29 de julho de 2016

IMPERDOÁVEL (YURUSAREZARU MONO), VERSÃO JAPONESA DO CLÁSSICO DE CLINT EASTWOOD


O diretor japonês Akira Kurosawa.
O faroeste se inspirou algumas vezes em filmes de samurais para realizar produções do gênero, coincidentemente sempre em filmes clássicos de Akira Kurosawa. O primeiro foi “Sete Homens e um Destino” (The Magnificent Seven), em 1960, de John Sturges, que se baseou em “Os Sete Samurais”. Em seguida foi a vez de Sergio Leone com “Por um Punhado de Dólares” (Per un Pugno di Dollari), em 1964, com semelhanças tão evidentes com “Yojimbo”, que Kurosawa brigou e ganhou na justiça pelos direitos da história. Em 1964 o menos conhecido “Quatro Confissões” (The Outrage), de Martin Ritt, adaptou o roteiro de “Rashomon”, dando, no entanto, crédito ao diretor japonês. E não é que nos últimos anos os nipônicos resolveram mostrar que também gostam de westerns, produzindo em 2007 “Sukiyaki Western Django”, que contou até com a participação de Quentin Tarantino como ator. Esse carinho com o faroeste por parte dos japoneses os fez em 2013 realizar “Imperdoável” (Yurusarezaru Mono), uma versão do premiado western “Os Imperdoáveis” (Unforgiven), de Clint Eastwood, filmado em 1992.


Shiori Katsuna; abaixo Yûya Yagira,
Akira Emoto e Ken Watanabe.
Um prêmio e uma vingança - Em 1880 o Japão está sob controle imperial após haver derrotado o sistema feudal denominado Shogunato. Jubei Kamata (Ken Watanabe) é um samurai que lutou contra soldados do imperador, tornando-se conhecido por sua ferocidade e sendo alcunhado ‘Jubei, o Matador’, após o que se tornou um pequeno sitiante tentando fugir de seu passado. Hokkaido é um vilarejo onde Ichizo Oishi (Kôichi Satô) comanda soldados imperiais e impõe autoritariamente a lei, sendo temido por todos. No bordel de Hokkaido a jovem prostituta Natsume (Shiori Katsuna) tem o rosto cortado por Sanosuke Hotta (Yukiyoshi Ozawa) e o fato é denunciado a Ioshi que entende que o pagamento de alguns cavalos é suficiente para compensar o prejuízo de Kihachi (Yoshimasa Kondô), o dono do prostíbulo. Lideradas por Okaji (Eiko Koike) as prostitutas juntam dinheiro e prometem um prêmio a quem matar Sanosuke e seu companheiro Unosuke Hotta (Takahiro Miura). O velho camponês Kingo Baba (Akira Emoto) procura Jubei Kamata e o convence a executar a vingança pretendida pelas meretrizes em troca da recompensa. Junta-se a eles o jovem Goro Sawada (Yûya Yagira) que procuram e matam Sanosuke e Unosuke, o que contraria o comissário Oishi. Este prende e tortura até a morte Kingo Baba, o que revolta Jubei que retorna a Hokkaido para matar Oishi.

Ken Watanabe
Carbono quadro a quadro - Diferentemente do que ocorrera com as citadas adaptações ocidentais dos filmes de samurais de Akira Kurosawa, “Imperdoável”, dirigido pelo japonês Lee Sang-il, é praticamente uma cópia de “Os Imperdoáveis”. Assistir a este remake é como rever o western de Clint Eastwood. Entre as poucas e irrelevantes modificações estão: as sequências iniciais da perseguição a Jubei na neve e sua luta desesperada pela sobrevivência; a procura pelo antigo matador Jubei que no filme japonês é feita pelo velho Kingo Baba e não pelo jovem fanfarrão Goro Sawada; a introdução do tema sobre a discriminação sofrida pelos aborígenes da tribo Ainu. Na sequência culminante em que Jubei invade a taverna para matar o comissário, soma mais de duas dezenas o número de homens ao lado de Oichi, grupo muito maior que aquele que Will Munny teve que enfrentar. Entre essas poucas alterações, a mais notável é a ausência da memorável frase proferida por criada pelo escritor e roteirista David Webb Peoples e expressa pelo personagem de Eastwwod: “Matei mulheres e crianças. Matei tudo que anda ou rasteja. E estou aqui para matar você”. Jubei não pronuncia essa frase.

Akira Emoto e Yûya Yagira
Tema desnecessário - Assistir a um filme no qual o espectador percebe que será respeitada inteira correspondência com outra película bastante conhecida leva inevitavelmente à comparação. É certo que cenários e cultura são diferentes e a refilmagem oriental busca se aproximar de um estilo mais próximo do western, resultando, afinal em um drama que transcorre sem surpresas. Presentes em ambos os filmes estão os temas do apreço à amizade, da redenção e do sadismo, aos quais no filme de Lee Sang-il foi aduzida a questão da discriminação, de certa forma desnecessária e discursiva. No soberbo western de Eastwood é inimaginável lembrar que o filme falasse das atrocidades que os nativos da América sofreram. A perseguição a um grupo de aborígenes Ainus atacados por soldados do imperador resulta em um episódio desconexo da história. Enquanto o western de Eastwood é sombrio, com muitas sequências noturnas e sob chuva, Lee Sang-il enfatizou a beleza de cenários naturais do Japão, procurando com isso dar ao filme um tom poético que não se vê nas relações humanas, mesmo aquelas envolvendo as infelizes prostitutas. A inesquecível imagem do rancho com a árvore na linha do horizonte é copiada e repetida algumas vezes em “Imperdoável”, sem o encanto acrescentado pela guitarra de Laurindo de Almeida.

