William Fox, presidente da Fox Picture. |
Entusiasmado pelo sucesso de “No Velho
Arizona” (In Old Arizona), western dirigido em 1929 por Raoul Walsh, William
Fox, presidente da Fox Picture, decidiu se aventurar num épico no mesmo gênero. Isso
aconteceu com “A Grande Jornada” (The Big Trail), filme narrando a peregrinação
de algumas centenas de famílias que partiram do Missouri rumo a uma espécie de
terra prometida, no Oregon. Num tempo em que filmes normais estrelados por
grandes astros (Garbo, Muni, Gloria Swanson e William Powell) custavam no
máximo 500 mil dólares, a Fox se propôs a gastar dois milhões de dólares, isto
no mesmo ano em que o país sofria os efeitos catastróficos da Grande Depressão.
A intenção de William Fox era superar o épico silencioso “Os Bandeirantes” (The
Covered Wagon), de 1923, que tratava do mesmo assunto, com algumas diferenças
técnicas fundamentais. O ambicioso Fox usou o sistema sonoro Movietone para
melhor captação do som e o processo Grandeur, com projeção de 70 milímetros, um
precursor do Cinemascope. Para dirigir “A Grande Jornada” ninguém mais indicado
que Raoul Walsh, especialista em filmes de ação com numerosa participação de
extras.
O diretor Raoul Walsh e abaixo o produtor Winfield Sheehan, criadores do nome 'John Wayne'. |
A
escolha de Duke Morrison - Formado o elenco principal com a
maioria de atores oriundos da Broadway, incluídos a estrela Marguerite
Churchill e os coadjuvantes Tully Marshall e Tyrone Power Sr., faltava escolher o ator principal. Pensou-se
logo em Tom Mix, contratado do estúdio, mas lembraram da voz desapontadora desse
cowboy que aos 50 anos estava um tanto velho para interpretar o jovem herói de "A Grande Jornada". Gary Cooper foi sondado mas
fazendo um filme atrás do outro, o jovem astro não teria os quatro meses
necessários para permanecer com Walsh. E foi o próprio Raoul Walsh quem indicou
e forçou o produtor Winfield Sheehan a contratar o desconhecido Duke Morrison,
que Walsh viu carregando um pesado sofá quando ainda era ajudante de produção na Fox.
Sheehan implicou com o nome ‘Duke Morrison’ e tratou de mudá-lo, a contragosto
do ator que teve que aceitar ser chamado e creditado como ‘John Wayne’, isto
após ser submetido a três testes, até ser aprovado. Pesou também na aprovação o
fato de Duke Morrison/John Wayne receber 75 dólares por semana de filmagem,
enquanto Tully Marshall recebia 500 dólares semanais. Dezenas de carroções do
tipo Conestoga, centenas de cabeças de gado, enorme manada de cavalos, animais
de diversas espécies e 300 pessoas entre atores, técnicos e figurantes, se
prepararam para passar os próximos meses entre lugares como o Grand Canyon e
Yuma, no Arizona, em St. George, em Utah, sob os Grand Tetons e Jackson Hole,
no Wyoming, no Oregon e em diversos pontos da Califórnia, um deles o Rio Sacramento,
na Califórnia. As filmagens, de certa forma, seriam tão extenuantes quanto a
verdadeira grande jornada que levou os pioneiros ao Oregon.
John Wayne e Marguerite Churchill; Ian Keith e Tyrone Power Sr. |
Esperança
e morte na longa marcha - Liderados pelo bruto e intratável
Red Flack (Tyrone Power Sr.), uma grande caravana parte do Missouri objetivando
chegar, um ano depois ao Oregon. O exímio atirador de facas Breck Coleman (John
Wayne) é contratado como batedor, logo desconfiando que Red Flack juntamente
com Lopez (Charles Stevens) tenham sido os autores do assassinato de Ben
Griswell, batedor amigo de Coleman. Juntam-se à caravana a jovem Ruth Cameron
(Marguerite Churchill) com seus dois irmãos menores e ainda o trapaceiro Bill
Thorpe (Ian Keith). Tanto Coleman quanto Thorpe são atraídos pela beleza de
Ruth e travam uma disputa aberta pela conquista da moça que, a princípio, nutre
certa antipatia por Coleman. As incontáveis dificuldades encontradas durante a
longa marcha são superadas não sem o sacrifício de muitas vidas, algumas
perdidas em confronto com índios Crows e Cheyennes que atacam a caravana. Ruth
Cameron aos poucos percebe que gosta de Coleman e isto faz com que Thorpe tente
matá-lo numa emboscada, sendo no entanto morto pelo velho Zeke (Tully
Marshall), fiel amigo de Coleman. Sabendo que terão que acertar contas com a
Justiça, Red Flack e Lopez tentam assassinar Coleman, mas o plano falha e ambos
abandonam a caravana para fugir. Coleman os persegue e encontra Lopez morto
enregelado e ao se deparar com Red Flack este dispara contra Coleman que, mais
rápido, acerta o bandido arremessando sua faca. A caravana chega ao seu destino
e Coleman e Ruth, que se amam, ficam juntos ao final.
