Entre os westerns que abriram a incomparável
década cinematográfica dos anos 50, o historiador de cinema William K. Everson em seu
fundamental livro “The Pictorial History of the Western Film” (1975) aponta
“Caravana de Bravos” (Wagonmaster), “Flechas de Fogo” (Broken Arrow) e “O
Matador” (The Gunfigther) como os mais importantes, dizendo que este último é
de longe o melhor deles. E Everson conclui afirmando que os muitos prêmios e
fama conquistados por “Matar ou Morrer” (High Noon), de 1952, deveriam ser
atribuídos a “O Matador”, do qual o filme de Fred Zinnemann usurpou as
decantadas inovações que o consagraram. Desprestigiado até ter sua importância
lembrada por Everson, “O Matador” tornou-se através dos anos um dos westerns
mais reverenciados do gênero e não para poucos, uma autêntica obra-prima.
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Jack Dempsey |
Dos
ringues para o Velho Oeste - Jack Dempsey havia sido campeão
mundial de boxe (pesos pesados) entre 1919 e 1926. Após retirar-se dos ringues
Dempsey abriu um restaurante em Nova York, próximo ao Madison Square Garden,
onde os clientes gostavam de ouvir as histórias sobre pugilismo contadas pelo
ex-campeão. O escritor William Bowers ouviu certa noite Dempsey dizer que a
pior coisa do fato de ter sido campeão era ser constantemente desafiado por
alguém que se julgava superior a ele. Bowers foi para casa com aquilo na cabeça
e desenvolveu uma história cujo tema era justamente os dissabores que a fama
pode trazer. Bowers ambientou sua história no Velho Oeste e o campeão de boxe
virou um pistoleiro. O também escritor, roteirista, produtor e eventualmente
diretor Nunnally Johnson se interessou pela história de Bowers e a mostrou ao
húngaro André De Toth, então mais famoso por ser o marido de Veronica Lake do que
pelos bons filmes que fazia, entre eles o western-noir “Fúria Abrasadora”,
estrelado por Joel McCrea. De Toth e Nunnaly Johnson transformaram o texto de
Bowers em um roteiro que seria filmado por André De Toth e produzido por
Johnson para a 20th Century-Fox. Quando Darryl F. Zanuck, o diretor de
produção do estúdio percebeu o potencial daquele faroeste, dispensou De Toth e
entregou a direção ao mais confiável diretor da casa, exatamente Henry King,
autor de tantos filmes excelentes e outros nem tanto, nos quais deixava sempre
a marca de sua impessoalidade. Depois de dirigir Tyrone Power inúmeras vezes,
chegara a vez de Gregory Peck fazer parceria constante com Henry King. E Peck
foi o escolhido para ser o pistoleiro do novo faroeste.
O
bigode de Gregory Peck - Para compor a imagem do pistoleiro
Jimmy Ringo foi pedido a Gregory Peck que deixasse crescer o bigode e se
submetesse a um esquisito corte de cabelos, além de usar botas de cano alto e
uma vestimenta bastante simples. Jimmy Ringo em nada lembrava o extravagante
Lewt McCanles que Peck interpretara no grande êxito comercial que havia sido
“Duelo ao Sol”. O fato era que Jimmy Ringo não lembrava nenhum mocinho de outros
westerns. Talvez lembrasse vagamente, na aparência, o Henry Fonda de “Jesse
James” e de “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine). Após duas semanas de
filmagens o presidente da Fox Spyros Skouras assistiu a alguns trechos já
filmados e se desesperou com o que viu: o maior astro dos estúdio totalmente
desglamurizado, mais que isso, inteiramente sem graça e com aquele horroroso
bigode. Skouras ordenou que tudo que havia sido filmado fosse refeito, mas
Nunnally Johnson e Henry King argumentaram que isso teria um custo de 300 mil
dólares, o que levou o grego Skouras a aceitar Peck sem sal, sem brilho e ainda
com aquele bigode. Skouras, que presidia a 20th Century-Fox de seu escritório
em Nova York demonstrou entender pouco de cinema pois Gregory Peck com aquela
aparência iria protagonizar uma incomum história do Velho Oeste.
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O jovem provocador em busca da fama efêmera. |
A mais inglória fama - Jimmy Ringo (Gregory Peck) e Mark
Street (Millard Mitchell) foram antigos companheiros num bando de foras-da-lei.
