Em meados dos anos 60 a capital
nacional do cinema estava situada no Rio de Janeiro, com os cinemanovistas se
acotovelando nos bares de Ipanema e discutindo Godard. Surpresos esses pretensos diretores
descobriram que na cinzenta São Paulo um jovem desconhecido (sem barba e com cabelo curto) fazia filmes melhor
que a maioria deles. Era Luís Sérgio Person que depois de causar sensação em
1965 com “São Paulo S.A.” (com Walmor Chagas e Eva Wilma), impressionou ainda
mais com “O Caso dos Irmãos Nave”, em 1967. Esse filme que conta uma história
de prisão, tortura e morte durante o Estado Novo, tinha no elenco Juca de
Oliveira, Raul Cortez, Anselmo Duarte e John Herbert, confirmou o talento de
Person. O diretor paulistano de 31 anos (Person nascera em 1936), era citado ao
lado de Glauber Rocha e de Nelson Pereira dos Santos quando se falava da nova
geração dos grandes diretores do cinema brasileiro. Luís Sérgio Person acreditando na sua versatilidade deixou de lado os temas sérios ao filmar “Panca de Valente” um faroeste-comédia
ambientado no interior de São Paulo.
Milton Ribeiro e Alberto Ruschel; Grande Othelo e Oscarito. |
O
momento de Djangos, Ringos e Sartanas - O cinema brasileiro já havia vivido
o Ciclo Cinematográfico Campineiro, em São Paulo, que produzira vários faroestes
caboclos estrelados pelo ator Maurício Morey. Veio depois o chamado Ciclo dos
Nordesterns com filmes sobre o cangaço, cujo modelo foi “O Cangaceiro”,
dirigido por Lima Barreto em 1953. E a carioca Atlântida, em 1954, brindou o
público com a deliciosa paródia “Matar ou Correr”, de Carlos Manga. Essa
chanchada satirizava, é claro, o western clássico de Fred Zinnemann. Quem encantou a maior parte do público brasileiro, a partir de 1965, foram os Westerns-Spaghetti,
responsáveis pelos sucessos de bilheteria dos cinemas dos grandes e pequenos
centros. Pensando mais como produtor que como diretor, Luís Sérgio Person
decidiu aproveitar a ‘onda’ e satirizar o gênero que imortalizara John Wayne e
que então tinha como atrações Sartanas, Djangos, Sabatas, Gringos, Ringos e o
principal deles, ‘O Estranho’ interpretado por Clint Eastwood. Person queria,
também, render homenagem às gloriosas chanchadas, marco importante do cinema
nacional.
Acima os atores entre as rochas de Cabreúva; abaixo a tranquila cidadezinha. |
A Alabama Hills do interior de São
Paulo
- A comédia-faroeste de Luís Sérgio Person teve o título “Panca
de Valente” e para produzi-la Person cercou-se de gente que já possuía ou
começava a ter prestígio no mundo artístico de São Paulo. Trabalharam com
Person em “Panca de Valente” Glauco Mirko Laurelli (produção e montagem),
Osvaldo de Oliveira (cinematografia), Marika Gidali (coreografia), Rogério
Duprat e Damiano Cozzela (música). O elenco reunido por Person tinha Átila
Iório, que se consagrara como o vaqueiro Fabiano em “Vidas Secas”; Jofre
Soares, que se revelara um excelente ator interpretando Joãozinho Bem-Bem em “A
Hora e a Vez de Augusto Matraga”; e Roberto Ferreira, o jornalista de “O
Pagador de Promessas”. As belas e jovens atrizes Marlene França e Bibi Vogel
(esta ex-cantora do 'Brazil 66' de Sérgio Mendes) eram a garantia de atrair o
público masculino. O galã era Tony Vieira. Não poderia faltar um menino e o
escolhido foi Tuca, ator infantil que participou da série “Vigilante Rodoviário”. Durval de
Souza, que apresentava na TV Record o programa “Grande Ginkana Kibon”
interpretaria um dos bandidos. E entre os muitos atores chamados para completar
o elenco estava Sílvio de Abreu, um jovem vindo do teatro e que fazia sua
estréia no cinema aos 25 anos de idade. Sílvio de Abreu é hoje um renomado
escritor de telenovelas. Para interpretar Jerônimo, o personagem principal do
filme, Person chamou Chico Martins, um dos fundadores do lendário Teatro
Oficina, em São Paulo. Person levou todos para a pequena cidade de Cabreúva,
distante 80 quilômetros de São Paulo, vizinha de Itu. Quem passa pela estrada
que leva a Cabreúva fica com a impressão que está em Alabama Hills, tamanha a
semelhança daquela região do interior do Estado de São Paulo com o palco de
milhares de faroestes próximo a Lone Pine, na Califórnia.
