29 de março de 2013

CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE FRANKIE LAINE, A VOZ MARAVILHOSA DOS FAROESTES



Alguns grandes cantores norte-americanos tinham em comum o fato de serem descendentes de italianos. É o caso de Tony Bennett (Anthony Dominik Benedetto), Dean Martin (Dino Crocetti), Frank Sinatra (Francis Albert Sinatra), Perry Como (Pierino Ronald Como), Mario Lanza, Walden Roberto Cassoto (Bobby Darin) e muitos outros. Todos eles tinham também em comum o fato de testemunharem o sucesso extraordinário de um patrício também ítalo-americano, também cantor, batizado como Francesco Paolo LoVecchio e nascido em Chicago no dia 30 de março de 1913. Se ainda estivesse vivo esse cantor estaria, portanto, completando cem anos de vida. E os fãs de faroestes conhecem bastante bem sua poderosa voz que tantas vezes interpretou canções-tema de westerns. Claro, ele era Frankie Laine. 

Acima o menino Francesco Paolo
LoVecchio e Al Capone; abaixo
o jovial e sorridente Frankie Laine.
O barbeiro de Scarface - Os pais do menino Francesco eram Giovanni LoVecchio e Crescenza Salerno, que imigraram da pequena Monreale, na Sicília e  moravam em Little Italy, bairro de Chicago. Signore LoVecchio era dono de uma barbearia e tinha um freguês muito especial que possuía uma cicatriz no rosto, cicatriz que naturalmente não foi feita pela navalha de LoVecchio. Esse cliente era Alphonse Capone, isto nos anos 20, quando Francesco já exibia sua bela voz cantando no Coral da Igreja Imaculada Conceição. Frequentando a Lane Technical High Scholl, Francesco jogava basquete, o que muito o ajudou a desenvolver seus pulmões facilitando o controle de seus dotes vocais para assim melhor imitar seu modelo que era Enrico Caruso. A primeira vez que Francesco cantou para um grande público foi aos 17 anos, em 1930, no The Merry Garden Balroom, quando cinco mil pessoas exigiram que Francesco bisasse seu número incontáveis vezes. No Merry Garden aconteciam as famosas maratonas de dança e durante as pausas para descanso dos dançarinos entravam os cantores para entreter o público. Francesco foi contratado pela The Merry Garden Company, que quis lhe colocar o nome artístico ‘Frank LoVecchio’. Francesco não gostou mas adaptou a sugestão para Frankie Laine.  As influências artísticas do jovem Frankie eram Bessie Smith e os também jovens cantores Bing Crosby e Billie Holliday que o fizeram esquecer das influências iniciais do grande tenor italiano.

O compositor Hoagy Carmichael, que
descobriu Frank Laine que na primeira
gravação vendeu dois milhões de cópias.
Encontro com Hoagy Carmichael - Uma melhor oportunidade para Frankie Laine surgiu em 1937 quando ele foi chamado para substituir, como crooner da Fredy Carlone Band,  o patrício Perry Como. Havia em Chicago uma espécie de máfia artística chamada MCA, dirigida por Jules Stein, que impedia que músicos e cantores ganhassem aquilo que mereciam. Frankie Laine foi então para Nova York em busca de oportunidades mas as coisas só pioraram para ele que teve de trabalhar como instrutor de dança, vendedor de carros usados e operário numa fábrica de roupas. Nesse tempo de extrema pobreza Frankie Laine dormiu muitas noites na organização beneficente YMCA. Em 1943 o cantor se mudou para a Califórnia, onde fez amizade e parceria com o pianista e compositor Carl Fischer, com quem passou a se apresentar em clubes noturnos. Juntos Laine e Fischer compuseram diversas canções. Em 1946, numa noite em que Frankie Laine cantava a troco de minguados dólares no ‘Billy Berg Club’, de Los Angeles, sua sorte mudou completamente. Na platéia estava o consagrado pianista e compositor Hoagy Carmichael (“Stardust”, "Georgia on My Mind") e sem saber da presença de Hoagy, Frankie Laine cantou a canção “Rockin’ Chair”, de autoria de Carmichael. Impressionado com a qualidade vocal de Laine, Carmichael o levou para uma nova gravadora recém criada, a Mercury. Lá Frankie gravou seu primeiro 78 rotações e para o lado B desse disco Frankie escolheu uma canção que havia sido composta há 15 anos chamada “That’s My Desire”. Essa gravação de Frankie Laine foi uma das mais vendidas de 1947, valendo ao cantor seu primeiro Disco de Ouro, prêmio dado às gravações que atingissem um milhão de cópias. “That’s My Desire” vendeu o dobro disso, chegando aos dois milhões de discos vendidos.

Frankie Laine ao lado de Mitch Miller que produziu
alguns de seus maiores sucessos; abaixo Frankie
canta para uma platéia embevecida.
Do jazz ao country - Frankie Laine era, então, um cantor com estilo jazzístico, mas a chegada do produtor musical, cantor, compositor, maestro e arranjador, Mitch Miller à Mercury, em 1948 traçaria novos rumos para a carreira de Frankie Laine. Mitch Miller percebeu que Frankie Laine possuía um raro ecletismo como cantor e produziu para ele discos com canções mais populares, em gêneros os mais diversos como o country e o folk. E Frankie cantava de tudo com graça e técnica vocal modulando sua possante voz ao andamento das canções. As novas gravações de Frankie Laine, muitas delas produzidas por Mitch Miller, chegaram rapidamente às paradas de sucessos. A Mercury era uma gravadora pequena e a Columbia contratou Mitch Miller que levou Frankie Laine para a Columbia. O público adorava aquele cantor branco que cantava deliciosamente como negro ou como caipira. E na nova gravadora veio uma incrível sequência de primeiros lugares no Hit-Parade com “That Lucky Old Sun”, “Mule Train” e “Cry of the Wild Goose”. Essas canções lhe valeram novos Discos de Ouro, que em 1952 já somavam doze, ocupando espaço na parede da casa de Frankie. Um desses Discos de Ouro foi pela gravação “Sugarbush”, em dueto com a encantadora e magnífica intérprete Doris ‘Sweet’ Day.


