29 de dezembro de 2015

SÉRIES WESTERNS DE TV – “CISCO KID” – UMA DAS SÉRIES PIONEIRAS DA TELEVISÃO


Frederick W. Ziv
Em 1948 havia 44 mil televisores espalhados pelos lares norte-americanos, 30 mil deles em Nova York. Dois anos depois, em 1950, era de seis milhões o número de aparelhos de televisão existentes em o todo país, começando a ameaçar a indústria cinematográfica. A TV norte-americana começou, em 1949, a exibir com boa audiência os filmes de Hopalong Cassidy feitos para o cinema, tanto que o mocinho grisalho reconquistou a fama que tinha nos anos 30 e início dos anos 40. Espertamente William Boyd (o Hopalong Cassidy), de forma pioneira, produziu uma nova série de westerns com meia hora de duração especialmente para exibição na televisão. Em seguida, também em 1949, foi a vez do The Lone Ranger, depois de filmes e seriados no cinema, ter aventuras, também de 25 minutos, produzidas para a nova mídia que se tornava o objeto do desejo de todas as famílias dos Estados Unidos. O produtor Frederick W. Ziv, através da sua ZIV Television Production, sem perda de tempo criou uma série com um herói tão conhecido e carismático quanto Hoppy Cassidy e o Cavaleiro Solitário (e seu amigo Tonto): “The Cisco Kid”.

Duncan Renaldo e Edwina Booth em "Mercador
das Selvas" (Trader Horn), filme de 1931.
A escolha do Cisco Kid da TV - Duncan Renaldo mal havia se despido de sua indumentária de Cisco Kid que havia interpretado em três filmes produzidos pela Monogram em 1945 e depois em cinco outros filmes da United Artists, em 1949, quando foi procurado por Frederick Ziv. Duncan Renaldo era romeno de nascimento, mas quase tudo em sua biografia gera controvérsias. Por vezes Renaldo dizia ter nascido na Espanha e quanto à data de nascimento é aceito o ano de 1904. Renaldo contava que rodou boa parte do mundo em atividades as mais diversas, uma delas como membro da tripulação de um navio cargueiro brasileiro que transportava minério. Ao chegar nos Estados Unidos, em 1927, esse cargueiro afundou e Renaldo ficou por lá mesmo, trocando a profissão de carregador pela de ator. Renaldo, cujo nome verdadeiro (será?) é Renault Renaldo Duncan, já havia feito uma dúzia de filmes e era namorado da atriz Edwina Booth quando o Serviço de Imigração lhe deu voz de prisão, em 1934, por estar irregularmente no país. Quem o tirou da cadeia através dos advogados da Republic Pictures foi Herbert J. Yates.

Cisco Kid produzido em cores e
assistido em preto e branco.
Um produtor visionário - Praticamente todos os mocinhos do cinema tinham seus sidekicks e o companheiro do Cisco Kid de Duncan Renaldo nos filmes feitos em 1949 para o cinema era Leo Carrillo. Esse ator gorducho nascido em Los Angeles já fazia planos para se aposentar pois estava com 69 anos em 1950, quando foi chamado para continuar a parceria com Duncan Renaldo na nova série. Pode se dizer que o produtor Frederick Ziv era um visionário pois num tempo em que a totalidade dos televisores era em preto e branco, ele decidiu produzir a série em cores. Filmou a primeira temporada em Kodachrome 16 mm pois as telas dos aparelhos retransmissores eram tão pequenas e a sintonia tão sofrível que aquele tipo de imagem estava pra lá de bom. Posteriormente a série passou a ser filmada em 35 mm com impecável qualidade, ainda que chegando aos lares em preto e branco. Quando a série foi encerrada, em 1956, não chegava a mil o número de televisores que captavam imagens em cores nos Estados Unidos. Porém nos anos seguintes esse número cresceu expressivamente e os episódios em cores de “The Cisco Kid” nunca deixaram de ser exibidos em reprises nos 15 anos subsequentes, rendendo bom dinheiro para o produtor. Quando “Bonanza” foi produzido e exibido em cores desde seu primeiro episódio (11/9/1959), os possuidores de TVs em cores já assistiam “The Cisco Kid” também em cores. A diferença é que Frederick Ziv se antecipou a David Dortort, produtor de “Bonanza” em dez anos.

Leo Carrillo
Pancho sentindo o peso dos anos - O escritor de pequenas histórias O’Henry (William Sidney Porter) não podia imaginar o número de aventuras em que se envolveria o herói que criara em 1907. Primeiro no cinema, depois no rádio, mais tarde nas histórias em quadrinhos e finalmente na televisão, Cisco Kid e seu companheiro (na maioria das vezes chamado de Pancho) não deixavam de ser escritas por autores os mais diversos. De 1939, com Cesar Romero e Warner Baxter até 1956, com a série de TV e a de rádio, igualmente encerrada em 1956, foram quase mil histórias ‘diferentes’. Só a série de TV “The Cisco Kid” teve 156 episódios, todos estrelados por Renaldo e Carrillo. Este último estava com 75 anos de idade quando foi rodado o último episódio, em 1956, demonstrando visível dificuldade para cavalgar ‘Loco’, o cavalo de Pancho. ‘Diablo’ era o nome do cavalo malhado de Cisco Kid. Loco e Diablo conheciam cada pedra de Corriganville e do Iverson Ranch, cenários constantes dos episódios da série.

Duncan Renaldo
A máscara de Cisco Kid - “The Cisco Kid” não se tornou uma série clássica e a explicação para isso é que os roteiros dos episódios em nada diferiam de tantos e tantos westerns B filmados em Hollywood nos anos 30 e 40. E ao contrário do que acontecia com o mesmo herói nos gibis desenhados por José Luís Salinas, a empatia com o público deixava a desejar. Nas seis temporadas em que foi produzida, a série nunca conseguiu se colocar entre os 20 programas mais assistidos na medição feita pelo Nielsen Ratings. Com seus trajes que mais lembravam um mariacchi, o Cisco Kid de Duncan Renaldo deixava saudade dos mocinhos mais ‘autênticos’ que começavam a proliferar em séries feitas para a televisão, entre eles Gene Autry e Roy Rogers. A falta de identificação com o público, porém, não impediu que Cisco Kid fosse produzida por número quase igual de temporadas que as séries de Autry, Rogers e The Lone Ranger. Por falar no Justiceiro Mascarado, o desajeitado e pouco ágil Duncan Renaldo, durante um episódio da 3.ª temporada da série caiu de uma rocha e ficou afastado das filmagens por alguns meses. Foi quando Cisco Kid surgiu mascarado como o Lone Ranger, solução encontrada para que o substituto de Duncan Renaldo passasse por ele sem ser descoberto pelos telespectadores. A voz gravada em estúdio era do próprio Renaldo que, recuperado, retornou sem máscara às aventuras do ‘Robin Hood do Oeste’.