Cenário idêntico ao do western de Clint Eastwood;
belíssima composição de sequência na neve
com inusitada tomada de câmara.
Desaparecendo como Shane - À parte ser uma cópia de “Os Imperdoáveis”, o filme japonês “Imperdoável” é desenvolvido compe-tentemente e com sequências belíssimas como aquelas passadas na neve e que reaparecem em flashbacks fustigando a consciência de Jubei Kamata. Para um drama de ação sobre o que restou dos samurais ao fim do shogunato, são poucos os momentos de maior movimentação e a câmara de Lee Sang-il move-se vagarosamente. Com 138 minutos de duração, tem-se a impressão de ser um filme ainda mais longo, justamente pelo ritmo lento que o diretor propositalmente impôs. O realismo mostrado na tela dá lugar, na sequência final a um fantástico e invencível herói que mesmo ferido vence os muitos adversários que vacilantes enfrentam não a um guerreiro comum, mas a um mito considerado imortal. Com a taverna-prostíbulo em chamas atrás de si o trôpego Jubei Kamata monta seu cavalo e desaparece como Shane, igualmente ferido e de quem não mais se ouviu falar. Se Eastwood assistiu a este remake deve ter aprovado a impactante imagem que em tudo lembra seu “O Estranho Sem Nome” (High Plains Drifter).


Kôichi Satô;
abaixo Yukiyoshi Ozawa e Kôichi Satô.
Oishi: elegante e perverso - Enquanto Ken Watanabe tenta emular a interpretação soturna de Clint Eastwood, Kôichi Satô se torna o destaque do elenco de “Imperdoável”. Mesmo opressivo e sádico, o comissário vivido por Satô difere-se enormemente do Little Bill de Gene Hackman. O ator japonês criou um comissário Oishi tão elegante e experiente quanto perverso e frio, enquanto Watanabe não possui a aura necessária para o personagem Jubei que atinge dimensão quase épica. Ken Watanabe trabalhou com Clint Eastwood que o dirigiu em “Cartas de Iwo-Jima” (2006), fato que pouco ajudou na imitação. Sem o considerável esforço feito por Watanabe para lembrar o Will Munny de Eastwood, é grande a semelhança entre Akira Emoto e Morgan Freeman e o ator japonês é outro destaque do filme. Yûya Yagira se excede como o problemático jovem que tem sangue Ainu. Não há nem sombra do carisma de Richard Harris na comparação com Jun Kunimura como o imodesto samurai Masaharu Kitaoji que se faz acompanhar por seu biográfo. Este, vestido de modo tão extravagante quanto o próprio comissário é interpretado pelo irritante Keniche Takitô. Bons os desempenhos de Shiori Katsuna (a moça retalhada) e de Eiko Koike, as duas principais prostitutas.

Talento pessoal e inatingível - “Imperdoável” é importante pois permite que se perceba o quanto Clint Eastwood é magnético como ator, simples, direto, eficiente e inspirado como diretor e o quanto seu “Os Imperdoáveis” é um western fascinante. O remake japonês realizado em tom de homenagem merece, sem dúvida, ser assistido, ainda que provoque uma incontida vontade de rever a última aventura de Eastwood no Velho Oeste.

Ken Watanabe e Clint Eastwood
Esta cópia do filme “Imperdoável” foi gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Marcelo Cardoso.

22 de julho de 2016

TOP-TEN WESTERNS DO CINÉFILO ITALIANO RINO DE TOMMASO


Fumetti: 'O Pequeno
Xerife' e 'Tex Willer'.
Primeiro foi a produção literária, em seguida o cinema, mais tarde as histórias em quadrinhos e posteriormente a televisão, os meios de informação e entretenimento que levaram ao público do mundo inteiro a mitologia do Velho Oeste norte-americano. Não poucos países, de alguma maneira, decidiram também reproduzir aquele universo maravilhoso de pioneiros, homens da lei, bandidos, índios e toda sorte de personagens que compuseram o que se convencionou chamar de ‘Western’. Brasil, México, França, Espanha, Alemanha e mais um sem número de países passaram a (re)produzir adaptações de histórias que falavam da luta do bem contra o mal vividas em pradarias, ranchos, fazendas, cidades típicas do Oeste norte-americano e até mesmo da sangrenta Guerra Civil ocorrida naquele país. Mais que qualquer outro povo, os italianos foram aqueles que se destacaram em recriar fórmulas do far-west, especialmente no cinema e nas HQs. Em filmes realizados por alguns talentosos diretores a Itália renovaria o gênero com o Western Spaghetti, influenciando inegavelmente oo faroestes produzidos em Hollywood. Nas histórias em quadrinhos notáveis artistas criariam personagens inesquecíveis de enorme sucesso inclusive no Brasil como o saudoso Kit Hodgkin (Il Piccolo Sceriffo) e Tex Willer protagonista dessa já eterna publicação editada ininterruptamente há quase 70 anos. Pois é da Itália que WESTERNCINEMANIA recebeu mais um Top-Ten Westerns, a lista do cinéfilo Rino De Tommaso.