Frankie e Nan Grey em férias;
Frankie indo para o trabalho em seu Cadillac 1950.
O casamento com Nan Grey - O contrato de Frankie Laine com a Columbia o transformou no mais novo milionário do mundo artístico, o que fez com que o cantor pudesse pensar em se casar. Aos 37 anos, em 1950, Frankie contraiu matrimônio com a atriz Nan Grey, de 32 anos e que fazia filmes desde os 16 anos. Entre os filmes mais importantes em que Nan atuou estão “A Filha de Drácula”, “Três Pequenas do Barulho” (com Deanna Durbin) e “Menores de Idade”, de Edward Dmytryk, no qual foi a atriz principal. Frankie e Nan Grey se casaram em junho de 1950 e Nan Grey não mais voltou a fazer filmes, dedicando-se a cuidar o marido e das duas filhas do primeiro casamento que Frankie Laine adotou como suas próprias filhas. O casamento de Frankie sempre foi um dos mais felizes do mundo artístico, perdurando por 43 anos, até a morte de Nan aos 75 anos devido a problemas cardíacos.

A recriação de “High Noon” - O 13.º Disco de Ouro da carreira de Frankie Laine tem uma história curiosa pois foi conseguido com a canção “High Noon (Do not forsake me oh my darling)”. Essa canção de Dimitri Tiomkin e Ned Washington, composta para o faroeste “Matar ou Morrer” havia recebido um Oscar de Melhor Canção em 1952. No filme a música era cantada por Tex Ritter, não chegando a impressionar o público comprador de discos. Quando porém a gravação de “High Noon” feita por Frankie Laine começou a tocar nas rádios com sua voz dramática e empolgante, praticamente recompondo a canção, as vendas de “High Noon” logo ultrapassaram um milhão de cópias. E quem assistia ao notável western de Fred Zimmermann pela primeira vez estranhava a versão de Tex Ritter, pálida perto da explosiva gravação de Frankie Laine. No início dos anos 50 Bing Crosby e Frank Sinatra dividiam a opinião dos críticos quanto a qual dos dois merecia o título de ‘melhor cantor norte-americano’. Porém, quem vendia toneladas de discos era mesmo Frankie Laine, excepcionalmente mais versátil que Crosby e Sinatra. 1953 foi um ano fantástico para Laine que era o cantor preferido na Inglaterra, onde fazia enorme sucesso com qualquer música que lançasse. “I Believe” foi mais um êxito estrondoso permanecendo por 18 semanas em primeiro lugar nas paradas de sucesso da Inglaterra, valendo a Frankie mais um Disco de Ouro, o mesmo ocorrendo com “Answer Me.

Acima Hank Williams; abaixo Crosby e Sinatra.
Ator sofrível - O maravilhoso Hank Williams dominava o universo da música country com suas pungentes e autobiográficas canções, uma delas “Your Cheatin’ Heart”. Frankie Laine decidiu então gravar essa canção logo após a morte de Hank, como uma homenagem ao Shakespeare da música country. A homenagem tornou “Your Cheatin’ Heart” conhecida também na Costa Leste e nas grandes metrópoles, dando mais um Disco de Ouro para Frankie. Ser cantor de sucesso significava ser também ator de cinema pois era comum Hollywood aproveitar o renome de um cantor e lançá-lo no cinema. Bing Crosby e Frank Sinatra, os grandes rivais de Frankie Laine eram ídolos da tela e ganhavam até Oscar de Melhor Ator. Frankie Laine não era charmoso como Sinatra e não tinha um rosto cinematográfico como Crosby. Mesmo assim, em 1950, Frankie estreou no cinema no musical da Columbia “When You’re Smiling”. Apesar de interpretar a canção-título e ainda “Georgia on my Mind”, Frankie demonstrou que não levava muito jeito para ator, tanto que só tentaria novamente o cinema cinco anos depois. Em 1955 Frankie foi o ator principal em duas comédia-musicais dirigidas pelo jovem diretor Blake Edwards. Esses filmes foram “Sorria para a Vida” e “Ele Riu por Último”, musicais também da Columbia nos quais Frankie interpretou inúmeras canções e que serviram para o cantor concluir que não nascera para ator, nunca mais repetindo a ousadia.


O cantor dos temas musicais de faroestes - Mas o cinema não ficaria longe de Frankie Laine pois após o sucesso de sua versão de “High Noon”, o cantor passou a ser requisitado por muitos produtores para emprestar sua apropriada voz para canções-temas de faroestes. Exigente, Frankie só aceitava gravar canções de boa qualidade como as compostas por Dimitri Tiomkin para “Sangue da Terra” (Balada do Ouro Negro), “Uma Estranha em Meu Destino” e “Gunfight at the OK Corral”. Outros faroestes que foram enriquecidos pela voz de Frankie Laine foram “Homem Sem Rumo”, “Galante e Sanguinário” e “A Vingança Deixa a Sua Marca”. Dessas canções para filmes apenas “A Balada do Ouro Negro” chegou às paradas de sucesso. A fórmula de colocar uma canção durante a projeção dos créditos dos faroestes foi se esgotando devido aos muitos imitadores de Frankie Laine. Mas para as séries de televisão a fórmula ainda funcionava e eis que em 1959 mais uma vez Dimitri Tiomkin criou uma canção clássica para a série “Rawhide”. Com letra de Ned Washington, o tema-musical cantado por Frankie Laine explodia semanalmente na tela dos televisores e se tornou sucesso imediato, rendendo mais um Disco de Ouro para Frankie Laine. Na década de 50 apenas Elvis Presley vendeu mais discos que Frankie, sendo que Elvis foi o campeão de vendagem daquela década. Frankie Laine comandou shows de televisão por diversos anos, entre eles “The Frankie Laine Hour”, “The Frankie Laine Time” e o “The Frankie Laine Show”, que permaneceu por três anos no ar, sendo exibido no Brasil na década de 70, sempre patrocinado pela Willys Overland do Brasil.

