Sam Hellman |
Aquele fã de westerns que não presta
muita atenção aos créditos, após algum tempo assistindo “Honra Sem Fronteiras”
certamente pensará que já conhece essa história. E claro que conhece pois ela é
calcada em uma das mais famosas narrativas do Velho Oeste, celebrada
especialmente na obra-prima “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine). Stuart
N. Lake que conheceu Wyatt Earp e foi seu biógrafo escreveu “Wyatt Earp - Frontier
Marshal”, livro no qual foram baseadas três versões do mais famoso duelo ocorrido
no Curral OK. São elas: “O Último Favor” (Frontier Marshal), de 1934; “A Lei da
Fronteira” (Frontier Marshal), de 1939; e finalmente o referido “Paixão dos
Fortes”. Nestes dois últimos westerns Sam Hellman se incumbiu da adaptação e o
mesmo Sam Hellman fez nova adaptação em 1953 e que resultou em “Honra Sem
Fronteiras” (Powder River). E está lá o nome de Stuart N. Lake nos créditos, só
que desta vez Wyatt Earp virou ‘Chino Bullford’ e Doc Holliday aparece como ‘Mitch
Hardin’. E estão lá a moça do saloon e nem a jovem educada vindo do Leste.
Sumiram os irmãos de Wyatt Earp mas o que não falta é muita ação mostrando que
Louis King era bom no gênero, assim como seu versátil irmão Henry King, de “O
Matador” (The Gunfighter).
Acima Rory Calhoun e Frank Ferguson; abaixo Robert J. Wilke e Carl Betz |
Um
assassinato mal esclarecido - Chino Bullford (Rory Calhoum) é um
conhecido ex-pistoleiro que se dedica a garimpar ouro na companhia de seu sócio
Johnny Slater (Frank Ferguson). Chino vai à cidade de Powder River para comprar
mantimentos, Slater é morto e a porção de ouro que guardavam é roubada. Chino
acredita que os assassinos sejam Loney Hogan (Carl Betz) e Will Horn (Robert J.
Wilke) e aceita o cargo de xerife de Powder River para acertar as contas com os
dois bandidos. Na cidade Chino conhece Frenchie Dumont (Corinne Calvet), dona
do saloon Belle Union, que é protegida por Mitch Hardin (Cameron Mitchell),
médico que abandonou a profissão por ter um tumor cerebral e não mais poder
fazer cirurgias. Hardin se tornou pistoleiro e chega a Powder River, vinda do
Leste, a jovem Debbie Allen (Penny Edwards) que ama Hardin apesar deste ser
alcoólatra. Chino se sente atraído por Debbie enquanto Frenchie disputa com
Debbie o amor de Chino. Famosos, Hardin e Chino são rivais quanto a qual deles
é o mais rápido no gatilho mas se tornam amigos e se defrontam com a quadrilha
comandada por Harvey Logan (John Dehner), irmão de Loney. Hardin e Chino
exterminam o bando mas Chino descobre que foi Hardin quem matou seu sócio
Johnny Slater. Os dois fazem um duelo e Hardin leva a melhor mas sem ferir
Chino. Em seguida Hardin sente-se mal e vem a falecer, após o que Frenchie
decide partir de Powder River e Chino é quem fica com Debbie.
Acima Penny Edwards; abaixo Cameron Mitchell e Corinne Calvet |
Semelhanças
e depois diferenças - Assim como Doc Holliday, Mitch
Hardin abandonou a Medicina e mantém um caso com a moça do saloon mas ama de
verdade a ex-noiva que deixou no Leste e que atravessa o país para visitá-lo
sabendo-o irreversivelmente doente. Por sua vez Chino Bullford veio de uma
cidade turbulenta, não gosta de usar armas de fogo e quer vingar o sócio morto,
tornando-se xerife de Powder River. Isto após retirar do saloon um desordeiro
que apavorava a cidade. A diferença para Wyatt Earp é que Bullford não tem irmãos
mas, de resto, a estrutura inicial de “Honra Sem Fronteiras” é a mesma das
adaptações que Sam Hellman havia feito anteriormente. E Hellman não viu nenhum
problema em usar a mesma história desde que desse o devido crédito a Stuart N.
Lake, autor de ‘Wyatt Earp, Frontier Marshal’. Na segunda metade do filme as
semelhanças são reduzidas e o roteiro do filme de Louis King passa a ter vida
própria e de certa forma até mais interessante que o sobejamente conhecido
evento do Curral OK. E por ser um filme sem maiores pretensões artísticas, King
cria ótimas sequências de ação não deixando de mostrar o clássico e esperado
duelo final.
