Hal B. Wallis foi um dos mais bem
sucedidos produtores de Hollywood, além de ter lançado atores como Kirk Douglas
e Burt Lancaster. Wallis ficou milionário nos anos 50 produzindo os filmes da
dupla Dean Martin e Jerry Lewis e os primeiros filmes de Elvis Presley. Em
1957 Wallis produziu “Sem Lei e Sem Alma” (Gunfight at the OK Corral), faroeste
que alcançou enorme sucesso de bilheteria e que o levou a vislumbrar a
possibilidade de repetir o êxito com outro faroeste e a mesma fórmula
utilizando dois atores de renome, no caso Burt e Kirk. Wallis adquiriu os
direitos de uma história chamada “Showdown at Gun Hill” e convocou John
Sturges, o mesmo diretor de “Sem Lei e Sem Alma” para dirigir. Em seguida
procurou Lancaster que não se interessou em filmar outro western. Para Kirk Douglas porém Wallis fez uma
irrecusável proposta: além dos 300 mil dólares de salário Kirk teria sua
produtora Bryna como associada na produção, o que aumentaria ainda mais o lucro
do ator-produtor que precisava de muito dinheiro para seu projeto chamado
“Spartacus”.
Acima o escritor Elmore Leonard; abaixo Glenn Ford e Van Heflin. |
Copiando
Elmore Leonard - Dois westerns que marcaram sobremaneira a década de 50
foram “Matar ou Morrer” (High Noon) e “Galante e Sanguinário” (3:10 to Yuma). O
primeiro uma denúncia contra a covardia da comunidade de Hollywood no episódio
da ‘Caça às Bruxas’; o segundo baseado numa surpreendente e incomum história
escrita pelo jovem autor Elmore Leonard narrando a condução de um perigoso
prisioneiro por parte de um homem que se vê, assim como o xerife Will Kane de “Matar ou
Morrer”, abandonado por aqueles que deveriam ajudá-lo. Tanto o western de Fred
Zinnemann quanto o de Delmer Daves tornaram-se filmes bastante influentes e um
dos melhores exemplos dessas influências é justamente o faroeste que Hal B.
Wallis decidiu produzir e que teve o título mudado para “Last Train from Gun
Hill”, no Brasil “Duelo de Titãs”. A história de autoria de Les Crutchfield foi
roteirizada por James Poe e possui grande semelhança com aquela que Elmore Leonard escreveu. Leonard faleceu, aos 87 anos, em agosto
último, ele que foi também o autor das histórias originais dos faroestes
“Resgate de Bandoleiros” (The Tall T), “Hombre”, “O Retorno de Valdez” (Valdez
is Coming) e “Joe Kid”. Mas John Surges percebeu que “Last Train from Gun Hill”
teria também pontos em comum com “Conspiração do Silêncio”, um western moderno
e para muitos o melhor filme de sua carreira.
Acima Ziva Rodann; abaixo Carolyn Jones. |
Enfrentando
a lei de Gun Hill - Em “Duelo de Titãs” Matt Morgan (Kirk
Douglas) é o xerife de Pawley, cidade não muito distante de Gun Hill. Morgan é
casado com uma índia Cherokee (Ziva Rodann), que é estuprada e morta por Rick
Belden (Earl Holliman) em companhia de Lee Smithers (Brian G. Hutton), dois
cowboys embriagados. O filho de Morgan, ainda menino, sem presenciar a cena
brutal monta no cavalo de Rick Belden e retorna para Pawley, avisando o pai do
ocorrido. Morgan encontra o corpo inerte da esposa e descobre as iniciais C.B.
na ornamentada sela do cavalo. Morgan sabe que aquelas iniciais significam
Craig Belden, nome de um amigo que há tempos ele não vê e que é dono de tudo
que existe em Gun Hill, sendo também pai de Rick Belden. Morgan parte então em
busca dos assassinos. Antes de receber a visita de Matt Morgan em sua fazenda,
Craig Belden (Anthony Quinn) dá pela falta de seu cavalo e sua sela e faz o
filho confessar o crime. Matt Morgan informa Craig Belden que pretende levar Rick
para Pawley onde será julgado, mas o barão de gado diz que não permitirá que isso
aconteça com seu filho. Matt consegue prender Rick e mesmo sofrendo pressão de
Craig Belden, de seus muitos capangas e de toda cidade de Gun Hill, não desiste
de seu intento. Morgan recebe uma inesperada ajuda de Linda (Carolyn Jones), namorada de
Craig que trabalha no Horse Shoe Saloon. Na tentativa de libertar Rick Belden,
seu amigo Lee Smithers acaba atingindo e matando Rick. Inconformado Craig quer
se vingar de Morgan e o desafia para um confronto mortal. Matt Morgan é mais rápido que Belden no duelo de titãs
que ocorre na estação de Gun Hill.
