custou cinco milhões de dólares e não chegou a se pagar com a arrecadação nos cinemas, isto devido a críticas negativas que o filme recebeu. Gene Siskel, por exemplo, descreveu esse western como um dos filmes mais sonolentos que já assistira, o que para um faroeste é um adjetivo mortal. Lee Marvin que teria direito a 10% do lucro líquido deste “Monte Walsh” nunca viu um centavo além do milhão de dólares do salário estipulado. Em 2003 houve uma refilmagem em forma de TV-movie com Tom Selleck, Isabella Rosselini e Keith Carradine nos papeis principais, versão muito inferior à de 1970. Bonito e tocante, “Um Homem Difícil de Matar” ficou longe da obra-prima que poderia ter sido. A vida dos cowboys esperaria até 1989 quando o mundo assistiria (pela TV) o extraordinário “Lonesome Dove” (Os Pistoleiros do Oeste) que nas suas longas seis horas de duração resultou naquilo que William A. Fraker tentou fazer.