Cameron Mitchell e Rory Calhoun |
Rory Calhoun |
Nuances
surpreendentes - A adaptação de Sam Hellman roteirizada por Daniel
Mainwaring apresenta uma criativa alternância que surpreende o espectador pois
Mitch Hardin, ainda que involuntariamente, é o verdadeiro assassino de Johnny
Slater, o que dá ainda maior sabor à trama. À parte a questão da vingança a que
Chino Bullford se dispôs, há também a disputa entre ele e Hardin para saber
qual é o mais rápido e o duelo entre os dois tem desfecho surpreendente. Sam
Hellman manteve em sua adaptação os envolvimentos amorosos com as inerentes
situações de ciúmes e hesitações fazendo de Frenchie uma mulher adiante de seu
tempo, dona de saloon aventureira, administrando os ganhos nem sempre ilícitos
e usando os homens segundo seus interesses. Não há Clantons e seus asseclas que
são substituídos pelos irmãos Logan e seus capangas sempre prontos para alguma
maldade.
Rory Calhoun, Zon Murray, John Dehner e Ethan Laidlaw |
Western
movimentado - Produzido pela 20th Century-Fox que realizara todas as
três versões anteriores, algumas mais outras menos baseadas no livro de Stuart
N. Lake, demonstrando o estúdio estar sempre pronto a recontar a mesma
história, “Honra Sem Fronteiras” é acrescido nesta adaptação por uma sequência
em um rio (o Powder River do título) com Rory Calhoun correndo o risco de ser
levado pela corredeira assim como ocorreu em “O Rio das Almas Perdidas” em que
Calhoum contracenou com Robert Mitchum e Marilyn Monroe. Este é um dos muitos
momentos movimentados do faroeste em que não faltam uma fuga de cadeia e
enfrentamentos diversos entre Chino Bullford ao lado de Mitch Hardin e o bando
de Harvey Logan. As sequências passadas em Powder River permitem reconhecer as
ruas do estúdio da 20th Century-Fox vistas em tantos e tantos westerns como por
exemplo “Minha Vontade é Lei” (Warlock), onde duelaram Henry Fonda, Anthony Quinn,
Richard Widmark e outros.
À esquerda Carl betz, Robert J. Wilke e Ethan Laidlaw |
Corinne Calvet |
Corinne
Calvet, a provocante Frenchie - Em nenhuma das versões anteriores
(desconheço “O Último Favor”) houve uma garota de saloon tão provocante como a ‘Frenchie’
de Corinne Calvet. Binnie Barnes, que foi ‘Jerry’ em “A Lei da Fronteira”, e
Linda Darnell, a ‘Chihuahua’ de “Paixão dos Fortes” perdem longe para a
deliciosa interpretação da francesa Corinne, a ponto de ficar difícil aceitar
que nem Hardin ou Bullford sucumbam aos seus encantos no filme. Claro que
haveria de ser seguido o roteiro no qual a doce Debbie Allen cativasse mais o
coração dos durões Bullford e Hardin, repetindo Nancy Kelly e Cathy Downs das
versões de 1939 e 1946. De modo geral as atrizes oriundas do cinema francês nunca
chegaram a fazer maior sucesso em Hollywood e Corinne Calvet não fugiu à regra
apesar de ter participado de inúmeros filmes na capital do cinema. De longe
Corinne é a melhor do elenco que tem Cameron Mitchell com seu estranho cinturão
ganhando o duelo contra Rory Calhoun que, mais uma vez, é Rory Calhoum, ou
seja, não muito expressivo. Penny Edwards, que atuou em diversos westerns B da
Republic Pictures, é a pouco convincente pivô da disputa amorosa entre Mitchell
e Calhoun no filme. John Dehner poderia ser melhor aproveitado como vilão
principal, assim como Robert J. Wilke. Destaque para as boas presenças de Harry
Hines e Frank Ferguson.
Corinne Calvet |
Louis
King em grande momento - Olhando-se a filmografia de Louis
King percebe-se que ele foi, durante seus 40 anos de carreira, um mero diretor
de produções de rotina. Dirigiu exemplares de séries como ‘Bulldog Drummond’,
‘Charlie Chan’, filmes de aventura, comédias e muitos pequenos westerns. Este
“Honra sem Fronteiras” certamente está entre seus melhores trabalhos e o
recomendaria para filmes mais importantes, honraria que ficou para seu irmão
mais velho Henry King. Os muitos fãs de Rory Calhoun e de modo geral
aficionados de faroestes não devem perder este movimentado western.
Na foto à direita o diretor Louis King.
Cameron Mitchell e Rory Calhoun; Cameron Mitchell |
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