31 de janeiro de 2016

APPALOOSA, UMA CIDADE SEM LEI (APPALOOSA) - VIGOROSO WESTERN DE ED HARRIS


Robert B. Parker
O gênero western imperou no cinema por 60 anos, até a chegada do simulacro europeu, denominado western spaghetti, dominar a cena por dez anos. A imitação se tornou mais forte que o modelo original e atualmente, quando o cinema esporadicamente volta ao faroeste, predomina a influência da estética criada por Leone, Corbucci, Parolini e tantos outros. “Appaloosa – Uma Cidade Sem Lei” (Appaloosa), dirigido por Ed Harris em 2008 é uma rara exceção pois é um western que lembra bastante o faroeste clássico que Hollywood produzia em seus melhores tempos. Cinéfilos acostumados com o estilo e o ritmo dos westerns ‘modernos’ surgidos nas últimas décadas certamente acharão este filme de Ed Harris demasiadamente lento e com pouca ação. O diretor-ator preferiu se aproximar do Clint Eastwood de “Os Imperdoáveis” (Unforgiven) e realizou um belo faroeste desses que o cinema bem poderia produzir em maior número para alegria dos fãs do gênero que imortalizou John Ford.


Acima Jeremy Irons; abaixo Viggo Mortensen
e Ed Harris em ação.
Pacificadores de cidades - Com roteiro de Ed Harris e Robert Knott adaptado do livro “Appaloosa”, de Robert B. Parker, “Appaloosa – Uma Cidade Sem Lei”, narra a chegada de dois pistoleiros que emprestam suas habilidades para pacificar cidades turbulentas, como a própria Appaloosa, situada no Novo México. São eles Virgil Cole (Ed Harris) e Everett Hitch (Viggo Mortensen), logo nomeados delegado (Marshal) e assistente por uma comissão de homens importantes de Appaloosa que, reticentemente, aceitam as regras impostas pelos dois forasteiros. São obrigados a isso porque Randall Bragg (Jeremy Irons), um fazendeiro da região e seus capangas fazem o que querem na cidade. Bragg acabara de assassinar friamente um Marshal e dois assistentes que queriam levar dois de seus homens presos e, por esses crime,s Bragg é capturado por Cole e Hitch. Surge então em Appaloosa a viúva Allison French (Renée Zellwegger), por quem Cole se apaixona e com quem tenciona casar. Julgado e condenado, Randall Bragg é levado de trem para Yaqui, porém dois pistoleiros por ele contratados sequestram Allison, ameaçando matá-la caso Bragg não seja libertado. Sem alternativa Cole ordena que o fazendeiro assassino seja libertado, seguindo-o, bem como aos dois pistoleiros e com eles se defrontando num lugarejo de nome Rio Seco. Do duelo Cole e Hitch saem feridos, retornando a Appaloosa, enquanto Bragg escapa. Tempos depois Randall Bragg é indultado por decreto presidencial e volta a Appaloosa com muito dinheiro, passando a ser o homem forte da cidade. Inconformado Everett Hitch provoca Bragg desafiando-o para um duelo, matando-o e deixando Appaloosa. Virgil Cole e Allison French permanecem juntos na cidade agora pacificada.

Ed Harris e Vigo Mortensen; abaixo
Viggo Mortensen, Jeremy Irons e Ed Harris.
Estrutura tripartite - “Appaloosa” foi concebido em ritmo compassado que permite delinear esplendidamente os personagens principais e o espectador logo percebe a semelhança com dois clássicos do faroeste, ambos de 1959: “Minha Vontade é Lei” (Warlock) e “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo). Cavalgando juntos há doze anos e fazendo da pacificação de cidades uma profissão, Virgil Cole e Everett Hitch se entendem mesmo sem a pronúncia de palavras. Mal vistos por impor suas regras à cidade, representam a chance única de a pequena Appaloosa se ver livre do vilão atrevido e violento (Randall Bragg), cujos homens aterrorizam o lugar. Surge então ‘Allie’ French, a mulher que fará com que Cole se distancie um pouco do amigo Hitch. Até aqui “Warlock”. Capturado o criminoso, resta mantê-lo preso e aguardar o julgamento, mas tudo muda quando Allie é sequestrada por homens a mando de Bragg e uma troca de prisioneiros é proposta, lembrando a obra-prima “Rio Bravo”. A presença de Allie exerce fascínio em Cole que não imagina que Allie precise da companhia de outros homens, provocando o amigo Hitch. Como não lembrar de outro western clássico de Hollywood, que foi “ Butch Cassidy”, com a amizade entre Butch, Sundance e Etta Place? Assim estruturado pode-se imaginar que “Appaloosa” seja uma mera costura com situações de faroestes famosos. No entanto o filme de Ed Harris tem muito mais que isso.