O Jerônimo de Espalha Brasa. |
O
mais estúpido homem da lei - Com argumento e roteiro escritos
pelo próprio Luís Sérgio Person, “Panca de Valente” passa-se numa cidadezinha
chamada Espalha Brasa que acaba de ver seu sexto delegado assassinado naquele
ano. O exterminador de delegados é Costa Larga (Átila Iório) e seu bando. Costa
Larga quer que o delegado de Espalha Brasa obedeça suas ordens e para isso o homem da lei deve ser alguém covarde, desajeitado e sem inteligência. Ninguém melhor que Jerônimo
(Chico Martins), que preenche todos os requisitos e é ‘eleito’ delegado. Jerônimo
é também tímido e incapaz de corresponder ao amor que Terezinha (Marlene
França) tem por ele. Terezinha é filha de um fazendeiro da região (Jofre
Soares) que tem seu gado roubado por Costa Larga. Pressionado por Teresinha,
pela ação do facínora e por seu amigo Faz Tudo (Tony Vieira), Jerônimo enfrenta
à sua maneira atrapalhada Costa Larga e seu bando fazendo a paz voltar a
Espalha Brasa.
A criação de Moysés Weltman editada em quadrinhos pela arte de Edmundo Rodrigues. |
Uma
homenagem desastrosa - Com “Panca de Valente” Luís Sérgio
Person viu ser colocado em dúvida seu talento como diretor pois realizou uma
comédia desprovida de graça e sem o sabor das chanchadas da Atlântida,
produtora que pretendia homenagear. “Panca de Valente” está mais para os piores
momentos de Herbert Richers que para os melhores da Atlântida e isso muito se deve à
presença de Chico Martins. Tentando imitar a comicidade de Oscarito que
complementava suas expressões com uma incrivelmente graciosa habilidade física,
Chico Martins é um arremedo do genial Oscarito. Todas as situações que Person
imaginou provocar risos são destruídas pelo tedioso Chico Martins que jamais
deveria ter caído na armadilha de interpretar um cowboy desajeitado. A própria
escolha do nome ‘Jerônimo’ para o personagem foi bastante infeliz porque sempre
lembrado como ‘O Herói do Sertão’, Jerônimo esperava ser levada ao cinema como
um mocinho caboclo e não como um boboca. Criado para o rádio por Moysés
Weltman, esse mocinho da nossa hinterland foi levado às histórias em quadrinhos
e depois à TV, antes de merecer um filme mais sério, em 1972, chamado
“Jerônimo, o Herói do Sertão”.