Martin Luther King e Harry Belafonte.
O mais versátil dos cantores brancos - Os anos 60 trouxeram grandes mudanças no cenário musical com a chegada dos grupos ingleses The Beatles, The Rolling Stones e artistas como Bob Dylan que mudaram o gosto e a preferência do público, especialmente os mais jovens. Os grandes cantores passaram a ocupar um segundo plano no mundo artístico e Frankie Laine sentiu também essa realidade. Laine deixou a Columbia passando a gravar pela ABC Records e a sua versatilidade possibilitou que ele passasse a lançar álbuns dos mais variados gêneros como “Baladeer”, com canções folclóricas; “Hell Bent for the Leather” e “Call of the Wild”, ambos com canções western. Além desses discos houve outros também temáticos com músicas gospels, rhythm & blues e apenas românticos. O único artista que poderia se equiparar em versatilidade a Frankie Laine talvez fosse Sammy Davis Jr. Paralelamente à sua atividade artística, Frankie Laine se dedicou também ao ativismo social pelos direitos humanos ao lado de Harry Belafonte, Marlon Brando, Paul Newman e outros. Laine foi um dos artistas que mais fez shows cujas rendas destinava a entidades assistenciais.

Frankie Laine nos anos 70 com a barba
que enganou Mel Brooks.
Os pulmões de aço retornam ao cinema - Na década de 60 Frankie vendeu consideravelmente menos, conquistando apenas dois Discos de Ouro com “Making Memories” (1967) e “You Gave Me a Mountain” (1969). Depois disso a carreira de Frankie declinou irreversivelmente, até que em 1974 ocorreu um fato único na história musical. O ator-diretor-produtor Mel Brooks estava filmando um western-comédia verdadeiramente escrachado intitulado “Banzé no Oeste” (Blazing Saddles). Brooks colocou um anúncio nos jornais procurando um cantor que imitasse Frankie Laine para interpretar a canção-título. Em seu escritório Brooks foi procurado por um senhor de 61 anos com uma bonita barba que lhe perguntou se ele não aceitaria o próprio Frankie Laine. Mel Brooks respondeu: “Claro que quero Frankie Laine. Traga-o aqui imediatamente.” Foi então que Frankie se identificou e o resultado foi mais uma extraordinária interpretação, bem ao molde daquelas inesquecíveis gravações dos anos 50. “Banzé no Oeste” tornou-se o segundo faroeste de maior bilheteria na história do cinema, atrás apenas de “Butch Cassidy”. E sem dúvida a colaboração de Frankie Laine para esse sucesso foi importantíssima pois a gravação de “Blazing Saddles” se tornou mais um clássico de Frankie Laine. Lamentavelmente o último.

Frankie Laine no final de sua vida com o contagiante
sorriso com que conquistava a todos que o conheciam.
O ‘Cantor dos Faroestes’ - Dois anos após a morte da esposa Nan Grey em 1993, Frankie Laine passou a namorar Anita Craighead, sua noiva por três anos. Surpreendentemen-te, em 1999 Laine se casou não com a noiva, mas sim com Marcia Ann Kline, com quem ficou casado até falecer em 6 de fevereiro de 2007, aos 94 anos de idade. Frankie Laine havia se submetido a uma cirurgia do fêmur quando sofreu uma parada cardíaca. Por mais de 60 anos Frankie Laine empolgou o mundo com sua voz extraordinária e versatilidade incomum. A voz de Frankie possibilitava que ele fizesse modulações na mesma canção passando do metálico mais ardido ao aveludado mais suave, sempre com ritmo envolvente. Frankie Laine vendeu mais de cem milhões de discos, obtendo 21 Discos de Ouro e alguns desses números foram alcançados com as inesquecíveis canções que cantou em faroestes, fazendo de Frankie Laine o ‘Cantor dos Faroestes’.  Melhor reconhecimento não poderia haver que aquele quando, em 1998, na 16.ª premiação do Golden Boot Awards, a Motion Picture and Television Fund premiou Clayton Moore, os irmãos Carradine (David, Keith e Robert), Patrick Wayne e Barbara Stanwyck e premiou também Frankie Laine com o Golden Boot. Prêmio mais que merecido pela contribuição do extraordinário cantor ao gênero western.



28 de março de 2013

WESTERNVIDEOMANIA - FRANKIE LAINE INTERPRETA CANÇÕES-TEMAS DE FAROESTES - I


O grande cantor Frankie Laine tornou-se o principal intérprete de canções-temas
de faroestes nos anos 50. Neste vídeo há edições com cenas de "Sangue da Terra",
"Homem Sem Rumo" e "Galante e Sanguinário" com a voz poderosa de
Frankie Laine interpretando as canções compostas para as aberturas desses filmes.
No vídeo seguinte as cenas editadas são de "Sem Lei e Sem Alma","Banzé no Oeste"
e da série de TV "Rawhide", todas com temas interpretados pelo magistral cantor.


26 de março de 2013

SÉRIES WESTERNS DA TV - O HOMEM DE VIRGÍNIA, UM CLÁSSICO DO FAROESTE



Quando Owen Wister escreveu “The Virginian”, em 1902, o cinema engatinhava e a televisão só existia na imaginação de cientistas malucos. A história de Owen Wister falava de um cowboy conhecido apenas como ‘O Homem de Virgínia’ que era introspectivo, corajoso e por vezes galante. Esse misterioso personagem tinha um código de honra próprio para enfrentar os perigos do Velho Oeste. Entre esses perigos estava um bandido conhecido por ‘Trampas’ que ao final da história original é morto pelo ‘The Virginian’.

O cinema explorou bastante o herói criado por Owen Wister.

Homens de Virgínia: Joel McCrea,
Dustin Farnum e Gary Cooper;
o Trampas é Walter Huston.
‘The Virginian’ no cinema - Em 1914 o cinema já era uma realidade e um promissor produtor-diretor de 33 anos chamado Cecil B. DeMille dirigia um de seus primeiros filmes, “The Virginian”, protagonizado por Dustin Farnum e com William Elmer interpretando ‘Trampas’. O western de DeMille era baseado na história de Owen Wister que foi levada ao cinema pela segunda vez em 1923, num filme de Tom Forman intitulado “Como Devem Ser os Homens” (The Virginian). Quem interpretou o Homem de Virgínia foi Kenneth Harlan e o bandido Trampas foi vivido por Russell Simpson. Em 1929 a história de Owen Wister seria filmada novamente com o título “Agora ou Nunca” (The Virginian), dirigida por Victor Fleming (“E o Vento Levou” e “O Mágico de Oz”). O protagonista foi um jovem ator de nome Gary Cooper que parecia fadado a fazer muito sucesso. Desta vez o vilão Trampas foi interpretado por Walter Huston e numa ponta pode ser visto um novato chamado Randolph Scott. Somente em 1946 o Homem de Virgínia voltaria a cavalgar no cinema, interpretado por Joel McCrea em “Suprema Decisão” (The Virginian), dirigido por Stuart Gilmore. Coube a Brian Donlewy ser o homem mau Trampas.


