Stuart N. Lake e seu livro; abaixo John Sturges e Edward Anhalt |
Ao lado de Anthony Mann, John Sturges
foi o mais importante diretor de westerns dos anos 50. Começou a década com o
bom “A Fera do Forte Bravo” (Escape from Fort Bravo), seguido pelo igualmente
bom “Punido pelo Próprio Sangue” (Backlash). A Paramount e Hal B. Wallis apostaram
alto em “Sem Lei e Sem Alma” (Gunfight at the OK Corral), reunindo elenco
estelar e bem cuidada produção que agradou em cheio aos fãs do gênero que
lotaram os cinemas para vê-lo. Com “Duelo na Cidade Fantasma” (The Law and Jake
Wade) Sturges manteve o padrão de qualidade de seus westerns. Veio então o
clássico “Duelo de Titãs” (Last Train from Gun Hill), seguido por aquele que se
tornaria um marco no gênero, “Sete Homens e um Destino” (The Magnificent
Seven). Nos anos 60 John Sturges decepcionou público e crítica com “Os Três
Sargentos” (Sergeant 3) e “Nas Trilhas das Aventuras” (The Hallelulah Trail),
este último seu mais retumbante fracasso entre os faroestes que dirigiu. Foi
então que o diretor, certamente motivado pela onda revisionista da nova década,
decidiu se redimir da forma ficcional com que mostrou a figura de Wyatt Earp
interpretada por Burt Lancaster. Sturges gostou da abordagem feita pelo
escritor-roteirista Edward Anhalt na qual o mais lendário homem da lei do Velho
Oeste é bastante diferente do personagem reinventado por Stuart N. Lake no
livro “Frontier Marshal” e idealizado por John Ford ou mesmo do altruísta
marshal de “Sem Lei e Sem Alma”. Outra diferença na história escrita por Anhalt
é que ela se inicia após o duelo do Curral OK, o qual serve de ponto de partida
para este western. O cenário da Tombstone de 1881 foi erigido em Torreón, no
México, para onde Sturges levou a equipe, e liderando o elenco, três atores do
porte de James Garner, Jason Robards e Robert Ryan.
James Garner |
Sede
de vingança - Nesta versão os irmãos Earp, com a ajuda do jogador Doc
Holliday (Jason Robards), se defrontam com pistoleiros contratados pelo
rancheiro Ike Clanton (Robert Ryan). No confronto ocorrido no ‘Curral OK’, três
participantes, todos do lado de Clanton são mortos e, acusados de assassinato,
Wyatt Earp (James Garner) e Doc Holliday são inocentados. Inconformado Clanton ordena
atentados contra os Earps e Virgil e Morgan são baleados, sendo que este último
acaba morto. Wyatt Earp, que é Delegado Federal (marshal), ao contrário do
xerife de Tombstone e seus ajudantes, é insubornável, o que atrapalha os
negócios escusos de Clanton. Após a morte de Morgan Earp, o determinado Wyatt
busca a vingança, liquidando um a um os capangas do rancheiro corruptor.
Clanton foge para o México e embora a jurisdição de Wyatt como Delegado Federal
o impeça de agir fora de seu país, ele consuma sua vingança no país vizinho
matando Ike Clanton.
O verdadeiro Wyatt Earp |
Ainda
preservando a lenda - Primeiro a literatura, por obra
(culpa) exclusiva do escritor Stuart N. Lake, elevou Wyatt Earp à condição de lenda
nacional, mitificando sua personalidade, para o que ele próprio colaborou com
seus controversos depoimentos a esse autor. O cinema já existia e Wyatt, no
final da vida, dava entrevistas narrando como abatia bandidos em seu tempo de
homem da lei. O nome ‘Wyatt Earp’ significava lucro certo e Hollywood também
deu sua enorme contribuição para que esse ‘homem da lei’ fosse mostrado como um
nobre norte-americano que mais que nenhum outro ajudou a domar o Oeste
Selvagem. Os movimentos sociais dos anos 60 e a contracultura levaram autores e
mesmo o cinema à busca das verdades dos fatos. Contrariando a famosa frase de
John Ford ‘Print the legend’, Custer, Jesse James, Wild Bill Hickok e outros
personagens do Velho Oeste passaram da condição de heróis para a de homens
comuns quando não de assassinos frios ou neuróticos. “A Hora da Pistola” não
chega a deslustrar inteiramente a biografia de Wyatt Earp, mas o apresenta como
um homem para quem a lei pouco importa diante de seu ímpeto pela vingança do
irmão morto e do outro que ficara aleijado. Perseverante no seu intento, Wyatt
não é contido pelo surpreendentemente sensato Doc Holliday, cujos conselhos
Wyatt ignora na sua sede de retaliação.
