2 de maio de 2013

O HOMEM DOS OLHOS FRIOS (THE TIN STAR) – ANTHONY MANN DIRIGE HENRY FONDA



Depois de uma memorável parceria em oito filmes (cinco excelentes faroestes), Anthony Mann e James Stewart se desentenderam. Mal iniciadas as filmagens de “Passagem da Noite”, Anthony Mann parecia tomado por uma inexplicável ira, discutindo de forma agressiva com o roteirista Borden Chase para que este alterasse partes do roteiro. James Stewart, que tinha interesse financeiro na produção de “Passagem da Noite” tomou o partido de Borden Chase. Para complicar mais as coisas Anthony Mann começou o filme pelas cenas de ação exigindo muito fisicamente de James Stewart, então com 49 anos. A gota d’água porém foi quando Mann discordou dos diversos números musicais que James Stewart exigiu para o filme, sempre com ele próprio tocando seu acordeão. Anthony Mann acabou demitido da produção e foi fazer o que mais queria naquele momento: filmar um roteiro pelo qual ele se encantara intitulado “The Tin Star”.


Dudley Nichols
Dudley Nichols, escritor-roteirista de clássicos - Quem adaptou para o cinema “The Tin Star”, que literalmente significa ‘a estrela de lata’, foi Dudley Nichols, vencedor do Oscar pelo roteiro de “O Delator”, sua sexta parceria com John Ford. Nichols faria depois o roteiro de “No Tempo das Diligências” e mais meia dúzia de trabalhos com o Mestre das Pradarias. Dudley Nichols escreveu mais de 50 roteiros ou histórias para o cinema, destacando-se nessa lista “Levada da Breca”, “Por Quem os Sinos Dobram”, “Domínio de Bárbaros”, “Almas Perversas” e “Correio do Inferno”. Anthony Mann viu na história de “The Tin Star” todas as possibilidades que não havia em “Passagem da Noite” para criar personagens intensos como provou saber fazer nos cinco westerns em que dirigiu James Stewart. Para substituir aquele que era seu ator preferido no novo faroeste foi escalado Henry Fonda, por sinal o melhor amigo de Stewart em Hollywood, amizade iniciada quando eram tão pobres que dividiam um quarto juntos. Mais tarde Fonda e Stewart dividiram até um grande amor, a atriz Margareth Sullavan, por quem ambos se apaixonaram.

Robert Ryan e Ralph Meeker, nos espaços
abertos de "O Preço de um Homem".
Westerns esquemáticos de Mann - Os últimos westerns filmados por Anthony Mann – “O Tirano da Fronteira”, “Um Certo Capitão Lockhart”, “Região do Ódio”, “O Preço de um Homem” e “O Sangue Semeou a Terra” – foram todos produzidos em cores. Para “The Tin Star”, que no Brasil teve o título “O Homem dos Olhos Frios”, Mann voltou ao preto e branco de “O Caminho do Diabo”, “Almas em Fúria” e “Winchester 73”, produções de 1950. E, ao contrário de grande parte destes filmes, “O Homem dos Olhos Frios” teria poucas sequências externas, marca registrada de Mann, reconhecido como ‘o diretor dos grandes espaços’. Outra marca dos westerns de Mann é a forma esquemática de apresentar seus personagens. Nos faroestes de Mann há sempre o violento e traiçoeiro vilão; é constante a presença de um homem mais velho que pode ser uma espécie de sidekick ou um patriarca; e há mulheres que nunca são personagens vitais à história. O personagem principal dos faroestes de Mann são homens distantes dos heróis que os westerns mostravam. Os anti-heróis de Mann possuem todos, todos eles, um tipo de tormento íntimo ou desejo secreto de vingança, quando não ambos, conjuntamente, como em “Winchester 73” e “Um Certo Capitão Lockhart”. Na obra-prima do diretor que foi “O Preço de um Homem”, o personagem Howard Kemp interpretado por James Stewart é um caçador de recompensas. Em “O Homem dos Olhos Frios” retorna a figura do ‘bounty hunter’ perseguidor de bandidos.