Renaldo e Carrillo
Heróis cansados - Em 1956 as três grandes redes – NBC, CBS e NBC – produziam séries como “Gunsmoke”, “Cheyenne”, e “Wyatt Earp”, entre outros programas com roteiros mais criativos e que faziam com que as histórias vividas por Cisco Kid parecessem totalmente sem imaginação e repetitivas. Foi então que por falta de audiência e porque os dois atores se mostravam a cada episódio mais cansados, especialmente Leo Carrillo, que a ZIV Television Production decidiu cancelar a série após seis temporadas e 156 episódios. Foi lançada toda a série em DVD, em quatro caixas e também em coleções com o ‘The Best of Cisco Kid’ e o herói da televisão volta hoje a ser apreciado pelos antigos fãs e por aqueles que gostam de colecionar séries antigas, no caso, uma das pioneiras do gênero western na TV norte-americana. Pode-se então ouvir a cada abertura de episódio o exageradamente empolgado locutor exclamar: “Agora teremos aventura! Agora teremos romance! – The Cisco Kid”.


27 de dezembro de 2015

CISCO KID, O ROBIN HOOD DO VELHO OESTE NO CINEMA, RÁDIO, TV E QUADRINHOS


O'Henry
The Cisco Kid foi o mais mexicano dos mocinhos. De sua criação pelo escritor O’Henry, passando pelo cinema, rádio, pelas histórias em quadrinhos e até chegar à TV, esse herói mudou bastante. Ganhou em educação e elegância, perdendo, no entanto, a rudeza, o atrevimento, o espírito galhofeiro, características que completam o charme daqueles hermanos de tierras aztecas. O Cisco Kid que temos na lembrança, a partir do cinema, guarda pouca semelhança com o aventureiro imaginado em 1907 por O’Henry, pseudônimo do escritor William S. Porter. Criado como uma mescla de Don Quixote de La Mancha com Robin Hood das florestas de Sherwood, O’Henry colocou seu herói em pequenas e bem sucedidas histórias desenroladas na região do Novo México.

Warner Baxter
No cinema, Cisco Kid e o Oscar - O cinema, grande passatempo das primeiras décadas do século XX, sempre à procura de novas histórias e novos heróis, não tardou em enquadrar Cisco Kid, o galante bandoleiro, solidário com os oprimidos, a quem defendia dos poderosos. E a primeira aparição do aventureiro nas telas se deu em 1914, com “The Caballero’s Way” com William R. Dunn como Cisco Kid. Cinco anos depois, em 1919, foi a vez de Vester Pegg encarnar o herói mexicano em “The Border Terror”. Warner Baxter era um dos mais famosos astros de Hollywood quando, em 1929, interpretou Cisco Kid em “No Velho Arizona”, filme produzido por William Fox. Concorrendo aos prêmios Oscar de Melhor Filme, Diretor, Roteiro e Cinematografia, “No Velho Arizona” acabou dando a Warner Baxter o Oscar de Melhor Ator do Ano. Baxter esteve perfeito como o Gay Caballero, elegante e alegre sim, mas jamais afetado. A Fox não perdeu tempo e em 1931 lançou “O Galante Aventureiro” (The Cisco Kid). Somente em 1939 o público voltaria a ver Warner Baxter retomar o mocinho mexicano em “A Volta de Cisco Kid” (The Return of Cisco Kid), com Cesar Romero no elenco.

Warner Baxter recebendo seu Oscar por sua interpretação como Cisco Kid.

Pôsteres de "No Velho Arizona", "A Volta de Cisco Kid" e "Galante Aventureiro".

Cesar Romero
Cisco Kid vira série - A 20th Century-Fox percebeu que poderia explorar ainda mais o promissor filão que seriam as aventuras com o herói criado por O’Henry e vestiu o próprio Cesar Romero, contratado do estúdio, com as roupas de Cisco Kid para uma série de seis filmes, o primeiro deles “Coração Bandido” (The Cisco Kid and the Lady), de 1939 mesmo. Cesar Romero, que no cinema encantaria as mulheres em comédias e musicais com seu charme latino, fez de Cisco Kid um mocinho que mais lembrava um bailarino, bastante sofisticado, gentil e educado. A figura do êmulo do Sancho Panza de Cervantes apareceu como ‘Gordito’, ao lado do Cisco Kid de Cesar Romero sendo interpretado por Chris-Pin Martin, ambos caricatos mas conquistando o público. Esse sucesso era devido ao público-alvo daqueles filmes, os jovens que frequentavam as Saturday Afternoon, correspondentes das nossas matinês dominicais. Os próprios títulos denunciam a extrema leveza das produções estreladas pela dupla Romero-Martin: “Viva Cisco Kid”, “Bandoleiro de Sorte”, “Bandoleiro Jovial”, “Audaz Aventureiro” e “Balas e Beijos”, além do citado “Coração de Bandido”.

Pôsteres de "Bandoleiro Jovial", "Audaz Aventureiro" e "Balas e Beijos".

Duncan Renaldo
O herói desce à Monogram - Em 1941 a Fox decidiu abandonar a série mas o público teve a compensação de se encontrar com seu herói no rádio. A partir de 1942 e até 1945 Cisco Kid vivia suas aventuras no rádio, interpretado pelas vozes de Jackson Beck (Cisco Kid) e Luís Sorin (Pancho). Os frequentadores das matinês foram surpreendidos em 1945, com o retorno do herói em “A Volta de Cisco Kid”, com Duncan Renaldo como Cisco Kid e Martin Garralaga como o sidekick agora chamado ‘Pancho Gonzales’. A pequena produtora Monogram daria sequência a esta série com mais dois filmes com a dupla, intitulados “O Cavaleiro Destemido” e “Canção da Fronteira”. Um pouco menos delicado e mais elegante que o Cisco Kid de Cesar Romero, o reestilizado herói não era ainda o hombre mucho macho que deveria ser. Quem não mudava nunca era Diablo, o cavalo branco de Cisco Kid.

