Acima Akira Kurosawa e Martin Ritt; no centro Toshiro Mifune e Paul Newman; abaixo Claire Bloom e Rod Steiger |
Paul Newman passou a década de 50
tentando se livrar da imagem de imitador de Marlon Brando, ambos oriundos do
Actors Studio, de Nova York, escola formadora de uma geração de excepcionais
atores. Nos anos 60 Brando amargou uma queda de qualidade em seus filmes
enquanto Newman acertava em quase todos seus personagens, ultrapassando Brando
em número de fãs e salário. É conhecida a associação de Paul Newman com o
diretor Martin Ritt, que o havia dirigido em “O Mercador de Almas”, “Paris Vive
à Noite” e “O Indomado”, todos rendendo elogios às atuações de Newman que foi
indicado ao Oscar de Melhor Ator por “O Indomado”, este de 1963. Quando Ritt se
propôs a realizar uma versão-western de “Rashomon”, o filme que tornou Akira
Kurosawa conhecido no Ocidente, o diretor pensou em Marlon Brando para
interpretar o personagem central. Nesta versão um bandido mexicano chamado
‘Juan Carrasco’. Brando que já havia interpretado um mexicano em “Viva Zapata!”
declinou da oferta e Ritt ofereceu o papel a Paul Newman que vinha mesmo
procurando diversificar os personagens que interpretava. ‘Juan carrasco’ viria
a calhar e Newman poderia mostrar ser capaz de fazer um mexicano melhor do que
Brando faria. Essa versão, com roteiro de Michael Kanin, diferia bastante
daquela que Kanin escrevera para a encenação de “Rashomon” na Broadway, em
1959, interpretada por Rod Steiger como o bandido e Claire Bloom como a esposa
estuprada, ela que era casada com Steiger na vida real. A nova versão de
Michael Kanin dirigida por Martin Ritt foi ambientada no deserto do Arizona, transformando-se
em um faroeste, o segundo que Hollywood baseava em filmes de Akira Kurosawa.
Antes houvera “Sete Homens e um Destino” (The Magnificent Seven), em 1960, e
simultaneamente ao western de Ritt, o italiano Sergio Leone filmava em Almería
(Espanha) sua versão de “Yojimbo” com o título de “Per un Pugno di Dollari”, o
bem sucedido “Por um Punhado de Dólares”.
Acima William Shatner, Howard Da Silva e Edward G. Robinson; abaixo Laurence Harvey |
Quatro
versões para uma morte - Um padre (William Shatner), um
garimpeiro (Howard Da Silva) e um velho escroque (Edward G. Robinson) se
encontram numa estação em Silver Gulch à espera de um trem e comentam o recente
enforcamento de Juan Carrasco (Paul Newman). Carrasco é um conhecido bandido
mexicano acusado de haver matado o ex-Coronel Confederado Wakefield (Laurence
Harvey) e estuprado sua esposa Nina (Claire Bloom). Durante a conversa são
narrados os relatos dos crimes, relatos feitos pelo próprio Juan Carrasco e
recontado pelo padre; por Nina; pelo Coronel morto através de depoimento de um
velho índio que encontrara o sulista ainda com vida; e finalmente pelo
garimpeiro que chegara ao local do crime e encontrara Wakefield morto. Uma
narrativa difere em vários aspectos da outra e o único fato concreto é que
Carrasco foi sentenciado pela morte do Coronel. Justa ou injustamente é a
dúvida que o filme levanta.
Acima Paul Newman; Newman e Harvey |
Narrativa
nebulosa - A verdade é
algo subjetivo que depende do ponto de vista de quem a expressa, gerando inevitavelmente
contradições quando há divergências de opiniões sobre ela. É isso que Ryünosuke
Akutagawa propôs em suas duas histórias reunidas no roteiro original de
“Rashomon” de Akira Kurosawa. Refilmado com o título “The Outrage” (As Quatro
Confissões) manteve-se a nada convencional narrativa em flashbacks do filme de
Kurosawa. O faroeste de Ritt mantém certo interesse quando do relato feito por
Carrasco, o qual parece bastante verossímil. A mudança brusca se dá quando Nina
relata sua versão dos acontecimentos, mais nebulosa e dramática pois expressa o
difícil relacionamento da mulher com seu marido. A história contada pelo velho
índio faz com que a atenção do espectador seja reduzida e afinal o depoimento
do garimpeiro pouco acrescenta ao interesse pela ‘verdade’. Nessa parte final o
roteiro deixa de ter o brilho dos diálogos iniciais e a direção de Martin Ritt
se perde totalmente com a tragédia convertendo-se numa comédia e mais ainda,
com um sentimentalismo inadequado.