James Garner |
Enfoque
mais real - No início de “A Hora da Pistola” uma legenda informa que
o filme é baseado em fatos reais da forma como eles aconteceram. Tal aviso
prepara o espectador para o choque de conhecer um Wyatt Earp diferente daqueles
que o cinema e a TV até então haviam mostrado. Randolph Scott (“A Lei da Fronteira”/Frontier
Marshal), Henry Fonda (“Paixão dos Fortes”/My Darling Clementine), Joel McCrea
(“Choque de Ódios”/Wichita), Burt Lancaster (“Sem Lei e Sem Alma”/Gunfight at
the OK Corral), no cinema e Hugh O’Brian (“Wyatt Earp”/The Life and Legend of
Wyatt Earp) em uma série para a televisão, todos personificaram Wyatt Earp da
maneira como Hollywood gostava de fazer, ou seja, heroicamente, sempre visando
o potencial financeiro daquele personagem. Embora ninguém invista em produções
cinematográficas apenas para revelar a verdade dos fatos, mas sim como forma de
ganhar dinheiro, John Sturges (também produtor) e Edward Anhalt arriscaram-se
na mudança de enfoque e o público não se interessou em ver James Garner como um
homem disposto a tudo para consumar sua vingança. Mais ainda porque Garner foge
do tipo bem humorado, irônico e justo que o consagrou no cinema e na TV.
James Garner e Jason Robards |
Sadismo
e angústia - À parte a questão biográfica, “A Hora da Pistola” não
agrada inteiramente como western porque falta a ele a inspiração que Sturges
esbanjou em trabalhos anteriores. Wyatt Earp e Doc Holliday mais humanos que
destemidos resultou em seres menos expressivos e mais angustiados. Para um
western com 100 minutos de duração e com intenção de ressaltar o aspecto
psicológico dos personagens principais, até que há bastante ação. Pena que
nenhuma delas chegue a emocionar visualmente. Na sequência mais bem
desenvolvida, quando Wyatt mata Andy Warshaw (Steve Ihnat), Sturges salienta o
sadismo do marshal que descarrega desnecessariamente seu revólver no oponente.
Lucien Ballard foi o responsável pela cinematografia, ele que se revelou um
mestre no uso da câmera lenta em “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch),
recurso que o cinema já utilizava com sucesso, como em “Uma Rajada de Balas”
(Bonnie & Clyde), de Arthur Penn e filmado também em 1967. Muito teria
ganho este western de John Sturges com esse recurso que, acredito, não tenha
sido utilizado porque poderia comprometer a intenção primeira do filme que era
ser mais revelador que mero espetáculo visual.
James Garner |
Wyatt
Earp sem esposa ou amante - Nenhuma referência é feita em “A
Hora da Pistola” às mulheres da vida de Wyatt Earp, assim como omite-se Katie
‘Big Nose’ Elder, que viveu com Doc Holliday. Por ocasião do evento do ‘Curral
OK’, Wyatt estava casado e tinha como amante uma mulher que fora amante do
xerife de Tombstone, John Behan, que neste filme tem o nome de Jimmy Bryan
(Bill Fletcher). As únicas presenças femininas no filme são as curtíssimas
sequências em que aparecem a esposa de Virgil Earp ao lado dele deixando
Tombstone e a bela Charlene Holt que, à noite, acorda o marido para ver o que
se passa na rua. Em uma única sequência Doc Holliday é acometido por um acesso
de tosse indicativo da tuberculose que o mataria. E nenhuma menção é feita à
sua formação como dentista, de onde se originou o apelido ‘Doc’. É de Doc a
melhor frase do filme, quando ele diz ao enfermeiro que cuida dele e bebe tanto
quanto ele: “Eu não beberia isso se eu
fosse você”, num momento de puro sarcasmo.
Jason Robards |
Jason
Robards, o melhor do elenco - James Garner está bem como o
pragmático Wyatt Earp, sobrepujado pela excelente interpretação de Jason
Robards. É interessante o fato que o personagem tísico, beberrão, jogador
incorrigível que foi Doc Holliday tenha sempre proporcionado ótimas
interpretações como foram os casos de Victor Mature, Kirk Douglas, Val Kilmer e
Stacy Keach respectivamente em “Paixão dos Fortes”, “Tombstone, a Justiça Está
Chegando” e “O Massacre de Pistoleiros” (Doc). Robert Ryan aparece pouco e
pouco se destaca, ele que como ninguém sabia interpretar homens maus. Entre os
muitos atores do elenco aparece o jovem Jon Voight como ‘Curly Bill Brocius’ em
sua estreia no cinema aos 29 anos de idade. John Williams compôs muito boa
trilha sonora evidenciando uma diversidade de sons incidentais e renunciando ao
uso insistente de um tema principal.
Jon Voight e Robert Ryan |
Jason Robards e John Sturges |
Um
‘Sturges’ menor - John Sturges voltaria aos faroestes
com “Joe Kidd” em 1972, fechando sua filmografia western com
“Valdez, o Mestiço” (Valdez il Mezzosangue), de
1973. Muitos críticos consideram “A Hora da Pistola” uma brilhante realização,
certamente satisfeitos em não ver impressa a lenda que por décadas persistiu no
cinem e sim trazer à tona, pelo menos parcialmente, os fatos senão verídicos,
ao menos mais próximos da realidade. Cinematografi-camente, porém, o resultado
fica distante de seus melhores filmes, mais precisamente de seus melhores
westerns.
O Retorno de Valdez(Valdez Is Coming) não é do Sturges, mas sim de Edwin Sherin. E é de 1971.
ResponderExcluirOlá, Otávio. Perfeita sua observação. Confundi 'O retorno de Valdez' com 'Valdez, o Mestiço', aquele com Burt Lancaster, este último com Charles Bronson, que Sturges dividiu a parceria com Duilio Coletti. Como não vi este western modifiquei a menção feita ao filme de Edwin Sherin. Obrigado ela correção.
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