Pôsteres de "O Cavaleiro Destemido" e de "Canção da Fronteira".

Gilbert Roland
Com Gilbert Roland, um Cisco Kid macho - Os fãs de Cisco Kid não tinham do que se queixar pois em 1946 a Monogram trocaria o empolado Gay Caballero do rumeno Duncan Renaldo por alguém muito mais próximo do aventureiro que O’Henry criou. O personagem foi então para as mãos de Gilbert Roland, na vida real o mais temido, audacioso e bem-sucedido entre os latin lovers que Hollywood gostava de importar. Primeiro ator mexicano de verdade a interpretar Cisco Kid, com Roland o personagem se reencontrou com os grandes momentos em que foi vivido por Warner Baxter, contando com a característica macheza mexicana. Com Gilbert Roland o herói passou a beber tequila, sorvida com sal e limão e também a ter o cigarro sempre no canto da boca, de onde só saia para descansar, por instantes, atrás da orelha do ator. Entre 1946 e 1947, Roland que nascera em Juarez, no México, interpretou Cisco Kid em seis faroestes que tiveram estes títulos no Brasil: “Justiceiro Romântico”, “Bandido do Deserto”, “O Bandido e a Dama”, “Povoado Violento”, “O Rei dos Bandidos” e “Robin Hood em Monterrey”. O Italiano Frank Yaconelli foi o sidekick chamado ‘Baby’ em quatro desses filmes, voltando Chris-Pin Martin a ser o ‘Pancho’ nos outros dois.

Pôsteres de "Robin Hood em Monterey", "Povoado Violento" e "Bandidos do Deserto".

Pôsteres de "O Rei dos Bandidos", "Justiceiro Romântico" e "O Bandido e a Dama". 

Jack Mather e Harry Lang: Cisco Kid no rádio.
Sucessos no rádio e nos quadrinhos - Em 1946, Cisco Kid voltava ao rádio, agora três vezes por semana e com Jack Mather interpretando o herói, com Harry Lang como o sidekick ‘Pancho’. Posteriormente Mel Blanc substituiu Lang e o personagem passou a se chamar ‘Porfírio’. Essa série radiofônica foi excepcionalmente bem sucedida, perdurando até 1956, sendo produzidos mais de 600 episódios de meia hora de duração. Enquanto fazia sucesso também no rádio, em 1949 o desenhista argentino José Luís Salinas tentava a sorte nos Estados Unidos, sendo contratado pela King Features para passar para os quadrinhos as aventuras de Cisco Kid, com histórias criadas por Rod Reed. José Luís Salinas desenhou Cisco Kid até 1968, vendo suas edições serem publicadas em 360 jornais diários do mundo inteiro, proeza que nenhum outro herói do Velho Oeste conseguiu, Roy Rogers e Lone Ranger incluídos.

José Luís Salinas e sua arte.

Duncan Renaldo e Leo Carrillo.
The Cisco Kid chega à TV - Outra vez o mesmo Duncan Renaldo retomaria o personagem no final da década, em 1949, desta vez tendo como companheiro ‘Pancho’ interpretado pelo já veterano Leo Carrilo. A nova série teve cinco aventuras, nenhuma delas exibida no Brasil, com os títulos “The Gay Amigo”, “The Valiant Hombre”, “Satan’s Cradle”, “The Daring Caballero” e “The Girl from San Lorenzo”. Esses filmes agradaram o produtor Frederick W. Ziv que cogitou Renaldo para o papel-título da série que tencionava produzir para a televisão. Do cinema para a telinha, "The Cisco Kid" com Duncan Renaldo acompanhado sempre por Pancho (Leo Carrillo), teve 156 episódios produzidos pela independente ZIV Television Programs entre 1950 e 1956. Uma curiosidade é que a série foi produzida em cores, ainda que os televisores em cores demorassem alguns anos para dominar o mercado. Esse fato foi determinante para que o público telespectador assistisse às eternas reprises da série “The Cisco Kid”, sendo que somente em 1959 outra série western de TV seria produzida em cores, a clássica “Bonanza”.

DVDs disponíveis - Se no cinema a figura do herói já havia sido bastante abrandada, na série para a televisão nunca foi visto o Cisco Kid violento, cruel e rapinador. O Cisco Kid da TV era um herói para a família toda, um mocinho que jamais provocava um abriga e nunca atirava para matar, sendo um exemplo de educação para crianças e adolescentes. Em 1994 ocorreu o retorno de Cisco Kid em um TV-movie produzido pela TNT, com Jimmy Smits como o herói e Cheech Marin como ‘Pancho’. O mais autêntico Cisco Kid, especialmente quando interpretado por Warner Baxter e Gilbert Roland, merece ser conhecido para que se tenha uma ideia melhor da criação de O’Henry, de certa forma desvirtuada pelos demais atores que o personificaram. Lançados em impecáveis versões nos Estados Unidos, tanto os três filmes com Warner Baxter quanto toda a série da Monogram com Gilbert Roland, esses filmes circulam pelas nossas lojas virtuais, valendo à pena o garimpo para se conhecer o melhor de The Cisco Kid.