Acima Steve Reeves; as torcidas da
'Vecchia Signora' e da Francavilla.
La Juve, peplum e westerns - Nascido na pequena cidade de Francavilla Fontana, situada ao Sul da Itália, Rino De Tommaso, como todo bambino, começou a gostar de westerns através do cinema e dos fumetti, como se chamam as HQs na terra dos Césares. Outra ‘passione’ do menino Rino era o Calcio, o nosso futebol, torcendo para La Juve, como é conhecida a squadra Juventus Football Club, da cidade de Turim. E a equipe de sua cidade, a aguerrida Francavilla caminha ano a ano ruma à Série A do Calcio. Rino começou a ir ao cinema no final dos anos 50, quando ainda eram exibidos semanalmente westerns norte-americanos, seus filmes favoritos ao lado dos ‘peplum’, filmes épicos com heróis igualmente mitológicos como Hércules, Maciste e outros. Antes mesmo de ter como ídolos maiores Gary Cooper, Alan Ladd, Robert Mitchum, Kirk Douglas e Clark Gable, o adolescente Rino não perdia um único filme de Steve Reeves, norte-americano ex-Mister Universo que se tornou ator. Passada a fase ‘sandália e espada’ Rino assistiu à chegada dos westerns ‘Made-in-Italy’ que, mesmo causando furor entre o grande público, não substituíram o gosto do moço de Francavilla Fontana. Rino não deixava de modo algum de assistir aos faroestes de John Wayne (seu maior ídolo) quando eles era exibidos no cinema de sua cidade.

John Wayne e Maureen o'Hara;
Alida Valli - Gene Tierney
 Marlene Dietrich - Hedy Lamarr.
Atrizes preferidas - Naqueles anos ainda ocorriam reprises das comédias de Stan Laurel e Oliver Hardy, Rino matava a saudade dessa dupla que o fez rir mais que qualquer outro cômico do cinema. Outro gênero de filmes que muito o atraía era o capa-e-espada, sendo que para ele “Scaramouche” foi o mais espetacular, ainda que tenha gostado bastante de “Os Três Mosqueteiros” com Gene Kelly e Lana Turner, ambos filmes de George Sidney. E por falar em atrizes, as preferidas de Rino são as maravilhosas Alida Valli, Gene Tierney, Hedy Lamarr e Marlene Dietrich. À frente delas apenas a ruiva Maureen O’Hara que acompanhou John Wayne em vários filmes. Entre os filmes inesquecíveis de Rino estão “A Tortura do Silêncio” (I Confess/Io Confesso), “Testemunha de Acusação” (Witness for Prosecution/Testimone d’Accusa), “Golpe de Mestre” (The Sting/La Stangata), “Três Dias do Condor” (Three Days of the Condor/I Tre Giorni del Condor). Uma comédia moderna que Rino considera perfeita e hilariante é “I Fratelli Blues”, exibida no Brasil como “Os Irmãos cara de Pau” (The Blues Brothers).

Os melhores westerns - Fã ardoroso de westerns, Rino confessa que teve alguma dificuldade em fazer uma lista de melhores com somente dez faroestes para o WESTERNCINEMANIA Decidiu então incluir ‘apenas’ cinco de John Wayne para sobrar espaço para outros cinco grandes westerns. Abaixo o Top-Ten Westerns de Rino De Tommaso:



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18 de julho de 2016

AUDAZES E MALDITOS (SERGEANT RUTLEDGE), JOHN FORD E O RACISMO NA CAVALARIA


Woody Strode
Aos 65 anos de idade, em 1960, John Ford lutava contra aqueles que o consideravam um diretor em decadência. Após “Rastros de Ódio” (The Searchers), Ford realizou cinco filmes e nenhum deles recebeu a costumeira aclamação de público e crítica que o veterano diretor se acostumara a ter. Ainda assim Ford aceitou um desafio que seria filmar um western passado a maior parte dentro de um tribunal militar. No elenco desse filme intitulado “Sergeant Rutledge” (“Audazes e Malditos” no Brasil) não haveria nenhum grande astro para atrair os espectadores e pior ainda, seria um filme sobre racismo. Menos mal que “Audazes e Malditos” focalizaria a amada Cavalaria que Ford tão maravilhosamente retratou na sua ‘Trilogia’ sobre os ‘Blue Bellies’ e essa foi uma das razões que o levou a aceitar o projeto. Contou também na decisão de Ford o fato de revisitar o Monument Valley, cenário natural de algumas de suas obras-primas e onde seriam filmadas algumas sequências do novo filme. Ford teria ainda a oportunidade de reunir um elenco quase todo ele formado por gente que dirigira muitas vezes nas últimas décadas, membros de sua famosa ‘Ford Stock Company’. E 400 mil dólares por mais esse ‘job of work’ (trabalho), como ele costumava dizer.


