Certos filmes adquirem status de ‘Cult’
menos por sua qualidade artística e mais pela importância histórica que acabam
ganhando através dos tempos. Em 6 de outubro de 1927, em Nova York era exibido “O
Cantor de Jazz”, primeiro filme falado, ou parcialmente falado para ser mais
exato. Nos anos seguintes muitos outros filmes sonoros foram produzidos em praticamente
todos os gêneros, nenhum deles faroestes. Westerns tinham, obrigatoriamente, a
maior parte de sua ação fora dos palcos de som dos estúdios e a dificuldade no
uso externo das novas aparelhagens fazia com que o público ficasse privado de
novos faroestes com grandes astros. Buck Jones, Tom Mix, Ken Maynard, Buddy
Roosevelt e outros continuavam a estrelar westerns ‘B’ exibidos em cinemas
ainda não adaptados para o novo sistema. Sons de tiros, socos, galopes e o
clássico ‘drop your guns’ ainda eram
um sonho até que no final de 1928 William Fox decidiu que era sim possível a
produção de um western com som. A escolha recaiu sobre uma adaptação da
história “The Caballero’s Way”, escrita por O’Henry em 1907 com um personagem
chamado ‘The Cisco Kid’, já levado ao cinema em filmes curtos em 1914 e 1919.
Para interpretar o rude herói mexicano do livro a Fox contratou Raoul Walsh,
que acumularia também a direção. Iniciadas as filmagens um acidente de automóvel
custou a vista direita de Walsh que teve que abandonar o projeto. Foi contratado
então Buddy Roosevelt que prestes a substituir Walsh quebrou uma perna fazendo
com que o primeiro western sonoro parecesse uma daquelas produções amaldiçoadas.
Warner Baxter, galã em ascensão aos 39 anos e que havia, em 1926, interpretado ‘Jay
Gatsby’ na primeira versão de “The Great Gatsby” (Tudo por Dinheiro), herdou o
papel de ‘The Cisco Kid’. E é lembrado por aquele que seria o primeiro western sonoro da
história do cinema, bem como o primeiro filme falado com tomadas em locações,
fora do conforto dos estúdios.
Acima Warner Baxter; abaixo Baxter e Dorothy Burgess. |
Cisco
Kid, procurado e traído - A produção da Fox recebeu o título “In
Old Arizona”, traduzido literalmente na versão brasileira. Em “No Velho Arizona”
o misto de bandido e protetor dos pobres Cisco Kid (Warner Baxter) tem sua
cabeça a prêmio e, após praticar mais um assalto a diligência, o Exército destaca um Sargento
para capturar o Robin Hood das pradarias. Hábil atirador, o Sargento Mickey
Dunn (Edmund Lowe) não encontra dificuldades para localizar Cisco Kid,
aproximando-se também de Tonia Maria (Dorothy Burgess), a namorada do
bandoleiro. O Sargento Mickey promete a Tonia dar a ela a recompensa de cinco mil dólares
se ela o ajudar a capturar ou matar Cisco Kid. O salteador procurado
encontra-se distante vendendo gado roubado e seu retorno é informado por Tonia
ao Sargento. Cisco Kid descobre a traição ainda a tempo e urde uma trama para enganar Mickey
e Tonia. Esta é confundida pelo Sargento no escuro da noite e alvejada pelo militar, falecendo. Cisco
Kid parte então para novas aventuras.
Raoul Walsh |
Troca
de diretores - Irving Cummings substituiu Raoul Walsh na direção de “No
Velho Arizona” já com o filme iniciado e esse fato provocou certamente uma
grande diferença. Walsh, já um diretor especialista em filmes de ação no cinema
mudo (é dele o clássico “O Ladrão de Bagdad” de 1924, com Douglas Fairbanks) queria
muito dar ao herói criado por O’Henry (William Sidney Porter) o merecido
destaque, dirigindo e atuando. Cummings havia sido também ator e mais tarde,
como diretor, seria lembrado pelos muitos musicais da 20th Century-Fox fica a
milhas de distância do talento de Walsh. O resultado da troca é a quase total
ausência de sequências de ação em “No Velho Arizona”, em que mesmo o clímax com
a morte de Tonia foi feita sem nenhuma inspiração. Morna também é a sequência
em que Cisco Kid mata dois dos três homens que o perseguiam para roubá-lo,
acreditando a produção que o som dos estampidos fosse suficiente para provocar
a necessária emoção no espectador. Raoul Walsh é creditado em alguns cartazes e
fichas técnicas de “No Velho Arizona”.
