O verdadeiro Dioguinho; abaixo Dioguinho à esquerda com um amigo. |
O cinema ajudou a fazer de Billy the
Kid um mito do Velho Oeste, ainda que muito do que se atribua a William Bonney
seja lenda. No Brasil, em 1863, quatro anos após a morte de Billy the Kid,
nascia Diogo da Rocha Ferreira, o ‘Dioguinho’, que se tornou um assassino responsável
por pelo menos 50 mortes, havendo quem eleve esse número para uma centena de
homicídios. Perto do sanguinário Dioguinho, Billy the Kid estava mais para um seminarista.
Certo que o bandido brasileiro natural de Botucatu, interior de São Paulo,
viveu um pouco mais, sendo morto aos 33 anos, em 1897. Isto é, dado como morto
porque seu corpo nunca foi encontrado e histórias envolvendo seu nome nunca
deixaram de ser ouvidas ou lidas. Já em 1903 foi publicado “Dioguinho”, escrito
por Antônio de Godói, o delegado encarregado da captura do facínora. Em 1916 foi
a vez do cinema abordar a vida criminosa do bandido interiorano, naquela que
seria a primeira versão para o cinema de “Dioguinho”, dirigido por Guelfo Andaló.
Em 1957 a produtora paulista Sonofilmes levou às telas uma segunda versão repetindo
o título “Dioguinho”, filme dirigido por Carlos Coimbra e protagonizado por
Helio Souto e ainda com John Herbert no elenco. Anos antes, em 1949, foi
publicado o livro de João Amoroso Netto, “Dioguinho - História completa e
verídica do famoso bandido paulista”. Somente em 2003 um autor voltaria a
escrever sobre o bandido, isto quando João Garcia Duarte Neto escreveu “Dioguinho,
o Matador de Punhos de Renda”. Um ano antes, em 2002, a TV Educativa de
Brodowski e o Grupo de Cinema daquela cidade da Região da Alta Mogiana paulista,
em parceria produziram o longa metragem “Dioguinho”. Concebido com temática
comum aos faroestes norte-americanos, o filme foi dirigido por Caetano Jacob, com
roteiro adaptado também por Jacob a partir de pesquisas nos processos arquivados
pela Defensoria Pública de São Simão (SP). Essa terceira versão foi bastante
oportuna, uma vez que o filme de Carlos Coimbra, de 1957, é hoje dado como
desaparecido e o célebre matador paulista teve uma curta mas cinematográfica
existência.
Odair Martins; abaixo os 'coronéis' Delcides Esteves, Clóvis Martins e José Cadamuro. |
O
terror de toda uma região - Dioguinho (Odair Martins) inicia sua
vida de crimes assassinando O Coronel Mário (Sílvio N. Franco), um homem que se
aproveitara da irmã de Diogo. Vivia-se ainda sob o império de Pedro II que
estava com os dias contados e quem ainda mandava nas regiões eram os coronéis,
abastados fazendeiros que para impor suas vontades mandavam matar caso achassem
necessário. Pouco a pouco Dioguinho se tornou conhecido pelos lados de São
Simão e seu nome incutia terror nas pessoas simples ao mesmo tempo que
significava confiança dos coronéis que o contratavam para cometer assassinatos.
O Coronel Cirino (Delcides Esteves) queria ver o Professor Custódio (Alexandre
Vieira) namorado da filha (Cristiane Santos) morto; o Coronel Pedrosa (José
Cadamuro) pretendia se livrar de um escravo que liderava uma sublevação; o
Coronel Ferreira (Clóvis Martins) tencionava dar sumiço no atrevido Marciliano ‘Fogueteiro’
(Roberto Vicentini), que visitava Balbina (Rosana Esteves), mulher que por sua
vez era amante do Coronel Ferreira. Um a um todos os assassinatos encomendados
foram cumpridos e executados os desafetos dos coronéis. Dioguinho se fazia
acompanhar nas emboscadas por seu irmão João (Marcos Júnior). Dioguinho não só
matou o ‘Fogueteiro’ como completou o serviço dando uma lição em Balbina,
marcando-lhe o rosto com um punhal. Balbina vai a São Paulo e consegue
audiência como o Presidente (do Estado) Campos Salles (José Flávio Mantoani),
relatando os acontecimentos. O Presidente reúne sua assessoria e uma
força-tarefa é montada para capturar Dioguinho que, orientado pelos coronéis, resolve se esconder sendo no entanto localizado. Cercados, Dioguinho e seu irmão João,
tentam fugir por um rio, sendo alvejados. João morre dentro do barco e
Dioguinho atingido cai no rio desaparecendo.