Renée Zellwegger; abaixo Renée e Lance Henriksen
na sequência do banho.
Uma mulher invulgar-mente vulgar - A tradicional dicotomia entre homens bons e homens maus está presente neste western de Ed Harris, mas não é o que mais importa no filme. Comumente presenças dispensáveis nos enredos, cujas participações intentam apenas dar espaço a rostos bonitos, “Appaloosa” conta com uma mulher que sequer pode ser chamada de atraente, mas de rara personalidade. Allison French encanta Virgil Cole, mas isso é pouco para ela que se insinua junto ao amigo Everett que consegue conter o assédio. Quando junto a Bragg e os irmãos Shelton, Allie faz sexo com Ring Shelton (Lance Henriksen). Ambos são enquadrados nus pela luneta de Cole, mas isso e ainda a descoberta da provocação de Allie ao amigo Everett, não faz dela uma vadia no entender de Cole. Acostumado a se satisfazer unicamente com prostitutas e índias, o Marshal de Appaloosa se deslumbra com aquela mulher que toca piano, se veste com elegância, sabe se portar à mesa e toma banho todos os dias. Não há muitas mulheres assim no Velho Oeste e Allison French vale os constrangimentos aos quais Virgil Cole se vê submetido. Everett Hitch, por sua vez, vê a situação de modo diferente e aceita a decisão do amigo sem contestá-lo, ainda que se desgoste com a forçada separação do companheiro de jornadas. E é o próprio Everett, quando o cenário se mostra sombrio para o amigo, quem resolve afastar de vez o inescrupuloso Randall Bragg do caminho de Cole e, por extensão, de Allie, possibilitando que ambos fiquem juntos.

Renée Zellwegger e Vigo Mortensen

O duelo em Rio Seco.
Rigor cenográfico - Mulheres fortes, mesmo que oportunistas e infiéis, seduziram homens através da História, e uma mulher com esse perfil estaria à vontade no cinema num drama urbano. Impensável, porém, num faroeste onde os homens são rudes e pouco afeitos a sensibilidades. Cole, leitor de Emerson (poeta e ensaísta norte-americano), lembra ao amigo que ele Hitch não possui sentimento e ao aceitar o comportamento de Allison mais parece um homem do Oeste fora de seu tempo e lugar. É essa subtrama que se sobrepõe à principal e faz de “Appaloosa” um western diferente. Mesmo com a ênfase na relação Cole-Allie-Hitch e seu ritmo cadenciado, o filme de Harris prende o espectador e nos momentos certos há ação de boa qualidade com duelos os mais verossímeis possível, culminando com o momento final em que Bragg é morto por Hitch. Cole é frio e hábil com seu revólver, já seu amigo nem tanto e por essa razão carrega uma espingarda calibre 8 de duplo cano. Ao se confrontar com Randall Bragg, Hitch firma os pés e adota posição que nada lembra os clássicos gunslingers que o cinema nunca cansou de exibir. Esse rigor, com sequências poeirentas, permeia todo o filme dando a ele uma notável sensação de realidade.

Duelo entre Jeremy Irons e Viggo Mortensen.

