Acima Dorothy Jordan e Ralph Meeker; abaixo Ralph Meeker e Michael Pate |
O ano de 1970 foi importante para o
gênero western pois Hollywood produziu nada menos que três filmes
pró-índios. O primeiro a chegar aos cinemas foi “Um Homem Chamado Cavalo”,
seguido de “Quando é Preciso Ser Homem” (Soldier Blue) e “O Pequeno Grande
Homem” (Little Big Man). “Um Homem Chamado Cavalo” foi baseado numa história
escrita por Dorothy M. Johnson em 1958 com o título ‘Indian Country’. Quem
primeiro utilizou essa história foi a série “Caravana” (Wagon Train) no
episódio “A Man Called Horse” exibido em 1958. Ralph Meeker interpretou o
inglês a quem os índios deram o nome ‘Horse’ e Michael Pate foi o chefe Sioux
que o capturou. Em 1968 Dorothy M. Johnson relançou sua história, agora com o
título “A Man Called Horse”, cujos direitos para o cinema foram adquiridos pela
produtora Cinema Center Films. Os livros mais conhecidos de Dorothy M. Johnson
levados ao cinema foram “(The Hanging Tree” (A Árvore dos Enforcados) e “The
Man Who Shot Liberty Valance” (O Homem que Matou o Facínora), este transformado
em obra-prima por John Ford. Deste ciclo de westerns que revisa fatos
históricos e sociológicos sob o ponto de vista dos índios norte-americanos, o
mais polêmico foi “Um Homem Chamado Cavalo”, exatamente o que tinha como
preocupação maior uma narrativa buscando total autenticidade.
Richard Harris; a captura de Horse |
O
nobre cavalo de carga - Um enfastiado aristocrata inglês
toma a arriscada decisão de ir para os Estados Unidos caçar aves em território
Dakota. A expedição composta por ele e mais três americanos contratados para
servi-lo é atacada por guerreiros Sioux e apenas o inglês John Morgan (Richard
Harris) é poupado porque os índios se surpreendem com seus cabelos muito
louros. Morgan não é apenas feito prisioneiro, mas também ganha o nome de
Horse, é transformado em animal de carga e entregue a Buffalo Cow Head (Judith
Anderson), mãe do chefe Yellow Hand (Manu Tupou). Tratado como cão, Morgan faz
amizade com Batise (Jean Gascon), um misterioso francês que se faz passar por
louco, fala Inglês e é prisioneiro dos Sioux há cinco anos. Morgan tenciona
fugir e conta com a ajuda de Batise que lhe serve como tradutor. Running Deer
(Corinna Topsei), a irmã de Yellow Hand simpatiza com Morgan e iniciam um
namoro que é consentido após o inglês demonstrar bravura ao atacar, matar e
escapelar dois Shoshones, adversários dos Sioux. Pelos costumes dos Sioux, para
concretizar o casamento Morgan deve se submeter a um sacrifício chamado de
‘Voto do Sol’ que consiste em demonstrar coragem extraordinária. O inglês
resiste ao desafio e se casa com Running Deer. Pouco depois a tribo é
surpreendida por um ataque dos Pawnees. Morgan lidera a resistência e com a
morte de Yellow Hand passa a ser o novo chefe Sioux. Running Deer também é
morta durante o ataque e ao final Morgan se afasta com alguns bravos enquanto a
tribo muda para outro local.
Richard Harris e Jean Gascon; Corinna Topsei e Manu Tupou |
Atrocidades
irreais - Falado em grande parte na língua Lakota (na versão
norte-americana havia legendas traduzindo), este filme de Elliot Silverstein
com roteiro de Jack DeWitt procurou primar, como foi bastante divulgado, pela
‘autenticidade’. Porém a própria composição do elenco principal contradiz essa
intenção mais parecendo uma reunião das Nações Unidas uma vez que o cast
congrega artistas de diversos países: há uma australiana (Judith Anderson), uma
grega (Corinna Tospei), um fijiano (Manu Tupou), uma mexicana (Lina Marin) e
uma russa (Tamara Garina), todos interpretando nativos. Além deles há o
canadense (Jean Gascon) e o protagonista Richard Harris que é irlandês. O único
nativo norte-americano com participação mais relevante como Sioux é Eddie
Little Sky, isto se desconsiderarmos Iron Eyes Cody cuja origem indígena foi
questionada muitas vezes. A questão da nacionalidade do elenco é apenas um
pormenor diante da discussão que o filme levantou quanto à legitimidade de
situações que apresenta. Foi muito mal recebida pelas entidades representativas
dos índios norte-americanos a narrativa de atrocidades que seus antepassados
jamais praticaram como a brutal cerimônia do ‘Voto do Sol’. Pior ainda, que os
índios deixassem seus velhos desamparados morrer de fome e de frio. Esses fatos
deslustram um filme que possui qualidades e que dispensaria essas inverdades
criadas para causar maior impacto junto ao público.