Espetáculo
monumental - A história central de “A Grande Jornada” é bastante
simples e se resume à descoberta e perseguição a dois criminosos por parte do
batedor Breck Coleman. Subjacente a essa trama transcorre um imperfeito
triângulo amoroso entre Coleman, Ruth e Bill Thorpe, situação previsível pois
Thorpe, desde sua entrada em cena, não esconde ser um impostor e mentiroso que
se faz passar por dono de uma propriedade na Louisiana. Nessa lorota só a
inocente Ruth acredita. O correto Coleman é que parece, aos olhos da moça, ser
indigno de confiança, mas não tarda a ser revelada a verdade. Previsível
igualmente são as más intenções dos bandidos Red Flack e Lopez, não sendo
surpresa nem mesmo o mexicano ser deixado para morrer na neve pelo feroz Red
Flack. Pois essas histórias despretensiosas servem apenas como hiatos para os
muitos capítulos da homérica caminhada da caravana de esperançosos colonos,
expondo o sofrimento e a bravura diante das adversidades da jornada. E é a
direção magistral de Raoul Walsh que torna este filme um espetáculo grandioso,
monumental mesmo com o espectador estupefato diante do realismo que se vê na
tela. Walsh produz um quase documentário ao descrever as façanhas inimagináveis
dos homens e mulheres submetidos ao calor, ao frio, à neve, à falta de água e
aos ferozes ataques dos nativos. Colonos que fazem seus pesados carroções (suas
casas como lembra um dos personagens) vencerem rios e montanhas íngremes,
inventando técnicas e engenhocas para o transporte de animais pesados e das
conestogas que lhes servem de abrigo, tudo resultando em imagens de rara e comovente
beleza. Nenhum outro filme como “A Grande Jornada” teve tantas sequências
‘emprestadas’ para serem usadas como cenas de estoque em outros filmes. Dois
foram os responsáveis pela cinematografia e esta resenha é feita a partir da
versão em 35mm, feita pelo cinegrafista Lucien N. Andriot.
Impressionantes sequências de homens, animais e carroções atravessando montanhas. |
Os formatos normais e Grandeur. |
Versões
diferentes - Os cinemas norte-americanos, com exceção de duas ou três
salas, não estavam equipados com projetores especiais para o processo Grandeur
e suas imagens em 70mm. Infelizmente a cópia que a 20th Century-Fox distribuiu
no Brasil é a simples, em 35mm e fica-se a imaginar o quanto ganharia o filme
de Raoul Walsh sendo visto em Grandeur com as filmagens feitas simultaneamente
pelo segundo cinegrafista, Arthur Edeson, para a versão em 70mm. O DVD “A Grande
Jornada” é apresentado em 1.37:1, ou seja, formato ligeiramente mais largo que
alto. O mesmo filme no processo Grandeur resulta em imagens 2:1, com a largura
duas vezes maior que a altura. O conhecido Cinemascope chega a 2:66.1 em seu
formato mais largo. Nos quatro meses de filmagem de “A Grande Jornada” as
sequências envolvendo atores e diálogos foram rodadas em diferentes linguagens
(Alemão, Espanhol, Italiano, Francês e o Inglês), com atores de outras
nacionalidades que falavam esses idiomas, o que era comum naqueles primeiros
anos do cinema falado. O épico de Walsh foi lançado em 24 de outubro de 1930 (o
mesmo dia, um ano depois, da ‘Quinta-Feira Negra’ do crash da Bolsa de Nova
York), talvez uma premonição do injusto fracasso do filme nas bilheterias. O
público não se interessou em assistir a um épico, distante daqueles que Cecil
B. DeMille filmava, estrelado por um certo John Wayne e por Marguerite
Churchill. Ambos desconhecidos num panorama em que o apelo de nomes famosos nas
marquises era sinônimo de sucesso.
John Wayne aos 23 anos de idade; abaixo com Marguerite Churchill. |
Salário
baixo e nome novo - Muitos cinéfilos são levados a
assistir “A Grande Jornada” pela mera curiosidade de conhecer o primeiro filme
de John Wayne antes de o Duke ser confinado aos westerns B e ser (re)descoberto
em 1939 por John Ford. Wayne havia participado de quatro outros filmes fazendo
pontas ou figurações e, pra valer, sua estreia como ator ocorreu neste filme de
Walsh. Humilhado pelo salário irrisório, menor que o do restante do elenco
principal, e ainda por ter que mudar seu nome, o que muito o desagradou, John
Wayne tem uma estreia notável levando-se em conta sua inexperiência como ator.