Henry Fonda, o 'bounty hunter' trazendo
mais uma cabeça premiada.
Os caçadores de recompensa - A pouco simpática figura do caçador de recompensas foi sempre evitada por Hollywood. Em 1953, no citado “O Preço de um Homem”, Anthony Mann apresentou James Stewart como um inescrupuloso ‘bounty hunter’. No ano seguinte foi a vez de Randolph Scott exercer essa atividade em “Feras Humanas”, raros casos de atores famosos interpretando personagens principais que vivem dos prêmios recebidos por capturar bandidos vivos ou entregá-los mortos, se assim for estipulado pelos cartazes de ‘Procurado’. Curiosamente, no ciclo de westerns spaghetti dos anos 60 e 70, o personagem principal, sem nenhum constrangimento é invariavelmente um caçador de recompensas, na trilha não disfarçada do memorável ‘Estranho Sem Nome’, criação de Sergio Leone interpretada por Clint Eastwood. Henry Fonda faria uma variação de um ‘bounty hunter’ em “Minha Vontade é Lei”, em dupla com Anthony Quinn, ambos cobrando caro para exterminar os bandidos de Warlock. Em “O Homem dos Olhos Frios”, o caçador de recompensas se transforma em professor de um jovem e inepto xerife.

O ameaçador Neville Brand;
atrás Mickey Finn.
Bogardus, o terror da cidade - Morgan Hickman (Henry Fonda) chega a uma pequena cidade carregando o corpo de um bandido procurado vivo ou morto. Hickman quer receber sua recompensa e para isso procura o xerife Ben Owens (Anthony Perkins). O pagamento deve passar por certa e demorada burocracia e Hickman precisa permanecer alguns dias na cidade que não aceita sua presença. Ninguém gosta de Hickman que é detestado por Bart Bogardus (Neville Brand), irmão do bandido morto por Hickman. O fanfarrão e racista Bogardus mata um mestiço atirando nele pelas costas e Owens lhe dá voz de prisão. Bogardus que almeja o cargo de xerife enfrenta e intimida Owens que só não é morto por Bogardus pela providencial ajuda de Hickman. Sem ter onde ficar o caçador de recompensas se aloja na casa de Nona Mayfield (Betsy Palmer) uma viúva discriminada pelos cidadãos por ter sido casada com um índio e ser mãe de Kip (Michael Ray) um menino mestiço. O médico da cidade é morto pelo também mestiço fora-da-lei Ed McGaffey  (Lee Van Cleef), que juntamente com seu irmão Zeke (Peter Baldwin) é caçado por um bando organizado por Bart Bogardus. Hickman torna-se amigo do xerife Owens, a quem ensina não só quando e como atirar com o revólver, mas também a conhecer homens como Bogardus. Hickman e Owens prendem os irmãos McGaffey e Bogardus lidera uma tentativa de linchamento dos irmãos presos. Owens ganha confiança e agindo sozinho domina Bogardus tornando-se, de fato, o homem da lei da cidade. Hickman, a viúva Mayfield e o pequeno Kip partem juntos para construir uma nova vida.

Ensinando o xerife...
Por que e para que um ‘bounty hunter’? - Muitos vêem similitudes no roteiro de Dudley Nichols com “Matar ou Morrer” e “Os Brutos Também Amam”, observações que não se sustentam. O que interessou a Anthony Mann no roteiro de Nichols foi a possibilidade de abordar temas como intolerância racial, preconceito, a arriscada vida de xerife no Velho Oeste e, mais que tudo, a figura do caçador de recompensas. O pano de fundo desses temas é o curso intensivo de como se tornar um bom xerife que Hickman ministra a Ben Owens e que acabou fazendo com que o filme fosse mais lembrado. O taciturno Morgan Hickman, num desabafo, conta que havia sido xerife, arriscando a vida pelo cargo tão mal remunerado que nem mesmo possuía recursos para cuidar da saúde da mulher e do filho doentes. Tornou-se então ‘bounty hunter’ para conseguir os mil dólares necessários para o tratamento, dinheiro que quando conseguido já era tarde demais. “O Homem dos Olhos Frios” demonstra que um caçador de recompensas é uma atividade atraente em regiões em que poucas formas existem de se ganhar dinheiro, como as pequenas cidades do Velho Oeste. E indiretamente um ‘bounty hunter’  presta um serviço à comunidade que os repudia por considerá-lo nada mais que um assassino. Hickman ainda explica seu ‘modus operandi’ mostrando que não há tiros nas costas do bandido que matou e pelo qual exige a recompensa.