Dorothy Burgess com Warner Baxter e, abaixo, com Edmund Lowe. |
Mulher
maquiavélica - Mais que um western de ação, “No Velho Arizona” é um
drama amoroso, com triângulo improvável pelas características dos personagens
Sargento Mickey e Tonia Maria. O galante Cisco Kid confessa a Tonia que se
tivesse que escolher entre as três coisas que mais gosta na vida (música, vinho
e amor), ficaria com o amor que sente por ela. Seduzido por Tonia, o Sargento
Mickey não tenciona trocar sua namorada de Nova York pela aventureira, ainda
que hesite por um momento. Tonia, o vértice torpe desse triângulo é mulher ardilosa,
ambiciosa e diabólica mesmo, capaz de qualquer traição para atingir seus
propósitos de deixar a pobreza. Volúvel, sua leviandade não tem limites, menor
talvez apenas que a sensualidade que transmite e que a faz ao mesmo tempo adorável
e abominável. Após assistir a este western de Irving Cummings descobre-se a
inspiração de Jennifer Jones para dar vida à ‘Pearl Chavez’ de “Duelo ao Sol”
(Duel in the Sun). “No Velho Arizona” foi a estreia no cinema da atriz Dorothy
Burgess, a Tonia Maria, e ao contrário do que se poderia esperar, seus filmes
seguintes não fizeram dela uma estrela, não mais repetindo a excelente
performance como a interesseira e calculista namorada de Cisco Kid.
Dorothy Burgess |
Warner Baxter com Helen Lynch e com Henry Armetta. |
O
mais generoso dos heróis - O galante ‘Caballero’, trajado com
roupas bordadas e com seu bigode bem aparado, desdenha dos cartazes de ‘procurado’
e daqueles que tencionam capturá-lo para ficar com a recompensa. E sempre que a
ocasião se apresenta – com o barbeiro, com a cigana, com a moça da diligência –
Cisco Kid demonstra generosidade distribuindo parte do produto de suas ações
criminosas. Na sequência final, no entanto, Cisco Kid não demonstra nenhuma
piedade com a mulher que o traiu e faz com que ela seja o alvo do tiro certeiro
disparado pelo rifle do Sargento Mickey. Esse momento de pura insensibilidade
aproximou Cisco Kid da criação de O’Henry e transformou o herói num ser que não
seria aprovado pela censura do Código Hays que castraria toda a produção de
Hollywood a partir de 1930. E mesmo um personagem como Tonia Maria seria
impensável em tempos do Código, ainda que Dorothy Burgess não mostre nada além
de seus ombros e olhares tão provocantes quanto pérfidos.
Warner Baxter e Edmund Lowe |
Um
Oscar imerecido - Por sua interpretação neste filme
Warner Baxter foi premiado com o Oscar de Melhor Ator, o que parece um dos
muitos excessos da Academia. Além dessa indicação, “No Velho Arizona” teve
outras quatro indicações para o Oscar: Filme, Direção, Roteiro (Tom Barry) e
Cinematografia (Arthur Edeson). Ainda que Baxter tenha se saído bem como Cisco
Kid, tanto que repetiria o personagem outras duas vezes, não há nada de
excepcional em seu desempenho, por vezes empostado ao extremo, como era comum
no cinema mudo. Baxter também interpretaria, em 1934, ‘Joaquim Murieta’ em “O Bandoleiro
do El Dorado” (The Robin Hood of El Dorado). Dorothy Burgess não era uma grande
atriz e isso explica não ter se tornado uma estrela de sucesso, mas ela está esplêndida
como Tonia Maria. Assim como Warner Baxter, Edmund Lowe interpreta dentro do
estilo teatral que fez Paul Muni ser tão admirado quanto insuportável. Entre os
coadjuvantes destacam-se a espanhola Soledad Jiménez como a velha cozinheira e
Henry Armetta como o barbeiro que viu suas economias serem roubadas. James
Bradbury Jr., ator que se suicidou aos 41 anos de idade é o ambíguo soldado sempre
ao lado do Sargento Mickey Dunn.