Muito do John Wayne que se tornou famoso está ali naquele jovem que de inseguro
não tem nada e que somente não caminha ainda com o famoso andar que
imortalizou. A rudeza que se tornou característica do Duke, a convincente
integridade, a irradiante simpatia, a voz singular e mais que qualquer outro
detalhe, uma sensibilidade enternecedora que nove anos depois seria vista em “No
Tempo das Diligências” (Stagecoach) ao tratar com respeito a prostituta Dallas.
Num filme rico pelas magnificentes imagens, o reencontro de John Wayne com
Marguerite Churchill, na sequência final é de tocante delicadeza, quase tanto
quanto o momento em que Ethan Edwards eleva sua desesperada sobrinha Debbie em
“Rastros de Ódio” (The Searchers).
Tully Marshall com Marguerite Churchill |
Interpretações
teatrais - O grupo de atores da Broadway contratado para “A Grande
Jornada” representa teatralmente e com estridência como se estivesse num palco
e mais que todos o exagerado e histriônico Tyrone Power Sr. El Brendel é outro
que se excede na falta de graça e a sequência em que seu jumento estaria dentro
de uma poça de lama é de extremo mau gosto. A compensação fica por conta do
engraçado Tully Marshall como autêntico pioneiro, um tipo que certamente
influenciou Arthur Hunnicutt, o mais pioneiro dos pioneiros dos faroestes. Russ
Powell como ‘Windy’, o gozador que provoca sons com a boca é divertido e Ian
Keith é o típico vilão daquelas primeiras décadas de faroestes, ou seja, capaz
de enganar somente uma mocinha ingênua. Charles Stevens, nascido no Arizona e
presente em incontáveis faroestes, tem um de seus mais relevantes papéis no
cinema. Se John Wayne teve uma grande oportunidade neste filme, seu amigo Ward
Bond praticamente não aparece, ao menos na versão com 108 minutos lançada em
DVD no Brasil.
Vilões: Ian Keith; Charles Stevens e Tyrone Power Sr. |
John Wayne |
Reconhecimento
tardio - Originalmente lançado no suntuoso Grauman’s Chinese
Theatre, em Hollywood, “A Grande Jornada” tinha na versão 70mm em Grandeur 158
minutos de duração. As cópias em 35mm possuíam duração menor que variavam entre
122 e 108 minutos, sendo fundamental para uma melhor avaliação que se assista à
versão mais longa e com tela 2:1 do processo Grandeur. A cópia restaurada de “A
Grande Jornada” lançada em DVD em dois discos, em 2008 nos Estados Unidos,
contém as duas versões e pode ser adquirido na Amazon por onze dólares,
enquanto a versão em Blu-ray custa 8,88 dólares nessa mesma loja. Em 2006 a
Biblioteca do Congresso Norte-Americano indicou ser “A Grande Jornada” um filme
de alta significância cultural, histórica e estética, tendo selecionado este
épico para sua preservação no National Film Registry. Ao lado de “O Portal do
Paraíso” (Heaven’s Gate), “A Grande Jornada” forma um par de grandes filmes que
fracassaram na bilheteria. A diferença entre ambos é que o western de Michael
Cimino tornou-se ‘cult’ e o de Walsh caminha mais lentamente para ter seu mais
amplo reconhecimento entre os cinéfilos. Ah, outra diferença: “A Grande
Jornada” é estrelado por John Wayne aos 23 anos de idade na primeira das muitas
inesquecíveis atuações que ele legou ao cinema.
Frente de um cinema anunciando "A Grande Jornada" com o nome de John Wayne abaixo do de El Brendel e um carroção decorando a entrada para atrair o público. |
Darci, foi com enorme satisfação que li tua completa resenha sobre este épico injustamente não indicado a nenhum mísero Oscar, o que aconteceria com outros clássicos absolutos do gênero como "Paixão dos Fortes" e "Rastros de Ódio".
ResponderExcluirEste filme é o 9º colocado em minha lista dos 10 melhores westerns publicada por você neste mesmo blog há 1 ano, 5 meses e 26 dias.
Não satisfeito com a edição nacional em DVD com formato de tela 1,37 : 1, adquiri a edição importada em Blu-ray com proporção de tela 2 : 1 e vários minutos a mais de filme. O Blu-ray contém extras com bastidores do filme e curiosidades sobre o pioneiro processo widescreen Fox Grandeur.
Poder ver em tela larga as caravanas partindo no horizonte em busca de uma nova terra, é algo que fascina qualquer um.
Um abraço!
Grande Darci, que maravilha encontrar um tempinho para visitar seu blog e ler suas maravilhosas e ricas resenhas. Tenho em minha coleção esse épico, porém assisti apenas uma vez. Após ler seu texto confesso que preciso revisitá-lo. E quanto ao salário de John Wayne, coitado em, 75 dólares! Grande abraço!
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