3 de fevereiro de 2017

PAT GARRETT & BILLY THE KID – SAM PECKINPAH E UMA LENDA DO WESTERN



Aos 33 anos de idade Rudolph Wurlitzer escreveu o roteiro de “Corrida Sem Fim” (1971), filme que instantaneamente virou um cult-movie dirigido por Monte Hellman, diretor que era amigo de Sam Peckinpah. ‘Bloody Sam’ ficou impressionado com este filme estrelado por James Taylor e Warren Oates e acabou conhecendo Wurlitzer que lhe falou sobre uma história que acabara de escrever narrando as últimas semanas de vida de Billy the Kid antes de ser morto por Pat Garrett. Peckinpah já havia abordado esse tema quando escreveu o roteiro de “The Autentic Death of Hendry Jones”, roteiro que foi rejeitado por Marlon Brando para seu western “A Face Oculta” (One-Eyed Jacks). O tema em questão era a relação entre dois bandidos sendo que um, o mais velho (Karl Malden), passa para o lado da lei. As similitudes atraíram Sam que se interessou em dirigir o filme baseado no roteiro de Wurlitzer, western produzido pela Metro Goldwyn Mayer com orçamento previsto de três milhões de dólares e 50 dias de filmagens. O prestígio de Peckinpah estava em alta depois do extraordinário êxito artístico de “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch) e do previsível sucesso comercial do excelente “Os Implacáveis” (1972). Havia no ar uma quase certeza que Peckinpah realizaria outro grande filme.

Nas fotos à direita Rudolph (Rudy) Wurlitzen com Sam Peckinpah;
abaixo Steve McQueen em "Os Implacáveis" e
William Holden em "Meu Ódio Será Sua Herança".


James Coburn e Kris Kristofferson
Amizade e morte - Pat Garrett (James Coburn) e Billy the Kid (Kris Kristofferson) haviam sido amigos quando ambos eram foras-da-lei. Billy the Kid continuou na sua vida de crimes alugando seu revólver ao barão de gado John Chisum (Barry Sullivan) durante o conflito armado entre criadores e que ficou conhecido como ‘A Guerra do Condado de Lincoln’. Garrett por sua vez passou para o lado da lei e uma das incumbências que recebeu como xerife foi a de fazer o ex-amigo sumir da região, sair do país ou até mesmo matá-lo se isso fosse necessário. Autoridades como o Governador Lew Wallace (Jason Robards) e investidores queriam ver o Novo México sem a ameaça que Billy the Kid representava. Considerando a antiga amizade, Garrett orienta Billy a fugir para o México mas diante da recusa passa a persegui-lo, emboscando-o e o prendendo. Billy consegue escapar matando dois guardas e reencontra seu bando em Fort Sumner, mesmo sabendo que Garrett está em seu encalço. Billy se descuida e após um encontro amoroso com Maria (Rita Coolidge) é morto por Pat Garrett. Este por sua vez é emboscado e morto 28 anos depois por um homem que anuncia estar vingando a morte de Billy the Kid.

Acima Sam Peckinpah com James Coburn e
Kris Kristofferson; abaixo L.Q. Jones
Desastre anunciado - Incontáveis vezes a lendária figura de Billy the Kid foi levada ao cinema e a mais respeitada (pela crítica) das versões foi a de 1957 dirigida por Arthur Penn e intitulada “Um de Nós Morrerá” (The Left-Handed Gun). Com a dinheirama disponibilizada pela MGM e o magnífico elenco reunido nenhuma dúvida havia que Peckinpah realizaria o definitivo filme sobre William Bonney, assim como ninguém duvidava que Sam criaria, como de hábito, problemas durante as filmagens em Durango no México. Havia sido assim em praticamente todos os filmes anteriores de Peckinpah, especialmente com “Juramento de Vingança” (Major Dundee) que foi destruído pela Columbia Pictures e renegado por Peckinpah. Em 1972, aos 47 anos o discutido diretor estava bebendo mais do que nunca, assustando até mesmo seus amigos mais próximos como L.Q. Jones que atua em “Pat Garrett & Billy the Kid”. Depoimento de James Coburn relata que Sam começava a beber pela manhã e às três da tarde, todos os dias, estava em estado deplorável, mal conseguindo andar ou falar. Sam trabalhava, quando muito, três, no máximo quatro horas por dia e mesmo assim piorando a cada momento, ingerindo litros de vodka ou gim. A MGM cogitou substituir Peckinpah mesmo com muito dinheiro já investido no filme, mas todos sabiam que o elenco se rebelaria solidário a Sam e o prejuízo seria ainda maior. Gordon Dawson, constante assistente de direção de Peckinpah e amigo do diretor foi quem filmou muitas sequências para não atrasar mais ainda a produção. Só mesmo um milagre poderia salvar “Pat Garrett & Billy the Kid” do desastre completo.