James Drury
‘The Virginian’ chega à TV - Parecia que o cinema havia esquecido a história de Owen Wister, mas a televisão, que em 1958 já estava derrotando o cinema como forma de entretenimento, voltou a lembrar do Homem de Virgínia. Isso aconteceu numa série chamada ‘Decision’ que durou somente 13 episódios de meia hora. O primeiro desses episódios teve justamente o título “The Virginian” e foi baseado no personagem criado por Wister no início do século. Quem interpretou o herói foi o pouco conhecido James Drury, mais lembrado por ter sido um dos irmãos de Elvis Presley em “Ama-me com Ternura”, filme de estréia do Rei do Rock ’n’ Roll no cinema. Essa adaptação para a TV tinha ainda no elenco Andrew Duggan, Jeanette Nolan e um ator robusto chamado Dan Blocker. Apesar desses nomes, essa espécie de piloto de “The Virginian” foi esquecida até que em 1962 a Revue Productions, braço da televisão da MCA-Universal Pictures decidiu que “The Virginian” poderia ser uma interessante série de TV. Deveria concorrer com “Gunsmoke”, “Bonanza”, “Cheyenne”, “O Homem do Rifle” e outras séries consagradas e com excelentes índices de audiência. A nova série teria de ter algo diferente, alguma coisa especial para alcançar sucesso e ela de fato tinha um inesperado diferencial.

Lee J. Cobb, James Drury e Doug McClure.
Episódios de 75 minutos de duração - As primeiras séries filmadas para a TV tinham episódios de 25 minutos de duração, passando mais tarde, quase todas, para 50 minutos. “Gunsmoke” começou com aquela duração menor e depois passou a ser exibida com 50 minutos. “Bonanza”, outra série de sucesso, sempre teve 50 minutos, o que possibilitava contar melhor uma história. Eis que a nova série filmada em 35mm e em cores e exibida pela NBC, tinha como novidade a duração de 75 minutos, que com a inserção dos comerciais, fazia com que os programas tivessem 90 minutos. Foi assim que no dia 19 de setembro de 1962, uma quarta-feira, das 19h30 às 21 horas, “The Virginian” foi ao ar pela primeira vez, exibindo o episódio intitulado “The Executioners”. Além do misterioso virginiano, o elenco trazia os nomes de Lee J. Cobb (Juiz Henry Garth), Doug McClure (Trampas), Gary Clark (Steve Hill), Pippa Scott (Molly Wood), Roberta Shore (Betsy Garth, filha do Juiz), todos personagens fixos da série. Como convidados especiais participaram desse primeiro episódio Hugh O’Brian, Colleen Dewhurst e John Larch. A produção da série ficou a cargo de Frank Price.


Doug McClure, o 'Trampas'.
Trampas deixa de ser bandido - Quem conhecesse a história original ou houvesse assistido a uma das versões para o cinema estranhou o fato de o personagem Trampas não ser bandido e sim um cowboy do Rancho Shiloh, rancho pertencente ao Juiz Henry Garth. Trampas foi transformado em um jovem um tanto rebelde e irresponsável mas também bem humorado e corajoso, contraponto perfeito para o Homem de Virgínia, capataz do rancho e cowboy de temperamento quieto e que nunca falava sobre suas origens. O que o Virginiano tinha de econômico nas palavras tinha de agilidade no gatilho, de honesto e justo, sendo que jamais revelou seu nome verdadeiro. Sergio Leone devia assistir a essa série pois o herói de seu primeiro filme também não possuía um nome, sendo conhecido como ‘The Stranger’. O Virginiano e Trampas nem sempre se entendiam, mas juntos ajudavam a manter a lei e a ordem em Medicine Bow, cidade que ficava no Wyoming na década de 1890, época em que se desenrolavam as histórias da série. O público gostou do novo formato que exigia atenção por uma hora e meia, como se estivesse assistindo a um filme de longa metragem, apenas interrompido pelos comerciais. Com episódios abordando temas adultos, não demorou para “The Virginian” entrar para a lista das séries mais assistidas, despertando o interesse de artistas famosos do cinema e da TV que pediam a seus agentes para conseguir participação especial em episódios da série “The Virginian”. Assim o público podia ver a cada semana vencedores de Oscar como Bette Davis, Joan Crawford, Greer Garson, Edmond O’Brien, Broderick Crawford e Miyoshi Umeki ou futuros vencedores de Oscar como Lee Marvin e Ben Johnson. Entre nomes famosos que participaram da série vale lembrar Yvonne De Carlo, Rhonda Fleming, Janet Leigh, Charles Bronson e bandidões como Neville Brand, Claude Akins e Jack Elam, entre outros, atuando nas histórias criadas para a série.

Charles Bickford
Mudanças constantes no elenco – Na 3.ª temporada a cidade de Medicine Bow ganhou um xerife chamado Emmett Ryker, interpretado por Clu Culager e o Rancho Shiloh recebeu o personagem Randy Benton um cowboy que tocava guitarra e cantava, interpretado por Randy Boone. Na 4.ª temporada Norman McDonell, o produtor de “Gunsmoke” substituiu Frank Price na produção de “The Virginian”, promovendo algumas alterações no elenco. O Juiz Henry Garth (Lee J. Cobb) tornou-se o governador do Wyoming, desaparecendo da série. Com a saída de Lee J. Cobb, McDonell trouxe John Dehner para interpretar Morgan Starr, o novo proprietário do Rancho Shiloh. A substituição não deu certo e durou apenas sete episódios. Frank Price retornou como produtor da série e no início da 5.ª temporada o ‘Shiloh Ranch’ possuía novo dono, um fazendeiro chamado John Grainger, interpretado por Charles Bickford. Com Bickford vieram também seus netos Elizabeth Grainger (Sara Lane) e Stacey Grainger (Don Quine). Durante a 6.ª temporada, no mês de novembro, Charles Bickford faleceu e o Rancho Shiloh, sem nenhuma explicação, passou a ser dirigido por Clay Grainger, irmão de John Grainger. Quem interpretou Clay Grainger foi John McIntire, que já havia substituído Ward Bond na série “Caravana” quando Bond faleceu em 1959. As trocas de personagens não alteraram muito o comportamento da série “The Virginian” nos índices de audiência, com o programa aparecendo sempre entre os 30 mais assistidos da televisão norte-americana. A melhor colocação da série foi na quinta temporada, quando obteve a 10.ª colocação, empatando com o famoso “Ed Sullivan Show”. Quando chegou à 8.ª temporada, “The Virginian” passou a perder público e pela primeira vez deixou de figurar entre os Top-30 programas mais assistidos. Foi quando ocorreram as mudanças mais radicais na série.