Acima Toby Michaels deitada;
Woody Strode
.
Assassinatos no Forte Linton - Willis Goldbeck é o autor da história que originalmente transcorria na II Guerra Mundial sendo depois reescrita pelo mesmo Goldbeck e passando a ter como cenário o Velho Oeste nos tempos das batalhas entre índios e a Cavalaria. A adaptação contou com a colaboração do próprio Ford e de James Warner Bellah, este último autor das histórias utilizadas por Ford na ‘Trilogia da Cavalaria’. Em “Audazes e Malditos” a tropa da 9.ª Cavalaria sediada no Forte Linton é predominantemente negra e comanda o forte o Major Dabney. Este é assassinado na mesma noite em que sua filha Lucy (Toby Michaels) é estuprada e estrangulada até a morte. O Sargento Braxton Rutledge (Woody Strode), que é negro, é visto deixando da cena do crime e fugindo do forte a cavalo e passa a ser procurado. O Tenente Tom Cantrell (Jeffrey Hunter) com uma patrulha captura Rutledge na estação de trens em Spindle e o Sargento que está ferido é trazido ao Forte Linton, onde é julgado por um tribunal militar. Contra todas as evidências, Cantrell, que é o advogado de defesa, acredita na inocência de Rutledge, ao menos no que se refere ao estupro e morte da filha do comandante, mais ainda após presenciar um ato de heroísmo de Rutledge num ataque Apache quando poderia ter escapado da patrulha. O Capitão Shattuck (Carleton Young) é o advogado de acusação que quer ver o Sargento negro ser responsabilizado pelos crimes, porém Cantrell descobre quem é o verdadeiro assassino de Lucy Dabney, provando ainda que Rutledge matara o Major Dabney em legítima defesa, terminando o tribunal por absolvê-lo.

Woody Strode e o pelotão de soldados
búfalos comandado por Jeffrey Hunter.
Os soldados búfalos - As lutas pelos direitos civis agitavam a sociedade norte-americana no final dos anos 50. Antes de o cinema norte-americano refletir mais profundamente sobre a questão do racismo, John Ford abordou o tema com este western inteiramente inovador. Dois anos antes, em 1958, “Acorrentados” (The Defiant Ones) havia chocado o público ao ver na tela Tony Curtis e Sidney Poitier como dois fugitivos algemados um ao outro. Em 1962 seria Gregory Peck como advogado em “O Sol Nasce para Todos” (To Kill a Mockinbird) a retomar o assunto. Realizado entre esses dois importantes filmes, a abordagem de Ford com “Audazes e Malditos” se dá em uma história passada no 9.º Regimento de Cavalaria, que, juntamente com 0 10.º Regimento, era integrado em sua quase totalidade por soldados negros sob o comando de oficiais brancos. Eram os chamados ‘soldados búfalos’ assim apelidados pelos índios por cobrirem-se com peles para se proteger do frio. Com “Audazes e Malditos” Ford faz constar que não só brancos lutaram na Guerra Civil e na Guerra contra os Índios, mostrando que, ao término da Civil War e com a decretação do fim da escravidão, muitos negros ingressaram no Exército onde procuravam ser tão ou mais valorosos que os soldados brancos. John Ford corrige com este filme uma omissão sua e do cinema de modo geral ao lembrar dos negros, fazendo-o de maneira digna, especialmente por externar o racismo, declarado ou disfarçado que nunca deixou de existir na sociedade norte-americana. E também pela primeira vez numa grande produção um negro é elevado á condição de herói da Cavalaria. Anos mais tarde libelo igualmente contundente foi mostrado com “Tempo de Glória” (Glory), filme de Edward Zwick, de 1989.

Jeffrey Hunter e Woody Strode

Woody Strode e Constance Towers
Equívoco fatal - “Audazes e Malditos” é um drama de tribunal que envolve o espectador ao mesmo tempo em que clama contra o preconceito. Em cada pequeno gesto ou atitude dos personagens brancos Ford denuncia o comportamento insensível, quando não cruelmente racista dos brancos que participam da história, mais que todos, o advogado acusador Capitão Shattuck. Este trata inicialmente Rutledge não por seu nome, mas chamando-o de ‘negro’. Admoestado pelo advogado de defesa Cantrell e pelo Coronel Fosgate (Willis Bouchey), que preside o tribunal, Shattuck evita repetir o insulto até não resistir em sua fala final enfatizando o adjetivo ‘negro’, certo que havia comprovado a culpa de Rutledge nos crimes. Ford magistralmente induz o espectador a testar seu próprio preconceito na sequência noturna na Estação de Spindle quando Mary Beecher (Constance Towers) é impedida de gritar pelo gigantesco e ameaçador Sargento negro. Essa curta sequência angustiante parece interminável ao aparentemente confirmar ser Rutledge um homem capaz de atrocidades. Pouco a pouco a impressão se desfaz e passa-se a acreditar na inocência do acusado até que uma reviravolta mostra que Rutledge foi sim obrigado a matar o comandante do forte. O Major Dabney havia disparado duas vezes contra Rutledge, acertando-o, acreditando ter o Sargento matado sua filha. Bem elaborado, a princípio, o roteiro colocou Rutledge na cena do crime deparando-se com a jovem Lucy Dabney nua e morta. O Sargento cobre a moça e nesse momento surge o aturdido pai que julga ser o negro o autor da sevícia fatal, tentando então matá-lo e provocando a reação de Rutledge.