Kris Kristofferson,
Rita Coolidge e Bob Dylan.
A música de Dylan – Desde o início do projeto Sam Peckinpah definiu James Coburn como Pat Garrett e para interpretar Billy the Kid, que foi dado como morto aos 21 anos de idade, Kris Kristoferson parecia uma boa opção apesar dos 36 anos do ator. Compositor com alguns sucessos no momento, Kristofferson apresentou seu amigo Bob Dylan a Peckinpah que pediu a Dylan uma canção falando de Billy the Kid, entregando-lhe uma sinopse do filme. Sem demora Bob fez uma música, quilométrica como era seu estilo, narrando em tom elegíaco o fim de Billy the Kid. A bela canção tinha muitas palavras em Espanhol e Peckinpah, apaixonado pelas coisas do México, gostou tanto que pediu a Dylan para compor toda a parte musical do filme. Além disso o convidou para uma pequena participação como ator, o que por certo arrastaria aos cinemas os numerosos fãs do cantor-compositor, expoente maior da contracultura musical. Quem não deve ter gostado nada foi Jerry Fielding que normalmente musicava os trabalhos de Sam. Rita Coolidge, também cantora e Donnie Fritts, compositor, foram igualmente agregados ao elenco, o que deixou o filme de Peckinpah com jeito de western-Woodstock. A história de Rudolph Wurlitzer pouco tinha de original e o roteiro não era dos mais inspirados o que levou Peckinpah a reescrever muitos dos diálogos. Durante as filmagens as músicas que Bob Dylan foi apresentando foram determinantes para a atmosfera melancólica, lúgubre mesmo do filme, ainda que o diretor tenha propositalmente concebido um western lento e triste que em momentos descamba para a pura monotonia.

Acima Jack Elam e Kris Kristofferson;
abaixo Slim Pickens e James Coburn.
Fragmentação desnecessária - A MGM queria que “Pat Garrett & Billy the Kid” fosse lançado com 95 minutos de duração, mas aceitou os 103 minutos vistos nos cinemas. Observou-se quase unanimemente que faltavam ao filme algumas sequências que provavelmente ficaram na sala de edição (o filme teve o número recorde de seis montadores). Posteriormente circulou uma versão em vídeo, tida como restaurada, com 122 minutos mas ainda assim este western de Peckinpah não conseguiu agradar apesar dos inegáveis bons momentos que apresentava em meio a outros que deixavam a desejar. Veio em 2005 a versão com 115 minutos restaurada pela Turner, que seria a mais próxima daquilo que Peckinpah queria ver exibida e mesmo essa versão não pode ser comparada aos melhores trabalhos do diretor. O pecado maior de “Pat Garrett & Billy the Kid” é o excesso de episódios desnecessários que criam hiatos no desenvolver da trama principal que é a relação entre Garrett e Kid. Muitos atores de renome, entre eles Katy Jurado, Jack Elam, Emílio Fernandez, Jason Robards, Barry Sullivan, Chill Wills, Gene Evans e Richard Jaeckel (com uma horrível peruca), participam do filme em sequências aparentemente construídas especialmente para justificar suas presenças no elenco, presenças forçadas e quase sempre prescindíveis. Paradoxalmente a sublime sequência com Katy Jurado e Slim Pickens e a da morte de Jack Elam são os pontos altos do filme, ao lado da sequência que tem a participação de R.G. Armstrong e Matt Clark quando da fuga de Billy the Kid da prisão.

Kris Kristofferson com Emílio Fernández e Bob Dylan;
James Coburn e Jason Robards.

Peckinpah em cena com James Coburn;
abaixo R.G. Armstrong e James Coburn
Apreço imerecido - O epílogo com a morte de Billy, que poderia redimir o langoroso ritmo de “Pat Garrett & Billy the Kid”, é decepcionante, frio, sem força e termina pateticamente com Garrett atirando contra o espelho no qual se enxerga após matar Kid. Obviamente Garrett seria o alter-ego de Peckinpah que freudianamente tenta expiar seus pecados. Billy the Kid se tornou uma lenda, enquanto seu matador passou para a história apenas como coadjuvante. Desde o início do filme, porém, fica claro que para Peckinpah a figura de Garrett com seu dilema pessoal é mais interessante que a de William Bonney, a quem se atribui 21 mortes, uma para cada ano que viveu. O Garrett de Peckinpah tinha admiração pelo desapego de Billy à vida e tinha ainda um apreço imerecido (e historicamente equivocado) pelo pistoleiro que matava friamente suas vítimas ignorando qualquer ética de enfrentamento. É assim que mata Alamosa Bill (Jack Elam) num duelo em que Alamosa conta só até oito ao invés de dez e depara-se com Kid virado desde a contagem ‘três’ e pronto para disparar contra o oponente. É quando ouve-se uma das melhores frases do filme com Alamosa Bill antes de morrer dizendo “Eu nunca soube contar muito bem...” Ao contrário de Billy que vive intensamente, Garrett não deixa de lembrar que quer envelhecer com seu país, terra que está sempre crescendo. Peckinpah prefere ainda ignorar o fato verídico de Garrett ter ido cobrar do Governador Wallace os 500 dólares de recompensa pela morte do ex-amigo.