Quatro fases diferentes de "O Homem de Virgínia": James Drury, Pippa Scott,
Roberta Shore, Lee J. Cobb e sentados Doug McClure e Gary Clarke;
James Drury, Charles Bickford e Don Quine;
Doug McClure, Jeanette Nolan, James Drury, Sara Lane e John McIntire;
Doug McClure, Stewart Granger e James Drury.

9.ª e última temporada: Stewart Granger e
Lee Majors se juntam a Doug McClure
e a James Drury.
The Men from Shiloh - Após 225 episódios parecia que a carreira de “The Virginian” se aproximava do fim. Mas não foi o que aconteceu pois em setembro de 1970 o programa foi ao ar iniciando a 9.ª temporada com o novo nome “The Men from Shiloh”, mantendo do elenco original apenas o Homem de Virgínia (James Drury) e Trampas (Doug McClure). O ‘Shiloh Ranch’ foi adquirido pelo Coronel Alan MacKenzie, interpretado pelo ator inglês Stewart Granger. Outra cara nova na série foi o personagem Roy Tate, interpretado por Lee Majors, que antes atuara na série “The Big Valley”. Stewart Granger declarou que detestava televisão e que só iria atuar na série pelo bom salário que lhe foi oferecido. Lee Majors, por sua vez faria bela carreira na TV interpretando um homem biônico na série “O Homem de Seis Milhões de Dólares” e mais tarde tendo novo sucesso com a série “Duro na Queda”.

Únicos atores a participar da série por
nove anos: James Drury e Doug McClure.
Lançamento em DVD NOS EUA - Mesmo com “The Men from Shiloh” melhorando a audiência e atingindo o 18.º posto entre os programas mais vistos da televisão norte-americana, a Revue Productions decidiu cancelar a nova série após 24 episódios. Outra novidade dessa 9.ª temporada foi o novo tema musical composto pelo já famoso Ennio Morricone. Nas oito primeiras temporadas o tema musical de “The Virginian” era a canção “Lonesome Tree”, composta pelo maestro Percy Faith. No Brasil a série “The Virginian” foi exibida como “O Homem de Virginia”, encontrando problemas com as grades de programação pela duração de 75 minutos de cada episódio da série. O personagem criado por Owen Wister rendeu um total de 249 episódios em nove temporadas, tornando-se a terceira série western de maior longevidade da televisão, perdendo apenas para “Gunsmoke” (635 episódios) e “Bonanza” (430 episódios). James Drury atuou em 248 episódios e Doug McClure em 247 episódios da série "The Virginian". James Drury era chamado de ‘O Garbo da TV’ por sua aversão (como fazia a sueca Greta) a dar entrevistas e falar de sua vida pessoal. O ator seguia à risca a filosofia de vida do Homem de Virgínia. Doug McClure dividia com James Drury a preferência dos fãs da série, sendo que o louro ator faleceu em 1995 aos 59 anos de idade, de câncer do pulmão. Com o passar do tempo James Drury mudou um pouco sua personalidade e é hoje um dos mais ativos entre os atores veteranos da TV, comparecendo aos eventos que reúnem os antigos ídolos. Bem escrita e contando sempre com excelentes atores, “O Homem de Virgínia” é reconhecida como uma das melhores séries westerns de TV, deixando imensa saudade nos fãs. Pensando neles todas as nove temporadas foram lançadas nos Estados Unidos enquanto os fãs brasileiros continuam aguardando pelo lançamento nacional, contentando-se com cópias dos antigos episódios dublados exibidos pela TV Tupi.



23 de março de 2013

UMA PISTOLA PARA RINGO (Una Pistola per Ringo) – UM DIVERTIDO WESTERN-SPAGHETTI



Após o grande sucesso de bilheteria obtido por “ “Por um Punhado de Dólares” muitos cineastas italianos passaram a filmar o novo gênero de filmes que o público europeu elegeu como o preferido. Duccio Tessari foi um dos diretores que, sem perda de tempo, concorreu para a avalanche de faroestes coproduzidos por espanhóis, italianos e também por franceses e alemães. Eram muitas as produções com diretores, atores e até técnicos adotando pseudônimos em língua inglesa, forma de levar o público a acreditar que estava assistindo a faroestes originais norte-americanos. O escritor e diretor Duccio Tessari nunca usou esse expediente e assinava seus filmes com seu bem italiano nome artístico. E não foi essa a única diferença entre Tessari e seus compatriotas cineastas.


Giuliano Gemma, o "Angel Face".
O encontro de Gemma com Tessari - Duccio Tessari, um genovês de 42 anos, iniciou sua carreira de diretor com “Os Filhos do Trovão”, em 1962, aventura de gladiadores. Os três filmes seguintes de Tessari foram dois dramas e um policial, nos quais dirigiu atores conhecidos como Raff Vallone, Annie Girardot, Michèle Morgan, Sylva Koscina, Enrico Maria Salerno e Stefania Sandrelli. Para seu primeiro faroeste, intitulado “Una Pistola per Ringo” (Uma Pistola para Ringo), Duccio Tessari teve como ator principal um jovem de 26 anos chamado Giuliano Gemma que vinha perseguindo tenazmente o estrelato. Gemma fizera pontas em “Ben-Hur”, o épico de William Wyler filmado na Itália e em “O Leopardo”, de Luchino Visconti, estrelado por Burt Lancaster. Giuliano Gemma teve ainda outras pequenas participações em “Os Cossacos” (com Edmund Purdom) e em “Bocaccio 70”, famoso filme italiano em quatro episódios. Em “Angélica, a Marquesa dos Anjos”, filme de 1964 e protagonizado por Michèle Mercier, Giuliano Gemma foi o quinto nome do elenco, o que também aconteceu na sequência “Maravilhosa Angélica”, filmado no ano seguinte. E veio, em 1965, o convite para Gemma estrelar “Uma Pistola para Ringo”, sob a direção de Duccio Tessari.