Constance Towers, Carleton Young e Jeffrey Hunter em primeiro plano;
à mesa Chuck Roberson, William Henry, Willis Bouchey, Walter Reed e Judson Pratt.

Jeffrey Hunter
Desfecho comprometedor - Hollywood sempre gostou de filmes de tribunais com as características reviravoltas que esse tipo de filme normalmente apresenta. “Doze Homens e Uma Sentença” (12 Hungry Men) e “Anatomia de um Crime” (Anatomy of a Murder) realizados respectivamente em 1957 e 1958 tornaram-se clássicos no gênero e seduziram o público pelo inesperado apresentado em suas histórias. A trama de “Audazes e Malditos” é bem desenvolvida, sendo menos feliz no entanto quanto à solução simplista apresentada para um caso altamente intrincado. E isso se dá com a descoberta do Tenente Cantrell provando que o casaco acusador, com as iniciais C.H., não poderia pertencer ao jovem e pequeno Chris Hubble (Ed Shaw). E o pai do rapaz, o comerciante Chandler Hubble (Fred Libby), ser tomado pelo peso de sua consciência e confessar abruptamente ser o verdadeiro autor do estupro e morte da jovem é um desfecho frágil e inconvincente. “Audazes e Malditos” é um western dramático sobre racismo exemplarmente dirigido por Ford e que no entanto não teve o desfecho merecido pela falta de maior inspiração dos autores do roteiro.

Woody Strode
O truque de John Ford - O que faz “Audazes e Malditos” um western notável é a interpretação de Woody Strode como o Sargento negro vítima do ódio racial. Sidney Poitier e Harry Belafonte foram inicialmente considerados para interpretar Rutledge, mas Ford pretendia um ator que desse ao personagem a necessária espontaneidade que dificilmente com Poitier e Belafonte teria. Além de ser fisicamente uma figura altiva, Strode, um ex-jogador de American Football, teve que se submeter a um dos conhecidos truques do velho ‘Pappy’ Ford para a sequência principal de Rutledge no filme que é quando pressionado pelo acusador Capitão Shattuck, sofrido ele expressa o mais comovente diálogo do filme: “Eu não era nada, era um negro escravo. A 9.ª Cavalaria se tornou o meu lar, a minha  verdadeira liberdade e a minha dignidade.” Woody Strode contou que na noite anterior à filmagem dessa sequência, Ford o avisou que havia alterado a escala e que ele poderia desfrutar dessa noite livremente, sendo acompanhado, entre outros, por Chuck Roberson e Cliff Lyons, que ajudaram Strode a entornar litros de cerveja e tequila. Às seis horas da manhã, sonolento e com dor de cabeça, Strode foi acordado e avisado que deveria estar no set para a filmagem da aguardada sequência. “Diga a Mr. Ford que eu não tenho a mínima condição”, avisou o gigante negro, que teve como resposta: “Ele quer você assim mesmo...”. O resultado foi uma cena inesquecível, a maior da carreira de Woody Strode e graças ao velho mestre e suas artimanhas.

Woody Strode em seu maior momento em "Audazes e Malditos".

Willis Bouchey
Elenco com veteranas atrizes - O mais conhecido nome do elenco de “Audazes e Malditos” é Jeffrey Hunter, em seu terceiro filme sob a direção de John Ford. Hunter desempenha a contento, dentro de seus limites, o mesmo acontecendo como Constance Towers, personagem criado para que a história tivesse um nada necessário romance. Carleton Young é o excessivamente agressivo advogado de acusação e o restante do elenco parece atuar à vontade, todos conhecedores daquilo que Ford desejava. É assim nas sequências de comicidade que o Mestre não abria mão como quando Willis Bouchey é acusado de haver saqueado Atlanta ou ainda pedindo água a Judson Pratt, momentos descontraídos de um filme tenso. E Ford deu oportunidade ao público de rever as veteraníssimas Billie Burke e Mae Marsh, bem como Ruth Clifford, tantas vezes presente em seus filmes. O decatleta Rafer Johnson, medalha de ouro na Olimpíada de Roma (1960) tem uma pequena participação como um dos ‘buffalos soldiers’.

Jeffrey Hunter e Chuck Hayward; Mae Marsh e Ruth Clifford;
Jack Pennick e Billie Burke; Shug Fisher e Hank Worden.