Ringo ganhou notoriedade por ser um gatilho muito rápido e por haver batido em
confrontos pelo menos 15 homens que ousaram desafiar sua perícia. Após se
separarem Mark Street preferiu seguir caminho diferente e tornou-se o xerife de
Cayenne, impondo a lei e ordem com rigor no pequeno lugarejo. Peggy Walsh
(Helen Westcott), a esposa de Jimmy Ringo, com o filho Jimmie Walsh (B.G.
Norman) vivem em Cayenne, onde ela é professora e usa o sobrenome Walsh.
Incógnita, somente Mark Street e a cantora de saloon Molly (Jean Parker) sabem
que Peggy é esposa do pistoleiro. Peggy cansou-se da vida irregular que levava
com Jimmy Ringo e afastou-se dele. Passando por uma outra cidade onde foi
reconhecido, Jimmy Ringo foi obrigado a matar, em legítima defesa, um jovem
provocador de nome Eddie (Richard Jaeckel) que se achava mais rápido que Ringo.
Aos 35 anos de idade Ringo conclui que não pretende passar o resto da vida
tendo que provar que é tão rápido no gatilho quanto os lendários Wyatt Earp ou
Buffalo Bill. Ringo ruma para Cayenne para convencer Peggy da possibilidade de
constituírem vida nova em um lugar distante onde ele não seja reconhecido. Mark
Street procura ajudar o ex-companheiro de crimes e quando Ringo está para sair
de Cayenne é alvejado pelas costas por Hunt Bromley (Skip Homeier), outro jovem
em busca da fama de ter matado Jimmy Ringo. Antes de morrer Ringo pede que
Bromley não seja preso para que esse jovem covarde possa viver com a inglória
(e imerecida) fama de ser o mais rápido pistoleiro do Oeste. E que morra com ela.
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Gregory Peck e Helen Westcott. |
Vislumbrando a simples felicidade - O que fez de "O Matador" um
western importante é inicialmente o tema inusitado do pistoleiro que tenta fugir
da fama que carrega. Heróis dos faroestes sempre foram homens invencíveis,
determinados e sem aparentes problemas psicológicos que pudessem afligi-los por
matar (bandidos especialmente). Citado no filme, o grande exemplo é Wyatt Earp que,
levado ao cinema como honrado e bravo homem da lei, teve o próprio cinema em
westerns revisionistas como veículo para resgatar a verdade de sua existência.
Jimmy Ringo saboreou na juventude a fama de pistoleiro imbatível e a rotina de
responder à bala às provocações. Com o amadurecimento veio a amargura e a
tristeza de não poder sequer ter uma vida familiar. Ao tomar um drinque com um modesto
mas feliz rancheiro que recusou um segundo drinque porque queria voltar para
casa e ficar com a família, o temido Jimmy Ringo sente inveja daquela vida e
decide ali que para encontrar a própria felicidade terá que se transformar em
outra pessoa. Esquecer que um dia foi Jimmy Ringo. O segundo aspecto importante
de "O Matador" é sua concepção artística e da qual o grande
responsável é, sem dúvida, Henry King. Centrado em sua maior parte nos diálogos
travados no 'Palace Saloon' dirigido por Mac (Karl Malden) e com uma notável
economia de ação e cenários que mais valorizam a intenção de mostrar o lado humano de
Ringo, são esses elementos que tornam o western de Henry King um admirável
filme.
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Millard Mitchell e o relógio que indica o momento da partida de Ringo. |
Western seminal - "O Matador" é admirável e
influente pois seu preto e branco, num tempo em que mesmo westerns 'B' eram
filmados em cores, lhe possibilitou contornos dramáticos que William K. Everson
comparou a "uma tragédia grega". E vieram depois "Matar ou
Morrer", "Gatilho Relâmpago" e muitos westerns em que outros
homens claudicam ao invés de seguirem os arquetípicos heróis dos faroestes.
"Matar ou Morrer" copiou de "O Matador" o uso insistente do
relógio mostrado para intensificar o drama de Jimmy Ringo. E "Galante e
Sanguinário" fez uso das horas até mesmo no próprio título. Se necessário
fosse destacar um único ponto importante de "O Matador", este seria a
extrema simplicidade da sua produção e que resultou num clássico absoluto. Muito
ajudou na composição visual do filme de Henry King o despojamento de Gregory
Peck, cuja inesperada perfeita atuação o firmou como grande ator, ele que
carregava a fama de canastrão após o melodramático "Duelo ao Sol",
fama amenizada por “Céu Amarelo” rodado em 1948.