24 de dezembro de 2015

‘COMANCHE’ – RARO WESTERN SOBRE O CHEFE QUANAH PARKER



O verdadeiro Quanah Parker.
Fãs de westerns certamente assistiram a muitos filmes que destacavam a presença de famosos chefes índios norte-americanos. Cavalo Louco, Touro Sentado e Nuvem Vermelha (Lakotas), Cochise, Gerônimo e Mangas Coloradas (Apaches), Pontiac (Otawa) estão entre aqueles que mais vezes foram levados ao cinema. Menos citado nos faroestes é Quanah Parker, chefe Comanche que participou dos acordos com os emissários de Washington tentando minimizar o sofrimento de seu povo confinado às reservas. “Rastros de Ódio” (The Searchers) sequer menciona Quanah Parker, mesmo sendo esse chefe índio o filho de Cynthia Ann Parker, a garota branca sequestrada pelos Comanches e que se casou com o chefe Peta Nocona, pai de Quanah Parker. Não por acaso a obra-prima de John Ford resvala nessa história. “Rastros de Ódio” foi filmado em 1955 e lançado nos Estados Unidos em 1956, mesmo mês em que foi lançado “Comanche”, dirigido por George Sherman. Neste filme Quanah Parker é o pacífico chefe que acredita na força da palavra dada e nos tratados de paz com o governo norte-americano. George Sherman, que dirigiu John Wayne uma dúzia de vezes quando o Duke ainda fazia westerns ‘B’ é um especialista em filmar ‘acertos de paz entre índios e os túnicas azuis’. São de Sherman os seguintes westerns ‘pacifistas’: “Terra Selvagem” (Comanche Territory), 1950, paz com os Comanches; “Coração Selvagem” (Tomahawk), 1951, paz com os Siouxes; “O Levante dos Apaches” (Battle at Apache Pass), 1952, paz com os Apaches. Tivesse George Sherman filmado “O Intrépido General Custer” (They Died With Their Boots On) e a batalha de Little Big Horn não teria ocorrido…


Kent Smith; Henry Brandon
Um índio otimista - Carl Krueger foi o autor da história e do roteiro de “Comanche”, western que narra o envolvimento dos comanches em guerra com os mexicanos. Quem lidera as investidas contra vilarejos mexicanos é o guerreiro Nuvem Negra (Henry Brandon) e num desses ataques os Comanches raptam Margarita (Linda Cristal). O batedor Jim Read (Dana Andrews) é escalado para uma missão de paz e para dialogar com os índios. Recebido pelo chefe Quanah Parker (Kent Smith) o entendimento é proveitoso pois o chefe Comanche costuma acreditar na palavra empenhada. Além disso Quanah e Read são primos pois, coincidentemente, a mãe de Quanah, capturada pelos Comanches quando menina é irmã da mãe de Read. Nuvem Negra não acredita nas promessas de paz, provoca uma cisão entre os índios e juntamente com guerreiros que o seguem passa a atacar homens brancos e unidades da Cavalaria. O general Miles (John Litel), que autorizara a missão de Jim Read se vê prestes a romper as tratativas quando descobre que Nuvem Negra é o responsável pelas hostilidades. Num confronto entre a Cavalaria e os índios liderados pelo Comanche dissidente, este é morto por Jim Read e a paz promovida pelo General Miles e Quanah Parker é decretada.

Kent Smith com Dana Andrews.
Homens brancos: ervas daninhas - “Comanche” é outro filme revisionista da questão dos índios norte-americanos, tema que se tornou comum na esteira de “A Passagem do Diabo” (Devil’s Doorway), de Anthony Mann e “Flechas de Fogo” (Broken Arrow), de Delmer Daves, ambos lançados em 1950. Este filme de George Sherman procura mostrar Quanah Parker como um homem de boa fé e extremada boa vontade para com aqueles que exterminaram as nações indígenas. No entanto Quanah não demonstra essa mesma atitude com os mexicanos que querem vê-los longe de seu território, já reduzido com a perda do Texas. Quanah é paradoxal porque diz a seu primo Jim Read que “Estávamos nesta terra antes dos americanos (como se os nativos não fosse americanos). E continua em sua triste divagação: “Mas nossos números não crescem, enquanto os americanos se espalham como ervas daninhas ou gotas de chuva”. Ainda assim Quanah é crédulo na palavra dada por aqueles que o ludibriam dizendo-se cheios de boas intenções. Mas nem todos os índios são inocentes como Quanah Parker e o bravo Nuvem Negra lembra ao chefe Comanche que os brancos (com quem Quanah faz tratativas) são “os homens que matam búfalos que não podem comer e que sujam a água para que os índios não possam beber”.

Acima Lowell Gilmore e Henry Brandon;
abaixo Dana Andrews.
Índio vivo e bom - O histórico de George Sherman dirigindo filmes nos quais chefes de diferentes tribos (Apaches, Siouxes e Comanches) terminam as histórias fumando o cachimbo da paz com generais do exército, demonstra claramente que sua visão histórica jamais se contraporia àqueles que procederam ao grande e cruel genocídio ocorrido no século 19 nos Estados Unidos. E seguindo a fórmula, há sempre os índios dignos que contrariam a frase do General Philip Sheridan que entendia que “índio bom é índio morto”. Ao lado dos índios bons surgem os selvagens belicosos, como o aqui tendenciosamente chamado de ‘Nuvem Negra’, ou seja algo que prenuncia tempestade e desgraça. Marcam presença também em todos os westerns produzidos em tom de justificativa, explicação ou lamento e que seguem a fórmula, o inefável homem mau. Ele pode ser um corrupto ou inepto emissário governamental, ou um fora-da-lei que contraria a política de Washington matando índios por motivos torpes. Em “Comanche” aparecem esses dois tipos de criminosos que não são traficantes de bebidas ou de armas, como de hábito, mas traficantes de escalpos índios que servem, entre outras coisas, para ornamentar a cabeça das bonecas com que brincam as meninas brancas. Sob esse ponto de vista o filme de George Sherman é de uma berrante hipocrisia ao tentar desmentir a frase do General Sheridan.

O álbum com a trilha musical de "Comanche";
sequências com centenas de extras.
Uma canção inoportuna - “Comanche” é historicamente impreciso pois a conclusão do filme omite que essa nação foi confinada juntamente com outras tribos a uma reserva indígena. Política à parte, porém, Sherman realizou um bom western com poucas sequências de ação mas com imponentes manobras da Cavalaria e dos Comanches envolvendo pelo menos meio milhar de extras a cavalo. Para uma produção de pequeno orçamento é surpreendente o número de figurantes, provavelmente todos mexicanos uma vez que o filme foi rodado nas belas planícies de Durango, magnificamente mostradas pela câmara de Jorge Stahl Jr. E se no faroeste de Sherman há mais discursos que batalhas, Henry Brandon com suas feições ameaçadoras se encarrega de elevar a tensão até o confronto final. O maior inimigo de índios e soldados e da dramaticidade de “Comanche” é o tema musical que luta teimosamente contra o filme. Ainda era moda uma canção narrar em versos a sinopse da história e desta vez a canção se intitula “A Man Is As Good As His Words”, cantada pelo conjunto The Lancers. Inoportuna, surgindo em momentos inadequados, a insistente e tediosa canção lembra a todo instante que a palavra de um homem é valiosa e capaz de consertar o mundo. E quando The Lancers descansam, a orquestra entra com os modorrentos acordes da canção.