Sequências filmadas em estúdio com
painéis pintados ao fundo.
Cansaço ou displicência - Outro belo e emocionante momento deste western de Ford é quando a tropa homenageia a ímpavida figura do Sergeant Rutledge, ao som da canção “Buffalo Soldier”, de autoria de Mack David e Jay Livingston. Biógrafos diversos citam a displicência de Ford durante as filmagens, inclusive optando pelas facilidades do estúdio no qual foram rodadas muitas sequências noturnas, visivelmente com cenário de fundo pintado. Chame-se a isso de cansaço ou displicência, mas “O Homem que Matou o Facínora” (The Man Who Shot Liberty Valance), igualmente rodado por Ford, em sua maior parte, em estúdio em 1962 resultou num dos maiores westerns de todos os tempos. Bert Glennon, cinegrafista que trabalhou com Ford em inúmeros clássicos, foi o responsável pela bonita fotografia criando um clima de filme noir nas sequência passadas dentro do forte. No Monument Valley, cenário preferido de John Ford, foram filmadas algumas poucas sequências, uma delas o confronto entre a patrulha do Tenente Cantrell e os Apaches. Sem dúvida pouco para o domínio que o diretor tinha sobre aquele espaço, ordenando a volta rápida para a sala onde decorreu o julgamento do sargento negro.

Dívida quitada - “Audazes e Malditos” fracassou nas bilheterias, o que raramente acontecia com um faroeste de John Ford isto porque certamente o público não queria ver um western que tratava de racismo e sem nenhum astro de maior importância no elenco. Racismo era (e ainda é) uma ferida aberta e Rutledge bem diz no filme que “...não teria chance alguma de ser inocentado num tribunal de brancos”. Ford pagou com “Audazes e Malditos” uma dívida antiga que tinha para com os negros, assim como pagaria mais tarde um débito, este ainda maior, para com os índios com seu último western.
Ao lado cena final com Constance Tower e Jeffrey Hunter
observados por Jon Ford.

Woody Strode e Juano Hernandez

Constance Towers e Jeffrey Hunter

Acima e abaixo pôsteres de "Audazes e Malditos" sem destaque para Woody Strode.




11 de julho de 2016

A GRANDE JORNADA (THE BIG TRAIL), MAJESTOSO ÉPICO DE RAOUL WALSH COM JOHN WAYNE


William Fox, presidente da Fox Picture.
Entusiasmado pelo sucesso de “No Velho Arizona” (In Old Arizona), western dirigido em 1929 por Raoul Walsh, William Fox, presidente da Fox Picture, decidiu se aventurar num épico no mesmo gênero. Isso aconteceu com “A Grande Jornada” (The Big Trail), filme narrando a peregrinação de algumas centenas de famílias que partiram do Missouri rumo a uma espécie de terra prometida, no Oregon. Num tempo em que filmes normais estrelados por grandes astros (Garbo, Muni, Gloria Swanson e William Powell) custavam no máximo 500 mil dólares, a Fox se propôs a gastar dois milhões de dólares, isto no mesmo ano em que o país sofria os efeitos catastróficos da Grande Depressão. A intenção de William Fox era superar o épico silencioso “Os Bandeirantes” (The Covered Wagon), de 1923, que tratava do mesmo assunto, com algumas diferenças técnicas fundamentais. O ambicioso Fox usou o sistema sonoro Movietone para melhor captação do som e o processo Grandeur, com projeção de 70 milímetros, um precursor do Cinemascope. Para dirigir “A Grande Jornada” ninguém mais indicado que Raoul Walsh, especialista em filmes de ação com numerosa participação de extras.

O diretor Raoul Walsh e abaixo o
produtor Winfield Sheehan, criadores
do nome 'John Wayne'.
A escolha de Duke Morrison - Formado o elenco principal com a maioria de atores oriundos da Broadway, incluídos a estrela Marguerite Churchill e os coadjuvantes Tully Marshall e Tyrone Power Sr.,  faltava escolher o ator principal. Pensou-se logo em Tom Mix, contratado do estúdio, mas lembraram da voz desapontadora desse cowboy que aos 50 anos estava um tanto velho para interpretar o jovem herói de "A Grande Jornada". Gary Cooper foi sondado mas fazendo um filme atrás do outro, o jovem astro não teria os quatro meses necessários para permanecer com Walsh. E foi o próprio Raoul Walsh quem indicou e forçou o produtor Winfield Sheehan a contratar o desconhecido Duke Morrison, que Walsh viu carregando um pesado sofá quando ainda era ajudante de produção na Fox. Sheehan implicou com o nome ‘Duke Morrison’ e tratou de mudá-lo, a contragosto do ator que teve que aceitar ser chamado e creditado como ‘John Wayne’, isto após ser submetido a três testes, até ser aprovado. Pesou também na aprovação o fato de Duke Morrison/John Wayne receber 75 dólares por semana de filmagem, enquanto Tully Marshall recebia 500 dólares semanais. Dezenas de carroções do tipo Conestoga, centenas de cabeças de gado, enorme manada de cavalos, animais de diversas espécies e 300 pessoas entre atores, técnicos e figurantes, se prepararam para passar os próximos meses entre lugares como o Grand Canyon e Yuma, no Arizona, em St. George, em Utah, sob os Grand Tetons e Jackson Hole, no Wyoming, no Oregon e em diversos pontos da Califórnia, um deles o Rio Sacramento, na Califórnia. As filmagens, de certa forma, seriam tão extenuantes quanto a verdadeira grande jornada que levou os pioneiros ao Oregon.


