William K. Everson, um dos mais
brilhantes autores sobre o gênero western, foi talvez o primeiro crítico a
perceber que “A Lei do Revólver” é uma pequena obra-prima. Os faroestes
dirigidos por William Witney são, de modo geral, superiores aos westerns de
pequeno orçamento, sempre filmes para complementar programas duplos. A maior
parte desses westerns são rotulados como ‘de rotina’ e ignorados pela crítica. As
principais enciclopédias sobre faroestes, como as escritas por Phil Hardy, Les
Adams/Buck Rainey e Herb Fagen, ignoram “A Lei do Revólver”, muito
provavelmente porque os autores não chegaram a assisti-lo e se o fizeram,
estranhamente não perceberam a qualidade do filme de William Witney. Produzido
pela Republic Pictures, estúdio no qual Witney brilhou intensamente não só nos
seriados mas também nos westerns-B, a história guarda algumas semelhanças com
“Os Brutos Também Amam” (Shane) e com “Raquel e o Estranho” (Rachel and the
Stranger), ambos westerns da década de 50. Escrito e roteirizado por Barry
Shipman, autor que produziu muitas histórias para filmes e seriados de William
Witney, a trama de “A Lei do Revólver” consegue ser ao mesmo tempo simples,
complexa e conter uma carga erótica rara nos westerns. Tudo desenvolvido com
tensão durante todos os 85 minutos de duração.
À direita o escritor-roteirista Barry Shipan e William Witney ainda jovem.
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Skip Homeier (acima) e Macdonald Carey |
O fora-da-lei
e a fé de um pastor - Clay Anderson (Skip Homeier) é o
líder de uma quadrilha que assalta um banco na pequena cidade de West Bridge. O
bando se dispersa mas o cavalo de Clay machuca a pata numa queda e o bandido se
refugia no rancho do pastor Hollis Jarret (Macdonald Carey). Jarret tem um
filho pequeno chamado Dodie (Stephen Wootton) com quem Clay faz amizade. Dodie
é filho do primeiro casamento do pastor, cuja esposa faleceu e ele agora está
casado com Peg Jarret (Patricia Medina), moça muito mais jovem que o pastor.
Clay a princípio pensa que ela é filha de Jarret e acreditando que Peg seja uma
mulher volúvel se insinua junto a ela, que a princípio hesita mas depois o
repele. Jarret descobre que foi o estranho quem assaltou o banco e percebe
também o interesse dele por sua mulher, mas se dispõe a reabilitar o bandido
contrariando a vontade de Peg que insiste para que o marido o mande embora.
Jarret compra um cavalo indomável que tenta amansar e com isso provar a Clay
que as naturezas humana ou animal podem ser mudadas com a fé. O xerife John
Tatum (Louis Jean Heydt) chega ao rancho de Jarret e troca tiros com Clay,
quando um dos tiros disparados pelo xerife acerta Dodie. Clay poderia se
aproveitar para fugir mas acreditando que Dodie tenha morrido decide matar o
xerife a quem persegue e com quem trava luta corporal, recebendo um tiro mortal
do homem da lei. Afinal Jarret conseguiu fazer com que Clay mudasse ainda que
isso o levasse à morte.
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Skip Homeier (acima) e Macdonald Carey |
A
salvação é um revólver e um cavalo - “A Lei do Revólver” é um estudo
sobre a possibilidade de um homem desalmado poder se regenerar e desenvolver
seu lado bom ainda que ele próprio não acredite nisso e nem creia que haja algo
de bom em si mesmo. Clay Anderson é mau, insensível e lascivo. Ao ver a esposa
do pastor de imediato se sente atraído por ela e passa desejá-la sofregamente.
Peg por sua vez lança olhares dúbios a Clay, olhares que podem conter
ingenuidade ou provocação. Witney na direção dos atores e o roteiro são
esplêndidos ao criar a dúvida no espectador e o comportamento de Clay se
justifica por ser ele quem é. Insidiosamente o bandido lembra à jovem esposa
que seu marido não é homem para ela, assim como a vida que ela leva não é o sua
jovialidade e beleza merecem. Podendo ir embora Clay prefere ficar apostando
que cedo ou tarde Peg cederá ao seu assédio. O pequeno Dodie admira o estranho
e não esconde isso de seu pai, um homem simples que não porta uma arma. Peg,
por sua vez, ao perceber o perigo a que está exposta, implora ao marido para
que este mande Clay embora do rancho, mas o pastor tem uma quase obsessão,
ainda que o estranho demonstre sua filosofia de vida repetindo sua frase
preferida: “Para mim a salvação é um revólver limpo e um bom cavalo”.