Odair Martins e Sílvio N. Franco |
Tempo
dos senhores da terra – O que mais chama a atenção neste
filme de Caetano Jacob é o bem estruturado roteiro que captura a essência dos
anos finais do Segundo Reinado e passagem para a República, ainda que este
evento não seja citado diretamente. Coincidem os fatos históricos com a
ascensão e desgraça de Diogo da Rocha Ferreira inserido nessa perfeita
ambientação político-social. A expansão de propriedades conseguida por meios
escusos; a submissão de autoridades a soldo dos coronéis; a igreja através do
vigário local simpática a quem lhe faça doações; o patriarcado impondo sua
vontade a uma filha que só poderá se casar com alguém de sua posição social;
negros escravos vendo se aproximar o momento da libertação contrariando o
interesse dos senhores da terra. O roteiro de “Dioguinho” preocupou-se
sobremaneira com enquadrar a história em seu tempo e lugar e o faz com exatidão.
Deixa no entanto, este faroeste caboclo, de melhor caracterizar as razões pessoais que
levam o facínora a enveredar pelo crime de forma tão brutal e desapiedada.
Dioguinho mata um homem a pauladas depois de embebedá-lo, sob justificativa de a
vítima ter violentado sua irmã. Em outro momento produz um corte profundo no
rosto de uma mulher que nada lhe havia feito, como a condenar uma traição
feminina por ela praticada, algo inaceitável para aqueles tempos. Suas vítimas
são sempre alvo de emboscadas e morrem a tiros de carabina sem mesmo saber quem
é o autor dos disparos. Circunspecto, Dioguinho apenas deixa revelar o que
pensa nos contatos com seu irmão e mesmo assim nada denúncia ser ele alguém que
a vida tenha embrutecido a ponto de matar por hábito ou por prazer.
Odair Martins com Delcides Esteves e à direita com Clóvis Martins. |
Rosana Rossini Esteves |
Uma
mulher marcada pela coragem - “Dioguinho” possui momentos de raro
brilho especialmente nas falas e atitudes dos coronéis, fracos para enfrentar a
realidade que os cerca e fortes em suas atitudes covardes, especialmente o Coronel
Cirino e o Coronel Manoel Ferreira. Coincidentemente, o alvo de suas exasperações
são duas mulheres que sofrem justamente por não terem direitos diante da força
daqueles régulos, força do dinheiro que pagam ao matador de aluguel. Ao contrário
da subjugada filha de Cirino, Balbina se revolta e corajosamente parte em busca
de justiça que não encontra na região de São Simão e cidades vizinhas onde Dioguinho
atua. Balbina satisfaz aos desejos do Coronel Manoel Ferreira para conseguir
uma vida melhor, não abrindo mão de sua condição de mulher livre e com isto
despertando a ira de seu velho amante. E não hesita a mulher marcada em
recorrer a instâncias impensáveis e acesso aparentemente intransponível em
busca de justiça e com isso, indiretamente, reduzir o poder corrupto dos
poderosos. Certo que o Presidente do Estado de São Paulo, Doutor Campos Salles,
se vê obrigado a interceder em razão da pressão política, ele que viria a ser,
logo após a morte de Dioguinho, o quarto presidente da República.
Sequências da violência contra Balbina (Rosana Esteves). |
Odair Martins e Clóvis Martins |
Bons
atores não profissionais - Odair Martins protagoniza de modo
soturno o matador triste, distante do tipo apontado pelos biógrafos do bandido
como culto e refinado. Sua maneira sombria e seca, contudo, é própria de um
matador de aluguel. Os maiores destaques do elenco de apoio de “Dioguinho” são
Rosana Esteves e Clóvis Martins. Ela incutindo em sua personagem a provocante e
sensual frivolidade raramente mostrada em uma mulher do interior. Clóvis por
sua vez encarna primorosamente um coronel que denota personalidade que combina firmeza
e tibieza. Igualmente bem Delcides Esteves, ainda que lhe falte o porte físico
e voz grave para se impor como homem influente e temido. Este filme de Caetano Jacob se
ressente de doses de comicidade tão típicas dos tipos do interior, não sendo
aproveitada a figura engraçada de Roberto Vicentini como o conquistador que é descoberto
e morto. Sílvio N. Franco se sai bem como o homem que não resiste a um copo de
cachaça para se tornar após a bebedeira outra vítima de Dioguinho. Perfeito
José Flávio Mantoani personificando o solene Presidente do Estado, assim como
Armando Queluz como o pároco. Frise-se que Jacob dirigiu atores não
profissionais, o que mais aumenta o mérito das interpretações. Hesitações nas
falas são perfeitamente aceitáveis, mais ainda que “Dioguinho” foi gravado com
som direto.
