Acima Jack Schaefer; na foto maior William A. Fraker |
Jack Schaefer é mais conhecido por
“Shane”, seu primeiro livro e que George Stevens transformou no admirado
clássico do faroeste. Com o sucesso estrondoso de “Shane”, que Schaefer
escreveu aos 41 anos, o autor não mais parou de escrever e em 1963 lançou
aquela que para muitos é sua obra máxima: “Monte Walsh”. Esse livro conta a
história de um cowboy, desde sua juventude, até seus últimos dias, sendo esse
livro aclamado como um das mais completas narrativas sobre a vida daqueles que
lidavam com o gado. Como não poderia deixar de ser a obra chamou a atenção dos
produtores mas demorou longos sete anos até virar filme. Nesse tempo foi
cogitado o nome de John Wayne como protagonista, mas o papel acabou nas mãos de
Lee Marvin, bem mais jovem que o Duke e então em grande evidência como astro.
Para interpretar ‘Monte Walsh’ Lee Marvin recebeu um milhão de dólares e mais
10% do lucro líquido da bilheteria. William A. Fraker, diretor de fotografia
dos sucessos “Bullit” e “O Bebê de Rosemary” e ainda de “Os Aventureiros do
Ouro” (Paint Your Wagon), foi escolhido para dirigir “Monte Walsh”, com a
devida aprovação de Lee Marvin. Jeanne Moreau, o par romântico de Lee no filme
gerou certa desconfiança pois poucos apostavam que ele se desse bem com a atriz
francesa. Para surpresa geral o entendimento foi completo nas filmagens e fora
delas, não faltando fofocas sobre essa grande amizade. Jack Palance completou
o elenco central como o pardner de Monte Walsh, com Jack e Lee se reunindo pela
quarta vez em um filme. Em 1966 atuaram juntos em “Os Profissionais” (The
Professionals). O roteiro de “Monte Walsh” (Um Homem Difícil de Matar) ficou a
cargo de Lucas Heller e David Zelag Goodman.
Lee Marvin, Jack Palance e Jim Davis; abaixo os três junto ao grupo de cowboys |
Desemprego
e deses-perança - Procurando novo emprego, os antigos amigos Monte Walsh
(Lee Marvin) e Chet Rollins (Jack Palance) chegam ao rancho Slash Y dirigido
por Cal Brennan (Jim Davis), sendo contratados e juntando-se ao grupo de
vaqueiros. Como diversão nos dias de folga os cowboys vão à pequena cidade
vizinha chamada Harmony onde bebem, jogam e namoram. Lá Monte se encontra com
sua amiga Martine Bernard (Jeanne Moreau) prostituta que dorme com ele, corta
seu cabelo e nada lhe cobra. Chet flerta com a viúva Mary Eagle (Allyn Ann McLerie),
dona do armazém local. Os capitalistas do Leste passam a dirigir o negócio de
gado e pouco a pouco os cowboys veem seus empregos desaparecerem. Brennan é
obrigado a dispensar três vaqueiros, os mais jovens, entre eles Shorty Austin
(Michell Ryan). O tempo passa e o Slash Y também definha, o que leva Chet a se
casar com Mary Eagle e trabalhar no armazém; Martine se vai de Harmony para
Charleyville e Monte a procura e lhe propõe casamento, mesmo estando desempregado; tornando-se
fora-da-lei, Shorty Austin assalta o armazém de Chet e o mata. Martine adoece e
falece após o que Monte decide vingar o amigo e vai ao encalço de Shorty,
encontrando-o e matando-o. Monte segue seu caminho sem saber exatamente o que
fazer diante dos novos tempos.
Lee Marvin; Jack Palance |
Fim
de uma era, fim de um gênero
- O gênero western começou a dar sinais de esgotamento nos anos 60 e na década
seguinte era já uma categoria de filmes a caminho da extinção. Coincidentemente
foi quando surgiram faroestes cujo tema era justamente o crepúsculo da era dos
cowboys. “O Homem que Matou o Facínora” (The Man Who Shot Liberty Valance), de
John Ford e “Pistoleiros do Entardecer” (Ride the High Country), de Sam
Peckinpah, ambos de 1962 narraram admiravelmente o fim dos tempos dos heróis e
das lendas do Velho Oeste. Vieram pouco depois os magníficos “Meu Ódio Será Sua
Herança” (The Wild Bunch), também de Peckinpah e “...E o Bravo Ficou Só” (Will
Penny), de Tom Gries, aquele tratando de velhos e ultrapassados westerners
fugindo para o desconhecido; este narrando as desventuras de um igualmente
envelhecido cowboy e sua dura lida para sobreviver. A esta quadra de grandes
filmes poderia se juntar “Um Homem Difícil de Matar”, que contempla
melancolicamente o anacronismo do cowboy diante da perda de seu espaço para os
trens e técnicas modernas de criar e conduzir gado, pensadas, como o filme lembra por
contadores e gente que chama o rebanho de ‘capital’.