Dorothy Burgess e Warner Baxter; abaixo Cisco Kid se afastando. |
A
caminho da perfeição - Olhado pelo aspecto técnico,
justamente o que fez dele um filme importante, e considerada a incipiência
tecnológica daqueles primórdios do cinema sonoro, “No Velho Arizona” é
primoroso. Inovador ao capturar sons em ambientes abertos, não seria lícito
esperar a perfeição conquistada pouco tempo depois. Os guizos do gado em
movimento, o ranger das rodas da diligência, os cascos dos cavalos tocando nas
pedras e mais que todos os ruídos, o som dos estampidos das armas de fogo ainda
hoje impressionam àqueles que vêem o filme com olhos e ouvidos do espectador
daquele momento revolucionário do cinema. E há ainda o uso da música, com
Warner Baxter cantando, o que faz de “No Velho Arizona” o primeiro western
musical de Hollywood. Quando do lançamento do filme, William Fox se incumbiu de
fazer uma introdução explicando a novidade, seguido pela execução orquestrada da
canção “My Tonia”. Essa canção é ouvida também na voz de Warner Baxter, ao lado
de outras três canções cantadas por Edmund Lowe e por outros soldados, além de
uma canção executada e cantada pelo pianista Fred Warren. “No Velho Arizona”
abriu as portas do som a uma série de outros westerns de boa qualidade que
vieram a ser filmados nos anos seguintes e que garantiram a sobrevivência do
gênero por mais quatro ou cinco décadas. Fato semelhante certamente não mais
acontecerá, para tristeza de quem gosta do gênero que consagrou Ford, Mann,
Peckinpah, Leone e, por que não, também Raoul Walsh, o quase Cisco Kid.
Pôsteres de "No Velho Arizona" destacando o filme ser o primeiro filme falado produzido fora de estúdio. |
Olá, Darci!
ResponderExcluirMotivado pela sua publicação, resolvi rever este filme. Um dos DVDs importados que comprei pela Livraria Cultura. Teve que ser importado, já que o filme não foi lançado oficialmente em DVD no Brasil.
Eu sabia do fato que Raoul Walsh seria o protagonista, mas desconhecia que ele abandonaria também a direção por causa do acidente. Como você descreveu, é notória a falta de ação no filme, justamente pela ausência de Walsh.
Mas a clareza dos sons e ruídos de vários tipos durante o filme é algo impressionante e digno de elogios, assim como a beleza das imagens em locações (como a que Cisco Kid do alto da montanha avista a diligência percorrendo a estrada ao longe). Também podemos notar essas mesmas características em "A Grande Jornada", este sim totalmente dirigido por Raoul Waslh, também realizado na aurora do som no cinema, e também produzido por William Fox, um pioneiro inovador por excelência.
Naquele ano outros 4 atores foram indicados ao Oscar de Melhor Ator por outros filmes, entre eles seu amado Paul Muni, por The Valiant. Não assisti a nenhum deles e portanto não sou o mais indicado pra afirmar se Warner Baxter merecia realmente o Oscar. Mas o fato é que gostei bastante da atuação dele como Cisco Kid, o Robin Hood das Pradarias, sempre generoso com os mais necessitados, fiel e carinhoso com sua namorada dissimulada e impiedoso com aqueles que tentam matá-lo e/ou o traem. Cá entre nós, Tonia teve o fim que mereceu!!!
Mesmo com seus defeitos, este filme entrou para minha lista dos 100 Maiores Westerns de Todos os Tempos e creio que entraria na lista de qualquer outro entusiasta do gênero como nós, devido às inovações, devido à sua importância histórica.
Minha nota para ele não poderia ser outra que não fosse 10!
Um abraço do Thomaz!