Linda Cristal com Dana Andrews;
Nestor Paiva jogando cartas com Mike Mazurki.
Henry Brandon, grande guerreiro - Dana Andrews é mais lembrado por suas participações em dramas como “Laura” e “Os Melhores Anos de Nossas Vidas” e nos muitos policiais noir dos anos 40. Porém Dana Andrews, mesmo sem muito jeito de homem do Oeste, atuou em 14 westerns em sua carreira e se sai bem como o batedor Jim Read dando ao personagem a força e a integridade necessárias. Ao lado de Andrews, como seu sidekick, está Nestor Paiva, ator filho de portugueses capaz de interpretar com perfeição tipos multirraciais. Desta vez Paiva faz rir usando uma peruca presenteada por Andrews que evitará que ele seja escalpelado. Paiva ensina Mike Mazurki (o Comanche Flat Mouth) a jogar cartas e o aluno vence o professor em todas as partidas, limpando seus bolsos. Keith Smith interpreta o half-breed (mestiço) Quanah Parker de modo amorfo e sem brilho, deixando que Henry Brandon se destaque e roube todas as cenas entre os Comanches. Brandon que pularia do personagem Nuvem Negra para o antológico ‘Scar’ de “Rastros de Ódio”, interpretaria Quanah Parker em “Terra Bruta” (Two Rode Together), de John Ford, sempre com seu tipo marcante, ainda que fosse alemão de nascimento. Uma decepção a presença de Linda Cristal em sua estreia no cinema norte-americano, sendo que sequer sua beleza argentina foi bem aproveitada como o seria como a ‘Flaca’ de “O Álamo”.

Henry Bradon como Black Cloud; Dana Andrews como Jim Read.

John Litel como o General Nelson A. Miles;
a pieguice cantada no final de "Comanche".
General Nelson A. Miles - Quanah Parker foi personagem, no cinema, além dos citados “Comanche” e “Terra Bruta”, também em “Traição Heróica” (They Rode West), de 1954, interpretado por John War Eagle. Quanah Parker não ganhou a dimensão de um Gerônimo, Cochise ou Cavalo Louco justamente por não ter sido um grande guerreiro. Mais uma vez em filmes aparece o General Nelson Appleton Miles, interpretado em “Comanche” por John Litel. O general Miles foi importante não só nas guerras indígenas, depois de atuar na Guerra Civil, participando ativamente da guerra Hispano-Americana e chegando a oferecer seus préstimos como oficial aposentado, aos 77 anos de idade para defender seu país na I Guerra Mundial. Distante dos clássicos pró-índio, “Comanche” seria muito melhor se mostrasse Quanah Parker como vítima involuntária e não pateticamente ingênuo. E ainda se o filme não se encerrasse com versos como “O homem que é sincero consegue tudo”. A sinceridade de Quanah Parker levou sua nação ao extermínio e o herói verdadeiro de “Comanche” acaba sendo “Nuvem Negra”, o bravo renegado defensor de uma causa justa.

A cópia de "Comanche" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Marcelo Cardoso.

18 de dezembro de 2015

JOE, O PISTOLEIRO IMPLACÁVEL (NAVAJO JOE) – MAGNÍFICO WESTERN DE SERGIO CORBUCCI


Burt Reynolds e Sergio Corbucci
Sergio Corbuci é, ao lado de Sergio Leone, o mais bem sucedido diretor do tão admirado ciclo de westerns spaghetti. Em 1966 Corbucci já havia filmado dois outros faroestes quando foi lançado “Django”, filme que obteve extraordinário sucesso gerando inúmeras sequências que utilizaram indiscriminadamente o nome do mais famoso justiceiro da contrafação europeia. Nenhuma delas, no entanto, foi dirigida por Corbucci. Ao contrário de Leone, Corbucci filmava com incrível rapidez e sua longa lista de westerns é composta de alguns clássicos do gênero e pelo menos uma obra-prima, “O Vingador Silencioso” (Il Grande Silenzio), realizado em 1968. Na filmografia western de Corbucci, “Navajo Joe” (no Brasil “Joe, o Pistoleiro Implacável”) é injustamente menos lembrado e nunca alçado ao nível de seus melhores trabalhos. A razão talvez seja porque Burt Reynolds, o protagonista, não tenha se interessado em se tornar um ídolo dos westerns spaghetti. Já se disse que Franco Nero representou para Corbucci o mesmo que Clint Eastwood significou para Sergio Leone, enquanto Burt Reynolds preferiu encaminhar sua carreira longe de Almería e das dificuldades climáticas e linguísticas que o western spaghetti criava para atores norte-americanos. Todavia, assistindo-se “Navajo Joe” fica a certeza que nem Franco Nero ou Eastwood seriam capazes de emprestar ao personagem o brilho que Reynolds conseguiu com seu ágil desembaraço nas sequências de ação e a necessária introspecção típica de um índio.


Burt Reynolds; abaixo o bando a cavalo.
Um dólar por cabeça - O bando chefiado por Mervyn Duncan (Aldo Sambrell) vive de matar índios, vendendo seus escalpos a um dólar por unidade na cidade de Pyote. Numa dessas investidas o bando massacra um remanescente povoado Navajo e o próprio Duncan escalpela a esposa de Navajo Joe (Burt Reynolds). Duncan recebe uma informação que 500 mil dólares serão transportados por trem para o banco de Esperanza e decide se apropriar do dinheiro em conluio com o Dr. Chester Lynne (Pierre Cressoy), cidadão proeminente de Esperanza. O bando de Duncan é seguido à distância por Navajo Joe que aos poucos provoca baixas entre os bandidos. A chegada de Duncan aterroriza Esperanza e Joe se oferece para enfrentar os malfeitores, cobrando para isso um dólar de cada habitante da cidade por bandido que ele mate. Sem outra alternativa o povo de Esperanza aceita a proposta do índio que esconde o dinheiro guardado no banco. Quando Duncan e seu bando retornam à cidade são recebidos a tiros e a explosões de dinamite por Joe, sendo exterminados e restando apenas Duncan e seu perseguidor. No confronto final ambos sucumbem mas Joe ainda consegue fazer com que seu cavalo leve o dinheiro até Esperanza.