Giuliano Gemma em "Ben-Hur" e de
camisa vermelha em "O Leopardo",
com Alain Delon e  Mario Girotti.
Quem é Montgomery Wood? - Lançado na Itália no dia 12 de maio de 1965, “Uma Pistola para Ringo” não trazia nos posteres e nem nos créditos do filme o nome de Giuliano Gemma que foi forçado pelos produtores a adotar o pseudônimo de ‘Montgomery Wood’. A escolha desse nome tem diversas versões, entre elas aquela que conta que inicialmente Robert Woods, ator norte-americano radicado na Itália, deveria interpretar o personagem ‘Ringo’. Woods conta que não aceitou devido a “Uma Pistola para Ringo” ser coproduzido pela Produciones Cinematograficas Balcázar e rodado em parte no estúdio de propriedade do diretor-produtor catalão Alfonso Balcázar. Robert Woods esteve sob contrato com Balcázar, com quem então estava em litígio. Porém o mais provável é que o pseudônimo ‘Montgomery Wood’ tenha sido escolhido pela sonoridade do prenome que era também o nome de um conhecido astro norte-americano (Montgomery Clift). O ‘Wood’, além de combinar perfeitamente com ‘Montgomery’, lembrava o nome do ator de maior sucesso na Itália em 1965, um certo Clint Eastwood.

Duccio Tessari rindo de Ringo.
O estilo diferente de Tessari - Após os dois primeiros westerns da ‘Trilogia dos Dólares’, Clint Eastwood gozava, na Itália, de prestígio maior que Marcello Mastroianni e Vittorio Gassman, os grandes atores italianos de dramas e comédias. E Clint devia essa notoriedade a ‘Bob Robertson’, pseudônimo do diretor Sergio Leone, que teve a colaboração não creditada de Duccio Tessari no roteiro de “Por um Punhado de Dólares”. Duccio Tessari vinha escrevendo histórias ou roteiros para o cinema desde 1958 e para o primeiro western que iria dirigir decidiu fazer um filme muito diferente do já imitado “Por um Punhado de Dólares”. Nos westerns de Leone praticamente não havia mulheres pois o diretor afirmava que a presença feminina em faroestes tornavam os filmes mais lentos. Já nos primeiros faroestes de Tessari as mulheres eram personagens quase tão importantes quanto os homens. “Por um Punhado de Dólares” foi um filme cuja sisudez era quebrada apenas pelo personagem ‘Piripero’ (Joseph Egger), enquanto Duccio Tessari deu a “Uma Pistola para Ringo” um tom leve com frases e situações próprias de comédia, seja através do anti-herói ‘Angel Face’ interpretado por Giuliano Gemma como também pelo mais engraçado que desalmado vilão ‘Sancho’ (Fernando Sancho. E para culminar, a maior de todas as diferenças: enquanto o ‘Estranho’ (Clint Eastwood) quase não fala em “Por um Punhado de Dólares”, ‘Angel Face’ é um falastrão, sempre com uma ironia pronta e iniciada pelo bordão “É uma questão de princípios”.

Giuliano Gemma alvejando quatro homens
e abaixo Fernando Sancho defendendo
a pequena sacola com 50 mil dólares.
Extorquindo bandidos - Autor da história e também roteirista em parceria com Alfonso Balcázar, Duccio Tessari deu o nome ‘Ringo’ ao personagem principal de seu primeiro faroeste em clara referência aos muitos ‘Ringos’ dos westerns norte-americanos. Em especial ao ‘Ringo Kid’ (John Wayne) da obra-prima “No Tempo das Diligências”, de John Ford, e ao ‘Jimmy Ringo’ (Gregory Peck) do clássico “O Matador”, de Henry King. O ‘Ringo’ de “Uma Pistola para Ringo”, apelidado de ‘Angel Face’ começa sua aventura sendo preso por Ben (George Martin), o xerife de Quemado. Ringo liquidou em legítima defesa quatro homens que pretendiam matá-lo. O xerife encarcera ‘Angel Face’ para que este seja julgado pelas quatro mortes. O mexicano Sancho (Fernando Sancho) chega a Quemado com seu bando e assalta o banco local, sendo perseguidos pelo xerife e uma patrulha reunida para caçar os bandidos. Perseguido, o bando de Sancho se refugia na fazenda do Major Clyde (Antonio Casas), dominando o Major, sua filha Ruby (Lorella De Luca) e os empregados mexicanos da fazenda. Cercado pela patrulha, Sancho promete matar um reféns por dia e a única possibilidade de resgate é alguém se infiltrar na fazenda e esse alguém é Ringo (Giuliano Gemma). Para executar essa tarefa Ringo quer 30% dos 50 mil dólares roubados do Banco de Quemado, com o que concorda o banqueiro. Já na fazenda, Ringo ganha a antipatia de todos os bandidos, mas ganha a confiança de Sancho, a quem promete ajudar a escapar do cerco, cobrando de Sancho 40% do dinheiro roubado. Um a um o bando de Sancho vai sendo dizimado. Ao final Ringo eleva o valor ‘extorsivo’ para salvar Sancho de 40% para 50% e em seguida para 60%, o que faz com que Sancho tente matar Ringo. Sancho leva a pior e Ringo recupera o dinheiro do banqueiro, agora apenas 35 mil dólares que Ringo restituiu após separar seu 30% daquele valor, com o qual parte desaparecendo no horizonte.