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Patricia Medina; Patricia Medina e Skip Homeier |
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'Lúcifer' |
Lúcifer
e a redenção de Clay - A tolerância de Jarret diante da
conduta do malfeitor é explicada com sua frase “os caminhos de Deus são
misteriosos” e porque obstinadamente ele crê na conversão de Clay. E acredita que
isso faz parte de sua missão como pregador da palavra de Deus, unindo suas
palavras à sua atitude. Mesclam-se então, magnificamente, erotismo e
santimônia, amalgamados pela alegoria representada por Lúcifer, o furioso
corcel negro adquirido por Jarret. O pastor mesmo sabedor que o animal tem
comportamento endemoniado vê nele o exemplo que Clay precisa para se regenerar.
Cético, o bandido aconselha que o cavalo seja morto e mesmo Peg se arma para
tirar a vida do animal que, indomável, quando enfurecido ameaça a todos. Após
inúmeras tentativas de domar Lúcifer e ao precisar dele para perseguir Clay, a
fé do pastor lhe dá forças para subjugar o cavalo, montá-lo e alcançar o
bandido. Clay e Lúcifer são iguais para a convicção religiosa do pastor Jarret.
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Macdonald Carey |
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Patricia Medina |
As
marcas de William Witney - Um western com tal trama se escora
mais em diálogos graves e incomuns que nas ações típicas a um faroeste. E é
bastante conhecido o lema de William Witney como diretor de filmes de ação na
Republic Pictures: “Em cenário internos, luta; em campo aberto, perseguição”
(In a door, into a fight; out a door, into a chase). A luta interior é travada dentro
da casa do rancho confrontando a fé e a virtuosidade contra a maldade e a
licenciosidade. Quando as tomadas transcorrem externamente é hora de Witney
mostrar seu excepcional domínio de sequências de ação. As tentativas de domar
Lúcifer sendo que em uma delas o animal parece estar tomado pelo tinhoso, a
quem representa, são antológicas e vale lembrar que o diretor entendia e muito
de cavalos. Além disso estava ali Slim Pickens, campeão de rodeios para a
necessária assessoria. Para completar “A Lei do Revólver” tem sequências magistrais
filmadas habilmente por Bud Tackery, cinegrafista de tantos e tantos seriados e
westerns dirigidos por Witney. Uma delas é a perseguição tripla carroça, cavalo
e cavalo (Lúcifer) que provoca aquela saudosa vibração que os emocionantes
‘cliffhangers’ provocavam nas crianças e adolescentes que não perdiam um só
capítulo dos inesquecíveis seriados da Republic.
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Patricia Medina e Stephen Wootton; Slim Pickens |
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Macdonald Carey |
Uma
gema produzida na ‘Ala da Pobreza’ - O elenco deste western é composto por
atores que nunca alcançaram o nível mais alto de astros embora fossem bons como
Macdonald Carey e Skip Homeier, a quem chamavam de ‘Lee Marvin dos pobres1. A bela
inglesa Patricia Medina (mãe espanhola), que encantou os espectadores com sua
presença morena em tantas aventuras capa-e-espadas, está bem como a provocante
esposa. Slim Pickens, que era então contratado da Republic, tem um papel
pequeno e não levaria ninguém a imaginar que faria tão brilhante carreira como
coadjuvante de grandes filmes. “A Lei do Revólver” é um daqueles filmes B que nos
permite imaginar como seria se tivesse orçamento e tratamento de grande
produção, em cores e atores famosos. Mas aí o diretor não seria William Witney
e um dos méritos deste western reside justamente em ser perfeito justamente por
ter sido produzido na Poverty Row de Hollywood.
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Skip Homeier |
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Pôster de "A Lei do Revólver" que mais parece divulgar um drama policial que um western. |
Sim. A LEI DO REVOLVER é um filme para ser descoberto por quem gosta de western. Parabens pelo comentario de um filme pouco divulgado. Parabens também por vc continuar editando o seu blog campeão. Sempre abro este blog para ler seus comentários. Até derepente
ResponderExcluir🌻🌻🌻
ResponderExcluirCorrendo ver
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