Acima Max Brand na capa de um de seus livros; abaixo George Marshall conversa com Kathryn Grant e Audie Murphy. |
“Atire
a Primeira Pedra” (Destry Rides Again) é uma das grandes comédias clássicas do
gênero western. Foi dirigida por George Marshall em 1939, num tempo em que
somente se permitia que Laurel & Hardy ou os Marx Brothers se atrevessem a
brincar com assunto tão caro aos norte-americanos como a vida no Velho Oeste. Escrita
em 1930 por Max Brand, prolífico autor de história de faroeste, já em 1932 era
levada à tela no western protagonizado por Tom Mix intitulado “A Volta de Tom”
(Destry Rides Again). “Anjo de Vingança” (Frenchie), de 1950, com Joel McCrea e
Shelley Winters, adaptou mais uma vez a história de Brand para o cinema.
Contratado pela Universal International, Audie Murphy havia estrelado dez
westerns para o estúdio que entendeu que, em seu 11.º faroeste, o herói de
guerra que se tornara ator deveria mudar um pouco o tipo que vinha perpetuando
em seus westerns. Foi feita então a duvidosa aposta para ver se Murphy tinha
talento suficiente para a comédia e nada melhor que revisitar a história de Max
Brand, repetindo quase que inteiramente o roteiro e personagens de “Atire a
Primeira Pedra”. O mesmo George Marshall aceitou a incumbência de rodar a nova
versão, agora em cores e com Murphy no papel que coube a James Stewart.
Acima Lyle Bettger e Audie Murphy; abaixo Murphy entre George Walace e Ralph Peters. |
O
desarmado assistente de xerife - A cidade de Restful perde o xerife
Balley (Trevor Bardette), assassinado por um capanga de Phil Decker (Lyle
Bettger), o dono do saloon local. O prefeito Sellers (Edgar Buchanan), em
conluio com Decker, elege o bêbado Rags Barnaby (Thomas Mitchell) como novo
xerife. Em outros tempos Rags havia sido assistente do falecido xerife Destry e
chama o filho deste, Tom Destry (Audie Murphy) para ser seu assistente em
Restful. Sabe-se que Tom Destry havia implantado a lei e a ordem na turbulenta
cidade vizinha de Silver Creek. Tom Destry, porém, prefere atuar sem fazer uso
de armas, o que decepciona o xerife Rags que trocou a bebida pela estrela de
homem da lei. Mesmo desarmado, Tom Destry se propõe a descobrir quem foi o
assassino do xerife Balley e prende o suspeito Curly Adams (George Wallace), um
dos homens a serviço de Decker. Destry quer que Curly seja julgado por um juiz
territorial, com o que não concorda o prefeito Sellers que exige que ele
próprio, presida o julgamento. Rags é então assassinado, a mando de Decker,
dentro da delegacia, o que leva Destry a fazer uso de armas para enfrentar
Decker e seus asseclas. Brandy (Mari Blanchard), a dançarina principal do
‘Decker’s Saloon’ ajuda Destry com informações referentes ao caso e quando do
confronto, a saloon-girl tenta salvar Destry sendo atingida por uma bala a ele
dirigida, vindo a falecer. Em seguida Tom Destry, com o auxílio do doutor
Curtis (Wallace Ford) e do criador Jack Larson (Alan Hale Jr.), líquida a
quadrilha de Decker, fazendo a paz voltar a Restful.