Kirk Douglas e o rosto marcado de Earl Holliman; Anthony Quinn defrontando-se com Kirk Douglas. |
Tensão
perma-nente - Um terço de “Duelo de Titãs” se passa com o xerife Morgan
mantendo preso o assassino Rick Belden até o momento de embarcar com ele no
trem que às 21 horas (9PM) irá passar e parar rapidamente em Gun Hill. Tudo muito
parecido com o que acontece em “Galante e Sanguinário” no qual o destino é Yuma
e o trem é o das 15:10 horas (3:10PM). Mas a história do filme de John Sturges é
construída inteiramente diferente pois Craig Belden não é um bandido como Ben
Wade (Glenn Ford) no filme de Delmer Daves. Craig Belden não tenta corromper
Matt Morgan como fez o personagem de Ford, mas sim o intimida, inclusive
psicologicamente lembrando que o filho de Morgan órfão de mãe pode também
perder o pai. Enquanto “Galante e Sanguinário” é um filme bastante discursivo,
John Sturges imprimiu a “Duelo de Titãs” um ritmo de permanente tensão
entremeado por diversos momentos de ação elaborados por ele com maestria. O
único a manter a necessária calma é Morgan, enquanto todos os demais
personagens parecem sempre prestes a explodir tamanho o desespero crescente que
toma conta de Craig Belden. Quando o objetivo de Morgan parecia impossível de
se concretizar, desperta em Linda o desejo de se vingar não só de Craig pelos
maus tratos que sofreu por parte dele, mas também de Rick, o crápula e agora
assassino de uma mulher indefesa como ela.
Dalton Trumbo |
Diálogos
especiais de Dalton Trumbo - Outra diferença entre “Duelo de
Titãs” e os westerns aqui referidos, especialmente “Galante e Sanguinário” é a
riqueza de parte de seus diálogos. James Poe, o autor do roteiro tem a seu
crédito excelentes trabalhos em diversos dramas levados ao cinema, embora tenha
recebido um Oscar pelo roteiro de “A Volta ao Mundo em 80 Dias”. Após ler o
roteiro de James Poe, Kirk Douglas o repassou para seu amigo Dalton Trumbo que
criou uma série de diálogos extras que tornaram o texto mais amargo em relação ao
comportamento de alguns personagens. Dalton Trumbo talvez seja o mais notório
entre os perseguidos pelo macarthismo, tendo ficado quase dez anos proibido de
assinar roteiros. Trumbo sobrevivia tendo seus roteiros creditados a outros
escritores (fronts) até que Kirk Douglas num ato de enorme coragem desafiou
Hollywood e contratou Trumbo para roteirizar seu épico “Spartacus”. De posse
dos novos diálogos escritos por Dalton Trumbo, Kirk Douglas os mostrou a John
Sturges que ficou admirado com a qualidade dos mesmos, comentando depois com o
produtor Hal B. Wallis. Douglas disse a Wallis que para aduzir àqueles diálogos
aos escritos por James Poe ele teria que pagar a bagatela de três mil dólares a
Trumbo. Mesmo em 1958 essa quantia mal daria para algumas semanas do uísque que
Trumbo tomava ao escrever. Mais que o dinheiro, Trumbo tentava mesmo se mostrar
grato a Douglas.
Alguns dos expressivos diálogos de Dalton Trumbo. |
Reencontro
entre Douglas e Quinn - Entre os mais relevantes diálogos
escritos por Dalton Trumbo para “Duelo de Titãs” merecem ser lembrados a
desilusão com a profissão de homem da lei do xerife Bartlett (Walter Sande) que
é lacaio de Craig Belden; a sádica narrativa de uma execução por enforcamento
feita por Morgan para o aterrorizado prisioneiro Rick Belden; e também a ácida resposta de Linda a um cliente dizendo que “desde os 12 anos de idade eu nunca estive sozinha”, uma lacônica
denúncia sobre a corrupção de menores que não é fenômeno apenas dos séculos
seguintes. Kirk Douglas interpreta o mais destacado personagem de “Duelo de
Titãs”, personagem bastante mais forte que o de Anthony Quinn. O mesmo havia
ocorrido em “Sede de Viver”, biografia de Vincent Van Gogh na qual Kirk tem uma
de suas melhores atuações no cinema, o que lhe dava a certeza de vencer o Oscar
de Melhor Ator de 1955 após duas frustradas indicações. Kirk não só perdeu
novamente como viu Anthony Quinn com apenas oito minutos de participação em
“Sede de Viver” ser premiado como Melhor Ator Coadjuvante daquele ano. Nunca
mais o injustiçado Kirk Douglas seria indicado e receberia apenas um Oscar Honorário
em 1996. Prêmios à parte os dois grandes atores fazem “Duelo de Titãs” valer ainda
mais por suas atuações. Este foi o terceiro encontro de Douglas e Quinn no cinema
pois em 1954 haviam filmado “Ulysses” para a Lux Films, na Itália.