Henry Fonda
Cenários conhecidos - Sob esse aspecto “O Homem dos Olhos Frios” é um filme exemplar e tão didático quanto as lições que Ben Owens (e o espectador também) recebe. Porém este western de Anthony Mann é excessivamente morno, mais que isso, tão frio quanto o próprio olhar de Henry Fonda. Mann, o homem dos espaços abertos usa apenas uma sequência de ação para sair da pequena cidade (a cidade cenográfica dos estúdios da Paramount). E mesmo assim, na sequência em que Fonda e Perkins obrigam Lee Van Cleef e Peter Baldwin a se retirar de um esconderijo, a filmagem ocorreu no conhecidíssimo cenário de San Fernando Valley, palco de tantos westerns 'B'. Certamente esse não era o cenário preferido do Anthony Mann que aprendemos a admirar. No entanto o que impede “O Homem dos Olhos Frios” de se equiparar aos grandes westerns de Mann é o próprio roteiro de Dudley Nichols no qual o diretor enxergou possibilidades de criar a tensão que envolve seus outros westerns.

Acima o xerife Anthony Perkins fazendo
malabarismo com seus dois Colts;
abaixo John McIntire e Frank Cady.
O patético e o cômico - O desconhecido Morgan Hickman encontra abrigo no rancho de uma bonita viúva que, vítima de preconceito, vive afastada da cidade. A generosa viúva Mayfield coloca o desconhecido para dormir no quarto de seu filho, situação difícil de ser justificada. Mas a essa altura o espectador já teve que aceitar Anthony Perkins como cowboy. Mais que isso como um xerife, desajeitado, incapaz psicologicamente e incompetente para enfrentar um bandido do porte de Neville Brand, mais provocador e intimidador que nunca. O roteiro mostra Anthony Perkins como um inicialmente relutante mas depois aplicado aluno capaz de aprender em poucos dias lições que o personagem de Fonda levou toda uma vida para assimilar. Situações cômicas nunca foram o forte de Anthony Mann que surpreende como quando Hickman diz ao menino Kip, que ele se parece mais com um xerife que o próprio xerife sem citar o nome de Ben Owens, claro. Inspirado, Anthony Mann dá oportunidade a John McIntire (Doutor McCord) de fazer a melhor piada do filme quando, após atender ao décimo parto da esposa de Abe Pickett (Frank Cady), informa ao pai que desta vez a criança era um menino. O incrédulo Pickett pergunta se o médico tinha certeza disso e McIntire responde: “Já estou velho demais para saber reconhecer bem a diferença...”

O magnífico homem dos olhos frios.
Henry Fonda, soberbo - Anthony Mann teve a colaboração de Elmer Bernstein compondo a trilha sonora, já permitindo antever as portentosas trilhas que iria compor para faroestes. Elmer Bernstein vinha da trilha sonora de "O Homem do Braço de Ouro" e algumas nuances musicais deste trabalho para o filme de anthony Mann lembram  bastante temas compostos por um outro Bernstein, o Leonardo, para as batalhas urbanas travadas em "Amor Sublime Amor". E o uso de instrumentos de percussão anuncia o que Elmer faria em "Sete Homens e Um Destino". A fotografia de Loyal Griggs ("Os Brutos Também Amam") é insistente em mostrar o que ocorre na pequena cidade a partir da janela da delegacia. O indiscutível talento de Anthony Mann é revivido na sequência macabra, a melhor deste filme, quando a cidade reunida festeja o aniversário de Doc McCord e este chega inerte por ter sido assassinado na sua charrete cuja égua conhece o caminho de volta à cidade. A sequência da captura dos irmãos McGaffey é igualmente boa, mas incoerente pelo fato de os bandidos se esconderem numa caverna e risível por serem descobertos pelo cachorro dos McGaffey. Anthony Perkins ainda não havia interpretado Norman Bates ("Psicose"), mas é difícil vê-lo na tela sem lembrar do personagem hitchcockiano. Perkins é um bom ator mas totalmente perdido como cowboy. Ótimos Neville Brand e John McIntire. Lee Van Cleef, que teria que esperar alguns anos até ser descoberto pelos cineastas italianos, é desperdiçado em “O Homem dos Olhos Frios”. Há garotos em faroestes que não cansam o espectador e Michael Ray é um deles. Além de bom ator infantil é excelente cavaleiro, como demonstra no filme. E “O Homem dos Olhos Frios” é todo do extraordinário Henry Fonda, ator perfeito num personagem feito para ele. Fonda expressa sua dor, sua angústia e mesmo sua alegria de maneira discreta, simples e precisa. Diferentemente de John Ford, Anthony Mann procura nunca resvalar no sentimentalismo, mas ao fazer Henry Fonda perceber que pode recomeçar sua vida ao lado da viúva Mayfield (Betsy Palmer) cria um momento de grande ternura. Tornado fácil para Anthony Mann porque dirigia Henry Fonda.