Os belos cenários registrados pela câmera
mágica de Dean Semler.
Deslumbrantes cenários - Dean Semler é um cinegrafista australiano que Hollywood importou depois de seus trabalhos em dois filmes da série “Mad Max”. Semler impressionou como diretor de fotografia de “Os Jovens Pistoleiros” (Young Guns) e “Jovens Demais para Morrer” (Young Guns II), consagrando-se com “Dança com Lobos” (Dances With Wolves), com o qual recebeu o merecido Oscar de Melhor Cinematografia. É de Dean Semler a excepcional cinematografia de “Appaloosa”, criando, sequência após sequência, verdadeiros quadros representativos da paisagem do Velho Oeste, remetendo aos pintores Charles Russell e a Frederick Remington, tamanha a beleza de concepção das imagens, seja com a presença de atores em cena, seja como capturar os deslumbrantes cenários em que se passam as ações. Jeff Beal foi o responsável pela trilha musical, em sua maior parte com sons incidentais entremeados com belos temas. A partir do making-of de “Appaloosa” verifica-se que um bom número de sequências filmadas não permaneceram na edição final, o que leva a crer que Ed Harris quis realizar um filme mais conciso e mesmo assim lançado com 115 minutos de duração. Harris havia tido apenas uma outra experiência na direção com o elogiado “Pollock”. Nesse filme Ed Harris vive o atormentado pintor abstrato Jackson Pollock.

Viggo Mortensen
Viggo Mortensen impecável - “Appaloosa” deveria ser um triunfo integral de Ed Harris que tem, como de hábito, ótimo desempenho como Virgil Cole. Porém é Viggo Mortensen quem domina quase que integralmente o filme com seu ar melancólico de amigo sempre pronto a concordar com o outro. Mesmo que o faça com os enganosos silêncios nos quais sua expressão diz tudo e entende o drama do companheiro. Atuação digna de uma indicação ao Oscar de Melhor Ator, o que não ocorreu devido a ter sido indicado por outra interpretação (“Senhores do Crime”). Renée Zellwegger não era bonita, lembrado uma Shirley MacLaine feia. As cirurgias plásticas a que se submeteu nos últimos aos fizeram dela uma outra mulher, irreconhecível mesmo. Além de nada bonita, ‘Allison French’ não é uma personagem fácil de ser interpretada, mas Renée está muito bem, não merecendo as críticas desfavoráveis que recebeu por sua atuação. Jeremy Irons nem precisa se esforçar para criar um tipo detestável, ainda que fique esquisito com roupas de cowboy. O juiz que julga Randall Bragg é Bob L. Harris, pai de Ed Harris e sua carreira como ator no cinema se resume a este trabalho e uma pequena participação em “Pollock”.

Os amigos pistoleiros (Mortensen e Harris) e a mulher entre eles (Renée).


Ed Harris
Entre os melhores westerns - “Appaloosa” junta-se aos poucos e ótimos westerns rodados após o ano 2000 – “Pacto de Justiça” (Open Range), “Bravura Indômita” (True Grit), “Os Indomáveis” (3:10 to Yuma) – mostrando que nem tudo está perdido. Coisas como “Jonah Hex, o Caçador de Recompensas” (Jonah Hex) e “Cowboys & Aliens” não merecem ser vistas e as badaladas homenagens de Quentin Tarantino ao western spaghetti agradam mais àqueles espectadores que acham insuportáveis filmes tidos como arrastados como “Appaloosa”. Ed Harris, nascido em 1950 é uma esperança de mais westerns tão bons ou ainda melhores que este “Appaloosa – Uma Cidade Sem Lei”.


Esta cópia de "Appaloosa" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Ivan Peixoto.