A chegada de Tom Destry (James Stewart) a Bottleneck; a chegada de Tom Destry (Audie Murphy) a Restful. |
Comparações
inevitáveis - Esta bem cuidada produção da Universal é um dos melhores
westerns de Audie Murphy, isto apesar da presença dele que não leva o menor
jeito para comediante. Fazer rir é o teste supremo para um ator e mesmo grandes
intérpretes se mostram sem aptidão para a comédia. Murphy, com sua notória
limitação de recursos como ator foi uma escolha errada para reviver ‘Tom
Destry’, tão magnificamente interpretado anteriormente por James Stewart. Batida,
mas difícil fugir da comparação entre ambos por mais injusta que essa
comparação possa ser. Um dos pontos altos de “Atire a Primeira Pedra” era seu
admirável elenco de apoio e, claro, a presença inesquecível de Marlene Dietrich
como ‘Frenchy’. E não é que o grupo de coadjuvantes de “Antro da Perdição” é
igualmente de primeira linha, com Edgar Buchanan, Thomas Mitchell, Lyle
Bettger, Wallace Ford, Mary Wickes e Alan Hale Jr, salientando-se a ótima
presença de Mari Blanchard. Se Audie Murphy ficou a milhas de distância de
James Stewart como Tom Destry, os coadjuvantes citados ajudam a tornar a versão
de 1954 bastante boa, acima da média mesmo dos faroestes que a Universal
preparou para Murphy. E que surpresa agradável a presença de Mari Blanchard,
sempre relegada a produções B, desta vez num verdadeiro tour-de-force, dançando
e tendo a voz dublada em vários números musicais mostrando sua sedutora beleza.
Ainda que La Dietrich seja incomparável, Mari Blanchard, com os cabelos escuros
e com seu personagem chamado ‘Brandy’, é uma satisfação a mais em “Antro da
Perdição”.
Duas vezes Mari Blanchard. |
A
esfuziante ‘Brandy’ - O filme todo foi feito em função de
Audie Murphy, cujos faroestes eram lucro certo para a Universal, mas os
melhores momentos de “Antro da Perdição” são quando Audie não está em cena. O
filme se abre com uma bela sequência em que o trapaceiro Decker faz mais uma
vítima na figura do homem que perde sua fazenda; em seguida o xerife Balley (a sempre
destacada presença de Trevor Bardette) sendo covardemente morto. Simplesmente
antológica a fala do subserviente prefeito Sellers indicando um novo xerife,
tendo a seu lado o desonesto e sorridente Decker. Vibrantes as primeiras
sequências de canto e dança no saloon, com a esfuziante Mari Blanchard tornando
o local mais alegre que nunca. Como os creditos da época da Universal citavam
apenas o nome de Joseph Gershenson como responsável pela parte musical, fica-se
sem saber qual a contribuição do genial Henry Mancini que, em início de
carreira, trabalhou muito mas anonimamente para o estúdio, como neste filme. Há
ainda um número musical com a presença de Mari Blanchard apresentando uma
canção que expressa a tristeza de saber que nunca terá o amor de Destry, canção
essa que é um deslocado blues num western-comédia. Um diálogo curto e justo
travado dentro da delegacia com o ardiloso Sellers, misto de prefeito, juiz e
pintor, demonstra como funciona a justiça dos inescrupulosos.
Edgar Buchanan com Lyle Bettger; à direita Bettger com Thomas Mitchell. |
Audie Murphy e Lee Aaker, ambos brincando com um pedaço de corda. |
A
ciência chega ao Velho Oeste - A melhor sequência com Audie Murphy
é o confronto final, esplendidamente estruturado por George Marshall e na qual
Audie nada fala, apenas atira contra o bando de Lyle Bettger. E a mais infeliz
e sem graça sequência de “Antro da Perdição” foi deixada para o final, com a
jovem Martha (Lori Nelson) tentando se fazer notar por Destry. Disparando a
esmo dentro do consultório do doutor Curtis, a moça deve ter destruído móveis,
livros, vidros e instrumentos do médico, o que poderia ser engraçado num curta
dos Três Patetas, mas não numa comédia com roteiro inventivo como o de “Destry
Rides Again”. Pior que isso só mesmo o apalermado personagem de Murphy
brincando continuadamente com um pedaço de corda, gesto imitado ao final pelo
menino Eli (Lee Aaker). E acredite quem quiser que Murphy seja capaz de
derrubar com um soco o robusto Alan Hale Jr., lembrando o que havia feito o
franzino Montgomery Clift com o gigantesco John Wayne em “Rio Vermelho” (Red
River). Passada a história de “Antro da Perdição” por volta de 1880, é
levantada por Tom Destry a prova, a partir de ranhuras provocadas numa bala,
comprovando de qual revólver partiu o tiro que matou o xerife Balley. Para que
isso fosse possível houve a necessidade da exumação do cadáver do xerife para a
retirada da bala que o matara. Lamentavelmente nada é dito da exumação
ocorrida, fazendo parecer que isso fosse um fato normal naqueles tempos.