Nieves Navarro e Antonio Casas. Em sua juventude
Antonio Casas foi futebolista do Atlético de Madrid.
Influências dos faroestes de Hollywood - Ringo é cínico, amoral, manipulador e mercenário, assim como era ‘Joe Erin’ (Burt Lancaster) em “Vera Cruz”. E Ringo não perde ocasião de desdenhar quem está do lado da lei ou vilões como Sancho e seu bando. Ringo toma apenas leite, o mesmo hábito de ‘Destry’ (James Stewart) em “Atire a Primeira Pedra”. E como Ethan Edwards (John Wayne) em “Rastros de Ódio”, Ringo tem uma frase preferida: “É uma questão de princípios”, usada a todo momento, assim como Ethan repetia insistentemente “That’l be the Day”. Ironicamente, porém, Ringo é um homem sem princípios. A sequência  em que Ringo mata Sancho atirando contra a lateral de um sino para a bala ricochetear e atingir mortalmente o bandido foi claramente inspirada em "Homens Indomáveis", com a morte de Dan Duryea. Sancho, o vilão-mór é calcado no estereótipo criado por Noah Beery, o adorável malfeitor de tantos westerns B do cinema mudo até os anos 40 em Hollywood. Não só as referências diretas, mas o próprio ritmo e estilo de “Uma Pistola para Ringo” lembram mais um western norte-americano que um western-spaghetti. E como os mocinhos daqueles filmes, Ringo não se deixa levar pelos encantos das mocinhas. Porém Tessari criou uma envolvente subtrama com a súbita paixão do aburguesado Major Clyde pela bela bandida Dolores (Nieves Navarro). Paixão correspondida por Dolores sentir-se como uma Eliza Doolitle que recebe educação do seu Professor Higgins, tornando-se quase uma ‘my fair lady’. Essa história de amor é responsável pelos momentos mais singelos do filme de Tessari, mais ainda por Dolores ser a namorada do vingativo Sancho, que ao morrer sussurra “Dolores” como última palavra.

Uma das falas engraçadas de Sancho.
Roteiro espirituoso - Ainda lembrando faroestes norte-americanos, há o muito sem graça namoro do xerife Ben com Ruby, mas o que esperar de um personagem que diz a respeito de Ringo: “Honra e justiça não significam nada para caras como ele”, quando mais tarde é Ringo quem salva Ruby de um iminente estupro, sendo recompensado por um beijo dado por Ruby. Um dos diálogos mais hilários do filme é quando Sancho, necessitando ter uma bala retirada do ombro, fica sabendo que Ringo já operara... cavalos. “Não sou um cavalo”, diz o irritado Sancho, tendo como resposta de Ringo: “E eu não sou médico”. Durante o assalto ao Banco de Quemado, Sancho diz que vai levar todo o dinheiro porque “O banco está sujeito a assaltos e eu prometo guardar o dinheiro em lugar seguro”, além da fronteira, obviamente. O caráter de Ringo é definido quando ele conta a história de seu pai que lutara na Guerra Civil, tendo começado a lutar pelos Confederados, mas como eles estavam perdendo passou para o lado dos ianques. E Ringo lembra ainda, parafraseando um conhecido provérbio, que “Deus fez os homens iguais, mas o revólver é que os diferencia”. A frase certa é: “Deus fez os homens diferentes; Samuel Colt é que os tornou iguais”. O que não falta no roteiro de Tessari é humor de boa qualidade e muita espirituosidade, coisa rara em faroestes.


Nieves Navarro
Nieves Navarro, La Bandida - Giuliano Gemma disse em uma entrevista recente que nunca procurou imitar nenhum ator norte-americano. No entanto o atlético e gracioso ator é uma perfeita cópia do Burt Lancaster de “Vera Cruz”, do sorriso aberto às acrobacias, passando pelas roupas parecidas. Gemma é um ator excepcionalmente simpático e sua criação de Ringo é deliciosa. O mesmo pode ser dito do histrionismo de Fernando Sancho, magnificamente dublado em Inglês, idioma desta versão lançada em DVD, versão por sinal completa. Algumas versões que circulam não têm a cena inicial com o aperto de mãos de dois cowboys que parecem prontos a duelar, bem como faltam as cenas em que Ringo esmaga a mão de Felipe (Duccio Tessari) com uma taça de metal e a cena da retirada da bala do corpo de Sancho. A ex-modelo Nieves Navarro era uma mulher lindíssima que se casou com Luciano Ercoli, o produtor de “Uma Pistola para Ringo”. Usando o pseudônimo ‘Susan Scott’, Nieves Navarro passou a usar seu belo corpo como atração em filmes apelativos. E Lorella De Luca (creditada como Hally Hammont), atriz bonita mas inexpressiva foi esposa de Duccio Tessari até a morte do diretor. Lorella estreou no cinema aos 15 anos em “A Trapaça”, de Federico Fellini. O ator espanhol Murriz Brandariz, o ‘Pajarito’ (ou Manuel Muñiz) é a decepção com um personagem insonso e sem graça.

Giuliano Gemma, como Ringo.
Os faroestes preferidos de Giuliano Gemma - Com as cenas externas filmadas em Almería e em San José, na Andaluzia, a maior parte de “Uma Pistola para Ringo” foi rodada em Esplugues de Llobregat, nas proximidades de Barcelona, onde ficava o estúdio de Alfonso Balcázar. A música de Ennio Morricone é bonita ainda que menos inspirada que a de outros trabalhos do compositor. O destaque fica com a canção-título “Angel Face”, de autoria de Morricone com letra de Gino Paoli, sempre lembrado pelo sucesso “Sapore di Sale”. O cantante desta vez é Maurizio Graf. Terminada a filmagem de “Uma Pistola para Ringo”, praticamente a mesma equipe filmou em seguida “O Retorno de Ringo” que nada tem a ver com o personagem ‘Angel Face’, mas sim com um Ringo que é uma espécie de Ulisses retornando para casa depois de sua odisséia no Velho Oeste. Em 1965 Gemma atuou em mais três westerns, além de “Uma Pistola para Ringo”. Esses filmes foram “O Dólar Furado” (lançado no dia 9 de agosto), “O Retorno de Ringo” (lançado no dia 8 de dezembro) e “Adeus, Gringo” (lançado no dia 24 de dezembro). Essas datas referem-se aos lançamentos na Itália. Giuliano Gemma disse que fez mais de 100 filmes, dentre estes 17 faroestes, dos quais ele tinha três que eram seus preferidos: “O Dólar Furado”, “Dias de Ira” e “Uma Pistola para Ringo”. Este último, pela mescla de ação, romance e humor é sem dúvida, um memorável western-spaghetti com jeito dos melhores faroestes B produzidos em Hollywood.


PÁGINAS DE CINEMA DA SEMANA DO LANÇAMENTO EM
SÃO PAULO DE "UMA PISTOLA PARA RINGO"






Giuliano Gemma, grande ídolo western de muitos cinéfilos
dos anos 60 e 70.