24 de janeiro de 2016

ASSIM MORREM OS BRAVOS (THE GLORY GUYS) – A CAVALARIA EM MAIS UM MASSACRE


Acima Sam Peckinpah; abaixo, na foto
menor Arthur Gardner, Jules Levy e
Arnold Laven, de óculos.
Somente meia dúzia de pessoas sabia quem era Sam Peckinpah em 1956. Aos 31 anos de idade o futuro lendário diretor era apenas um jovem roteirista em busca de oportunidades e que conseguiu trabalho após enviar alguns argumentos para os produtores da série de TV “Gunsmoke”, iniciada em 1955. Entre as muitas produtoras independentes que surgiram na virada da década de 40 para os anos 50, estava a do trio Jules Levy, Arthur Gardner e Arnold Laven. Essa produtora produziria, entre outros filmes, “O Segredo de um Amante” (com Edward G. Robinson), “Não Há Crime Sem Castigo” (com Broderick Crawford), “Deus é Meu Juiz” (com Paul Newman) e “Gerônimo/Sangue de Apache” (com Chuck Connors), todos dirigidos por Arnold Laven. Em 1956 a Levy-Gardner-Laven adquiriu os direitos cinematográficos do livro “The Dice of God”, escrito por Hoffman Birney e procurou um roteirista que não cobrasse muito caro para roteirizar a história. Arnold Laven conhecia o trabalho de Sam Peckinpah e o contratou ao preço de 500 dólares por semana para desenvolver o roteiro e Peckinpah levou quatro meses e meio para executar o trabalho. Após ficar pronto, no entanto, o roteiro foi deixado de lado pelo trio de produtores que se desinteressou de filmá-lo. Tudo mudaria depois do êxito de “Pistoleiros do Entardecer” (Ride the High Country), filme de 1962 que fez de Peckinpah o mais promissor diretor de Hollywood. Foi então que o trio Levy-Gardner-Laven se lembrou que poderia faturar algum dinheiro usando o nome de Peckinpah sem ter que lhe pagar nada. Como? Filmando o roteiro por ele escrito quase dez anos antes e que recebeu o título de “The Glory Guys”, por sinal história muito parecida com “Juramento de Vingança” (Major Dundee) que Peckinpah havia filmado entre fevereiro e abril de 1964. Além disso alguns dos atores que atuaram em “Major Dundee”, como Slim Pickens, Michael Anderson Jr. e Senta Berger foram contratados para o elenco de “The Glory Guys”. “Major Dundee” teve custo final de quatro milhões e meio de dólares, enquanto o orçamento para “The Glory Guys” foi de um milhão e meio de dólares, quantia enorme para os padrões da produtora Levy-Gardner-Laven.


Acima Andrew Duggan; abaixo
Tom Tryon e Harve Presnell.
General em busca da glória - “The Glory Guys” recebeu em Português o título “Assim Morrem os Bravos” e conta (outra vez) a história de um oficial cego pelo desejo de vitória e a consequente glória pelo feito. O ‘Custer’ deste filme é o General Frederick Chase McCabe (Andrew Duggan) comandante da 3.ª Cavalaria e cuja tropa deve expulsar os Siouxes de suas terras. O General McCabe tem entre seus comandados o Capitão Demas Harrod (Tom Tryon) e ainda o batedor Sol Rogers (Harve Presnell). Harrod e Rogers namoram a viúva Lou Woddard, que mora em Mule City, indecisa em definir com qual dos dois homens quer ficar. O Capitão Harrod é responsável pelo preparo, no Forte Doniphan, de um grupo de civis recém recrutados e que, transformados em soldados, irão lutar pela 3.ª Cavalaria. O General McCabe recebe ordens do Alto Comando do Exército para aguardar o encontro com as tropas comandadas pelo General Hoffman (Stephen Chase) para desfechar o ataque, mas descumpre as ordens e ordena uma investida precipitada aos Siouxes. Todo o regimento é massacrado pelos índios, à exceção de uma coluna comandada por Harrod que McCabe enviou para ser emboscada, sem sucesso, pelos nativos. O batedor Sol Rogers morre em combate deixando livre a viúva Woddard que já havia definido sua escolha pelo Capitão Harrod, que sobrevive com parte de sua unidade da 3.ª Cavalaria.