Jack Palance |
A
humilhação do arame farpado - Em sua primeira parte “Um Homem
Difícil de Matar” mostra com boa dose de humor a camaradagem que permeia o dia
a dia daqueles homens rudes, a comida ruim feita por um cozinheiro malcheiroso
que desconhece o que é um banho, a disputa pelo único banheiro com a dor de
barriga coletiva causada pela comida ruim e até uma boa briga para divertir.
Com a chegada dos tempos sombrios os semblantes se fecham pois o administrador
anuncia que deve reduzir o número de vaqueiros. Racionalmente opta por
dispensar três dos mais novos estes sem encontrar trabalho acabam no caminho do
crime. A dispensa seria de quatro mas a tristeza leva um veterano cowboy a
cometer suicídio caindo de seu cavalo num despenhadeiro. Ele que havia sido
soldado sob o comando do General Hooker, de quem emprestou o apelido ‘Fighting’
(lutador), e que paradoxalmente desiste de lutar contra um inimigo ainda maior
que aqueles que enfrentou na Guerra Civil. Desiste da vida inconformado por
deixar de montar e laçar tendo como humilhante função agora colocar cercas de
arame. Este episódio retrata fielmente onde chegou a autoestima dos cowboys que
amavam o que faziam mas, como diz Chet Rollins, “Ninguém pode ser cowboy para sempre”.
Lee Marvin e Eric Christmas |
Cowboy
de fantasia - A parte final deste western é um pouco mais movimentada e
ainda mais amarga. Monte Walsh é um notável vaqueiro e domador, perfeito nessas
funções que se tornaram arcaicas. Numa das melhores e mais longas sequências de
“Um Homem Difícil e Matar” ele solitariamente doma um cavalo chucro assistido
por uma única pessoa, um empresário de shows do Velho Oeste. Monte impressiona
tanto o solitário espectador que é convidado para se tornar uma espécie de
Buffalo Bill em apresentações circenses. Para isso deve se fantasiar e mudar seu
nome para deslumbrar a plateia ávida pela emoção de ver uma lenda de perto,
lenda que não passa de uma criativa atração. Para Monte Walsh sobreviver dessa
maneira é um insulto ao seu passado e ele rejeita a tentadora oferta, mesmo
estando desempregado e tendo proposto casamento à sua amiga prostituta europeia a
quem chama carinhosamente de ‘Condessa’. Mais prático, seu pardner Chet se
casou e toca a vida atrás de um balcão, o que Walsh reprova. A morte do
amigo, brutalmente assassinado pelo ex-vaqueiro Shorty Austin dá o tom de
tragédia ao filme de William A. Fraker, tragédia consumada com a vingança de
Walsh e aumentada com a morte de Francine.
Lee Marvin |
Lee Marvin e Jeanne Moreau |
Fotogramas
de arte - Os créditos iniciais e finais foram feitos sobre
granulações de pinturas de Charles Russell, mencionado na tela final. Porém
poderia ser lembrado também o igualmente notável artista Frederic Remington que
como Russell retratou magnificamente o Velho Oeste, cowboys, índios e todos que
habitavam a inóspita região. William A. Fraker com sua câmara concebe cenários
que parecem extraídos dos quadros dos dois artistas. E o faz lentamente criando
fotogramas belíssimos e com isso faz seu filme parecer um tanto arrastado uma
vez que a história se desenrola sem que nada de mais importante aconteça. E
vale lembrar que muitos cineastas optam pela teoria ‘os melhores filmes são
aqueles em que parece que nada acontece’. É o caso de Fraker neste western. O
romance entre Monte e Francine completa o lirismo das imagens e são sequências emotivas entre o homem bruto e a prostituta sofrida. Amam-se e é
emocionante quando Francine, ao ser pedida em casamento, responde que o sonho
de toda meretriz é um dia se tornar uma esposa. Isto representado por dois
intérpretes superiores em momento excelso de suas carreiras.
Pura arte pelas lentes de William A. Fraker |
Lee Marvin; o xerife morto é Lerpy Johnson |
Ação
econômica - Três são as sequências de ação, com o assassinato de Chet
Rollins, a morte do xerife baleado por Rufus Brady (Matt Clark) e o confronto
final entre Monte Walsh e Shorty Austin, este um pouco mais elaborado diante
dos demais bastante econômicos. Fraker fugiu da estilização de duelos comuns a
tantos westerns, bem em conformidade com o desenvolvimento de “Um Homem Difícil
de Matar”. Fotografia, como não poderia deixar de ser primorosa e John Barry
só erra no último embate, usando construção musical mais característica a
filmes de James Bond. Mama Cass canta a canção “The Good Times Are Comin’” de
autoria de John Barry e Al David, cujo título é pura ironia em relação ao filme.
