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Robert Taylor; Richard Dix |
“Flechas de Fogo”, dirigido por Delmer
Daves, é geralmente considerado o precursor dos westerns que trataram os índios
com dignidade. Porém é importante ressaltar que “A Passagem do Diabo” (Devil’s
Doorway), de Anthony Mann com Robert Taylor foi filmado praticamente ao mesmo
tempo de “Flechas de Fogo” e igualmente mostra os nativos norte-americanos de
modo simpático, ambos os filmes rodados em 1949 e somente lançados em 1950. O
público havia se acostumado com a espécie de lavagem cerebral que o cinema praticava
colocando os índios sempre como vilões cujas mortes se faziam necessárias para
conter a selvageria dos peles-vermelhas. Outro registro digno de nota é lembrar
que muito antes Hollywood já rompera com o provérbio atribuído ao General
Philip Sheridan que ‘O único índio bom é um
índio morto’. Em 1925 Richard Dix como o índio ‘Nophaie’ estrelou “Alma
Cabocla” (The Vanishing American) e em 1932 foi a vez de “O Fim da Trilha” (The
End of the Trail), com Tim McCoy mostrar os índios com simpatia. O mesmo
ocorreu claramente em “O Intrépido General Custer” (They Died with their Boots
On) e em “Sangue de Heróis” (Fort Apache), respectivamente de 1941 e 1948 e
dirigidos por Raoul Walsh e John Ford e nos quais sem condescendência os
nativos são vistos como bravos guerreiros dignos de respeito. Mas foi sem
dúvida o western de Delmer Daves que originou a série de filmes revisionistas
que mudou a visão histórica do cinema sobre os índios.
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James Stewart com Jeff Chandler e com Jay Silverheels (abaixo). |
Conhecendo
melhor os Apaches - O roteiro de “Flechas de Fogo”, de
autoria de Albert Maltz, baseou-se na história “Blood Brother”, escrita por
Elliott Arnold contando como se deu a amizade entre Tom Jeffords (James
Stewart) e o chefe Apache Cochise (Jeff Chandler). Jeffords é um ex-oficial da
União que cavalga pelo Arizona em busca de ouro ou prata. Encontra um jovem
índio ferido e cuida dele, salvando-o da morte certa e isto faz com que Jeffords
consiga chegar até Cochise com quem faz amizade. Entre os Apaches Jeffords se
enamora de Sonseeahray (Debra Paget), com quem vem a casar com o consentimento
de Cochise. Jeffords passa a se empenhar pela paz entre Apaches e os homens
brancos, o que interessa a Washington que envia ao Arizona o General Oliver
Howard (Basil Ruysdael) para essa missão pacificadora. Cochise é partidário de
acordo que sele a paz definitiva, mas ocorre que tanto do lado dos Apaches como
dos brancos invasores de seus territórios há grupos contrários ao acordo.
Jerônimo (Jay Silverheels) lidera o rompimento com Cochise promovendo ataques a
diligências e roubo de gado, enquanto Ben Slade (Will Geer) comanda brancos
insatisfeitos que querem a morte de Cochise. Sonseeahray morre numa emboscada
preparada para matar Cochise, morrendo também Slade, ficando o exemplo deixado
por Jeffords e Cochise apontando que a paz seria sim possível.
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Will Geer, Jeff Chandler e James Stewart |
A
paz suspeita - Albert Maltz foi um dos dez roteiristas que entraram para
a lista negra do Macarthismo, sendo preso e proibido de trabalhar. Antes disso
deixou pronto o roteiro de “Flechas de Fogo” que corajosamente foi produzido por
David O. Selznick para a 20th Century-Fox, chocando inicialmente público e
crítica ao mostrar a cultura Apache, seus valores e nobreza de caráter através
do chefe Cochise. Indispondo-se com parte de seus bravos que não aceitavam a
paz pois ela não vingava os milhares de irmãos mortos pelos brancos, Cochise
entendia que a continuidade da luta fatalmente levaria os Apaches à extinção. Para
ele a paz era a única saída, ainda que os gananciosos invasores das terras onde
viviam os nativos, com a ajuda da Cavalaria, trouxessem dúvidas se aquela seria
mesmo a melhor opção. A amizade com Tom Jeffords e mais tarde com o General
Howard, também chamado ‘General Bible’ (Bíblia), fez com que Cochise decidisse pela
paz. Repleto das melhores intenções, o western de Daves não consegue levar às
últimas consequências um dos aspectos mais importantes do filme que é a
miscigenação que ocorreria com o casamento entre Tom Jeffords e a jovem índia Sonseeahray.