Átila Iório como o bandido Costa Larga. |
Elenco
irregular - A presença inadequada de Chico Martins é compensada pelas
boas interpretações de Átila Iório e Jofre Soares. Iório, com sua vasta
experiência em comédias interpreta Costa Larga tendo como modelo ‘Liberty
Valance’ criado por Lee Marvin. Interessante também ver Jofre Soares abandonar
seus personagens sérios e marcantes de tantos filmes. Bibi Vogel que está um
tanto tímida em seu primeiro filme como atriz, com sua delicada beleza nórdica
é um perfeito contraponto à exuberante morenice de Marlene França. Pode-se
imaginar a sensual Marlene França como uma inocente e sonhadora moça do
interior? Tony Vieira, que produziria e estrelaria diversos faroestes nos anos
70 demonstra suas habilidades como cavaleiro, ele que era egresso do mundo circense. Tony
Vieira dirigiria também “Gringo, o Matador Erótico”, em 1972, filme que o levou num
caminho sem volta para a pornochanchada. Roberto Ferreira passa o filme todo
rindo, deixando saudade do personagem ‘Dedé’ que interpretou em “O Pagador de
Promessas”. Tentar descobrir Sílvio de Abreu e Durval de Souza escondidos atrás de
bigodes ajuda a suportar “Panca de Valente”.
O mais ridículo dos cowboys. |
Música
de vanguarda num faroeste - Luís Sérgio Person teria certamente
conseguido melhor resultado se optasse por fazer uma paródia ao invés de
satirizar o faroeste. O imbecilizado Jerônimo no lombo de um burrico mostrando
sua inaptidão no enfrentamento dos bandidos é levado ao extremo do
aborrecimento. O melhor que Person consegue é uma pífia sequência de tiroteio.
Não faltaram o baile na fazenda, coreografado por Marika Gidali, luta de socos
dentro de uma lagoa e o indefectível final à la Mazzaropi com quase todo o elenco
dentro de um coreto na praça principal de Espalha Brasa. Nada porém compromete
mais “Panca de Valente” que a deprimente sequência pastelão com os bolos de
Espalha Brasa acertando todos os rostos ao final do concurso de bolos da cidade.
Músicos, então rotulados como ‘de vanguarda’, Damiano Cozzela e Rogério Duprat
foram responsáveis pela trilha sonora levando seus sons tropicalistas às
formações rochosas de Cabreúva, com inevitáveis citações dos primeiros acordes de “O Dólar Furado” e
do assovio marcante de “Por um Punhado de Dólares”. E Person juntamente com
Cláudio Petraglia assinam as deploráveis canções que ao modo dos westerns dos
anos 50 narram as desventuras de Jerônimo. Após esta triste experiência Luís
Sérgio Person passaria para a comédia erótica com “Cassy Jones, o Magnífico Sedutor”,
antes de falecer num acidente de automóvel em 1976, um mês antes de completar
40 anos. Melhor esquecer que Person foi o diretor deste filme sem brilho e sem
graça intitulado “Panca de Valente”.
Bandoleiros cavalgando em Cabreúva; enquanto isso o mocinho cavalga seu burrico. |
Realmente, uma bomba monumental. Quando vi pensei que tinha sido feito antes de São Paulo SA e Os Irmãos Naves. O Chico Martins é inacreditavelmente ruim. Enfim: um desastre total.
ResponderExcluirAo fim e ao cabo, Person parece ter tido uns arroubos criativos com os dois primeiros filmes e depois a fonte secou, não é? Tony Vieira, também, outra decepção.
Abraços
José Tadeu
Olá, Tadeu
ExcluirÉ verdade o que você disse sobre o talento de Person. Pena que ele faleceu e não fez mais nada à altura de seus dois primeiros longa-metragens.
Chico Martins como comediante era muito ruim.
Um abraço do Darci
Grande Darci, como vai, tudo bem?
ResponderExcluirConfesso que não conhecia essa fase do cinema nacional, muito menos imaginava que filmes assim já haviam sido produzidos. Matérias interessantes assim, só mesmo em seu blog para conhecermos! Parabéns.
Grande Abraço!
Olá, Jefferson
ExcluirVale à pena conhecer os ciclos brasileiros que de alguma forma remeteram ao faroeste. Pena que a comédia de Person não seja um bom começo para isso.
Um abraço do Darci