A cerimônia do 'Voto do Sol' |
Tamara Garina; Richard Harris e Corinna Topsei |
Filme
injurioso - A sequência em que John Morgan aceita o desafio de fazer
o ‘Voto do Sol’ e tem seu peito perfurado por metais para segurar a corda que o
elevará até o topo da tenda, onde se depara com o sol, é torturante para o
espectador. Dirigida por Yakima Canutt produz efeito fortíssimo e a ilustração se
tornou o símbolo do filme sendo destacada nas propagandas. Muitos, porém,
deixaram de assistir “Um Homem Chamado Cavalo” para não passar pela penosa
experiência de ver a masoquista sequência. O cinema norte-americano durante
décadas mostrou o índio como selvagens desumanos que, sem razão alguma,
atacavam sitiantes desprotegidos, diligências e mesmo fortes. Porém jamais um
roteiro para westerns imaginou que houvesse maneira mais mentirosa que atribuir
a eles o costume de deixar seus velhos morrerem de fome e de frio como o filme exibe
em outra sequência tão chocante quanto injuriosa segundo os conhecedores e
defensores da causa indígena. Tudo isso num filme que se pretende pró-índio uma
vez que John Morgan as poucos vai se encantando com os costumes estranhos dos
Sioux. Morgan passa não só a compreender seus captores como a admirá-los e esse
encanto, como não poderia deixar de ser, se estende à bela índia Running Deer.
Estratégia
européia de batalha - Se Elliot Silverstein não conseguiu
resolver o conflito que o roteiro apresentou, pretendendo ser simpático aos
índios mas os mostrando como seres bárbaros, logrou realizar na maior parte do
filme um western vigoroso. Coloca tudo abaixo, no entanto, com a sequência da
batalha entre Sioux e Pawnees quando é impossível evitar o riso. Surpreendidos
enquanto dormiam, os Sioux parecem ser presa fácil do inimigo vendo seu chefe
tombar ferido. Repentinamente John Morgan, com a providencial ajuda do
intérprete Batise, em meio à luta organiza os guerreiros Sioux em duas fileiras
como faziam os bem treinados exércitos medievais e de épocas posteriores.
Seguindo o grito ‘Fire!’ de Morgan seus obedientes comandados disparam as
flechas em sequência atingindo os índios antagonistas que acabam por desistir
do ataque, não sem antes deixar metade da tribo Sioux morta. Se no texto
original de Dorothy M. Jordan consta essa estratégia de batalha, levá-la à tela
resultou um momento cômico.
Sequências da batalha entre Pawnees e Sioux |
Lina Marin |
Adultério
entre índios - Não satisfatoriamente desenvolvido foi o episódio do
triângulo amoroso entre o chefe Yellow
Hand, sua esposa Thorn Rose (Lina Marin) e o guerreiro Black Eagle (Eddie
Little Sky). A princípio Black Eagle se interessa pela bela Running Deer mas é
rejeitado por esta. Num momento em que a tensão aumenta entre os Sioux, Black
Eagle e Thorn Rose flertam e se aproximam, pouco se importando com Yellow Hand
que assiste passivamente aos abraços da esposa com o rival. O costume da tribo
com a aceitação por parte de Yellow Hand da opção de sua esposa por outro homem
merecia melhor tratamento. E para um filme que quer primar pela fidelidade dos
fatos, John Morgan está sempre muito bem barbeado, mesmo quando tratado como burro
de carga e disputando restos de comida com os cães amarrados junto a ele. Entre
os melhores momentos de “Um Homem Chamado Cavalo” estão a captura de John
Morgan e sua tentativa de fuga, enquanto nas sequências da batalha entre as
tribos sobressai a competência de Yakima Canutt encenando simultaneamente lutas
corpo a corpo e quedas de cavalo em imagens abertas. Imagina-se a dificuldade
de filmar sequências tão complexas sem que nenhum envolvido erre em sua
coreografia de luta. O veterano Canutt foi também o responsável pela sequência
de içamento de Horse durante a cerimônia do ‘Voto do Sol’.