Anthony Perkins impondo-se a Neville Brand, cena difícil de se acreditar;
uma linda viúva e seu filho, o abrigo de um desconhecido 'bounty hunter';
uma das muitas vezes em que o que acontece na cidade é visto pela janela.

Michael Ray mostrando como se monta. Não sem razão Henry Fonda
diz que ele é melhor que o outro sheriff (Anthony Perkins).

O título em Francês é "A Estrela de Ferro"; o título brasileiro foi muito mais
acertado e não copiado de nenhum outro país. 

Momento de descontração com Fonda aparando o cabelo de Tony Perkins;
Rara expressão simpática de Neville Brand, correspondida por Perkins.

6 comentários:

  1. Bom, se vc. aceitar o Anthony Perkins como xerife (o que é difícil pacas...), então dá prá se divertir. Aquilo da viúva deixar o Henry Fonda morar na casa dela, também é difícil de engolir, bem observado. Fonda (magnífico), aliás, parece estar treinando para a série The Deputy, onde tem papel parecido.

    Agora, quem pensou que Anthony Mann já era, teve de pensar novamente quando O Homem do Oeste foi lançado no ano seguinte.

    Um grande ator pouco incensado: Neville Brand. Vc. já dedicou uma matéria a ele? Merece.

    Abraços
    José Tadeu

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  2. Contracenar com Henry Fonda devia ser antes de tudo um martírio, pra muitos novatos, com um nível soberbo de atuação que era peculiar a ele, ficar perto de Fonda, aos neófitos só restava mesmo aproveitar a ocasião e aprender. Perkins era um cara de sorte, pois cruzou no seu caminho aquele tal de Hitchcock e mudou a sua vida. As vezes árvore que dá sombra, pode deixar o cara no escuro.

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  3. Wellington Ruas Cohen24 de maio de 2013 às 18:50

    Lamentável os dois comentários acima. Um artigo tão bem escrito sobre um filmaço e os comentários pobres e ironicos sobre o filme. ARVORE QUE DÁ SOMBRA PODE DEIXAR O CARA NO ESCURO. Simplesmente ridiculo e ironico.

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    1. Acho que o sr. Wellington perdeu uma boa oportunidade ao só comentar os cometários, foi "lamentável". Faça uns comentários ricos, precisos e autênticos sobre o artigo. Talvez haja uma necessidade sua, de sair de perto de alguma árvore, não? Ao achar que foi "simplesmente ridículo" é uma opinião sua que respeito, mas achar "ironico" foi demais, não sei como o sr.conseguiu, mas acertou. Peço encarecidamente não interpretar este comentário como irônico. Seria "lamentável".

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  4. Sr. Wellington
    O sr. diz que O Homem dos Olhos Frios 'é um filmaço' sem explicar porque pensa assim. Chama os comentários anteriores de lamentáveis, ridículos e irônicos. Parece que o Sr. não gosta que haja bom humor nos comentários. Posso afirmar que entre os seguidores deste blog, tanto o José Tadeu quanto o Joailton já demonstraram o quanto entendem de faroeste, expressando-se sempre de forma bem humorada.
    Darci Fonseca.

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  5. Conheci-o no começo dos anos 2000 e revi hoje. É muito melhor do que eu lembrava que era! Um primor de roteiro, elenco, trilha e direção!
    Bacana ver uma futura geração que deixaria marca no terror/suspense: Perkins, em "Psicose"; Betsy em "Sexta-Feira 13", como a mãe do Jason; e Brand em "Eaten Alive"!

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