Paul Newman e Claire Bloom; Claire Bloom. |
Erotismo
dramático - Um filme que inicialmente se propõe a discutir seriamente
a ‘verdade’ termina de forma melancólica mal servindo, que seja, para uma
provocativa brincadeira com o espectador. Claire Bloom e Laurence Harvey estão
bastante expressivos em seus personagens, ele que como poucos é capaz de criar
um tipo arrogante, no caso aqui o aristocrático ex-Coronel. As nuances de
Claire são perfeitas, especialmente quando sob seu ponto de vista o esnobe
Coronel Wakefield não é mais que um covarde que passava mal antes de partir
para as batalhas da Guerra Civil. E ele também a desnuda revelando ser ela uma
mulher oportunista e fútil. Os melhores momentos do filme são quando Nina se
mostra satisfeita por ter sido possuída por Carrasco e mais ainda porque diante
do marido a quem despreza e que está amarrado e amordaçado mas com os olhos bem
abertos testemunhando a cena erótica. Sequência e diálogos fortes e raros no
genero. Porém o grande equívoco deste filme foi justamente aquilo que parecia
ser o maior trunfo para atrair o público: seu astro principal Paul Newman.
Laurence Harvey; Claire Bloom e Paul Newman |
Paul Newman |
Paul
Newman grotesco - Mal recebido pela crítica quando de
seu lançamento, “As Quatro Confissões” é um daqueles filmes, como o caso de “O
Cálice Sagrado”, que Paul Newman certamente gostaria de omitir de sua
filmografia, o mesmo valendo para Ritt. Newman conta que passou duas semanas no
México para adquirir a maneira de falar dos mexicanos. Nem precisava ter
perdido esse tempo pois melhor seria assistir a alguns filmes de Anthony Quinn,
de cuja voz e rudeza naturais Newman muito se aproximou na composição de seu
exagerado Carrasco. Ter sido realizado em preto e branco foi uma sorte para
Newman que não precisou usar lentes para tornar seus olhos castanhos, embora
tenha tentado esconder com lentes os olhos azuis masculinos mais famosos do
cinema. Newman não se adaptou mas o preto e branco amenizou o problema. Mas
havia ainda o bigode, o cavanhaque e a franja escura complementados com um
grotesco aumento do nariz do ator para formar a mais bizarra imagem que Newman levou
à tela em sua carreira. Somado a isso a mal concebida mudança de comportamento
de seu personagem ao longo do filme.
Acima Howard Da Silva e Edward G. Robinson; abaixo William Shatner e Edward G. Robinson |
Comparação
impossível - James Wong Howe foi o responsável pela fotografia, como
sempre excelente do notável cinegrafista. Sem preciosismo de angulações e
travellings desnecessários Howe é preciso ao filmar as expressões e enquadrar o
triângulo mantido mesmo com o personagem de Harvey à distância amarrado a uma
árvore. Boas as sequências de luta, ainda que a última delas descambe para a
galhofa. O reduzido elenco traz ainda William Shatner antes da fama como o ‘Capitão
Kirk’ de “Jornada nas Estrelas” e os veteranos Edward G. Robinson e Howard Da
Silva. Robinson num personagem filosofal e antipático que se torna por vezes
irritante; e é sempre bom rever o ótimo Da Silva de tantos e excelentes filmes
até sumir das telas por mais de uma década após ter sido ‘blacklistado’ pelas
bruxas de Hollywood. Dois anos após “As Quatro Confissões”, Martin Ritt e Paul
Newman se reencontrariam no admirável western “Hombre”, um dos grandes filmes
de Ritt e das melhores interpretações de Newman como o mestiço taciturno. É
recomendável que se assista primeiro a “As Quatro Confissões” e depois
“Rashomon” de Kurosawa para que o filme de Ritt não pareça ainda mais fraco do
que é.
Claire Bloom; Paul Newman |
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