À esquerda José Flávio Mantoani, no centro Sílvio N. Franco; à direita Roberto Vicentini. |
Odair Martins |
Exibição
em cineclubes - Além de atuar, José Flávio Mantoani foi o responsável pela
trilha sonora que mescla sons incidentais com composições diversas, inclusive
uma valsa tocada ao piano pelo menino Zequinha de Abreu (João Vítor Gentil). Esta
terceira versão de “Dioguinho”, filmada em locações centenárias, é uma das
muitas produções realizadas pela parceria TVE e Grupo de Cinema de Brodowski, não
visando lançamento comercial ou fins lucrativos. A ausência de atores
profissionais é compensada pela relativa experiência que o grupo acumulou
através outras realizações e o filme consegue passar por qualquer crivo
crítico, superando o caráter semiamador do projeto. “Dioguinho” foi exibido em
diversos cineclubes, universidades, e países de língua portuguesa, sendo que foi
usado para defesa de tese na Universidade de Coimbra, em Portugal. Foi também premiado
como Melhor Filme, em 2009, no 1.º Festival de Cinema de Brodowski. Este
western teve uma sequência em 2015, intitulada “Dioguinho, o Retorno do Matador”,
também dirigida por Caetano Jacob e com Odair Martins repetindo a
personificação do bandido, produção igualmente da TVE de Brodowski e do Grupo
de Cinema daquela cidade. Este ótimo faroeste caboclo que prima pela
autenticidade dos tipos, falas e costumes do interior paulista merece, sem
dúvida, ser visto por todo fã do gênero.
Sequência da morte dos irmãos bandidos. |
"Dioguinho"-1957, vendo-se Hélio Souto, Norma Monteiro e John Herbert; à direita cartaz publicado nos jornais anunciando uma reprise do faroeste. |
Foto do primeiro "Dioguinho", de 1916; no centro o primeiro e segundo livros contando histórias sobre Dioguinho; à direita o livro mais recente. |
Esta cópia do western "Dioguinho" foi gentilmente cedida por José Flávio Mantoani,
o 'Mith', que também forneceu preciosas informações sobre a produção de modo geral.
Olá, Darci!
ResponderExcluirBrilhante resenha sobre este igualmente brilhante faroeste paulista que tive o prazer de ver. Eu achava que Odair Martins tinha interpretado 2 personagens. É grande a semelhança dele com Roberto Vicentini. É uma pena que a cópia do filme de 1957 tenha se perdido. Vamos torcer pra que seja encontrada.
Um abraço!
Existe uma cópia do filme Dioguinho de 1957 no Museu da Imagem e do Som.
ResponderExcluirLamentável não postarem no YouTube.
ExcluirSou José Ribeiro colecionador de cinema antigo em Pombal Paraiba.
ExcluirPROCURO UM AUDIO GRAVADO E COM LOCUÇÃO DE GIL GOMES, QUE ELE CONTA A HISTÓRIA DO DIOGUINHO. OUVI EM UMA RÁDIO, NÃO SEI PRECISAR. QUEM TIVER ESTE AUDIO, EU COMPRO UMA CÓPIA DE CD OU PEN-DRIVE OU CARTÃO. CONTATO COM jair.saturno@gmail.com
ResponderExcluirPROCURO UM AUDIO GRAVADO E COM LOCUÇÃO DE GIL GOMES, QUE ELE CONTA A HISTÓRIA DO DIOGUINHO. OUVI EM UMA RÁDIO, NÃO SEI PRECISAR. QUEM TIVER ESTE AUDIO, EU COMPRO UMA CÓPIA DE CD OU PEN-DRIVE OU CARTÃO. CONTATO COM jair.saturno@gmail.com
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