Aldo Sambrell ladeado por Lucio Rosato e
Alvaro de Luna; abaixo Reynolds e cidadãos
de Esperanza.
Vilão bastardo - Índios em western spaghetti são personagens raros e incomuns como heróis das histórias. Afora isso, “Navajo Joe” segue à risca o modelo de grande parte desse tipo de filme que invariavelmente apresenta um personagem solitário que atua como vingador ou caçador de recompensas. Ele possui extrema destreza no manejo de armas e faz uso dessa habilidade em cidades cuja população é acovardada e acuada por bandidos. Ainda que dentro do modelo incansavelmente utilizado em dezenas e dezenas de faroestes ítalo-espanhóis, “Navajo Joe” se diferencia pela inescrutável presença do índio que não deixa nenhum indício da razão da sua empreitada. Em “Navajo Joe”, Duncan chega mesmo a pensar que o índio é um mero caçador de recompensas. Aos cidadãos de Esperanza o Navajo clama apenas ser mais legitimamente americano que os tantos descendentes de imigrantes europeus que o vêem com desprezo. O brutal Duncan, por sua vez, reage instintivamente à sua condição de bastardo que ele não gostaria de ser e sua crueldade nata pouco tem a ver com o objetivo maior que é o roubo dos 500 mil dólares. A cidade acuada e a trama em torno do roubo formam o cenário no qual Joe perpetrará sua vingança.

Nicoletta Machiavelli com Burt Reynolds. 
Propósitos torpes - “Navajo Joe” recebeu em Português o inadequado título “Joe, o Pistoleiro Implacável”, sem dúvida para atrair aquele espectador que se deleita com o incontável número de mortes que um filme pode produzir. Joe não é um pistoleiro, mas sim um índio privado de seu solo nativo e deslocado para uma região onde sua gente é cruel e covardemente assassinada. É sim, exímio no manejo do rifle de repetição. Inicia então sua vingança contra os homens capazes de matar pelo mais torpe dos motivos que é receber um dólar por escalpo índio, valor pago por cidadãos brancos que visam o total extermínio dos nativos. Índios falam pouco mas quando o fazem é de modo certeiro como suas flechas. Tanto que Joe diz à mestiça Estella (Nicoletta Machiavelli) que ela faz perguntas demais, perguntas às quais ele não responde. Porém numa curto discurso em resposta ao xerife de Esperanza, Joe lembra que seu pai, e o pai de seu pai e o pai deste e assim por diante, estavam naquela terra quando da chegada daqueles que usurparam a terra dos índios. Em seguida Joe retira a estrela do peito do xerife, filho de imigrante escocês, estrela que é o símbolo de uma autoridade que os brancos se outorgaram e que sequer são capazes de impor quando acossados por bandidos como Duncan.

A morte de Alvaro de Luna.
Brutalidade extrema - Para Corbucci o fã de faroestes gosta mesmo é de ação e o diretor não se furta de criar sequências em série com intensa movimentação. O talento desse diretor reside em fazer com que os muitos confrontos surjam naturalmente e nunca de forma gratuita. E Corbucci é um mestre nesse tipo de sequências, mais ainda quando conta com um ator com a incrível agilidade e intrepidez de Burt Reynolds. Algumas das passagens podem até chocar pela violência e crueldade com que foram encenadas como a frieza com que Duncan assassina o padre Rattigan (Fernando Rey). Dentro da igreja o pároco agradece o bandido por este ter poupado vidas inocentes e como resposta é alvejado a queima-roupa por Duncan. Um dos mais desprezíveis bandidos apresentados nos westerns spaghetti, Duncan é um psicótico que não vacila em matar atirando pelas costas mesmo em companheiros que o desobedecem. Tenta arrancar uma informação de Joe submetendo-o a uma bárbara sevícia e não satisfeito, empunhando um chicote, parece querer surrar Joe até a morte no melhor estilo do famigerado e antológico Liberty Valance criado por Lee Marvin. É contido pelo bandido Sancho (Álvaro de Luna) que lembra a Duncan que mortos não falam e que os bandidos precisam da preciosa informação. E a morte de Duncan se dá de modo terrível ao ter cravado na testa uma machadinha índia arremessada certeiramente pelo Navajo Joe.

Burt Reynolds sendo surrado a chicote por Aldo Sambrell;
Aldo Sambrell matando Fernando Rey.

Tanya Lopert e Franca Poleselic;
abaixo Lucia Modugno.
Belas donas entre socos e tiros - Primando pela violência, Corbucci faz um contraponto perfeito ao reunir um elenco feminino de rara beleza com as três graciosas coristas (Tanya Lopert, Franca Poleselic e Lucia Modugno), a índia esposa de Joe (Maria Cristina Sani) que aparece brevemente no início do filme, a madura filha do banqueiro (Valeria Sabel), a sonhadora europeia que chega àquele novo mundo para morrer (Dyanik Zurakowska) e mais que todas a mestiça interpretada por Nicoletta Machiavelli. E Corbucci brinca com o anseio do espectador ao não permitir que Joe e Estella se relacionem amorosamente, ‘coisa’, segundo o diretor, do açucaramento típico dos faroestes norte-americanos. Paradoxalmente Corbucci opta por fazer com que seja o cavalo de Joe quem receba suas atenções e afagos, assim como faziam cowboys nos westerns ‘B’ produzidos por Hollywood e estrelados por Hopalong Cassidy, Ken Maynard, Charles Starrett e outros.

Franca Poleselic, Tanya Lopert e Nino Imparato; Franca Poleselic com Cris Huerta.