Katy Jurado e Slim Pickens
Os tempos estão mudando... - “Pat Garrett & Billy the Kid” contém alguns dos diálogos mais sem sentido que um western sério poderia ter e o diálogo entre Garrett e o sheriff McKinney (Richard Jaeckel), assim como as últimas palavras do agonizante Paco (Emílio Fernández) são exemplares nonsense. Jamais se viu alguém prestes a morrer se expressar com voz tão firme quanto a de El Índio Fernández. Talvez para agradar Bob Dylan ou influenciado pela presença do grande poeta do rock, o filme traz frases como ‘how do you feel?’ e ‘the times they’re changing’, pinçadas de algumas de suas imortais canções. Nenhum erro de continuidade, diálogo risível ou equívoco factual, no entanto, neste western chega próximo à improvisadamente expandida participação de Bob Dylan. Arremedo de ator, sua pouco carismática figura na tela chega a ser constrangedora. Ainda bem que Dylan não insistiu nessa carreira. James Coburn domina todo o filme com sua presença sólida e intensa, enquanto Kristofferson está bem como Kid. No enorme elenco de coadjuvantes brilham Slim Pickens, Katy Jurado, R.G. Armstrong (eterno como fanático sempre pronto a matar em nome da Bíblia) e Jack Elam. Uma pena o desperdício de Bruce Dern, Gene Evans e Jason Robards em pontas irrelevantes. Este western foi tão mutilado que os créditos indicam as presenças de Elisha Cook Jr. e Dub Taylor que não aparecem no filme.

Kris Kristofferson e Bob Dylan;
James Coburn com Rutanya Alda (à direita)
Filme imperfeito - “Pat Garrett & Billy the Kid” foi concluído em 71 dias, 21 dias acima do planejado e o custo final atingiu 4,6 milhões de dólares, valores nunca recuperados inteiramente com as bilheterias. A paciência da MGM perdurou porque, como esperado, “Os Implacáveis” foi um estrondoso sucesso de bilheteria e havia a esperança que isso se repetisse com o novo western de Peckinpah. Hoje “Pat Garrett & Billy the Kid” é lembrado como o filme que tinha “Knockin’ on Heaven’s Door” em sua trilha musical, canção que virou sucesso através das gravações de Eric Clapton e anos depois com o Guns and Roses. Mas a principal canção é “Billy the Kid”, ouvida nos créditos e várias vezes durante o filme. Apesar dessas magníficas composições, a trilha musical de Dylan é desigual, até mesmo por não ser ele um compositor de música incidental. Não são poucos os que consideram “Pat Garrett & Billy the Kid” uma obra-prima, o que é um exagero para um filme tão imperfeito. Ainda assim, deve ser visto por ser a abordagem de um dos grandes diretores do gênero a respeito de Billy the Kid, a quem o cinema ainda deve um filme à altura da lenda que envolve a vida de William Bonney.

Sam Peckinpah e Bob Dylan; Kriss Kristofferson e James Coburn


A cópia de "Pat Garrett & Billy the Kid" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Thomaz Antônio de Freitas Dantas.

2 comentários:

  1. Excelente resenha! Muito bem escrita e esclarecedora. Também revelando acontecimentos interessantes ocorridos durante as filmagens. Amei! Bjs! Vivi <3

    ResponderExcluir
  2. Olá, Darci! Uma pena que a bebedeira compulsiva de Peckinpah tenha prejudicado tanto a fita. Dylan contribui bem com a trilha sonora, mas como ator é realmente um mero chamariz. Neste mesmo ano de 1973, Charles Martin Smith atuou em um filme muito melhor. Ao menos, "Pat Garrett & Bilyy the Kid" serviu para lançar "Knockin' on Heavens Door", a 192º Maior Música de Todos os Tempos, o que conferiu de certa forma a este filme nota 7 o status de cult. Aquele abraço!

    ResponderExcluir