Marvin
e Moreau soberbos - Jack Palance como homem de bem está
longe do ideal deste ator marcante em tipos fortes. Como Chet Rollins, Palance
parece apático e desinteressado pois sabe que competir com Lee Marvin é tarefa
inglória. Poucos diretores tiveram coragem de permitir que Lee atuasse e não
apenas representasse o tipo forte e autoritário que cansou de levar à tela.
Fraker deu essa oportunidade a Marvin fazendo-o fugir da caricatura e o ator
comprova que foi dos grandes do seu tempo. Jeanne Moreau em seu melhor
desempenho em filmes não-europeus está bonita, ela que não é exatamente linda,
num personagem feminino emocionante, o que é raro em westerns. Roy Barcroft faz
uma rápida aparição atrás de um balcão de bar neste que foi seu último trabalho
no cinema. Como o filme foi rodado em 1969, ano da morte de Barcroft, este não
chegou a assisti-lo.
Nas fotos ao lado Lee Marvin e Jeanne Moreau
Crítica
massacrante - Por volta de 1970 os westerns de Clint Eastwood tinham
orçamento de um milhão e meio de dólares e rendiam muito nas bilheterias. “Um
Homem Difícil de Matar” custou cinco milhões de dólares e não chegou a se pagar
com a arrecadação nos cinemas, isto devido a críticas negativas que o filme
recebeu. Gene Siskel, por exemplo, descreveu esse western como um dos filmes
mais sonolentos que já assistira, o que para um faroeste é um adjetivo mortal.
Lee Marvin que teria direito a 10% do lucro líquido deste “Monte Walsh” nunca
viu um centavo além do milhão de dólares do salário estipulado. Em 2003 houve
uma refilmagem em forma de TV-movie com Tom Selleck, Isabella Rosselini e Keith Carradine nos papeis principais, versão muito inferior à de 1970. Bonito e
tocante, “Um Homem Difícil de Matar” ficou longe da obra-prima que poderia ter
sido. A vida dos cowboys esperaria até 1989 quando o mundo assistiria (pela TV)
o extraordinário “Lonesome Dove” (Os Pistoleiros do Oeste) que nas suas longas
seis horas de duração resultou naquilo que William A. Fraker tentou fazer.
Deixa só eu fazer dois comentários?
ResponderExcluirEu acho que o western começou a dar sinais de esgotamento já nos anos 50, cada vez mais formulaico e migrando progressivamente para a TV. Os italianos o salvaram, mas os efeitos demoraram um pouco para serem vistos.
E eu incluiria um título à lista de filmes crespusculares: “Sua Última Façanha”.
Bem lembrado, Rafael, "Sua Última Façanha". Discordo que a decadência tenha se iniciado nos anos 50, uma das décadas mais prolíferas com um sem número de grandes westerns. Essa década foi infinitamente mais produtiva que a de 40 quando 'esforços de guerra' e filmes noir tomaram conta das produções. Claro que não estamos falando dos western B, aqueles de produção baratíssima e feitos em série, estes sim, desapareceram nos anos 50. E como você bem lembrou, o western nos anos 50 já enfrentava a TV. Curiosamente, mesmo os westerns em série para a TV começaram a desaparecer nos anos 60.
ResponderExcluirOlá, Darci! Uma pena que este belo filme reflexivo e intimista não obtivera o devido reconhecimento à época de seu lançamento. Mais uma prazerosa leitura. The good times are dying...
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirUm dos mais fascinantes filmes de caubói que vi. Juntamente com Quando é preciso ser Homem, de Dick Richard, estrelado por Gary Grimes , compõe os melhores dessa espécie de Western. Situação própria da década de sessenta e setenta, quando foi produzido o melhor do gênero.
ResponderExcluirLuiz Armando Xavier appel
retificação: ao me referir a filme de caubói Assim Nasce um Homem, chamei o mesmo de Quando é Preciso Ser Homem, outro Western da década de setenta, que trata da questão do índio, estrelado pela bel Candice Berger, também um belo Western.Ratifico a que digo de Assim Nasce um Homem, é um dos mais belos filmes de Caubói ,sendo mais realistas que os COMBOYS, de Mark Rydel, estrelado por John Wayne. Luiz Armando Xavier Appel
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