Kirk Douglas e Earl Holliman: permanente tensão. |
Kirk
Douglas, o destaque maior - Filmado em sua maior parte nos
estúdios da Paramount com a cidade cenográfica recebendo uma estrada de ferro
de 600 metros, as sequências da fazenda de Craig Belden foram filmadas no
histórico Empire Ranch, em Old Tucson, no Arizona. A sequência do estupro da
esposa índia do xerife Morgan se passa no mesmo túnel de árvores em que Rhonda
Fleming se decepciona com Burt Lancaster (Wyatt Earp) em “Sem Lei e Sem Alma”.
A bela fotografia de “Duelo de Titãs” é de Charles Lang Jr. que inicia o filme
luminosamente e no decorrer do mesmo torna-o soturno, sinistro até chegar ao clima
dantesco com o incêndio do hotel Harper House, seguindo orientação de John Sturges. E a ótima trilha sonora de
Dimitri Tiomkin bem que merecia uma canção-tema marcante, da qual este faroeste
se ressente. O sofrido e sedento por justiça Matt Morgan é personagem talhado
para Kirk Douglas que dá ao mesmo a necessária angustiada bravura. Anthony
Quinn expressa soberbamente a dor do pai cujo filho trai suas expectativas mas
mesmo assim ainda é amado. Ótimos Carolyn Jones e Earl Holliman, este apenas 13
anos mais novo que Tony Quinn, seu pai no filme. Entre os coadjuvantes as
figuras lembradas de atores menos conhecidos como Charles Stevens, Glenn
Strange e Bing Russell (pai de Kurt Russell). A israelense Ziva Rodann, a índia
Cherokee esposa de Matt Morgan, aparece pouco. Boa a participação de Walter
Sande como o xerife covarde de Gun Hill. Brad Dexter passa o filme todo apenas fumando.
John Sturges dirigindo "Duelo de Titãs". |
Obediência
cega ao dono de Gun Hill - “Duelo de Titãs” não é dos faroestes
mais citados entre os melhores do gênero, mas é um western empolgante,
emocionante e envolvente. Muito acima de “Sem Lei e Sem Alma”, ainda que mais
simples na história que conta e na sua produção. E nada fica a dever a “Galante e
Sanguinário” até porque Kirk Douglas e Anthony Quinn são atores superiores a
Glenn Ford e Van Heflin. E o mérito maior de “Duelo de Titãs” deve ser
atribuído a John Sturges que realizou um faroeste intenso e irrepreensível no
seu desenvolvimento. Repleto de criativos enquadramentos, este western de
Sturges demonstra o amadurecimento do diretor que fecharia sua magnífica
filmografia na década de 50 com o clássico “Sete Homens e Um Destino” (The
Magnificent Seven). “Duelo de Titãs” é um primoroso estudo sobre o poder, sobre como ele é implacavelmente exercido e sobre
como homens acovardados se submetem a esse poder. Craig Belden manda na cidade
e é temido e obedecido por todos que o cercam, intimidados pelo seu poder do
qual de alguma maneira se beneficiam inescrupulosamente. Situação não muito
diferente da encontrada em tantos outros rincões do Velho Oeste ou fora dele.
Anthony Quinn (Craig Belden) que exerce com mão de ferro o poder em Gun Hill, sendo cegamente obedecido por seus covardes capangas. |
Douglas e Quinn descansando durante as filmagens de "Duelo de Titãs"; Douglas como Ulysses e Quinn como Antinoos, em "Ulysses"; Quinn como Paul Gaugain e Douglas como Van Gogh em "Sede de Viver". |
Hal B. Wallis decidiu, em 1963, lançar um pacote para exibição reunindo em programa duplo os dois faroestes que produziu (poster abaixo à esquerda). |
Darci, amigo, engraçado eu não ter visto essa resenha sobre Duelo de Titãs, o qual já havia comentado com você, que sou fã. Gostei da comparação que você fez com Galante e Sanguinário, sendo melhor, e também com Sem Lei e Sem Alma com grande exibição de Kirk Douglas, e você afirma que Duelo de Titãs é mesmo um filmaço, sem chegar a ser um clássico. Parabéns...Paulo, mineiro.
ResponderExcluirNa minha concepção este é um dos maiores westerns do cinema. Obra-prima de John Sturges. Não sabia do texto de Dalton Trumbo inserido no roteiro. NOTA 10.
ResponderExcluirEstranho mesmo são os postes de energia elétrica que aparecem na rua da cidade
ResponderExcluir