21 de março de 2013

WESTERNVIDEOMANIA - "ANGEL FACE", DE "UMA PISTOLA PARA RINGO"



Em 1965 o western-spaghetti "Uma Pistola para Ringo" prosseguiu o sucesso que
Giuliano Gemma alcançara com "O Dólar Furado". E o novo filme trazia uma
melodiosa canção composta por Ennio Morricone com versos de autoria de
Gino Paoli. A canção é "Angel Face", que permaneceu muitas semanas no topo
das paradas de sucesso da Itália e foi interpretada por Maurizio Graf.
Assistam ao vídeo, deliciem-se com a bela canção "Angel Face"
e com imagens de "Uma Pistola para Ringo".


20 de março de 2013

ESTANTE DE FAROESTE – “THE THRILL OF IT ALL” – O PRIMEIRO LIVRO A GENTE NUNCA ESQUECE


Westernmaníaco que se preze gosta de possuir não só filmes de faroestes, mas tudo que se relacione com o gênero, especialmente livros. WESTERNCINEMANIA inicia uma nova seção que pretende informar o leitor sobre livros já lançados e os editados mais recentemente e que chegam às livrarias. A maior parte dos livros que focaliza o gênero western é escrita em língua inglesa e muito raramente são lançadas traduções em Português. Algumas dessas obras podem ser encontradas em livrarias que trabalham com itens importados, mas normalmente só podem ser adquiridos em sites de vendas sediados no exterior. Os livros escritos por autores brasileiros, ainda que em número reduzido, também serão focalizados pela seção ESTANTE DE FAROESTE, a qual pretende falar de dois livros quinzenalmente.


Doris Day em uma das vezes em que foi
capa de 'Filmelândia'.
Uma coleção de Filmelândia - Em 1976 mudei-me para um apartamento e decidi me desfazer de algumas ‘coisas’ que ocupavam espaço. Entre essas ‘coisas’ estava a coleção completa da revista ‘Filmelândia’.  Procurei a Livraria Gibi, de Ademário de Matos, para vender os 107 exemplares da coleção completada com tanta dificuldade. Eu conhecia Ademário de Matos desde os tempos em que a Livaria Gibi ficava na esquina da Avenida São João com a Rua Conselheiro Crispiniano, num prédio próximo ao Quartel General do II Exército, no centro de São Paulo. Nesse tempo Ademário de Matos me vendeu diversos exemplares de ‘O Pequeno Sheriff’. Ademário era um despachante policial que se tornou o mais conhecido comerciante de gibis de São Paulo. Tanto que seu escritório era ponto de encontro de colecionadores que em comum tinham o fato de serem fãs também de filmes de faroestes. Entre estes estavam Aulo Barretti, Sérgio Pereira, Clóvis Ribeiro Jorge Cavalcanti e Cláudio Caltabiano, sendo os dois primeiros os fundadores da Confraria dos Amigos do Western, em 1977.

Contracapa do livro "The Thrill of it All".
Capa hipnotizante - Em 1976 a Livraria Gibi de Ademário de Matos funcionava numa loja na galeria no hall do Cine Paulistano na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, quase esquina com a Avenida Paulista. Combinei com Ademário que levaria a coleção de ‘Filmelândia’ para negociarmos, sem tocar em preço. Após examinar a coleção Ademário me disse que “...esse tipo de revista não tem procura pois muita gente se desfez de ‘Filmelândia’ e ‘Cinelândia’.” Disse ainda que se eu quisesse poderia deixar as revistas em consignação na Livraria Gibi e, como bom negociante, completou: “Dê uma olhada no que eu tenho nas prateleiras. Se você se interessar por alguns itens fechamos negócio agora mesmo”. Fui hipnotizado pelo livro “The Thrill of it All”, com aqueles maravilhosos mocinhos da minha infância, todos olhando para mim. Perguntei a Ademário quanto custava aquele livro. “Para você eu faço por 200 cruzeiros”, respondeu Ademário. Em seguida ele me disse que poderia dar mais 100 cruzeiros para fecharmos o negócio com a coleção de ‘Filmelândia’. Decidi aceitar e concretizei um dos piores negócios da minha vida.

O famoso '3 em 1' de Alan G. Barbour.
‘Filmelândia’ por R$ 2,80 - Um cruzeiro em 1977 teria valor aproximado de um real atualmente. Com isso Ademário de Matos pagou-me R$ 2,80 por exemplar de ‘Filmelândia’, revista que hoje tem preço médio de R$ 25,00, sendo que os raríssimos dez primeiros números podem atingir até R$ 100,00. Mas o pior de tudo nem foi essa constatação, mas sim saber que o livro “The Thrill of it All” pode ser adquirido hoje (20/3/2013) numa famosa livraria virtual por um centavo de dólar, preço simbólico para desocupar prateleira. Há dois anos adquiri o livro “Saturday Afternoon at the Movies” (568 páginas) por seis dólares, sendo que esse livro é do tipo ‘três em um’, pois um volume encadernado contém “The Thrill of it All” (faroestes B), “Days of Thrills and Adventures” (seriados) e “A Thousand and One Delights” (filmes de aventuras), todos de autoria de Alan G. Barbour. Mas não foram esses fatos ou ainda “The Thrill of it All” ter sido meu primeiro livro de faroeste que me leva a comentá-lo em WESTERNCINEMANIA, mas sim ser esse livro um clássico da literatura sobre os faroestes B.


Uma das páginas do belo livro de Barbour,
com Roy Barcroft e Alan 'Rocky' Lane.
Emoção a cada página - Alan G. Barbour foi um dos primeiros autores a escrever sobre os faroestes B, com “The Thrill of it All”, lançado em 1971, quando a nostalgia tomava conta daqueles que foram crianças nas décadas de 30 e 40. O livro é repleto de fotografias (muitas delas nunca vistas antes) de praticamente todos os cowboys que fizeram a história daquele segmento de filmes destinados a crianças, adolescentes e adultos que vibravam com “a emoção daquilo tudo”, traduzindo o título do livro de Barbour. Dividido em 11 capítulos que abrangem desde os faroestes do cinema mudo (“Silent Hoofbeats”), passando por “The Devils Henchmen” (que fala dos bandidões), até o capítulo final apropriadamente chamado “The End of the Trail”, o livro “The Thrill of it All” é uma festa para os olhos e grande emoção para o coração dos fãs. Alan G. Barbour era profundo conhecedor dos westerns B e este seu livro é um compêndio indispensável para quem quer conhecer a história desse subgênero de filmes. “The Thrill of it All” foi editado pela Colliers Book, de Nova York, tem 202 páginas e o tamanho do livro é 20 x 28 cm.