À esquerda Tom Destry sendo ironizado por Brandy; a briga entre Mary Vickes e Mari Blanchard. |
Mari Blanchard com Audie Murphy. |
Provocando
os censores - Lyle Bettger nunca esteve mais elegante e astucioso com
seu permanente riso sardônico de quem se acostumou a levar vantagem sempre.
Edgar Buchanan não deixa espaço para mais ninguém a cada vez que sua figura
enganosamente amável entra em cena. Buchanan vence com facilidade o duelo
travado com Thomas Mitchell, grande ator característico que, neste filme, se
esforça com certo exagero para roubar cenas. A bela e infeliz Mari Blanchard
(falecida aos 47 anos vítima de um câncer) tem neste filme de George Marshall
um dos melhores, senão o maior momento de sua carreira. Mari ficou conhecida
como a moribunda que se torna a ‘She-Devil’ em “A Mulher Diabólica”, clássico
sci-fi com produção ‘B’. Atenção para uma ponta de John Doucette como um cowboy
provocador que se intimida com a exibição de pontaria de Tom Destry no ‘Decker’s
Saloon’. O título nacional “Antro da Perdição” não foi uma boa escolha pois
deve, à época de seu lançamento no Brasil, ter frustrado os espectadores que se
sentiram atraídos por um nome de filme que mais parecia uma produção francesa
ou mexicana dos anos 50 e que ficaria bem em qualquer pornochanchada produzida
no Brasil nos anos 70. A partir do título, os censores devem ter tido vontade
de proibir o filme a menores de 18 anos, mas como fazer isso com um inocente
faroeste de Audie Murphy? Inocente e que vale à pena assistir, apesar do insosso
e sem graça Tom Destry.
Acima à esquerda o prefeito-pintor interpretado por Edgar Buchanan; à direita Thomas Mitchell; abaixo à esquerda Buchanan e Mitchell; à esquerda Audie Murphy e Thomas Mitchell. |
Darcy, parabéns. Admiro o conteúdo de tudo que foi escrito por você a respeito deste filme. Como sou fã de "Audie Murphy" desde os 13 anos de idade, quando o vi pela primeira fez na tela no filme "Abatendo um a um - (Showdown), nunca o vi como um ator na essência da palavra, mas como aquele mocinho do faroeste do qual admirávamos ao combater os bandidos. Depois de muito tempo é que comecei a catalogar seus filmes através do site "Audiemurphy.com" e a procurar a adquiri-los com imagem de boa qualidade. Uma tarefa difícil. Tem um site francês da "Sidonis Calysta", que distribui e reporta os faroestes com muito carinho, com informações sobre os conteúdos, diferentemente no Brasil. Pena que não têm legenda em português. No Brasil só os adquiri lançados pela Classicline. Quanto ao filme "Antro de Perdição", que consegui adquirir com excelente imagem, considero que as cenas iniciais no saloon são primorosas, o correr da câmera com a entrada do cavaleiro, (uma bagunça), ao mesmo tempo em que Mari Blanchard canta. Ali é que parece ter motivado o título em português, numa comparação aos antigos "cabarés", descritos como "Antro de Perdição". A cena do jogo de poquer, destaco a interpretação de Walter Baldwin. Essa cena vale a pena ser observada neste filme quanto em "Atire a Primeira Pedra".
ResponderExcluirUm Abraço.