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Karl Malden |
Elenco com altos e baixos - A grande atuação de Gregory Peck por
pouco não foi ofuscada por Millard Mitchell, soberbo como o xerife que se reabilita
e quer ajudar a reabilitar Jimmy Ringo. Ator nascido em Cuba e que tantas
excelentes atuações proporcionou em filmes como "Winchester 73",
"O Preço de um Homem" e "Cantando na Chuva", Mitchell veio
a falecer de câncer do pulmão aos 50 anos de idade, em 1953. Helen Westcott
está muito bem como a discreta mulher que quer fugir da infausta fama de esposa
do pistoleiro mais rápido do Oeste. Richard Jaeckel sai-se bem como o jovem
provocador em sua pequena participação no início do filme. O mesmo não se pode
dizer de Skip Homeier inconvincente como o desafiador e depois assassino de
Jimmy Ringo. A decepção entre os intérpretes fica por conta de Karl Malden,
ator de incontáveis irrepreensíveis interpretações, mas que está inteiramente
fora do que se espera de um responsável pelo saloon local. Sem falar no seu
bizarro penteado tentando encobrir a calvície.
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Em qualquer saloon de qualquer cidade há sempre alguém desafiando Johnny Ringo; abaixo a cidade western cenográfica da 20th Century-Fox, vista em tantos faroestes como "Consciências Mortas", "Dragões da Violência", "Minha Vontade é Lei" e outros. |
O mais simples dos faroestes - “O Matador” tem a esplêndida a
fotografia de Arthur C. Miller, famoso por "A Marca do Zorro" (Tyrone
Power), "Como era Verde o Meu Vale" e também por "Consciências
Mortas". E Alfred Newman responde pela trilha sonora, discreta como o
filme pedia. A austera Direção de Arte e a Decoração de Cenários completa a
concepção modesta de “O Matador” como se fosse um western ‘B’. John Ford se
aproximaria dessa simplicidade, doze anos mais tarde, com “O Homem que Matou o Facínora”. No aspecto financeiro “O
Matador” não chegou a dar prejuízo porque os fãs de westerns e fãs de Gregory
Peck foram assistir ao filme de Henry King, mas ficou longe de dar o lucro que
a 20th Century-Fox esperava. E Spiros Skouras quando encontrou Gregory Peck
disse a ele que aquele bigode fora o responsável pelo fracasso de “O Matador”. Mal
sabia o presidente da Fox que nas décadas seguintes seria cada vez mais difícil
encontrar um cowboy de rosto limpo e que aquele western com Gregory Peck seria,
para muitos críticos, o melhor de toda a carreira do ator.
Prezado Darci,
ResponderExcluir"O Matador" (The Gunfighter) foi um dos primeiros westerns que assisti, creio que foi em 1952. Durante alguns anos, eu não lembrava do nome do filme, apenas da cena em que Millard Mitchell chuta o rosto de George"Skip"Homeier, até que assistindo na TV identifiquei aquela cena em "O Matador".
Revendo recentemente em DVD, continua sendo um excelente western apesar dos anos.
Lembro que Andre de Toth e William Bowers foram indicados para o Oscar de melhor história original de 1950, cujos vencedores foram Edna e Edward Anhalt por "Pânico nas Ruas" (Panic in the Streets).
Mario Peixoto Alves
Caro Mario
ResponderExcluirA história de Pânico nas Ruas foi um concorrente difícil de ser batido, ainda mais que a história de Bowers e De Toth tinha o defeito de ser no gênero western...
Darci Fonseca
Tenho este dvd,aliás,um dos meus filmes preferidos,assisto vez ou outra.
ResponderExcluirEste dvd, tem na capa o título em francês ' LA CIBLE HUMAINE' L´histoire vraie du tireur le plus rapide de l´ouest .Frescura,o dvd é pirata mesmo,com legenda em português. Apenas curioso !!! Abraço a todos !!
Grande faroeste, já desmistificador.
ResponderExcluirFrancisco.
Acaba de ser lançado no Brasil em DVD pela "Colecione Clássicos".
ResponderExcluirSurpreendente. Acabo de ver no telecine CULT
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