Burt Reynolds atirando a machadinha
que atinge a testa de Aldo Sambrell.
Confronto memorável - Sergio Corbucci não era adepto de finais em que o herói ou anti-herói parte para novas jornadas após cumprir sua missão. O Navajo Joe se defronta com Mervyn Duncan ao final, quando o atrai para um cemitério indígena e ali executa sua vingança aplicando memorável surra no bandido. Ao arrancar o medalhão com dois triângulos do pescoço de Duncan, este afinal descobre a razão de ser perseguido pelo índio. O bandido roubara esse medalhão da esposa de Joe antes de matá-la e retirar seu couro cabeludo. Prestes a consumar o castigo escalpelando Duncan ainda vivo, Joe se distrai e isso é o suficiente para o agonizante facínora sacar um revólver que tinha escondido dentro do casaco e atirar diversas vezes contra o índio acertando no peito. Mesmo ferido mortalmente Joe apanha uma machadinha, atira-a com força cravando-a na testa de Duncan. Toda essa sequência transcorre em segundos, diferentemente dos elaboradíssimos finais de Sergio Leone que de análogo tem a preciosa música de Ennio Morricone.

Burt Reynolds
Trilha musical fascinante - Ennio Morricone compôs para “Navajo Joe” uma trilha musical relativamente simples se comparada, às clássicas trilhas de sua autoria mais conhecidas. O tema principal é repetido em muitos momentos do filme com variações de arranjo que o torna apropriado e funcional. Morricone mais uma vez contando com o coral ‘I Cantori Moderni’ sob a regência de Alessandro Alessandroni, destacando a voz aguda de Gianna Spagnolo, faz com que o espectador se sinta às portas de um inferno dantesco. Morricone faz experiências sonoras com o uso de instrumentos exóticos como a tabla, a cítara e outros acrescentando dramaticidade às violentas sequências. Marcante ainda o estrondo de tambores que diminui de intensidade para dar vez às vozes femininas do ‘I Cantori Moderni’ entoando repetidamente ‘Navajo Joe’, ‘Navajo Joe’, ‘Navajo Joe’.

Aldo Sambrell; Fernando Rey.
Aldo Sambrell, memorável vilão - Burt Reynolds recebeu inúmeras vezes em sua carreira prêmios de ‘Pior Ator’. Excepcionalmente bem sucedido nas bilheterias Reynolds nunca se destacou por seu talento dramático ou mesmo de comediante, ainda que tenha sido indicado ao Oscar em 1997 por “Boogie Nights” e vencido o Globo de Ouro por seu desempenho nesse mesmo filme. Dirigido por Sergio Corbucci, Reynolds está perfeito como o vingador Navajo, demonstrando durante todo o filme sua habilidade não esquecida dos tempos de stuntman, numa performance admirável. Todas as sequências arriscadas nas quais participa foram supervisadas pelo próprio Burt Reynolds. Aldo Sambrell brilha intensamente como o contido porém impiedoso bandido, numa atuação memorável mas que não guindou ao panteão dos grandes vilões dos westerns spaghetti. Nicoletta Machiavelli é praticamente um enfeite no filme, pouca oportunidade tendo de mostrar seu talento de atriz. Fernando Rey que em seguida brilharia como vilão em “Operação França” (I e II) e seria o ator preferido de Luís Buñuel, pouco tem a fazer como o Padre Rattingan. Nino Imparato, ator de poucos filmes e que lembra Jimmy Durante, é o responsável pelos escassos momentos de humor.

Western influente - Uma curiosidade: o cavalo Pinto que Burt Reynolds monta era todo branco e teve suas manchas pintadas. Reynolds destinou verba para o proprietário do cavalo para que este tivesse até o final de sua vida um tratamento especial. “Navajo Joe” é um western espetacular, tendo influenciado visivelmente “Renegado Vingador” (Chato’s Land), de Michael Winner e grande sucesso de Charles Bronson. Este faroeste de Sergio Corbucci merece estar entre os melhores westerns spaghetti e reluz na refulgente filmografia do diretor.






14 de dezembro de 2015

BURT REYNOLDS: “CLINT, ESTE SERGIO É CORBUCCI E NÃO LEONE!”


Acima Clint Eastwood e Burt
Reynolds num trabalho para a TV;
abaixo Reynolds com Amanda Blake,
Milburn Stone e James Arness, do
elenco de "Gunsmoke".
Clint Eastwood e Burt Reynolds eram muito amigos, conheceram-se ‘nos tempos das vacas magras’ e tiveram inícios de carreiras semelhantes. Confinados a séries de TV nos Estados Unidos, ambos alcançaram sucesso verdadeiro no cinema depois de atuar em westerns spaghetti. Clint atuava na série “Rawhide” na televisão americana e a Trilogia dos Dólares de Sergio Leone o catapultou para a fama aos 34 anos. Burt Reynolds iniciou sua vida artística como stuntman (dublê), obteve uma participação na série “Riverboat” (1959/61) e posteriormente passou para o elenco fixo da série “Gunsmoke”, estrelada por James Arness. Nessa série, interpretando o mestiço 'Quint Asper', Burt Reynolds passou quatro anos (1962/65), participando de 50 episódios, foi quando se casou, em 1963, com Clint como um dos convidados à cerimônia. Eastwood foi para a Itália e retornou com uma cópia de “Por um Punhado de Dólares” (Per um Pugno di Dollari), que exibiu para o amigo numa seção privada. Burt ficou impressionado com o que viu, elogiando entusiasticamente a música e o estilo do diretor Bob Robertson. Clint então explicou que aquele ‘Bob Robertson’ era um pseudônimo e que o nome verdadeiro do diretor era Sergio Leone, com quem havia feito outro western e com quem em seguida filmaria um terceiro. Clint disse ao amigo que o produtor Dino De Laurentiis procurava um ator norte-americano para estrelar um western-spaghetti que ele iria produzir.