John Wayne e Marguerite Churchill;
Ian Keith e Tyrone Power Sr.
Esperança e morte na longa marcha - Liderados pelo bruto e intratável Red Flack (Tyrone Power Sr.), uma grande caravana parte do Missouri objetivando chegar, um ano depois ao Oregon. O exímio atirador de facas Breck Coleman (John Wayne) é contratado como batedor, logo desconfiando que Red Flack juntamente com Lopez (Charles Stevens) tenham sido os autores do assassinato de Ben Griswell, batedor amigo de Coleman. Juntam-se à caravana a jovem Ruth Cameron (Marguerite Churchill) com seus dois irmãos menores e ainda o trapaceiro Bill Thorpe (Ian Keith). Tanto Coleman quanto Thorpe são atraídos pela beleza de Ruth e travam uma disputa aberta pela conquista da moça que, a princípio, nutre certa antipatia por Coleman. As incontáveis dificuldades encontradas durante a longa marcha são superadas não sem o sacrifício de muitas vidas, algumas perdidas em confronto com índios Crows e Cheyennes que atacam a caravana. Ruth Cameron aos poucos percebe que gosta de Coleman e isto faz com que Thorpe tente matá-lo numa emboscada, sendo no entanto morto pelo velho Zeke (Tully Marshall), fiel amigo de Coleman. Sabendo que terão que acertar contas com a Justiça, Red Flack e Lopez tentam assassinar Coleman, mas o plano falha e ambos abandonam a caravana para fugir. Coleman os persegue e encontra Lopez morto enregelado e ao se deparar com Red Flack este dispara contra Coleman que, mais rápido, acerta o bandido arremessando sua faca. A caravana chega ao seu destino e Coleman e Ruth, que se amam, ficam juntos ao final.

Espetáculo monumental - A história central de “A Grande Jornada” é bastante simples e se resume à descoberta e perseguição a dois criminosos por parte do batedor Breck Coleman. Subjacente a essa trama transcorre um imperfeito triângulo amoroso entre Coleman, Ruth e Bill Thorpe, situação previsível pois Thorpe, desde sua entrada em cena, não esconde ser um impostor e mentiroso que se faz passar por dono de uma propriedade na Louisiana. Nessa lorota só a inocente Ruth acredita. O correto Coleman é que parece, aos olhos da moça, ser indigno de confiança, mas não tarda a ser revelada a verdade. Previsível igualmente são as más intenções dos bandidos Red Flack e Lopez, não sendo surpresa nem mesmo o mexicano ser deixado para morrer na neve pelo feroz Red Flack. Pois essas histórias despretensiosas servem apenas como hiatos para os muitos capítulos da homérica caminhada da caravana de esperançosos colonos, expondo o sofrimento e a bravura diante das adversidades da jornada. E é a direção magistral de Raoul Walsh que torna este filme um espetáculo grandioso, monumental mesmo com o espectador estupefato diante do realismo que se vê na tela. Walsh produz um quase documentário ao descrever as façanhas inimagináveis dos homens e mulheres submetidos ao calor, ao frio, à neve, à falta de água e aos ferozes ataques dos nativos. Colonos que fazem seus pesados carroções (suas casas como lembra um dos personagens) vencerem rios e montanhas íngremes, inventando técnicas e engenhocas para o transporte de animais pesados e das conestogas que lhes servem de abrigo, tudo resultando em imagens de rara e comovente beleza. Nenhum outro filme como “A Grande Jornada” teve tantas sequências ‘emprestadas’ para serem usadas como cenas de estoque em outros filmes. Dois foram os responsáveis pela cinematografia e esta resenha é feita a partir da versão em 35mm, feita pelo cinegrafista Lucien N. Andriot.

Impressionantes sequências de homens, animais e carroções
 atravessando montanhas.

Os formatos normais e Grandeur.
Versões diferentes - Os cinemas norte-americanos, com exceção de duas ou três salas, não estavam equipados com projetores especiais para o processo Grandeur e suas imagens em 70mm. Infelizmente a cópia que a 20th Century-Fox distribuiu no Brasil é a simples, em 35mm e fica-se a imaginar o quanto ganharia o filme de Raoul Walsh sendo visto em Grandeur com as filmagens feitas simultaneamente pelo segundo cinegrafista, Arthur Edeson, para a versão em 70mm. O DVD “A Grande Jornada” é apresentado em 1.37:1, ou seja, formato ligeiramente mais largo que alto. O mesmo filme no processo Grandeur resulta em imagens 2:1, com a largura duas vezes maior que a altura. O conhecido Cinemascope chega a 2:66.1 em seu formato mais largo. Nos quatro meses de filmagem de “A Grande Jornada” as sequências envolvendo atores e diálogos foram rodadas em diferentes linguagens (Alemão, Espanhol, Italiano, Francês e o Inglês), com atores de outras nacionalidades que falavam esses idiomas, o que era comum naqueles primeiros anos do cinema falado. O épico de Walsh foi lançado em 24 de outubro de 1930 (o mesmo dia, um ano depois, da ‘Quinta-Feira Negra’ do crash da Bolsa de Nova York), talvez uma premonição do injusto fracasso do filme nas bilheterias. O público não se interessou em assistir a um épico, distante daqueles que Cecil B. DeMille filmava, estrelado por um certo John Wayne e por Marguerite Churchill. Ambos desconhecidos num panorama em que o apelo de nomes famosos nas marquises era sinônimo de sucesso.