Richard Harris; sequência de batalha dirigida por Yakima Canutt |
Richard Harris |
Novas
aventuras de ‘Horse’ - A fotografia de Robert Hauser buscou
dar um tom épico à dolorosa aventura do inglês e o trabalho do cinegrafista
funcionaria melhor se fosse menos elaborado. Por outro lado a trilha sonora de
Leonard Rosenman, composta em boa parte por ruídos e música apenas incidental,
cria a atmosfera perfeita para o interminável sofrimento de John Morgan. Bem
sucedido nas bilheterias, “Um Homem Chamado Cavalo” teve duas continuações,
ambas estreladas por Richard Harris e seria inimaginável outro ator que não ele
como o aristocrata inglês que acaba como ‘Horse’. Curiosamente, o conto de
Dorothy M. Johnson virou livro, filme e ainda gerou outras duas aventuras vividas
por John Morgan que se sensibilizou com o modo de vida dos índios
norte-americanos. Essas duas sequências foram “O Retorno do Homem Chamado
Cavalo” (The Return of a Man Called Horse) e “O Triunfo de um Homem Chamado
Cavalo” (Triumphs of a Man Called Horse), respectivamente de 1976 e 1983.
Richard Harris |
A
estampa dourada de ‘Horse’ - Richard Harris era há anos um
respeitado ator com experiência de palco mas que nos filmes norte-americanos
permanecia na condição de coadjuvante. Como King Arthur em “Camelot”, sua
interpretação foi arrebatadora, rendeu-lhe uma indicação para o Oscar de Melhor
Ator e lhe abriu as portas decisivamente para a condição de astro. O sofrido
personagem ‘John Morgan’ marcou bastante o ator irlandês que em outros filmes passou
por toda sorte de sevícias ou vicissitudes. Foi assim em “Fúria Selvagem” (Man in the
Wilderness) e em “Os Imperdoáveis” (Unforgiven). Como John Morgan, Richard
Harris deixa a impressão que poderia render mais, não fosse a preocupação de
sua estampa dourada reluzir mais que seu talento interpretativo. Judith
Anderson aparentemente encarou como desafio interpretar a mãe do chefe índio.
Quase irreconhecível sob a maquiagem que lhe escureceu a pele e com a desgrenhada
peruca, Judith exagera na brutalidade e nas caretas tornando-se uma caricatura
tão pouco engraçada quanto a de Jean Gascon, outro cujos excessos chegam a
irritar. Suas atuações chegam a ser exasperantes. Corinna Topsei é apenas o
rosto e o corpo bonito que não poderia faltar. Dub Taylor tem pequena
participação como caçador e é dele o único momento engraçado do filme quando ao
ser escalpelado o índio com surpresa vê sua careca. Iron Eyes Cody é o melhor
entre os atores que interpretam nativos.
Dub Taylor; Iron Eyes Cody; Eddie Little Sky |
Ciclo
positivo - O mérito maior de “Um Homem Chamado Cavalo” foi ter
chamado a atenção para a questão do índio norte-americano. Dos 10 milhões de
nativos que havia em solo norte-americano quando a América foi descoberta,
restavam 400 mil quando este filme foi realizado. Embora contenha incorreções
este e os demais westerns deste pequeno ciclo ajudaram de alguma forma a
repensar a figura do índio. Se mesmo assim os nativos não ganharam o devido e
merecido respeito, ao menos deixaram de ser mostrados como estereótipos de
maldade.
Uns dos filmes mais emocionante do faroeste
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