Acima Dino De Laurentiis
e abaixo Burt Reynolds.
Substituindo Marlon Brando - Nesse western o herói era um índio navajo e o diretor escalado, também chamado Sergio (Corbucci) queria Marlon Brando para interpretá-lo. Como Brando já havia assumido compromisso com outro filme, Clint conseguiu uma entrevista de Burt Reynolds com o conhecido produtor italiano. Na conversa entre ambos Burt Reynolds explicou que possuía sangue índio nas veias pois um de seus avôs era Cherokee. Falou também que antes de ser ator fora dublê, gostando muito de fazer sequências arriscadas. De Laurentiis ficou satisfeito pois além de o candidato ser parecido com Marlon Brando, era muito mais esbelto que o ator de "A Face Oculta" (One-Eyed Jacks), ao contrário de Brando que não vencia a ingrata luta contra a balança. O produtor sorriu e disse: “O Sergio vai gostar de trabalhar com você”. Quando da assinatura do contrato, Burt lembrou que só poderia ficar na Europa até julho (corria o ano de 1966) pois nesse mês iria iniciar novo trabalho estrelando uma série de TV intitulada “O Falcão” (The Hawk), interpretando um detetive também de origem índia. De Laurentiis ainda profetizou: “Depois de atuar no meu western dirigido pelo Sergio, você vai se tornar um astro igual ao Clint Eastwood e não vai mais precisar de trabalhar em séries de televisão”. Burt Reynolds havia entendido que o Sergio era o mesmo talentoso diretor que dirigira o amigo.

Sergio Leone (à esquerda) e Sergio Corbucci.
O Sergio de “Django” - Burt Reynolds chegou a Roma em fins de fevereiro e permaneceu aguardando pela finalização do roteiro e pelo início das filmagens, o que se deu em fins de abril, quando embarcou para a Espanha e foi apresentado ao diretor. Assim como Sergio Leone, Corbucci nascera na Província de Lazio, ambos eram gordinhos, tinham quase a mesma idade (Corbucci era três anos mais velho que Leone) e haviam dirigido alguns das dezenas de épicos apelidados de ‘Sandálias e Espadas’, antes de enveredarem pelo faroeste. Mesmo com todas as coincidências, logo Burt descobriu que aquele não era o Sergio dos westerns europeus do amigo Clint, para quem ligou dizendo: “Clint, esse Sergio é outro! Pensei que fosse o Leone, mas esse é o Corbucci”. Eastwood comentou que Sergio Corbucci estava fazendo muito sucesso com seu western intitulado “Django”, batendo recordes de bilheteria, o que acalmou Burt Reynolds.

Acima Sergio Corbucci; abaixo Nicoletta
Machiavelli com Burt reynolds.
Proibido de beijar Nicoletta - Convencido do talento de Sergio Corbucci, durante as filmagens Burt Reynolds fez tudo que o diretor lhe pedia e o que não faltou foram cenas perigosas desenvolvidas com espetaculares performances de Reynolds, lembrando um outro Burt mais famoso, o Lancaster. ‘Navajo Joe’ tinha a bela Nicoletta Machiavelli como uma mestiça que acompanhava o índio Navajo em muitas sequências e certo dia Reynolds fez uma sugestão ao diretor. Cansado de bater, apanhar e matar tantos bandidos, o ator pediu que a Corbucci que criasse pelo menos um interlúdio amoroso, espécie de pausa em meio a tanta violência. Claro que Burt Reynolds queria mesmo era beijar a doce Nicoletta, ele que em poucos anos se tornaria o maior sex-symbol do cinema norte-americano. Corbucci então explicou a Reynolds que o western renascera pelas mãos de diretores europeus, especialmente os italianos, que deram ao gênero um estilo e um ritmo que os faroestes norte-americanos não conheceram em mais de 60 anos e milhares de filmes. Corbucci continuou explicando que nos westerns que Hollywood produzia havia muitas sequências de amor, muito blá-blá-blá e o que o público gostava mesmo era ação. Para azar de Reynolds, as filmagens de “Navajo Joe” foram encerradas sem que ele beijasse a Nicoletta Machiavelli uma única vez.

Burt Reynols como 'Bandit' em um de seus
maiores sucessos: "Agarre-Me Se Puderes".
Pentacampeão de bilheterias - O vaticínio de Dino De Laurentiis foi correto e alguns anos depois, Burt Reynolds havia se tornado um superastro, campeoníssimo de bilheteria nos Estados Unidos sendo o Number One Money Making Star por cinco anos seguidos, 1978, 1979, 1980, 1981 e 1982. Burt fez parte da lista dos Top-Ten de bilheteria de Hollywood por doze anos e quando não foi o campeão obteve estas colocações: 1973 (4.º), 1974 (6.º), 1975 (7.º), 1976 (6.º), 1977 (4.º), 1983 (4.º) e 1984 (6.º). Nem Clint Eastwood e nem John Wayne conseguiram a proeza de ser campeões de bilheteria por cinco anos seguidos, façanha que só foi alcançado por Bing Crosby nos anos 40 e por Burt Reynolds durante seu reinado como Top Money Maker.

Burt Reynolds como Navajo Joe e abaixo em
"Cidade ardente", com Clint Eastwood.
“O pior filme da minha carreira” - Após atingir a condição de ídolo em seu país, Burt Reynolds gostava de falar da sua experiência no western spaghetti, fazendo-o sempre com ironia, quando não com sarcasmo. Burt afirmou em muitas entrevistas que “Joe, o Pistoleiro Implacável” havia sido o pior filme que fizera em sua carreira. Chegou a dizer que esse western era tão horrível que só deveria ser exibido nas prisões e em aviões, locais em que os espectadores não poderiam ir embora. Burt disse que nunca se sentiu mais ridículo tendo que usar uma pavorosa peruca. Injusto para com "Navajo Joe", talvez o ator jamais tivesse aceitado o fato do equívoco com os dois ‘Sergios’ e acabou sendo amargo com este filme de Corbucci que foi seu primeiro e único western spaghetti. “Joe, o Pistoleiro Implacável” de forma alguma merece as críticas abomináveis de Burt Reynolds, mesmo porque nem todos seus filmes foram tão bons quanto o admirável “Amargo Pesadelo”. Em 1984 os amigos Clint Eastwood e Burt Reynolds atuaram juntos em “Cidade Ardente” que para muitos críticos foi, este sim, um filme horrível, ponto baixo nas carreiras de ambos e do qual Reynolds nunca falou mal.

Burt Reynolds naquele que talvez seja seu melhor filme:, "Amargo Pesadelo";
os dois amigos campeões de bilheteria como capa da revista 'Time'.