Consumado o enlace segundo o ritual Apache, mesmo com um discurso sobre a
temeridade da união que jamais seria aceita pelos brancos, Sonseeahray vem logo
a ser morta, o que atenua a força do roteiro. Em “Renegando Meu Sangue” (Run of
the Arrow), que Samuel Fuller dirigiu em 1957, o personagem de Rod Steiger se
casa com a índia Sioux interpretada por Sara Montiel (quem não se casaria), com
ela ficando ao final do filme. Mas talvez isto demorasse mais a acontecer se “Flechas
de Fogo” não tivesse abordado esse difícil tema.
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James Stewart e Basil Ruysdael |
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Jeff Chandler |
O
Cochise do moreno Jeff Chandler - Quase inteiramente filmado nas belas
paisagens do Arizona, a fotografia é um dos pontos altos deste western, ao lado
da eficiente música de Hugo Friedhofer pontuando as ações. As sequências
envolvendo confrontos entre Apaches e brancos se resumem a rápidas emboscadas
praticadas por renegados índios e homens brancos de má índole. Cochise mesmo é
mostrado como homem sábio, ponderado e longe de ser um guerreiro e isso é
evidenciado pela imutável expressão de Jeff Chandler, filmado muitas vezes de
baixo para cima para melhor afirmar sua grandeza de chefe Apache. Chandler personifica
um dos Apaches mais ‘clean’ que o cinema mostrou, contrastando mesmo com James Stewart,
este ainda não o homem do Oeste perfeito que se tornaria na excepcional quina
de westerns em que atuou sob a direção de Anthony Mann nessa mesma década. Jeff
Chandler, novaiorquino filho de judeus e que curiosamente tinha pele morena,
voltaria a interpretar Cochise no filme “O Levante dos Apaches” (The Battle at
Apache Pass), em 1952, antes de se tornar um dos galãs preferidos de Hollywood.
Indicado para o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por sua interpretação como o
chefe Apache, Chandler perdeu o prêmio para George Sanders (“A Malvada”) e o
que intriga é que Chandler como Cochise mantém durante todo o filme o mesmo semblante,
sem nenhum momento de maior dramaticidade. “Flechas de Fogo” concorreu ainda
nas categorias de Melhor Roteiro (Albert Maltz) e Melhor cinematografia (Ernest
Palmer), perdendo em ambas e seria inimaginável a Academia premiar, em 1951 a
um ‘blacklistado’ como Maltz.
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Debra Paget com James Stewart |
Casamento
Apache - O romance neste western pró-índio se passa entre James Stewart
(com sua já inseparável peruca aos 41 anos de idade) e a ainda adolescente
Debra Paget no frescor dos seus 16 anos de idade e como não poderia deixar de
ser, romance pouco convincente. Muito bonita, Debra sorri o tempo todo
iluminando a tela com sua beleza e apenas isso. Uma pena que justamente essa
subtrama, que poderia ser até mais importante que o tema principal do filme,
tenha um desfecho imposto pela moral então vigente em Hollywood, moral que não
aceitaria ver um de seus mais representativos astros ser parte de uma provocativa
miscigenação. As sequências de romance entre Stewart e Debra, incluída a
cerimônia de casamento Apache, são para dizer o mínimo, mornas. Com um elenco
de apoio com coadjuvantes do nível de Arthur Hunnicutt, John Doucette e Will
Geer, o filme os desperdiça em aparições pequenas, no caso de Hunnicutt e
Doucette insignificantes mesmo. Menos mal o aproveitamento de Jay Silverheels quando
se preparava para assumir a identidade de ‘Tonto’ na série ‘The Lone Ranger’
para a TV. O canadense Silverheels tem rara oportunidade de uma interpretação
dramática como Gerônimo, o Apache que não aceita a submissão de Cochise às
propostas de paz dos bracos.
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Jay Silverheels; Debra Paget e James Stewart |
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Delmer Daves |
Estimado
clássico pró-índio - Por abordar diretamente um tema quase
ignorado pelo cinema norte-americano que é mostrar o índio e sua cultura de
modo respeitoso e os brancos como vilões verdadeiros na História, “Flechas de
Fogo” merece a importância adquirida e ter se tornado um clássico no gênero.
Gerou inclusive uma série de TV intitulada “Cochise” protagonizada por Michael Ansara
e com John Lupton como Tom Jeffords, série que ficou no ar por três temporadas.
Os anos e westerns seguintes reservavam tanto para Delmer Daves como para James
Stewart filmes melhores que este bom e bastante estimado “Flechas de Fogo”.
Bela matéria . Sou levado a assistir a esse filme agora !!!
ResponderExcluirSempre preferi ver westerns do que filmes fantasiosos de elfos gnomos. Fadas ! esse filme incrível alem da critica ao preconceito tem James Stewart ( tao lindo e talentoso) em um de seus grandes westerns!
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