Quatro atores de diferentes origens ladeando John Wayne a quem substituíram
nas versões para diferentes línguas; sequência de enterro coletivo de pioneiros
mortos durante o ataque índio, notando-se a presença do cão junto ao túmulo,
sequência que inspirou George Stevens em "Os Brutos Também Amam" (Shane).

John Wayne aos 23 anos de idade;
abaixo com Marguerite Churchill.
Salário baixo e nome novo - Muitos cinéfilos são levados a assistir “A Grande Jornada” pela mera curiosidade de conhecer o primeiro filme de John Wayne antes de o Duke ser confinado aos westerns B e ser (re)descoberto em 1939 por John Ford. Wayne havia participado de quatro outros filmes fazendo pontas ou figurações e, pra valer, sua estreia como ator ocorreu neste filme de Walsh. Humilhado pelo salário irrisório, menor que o do restante do elenco principal, e ainda por ter que mudar seu nome, o que muito o desagradou, John Wayne tem uma estreia notável levando-se em conta sua inexperiência como ator. Muito do John Wayne que se tornou famoso está ali naquele jovem que de inseguro não tem nada e que somente não caminha ainda com o famoso andar que imortalizou. A rudeza que se tornou característica do Duke, a convincente integridade, a irradiante simpatia, a voz singular e mais que qualquer outro detalhe, uma sensibilidade enternecedora que nove anos depois seria vista em “No Tempo das Diligências” (Stagecoach) ao tratar com respeito a prostituta Dallas. Num filme rico pelas magnificentes imagens, o reencontro de John Wayne com Marguerite Churchill, na sequência final é de tocante delicadeza, quase tanto quanto o momento em que Ethan Edwards eleva sua desesperada sobrinha Debbie em “Rastros de Ódio” (The Searchers).

Tully Marshall com Marguerite Churchill
Interpretações teatrais - O grupo de atores da Broadway contratado para “A Grande Jornada” representa teatralmente e com estridência como se estivesse num palco e mais que todos o exagerado e histriônico Tyrone Power Sr. El Brendel é outro que se excede na falta de graça e a sequência em que seu jumento estaria dentro de uma poça de lama é de extremo mau gosto. A compensação fica por conta do engraçado Tully Marshall como autêntico pioneiro, um tipo que certamente influenciou Arthur Hunnicutt, o mais pioneiro dos pioneiros dos faroestes. Russ Powell como ‘Windy’, o gozador que provoca sons com a boca é divertido e Ian Keith é o típico vilão daquelas primeiras décadas de faroestes, ou seja, capaz de enganar somente uma mocinha ingênua. Charles Stevens, nascido no Arizona e presente em incontáveis faroestes, tem um de seus mais relevantes papéis no cinema. Se John Wayne teve uma grande oportunidade neste filme, seu amigo Ward Bond praticamente não aparece, ao menos na versão com 108 minutos lançada em DVD no Brasil.

Vilões: Ian Keith; Charles Stevens e Tyrone Power Sr.

John Wayne
Reconhecimento tardio - Originalmente lançado no suntuoso Grauman’s Chinese Theatre, em Hollywood, “A Grande Jornada” tinha na versão 70mm em Grandeur 158 minutos de duração. As cópias em 35mm possuíam duração menor que variavam entre 122 e 108 minutos, sendo fundamental para uma melhor avaliação que se assista à versão mais longa e com tela 2:1 do processo Grandeur. A cópia restaurada de “A Grande Jornada” lançada em DVD em dois discos, em 2008 nos Estados Unidos, contém as duas versões e pode ser adquirido na Amazon por onze dólares, enquanto a versão em Blu-ray custa 8,88 dólares nessa mesma loja. Em 2006 a Biblioteca do Congresso Norte-Americano indicou ser “A Grande Jornada” um filme de alta significância cultural, histórica e estética, tendo selecionado este épico para sua preservação no National Film Registry. Ao lado de “O Portal do Paraíso” (Heaven’s Gate), “A Grande Jornada” forma um par de grandes filmes que fracassaram na bilheteria. A diferença entre ambos é que o western de Michael Cimino tornou-se ‘cult’ e o de Walsh caminha mais lentamente para ter seu mais amplo reconhecimento entre os cinéfilos. Ah, outra diferença: “A Grande Jornada” é estrelado por John Wayne aos 23 anos de idade na primeira das muitas inesquecíveis atuações que ele legou ao cinema.

Frente de um cinema anunciando "A Grande Jornada" com o nome de John Wayne
abaixo do de El Brendel e um carroção decorando a entrada para atrair o público.