Acima Tom Tryon com Harve Presnell;
abaixo Tom e Senta Berger.
Crítica de Sam Peckinpah - Perguntado se gostara de “Assim Morrem os Bravos”, Sam Peckinpah afirmou que o trio principal do elenco (Tryon, Presnell e Berger) havia comprometido o filme de Arnold Laven que poderia ser bem melhor com outros intérpretes. Bem melhor, certamente, se comparado a “Major Dundee”, com quem as semelhanças são muitas, desde a obsessão do tresloucado comandante até o triângulo amoroso e passando ainda pela arregimentação de soldados. No atribulado filme de Peckinpah, prisioneiros confederados e neste cidadãos ineptos que em 30 dias devem aprender a montar, atirar e morrer. Certo que Tom Tryon é ator daquela escola que os norte-americanos chamam de ‘woodenface’, incapaz de transmitir alguma emoção; o simpático Harve Presnell é tão convincente como batedor quanto Artur Hunnicutt (o batedor clássico) seria num musical cantando como Harve Presnell; e finalmente a bela austríaca Senta Berger que havia atuado em “Major Dundee” deu outra prova que sua carreira em Hollywood não iria muito longe. Mas Peckinpah bem poderia bem ter reconhecido as indiscutíveis qualidades de “Assim Morrem os Bravos”.

James Caan
Esmerada produção mediana - A caprichada produção de “Assim Morrem os Bravos”, apesar dos horrorosos desenhos de abertura, filmada em Durango (México) teve espetacular cinematografia do chinês James Wong Howe, um dos mestres da arte de filmar. A música ficou a cargo do premiado italiano Riz Ortolani, compositor tão prolixo quanto Ennio Morricone, ainda que sem a genialidade de Ennio e acertando na trilha deste western. Movimentadas sequências de lutas fazem a alegria de quem gosta de ação num filme em que Slim Pickens domina as cenas em que participa, ficando os momentos cômicos a cargo do não muito engraçado James Caan. Centenas de cavalos nas sequências de batalha preenchem as pradarias de Durango com a câmara de Wong Howe do alto de uma grua descortinando o horizonte em magnífica tela larga (35 mm). Não falta sequer uma batalha tendo como palco um rio, em mais um toque inegável de Sam Peckinpah no roteiro. Filmar cenas de batalhas exigem muita técnica e coordenação, função que coube em “Assim Morrem os Bravos” a Whitey Hughes, menos famoso que Cliff Lyons porque dedicou a maior parte de sua carreira à televisão. Mas o trabalho de Hughes somado à edição de Melvin Shapiro e Tom Rolf chamam à atenção pela qualidade rara numa produção mediana como esta. Todos esses aspectos mais que compensam a temática batida do oficial desvairado e o patético triângulo amoroso.

Pancadaria farta em "Assim Morrem os Bravos".

O belo trabalho do cinegrafista James Wong Howe e cenas de batalha
no filme dirigido por Arnold Laven.

Cena de baile no Fort Doniphan e a Cavalaria
na linha do horizonte, lições do mestre Ford.
Receita de John Ford - As vitórias em campo de batalha acarretam mais do que fama e condecorações aos generais triunfantes. Junto com a glória pode advir uma sonhada carreira política e isso se torna uma obstinação para oficiais ambiciosos como o fictício General McCabe da 3.ª Cavalaria, simulacro do real George Armstrong Custer. Sacrificar suas tropas para atingir seu intento é para McCabe parte natural de uma conflagração, para quem soldados são preparados para morrer em nome da vitória. Não pensa assim o Capitão Harrod, oficial íntegro e continuamente solidário com seus comandados, ainda que cumpridor de ordens mesmo que delas discorde. Desde que “Sangue de Heróis” (Forte Apache) antepôs o ‘Coronel Thursday’ (Henry Fonda) ao ‘Capitão Kirby York’ (John Wayne), roteiristas não deixaram de usar a receita fordiana e o filme de Laven é mais um que a repete. E não poderia faltar o romance com a viúva disputada pelo valoroso capitão e pelo audaz batedor. A viúva, num surto inesperado de honradez, passa de mulher volúvel que recebe os dois amantes num mesmo momento a um ser atormentado pela dúvida da escolha daquele que ‘a fará feliz para sempre’. E o jovialíssimo batedor se confessar cansado da vida nômade, querendo se assentar em uma vida tranquila a lado da mulher amada faz duvidar que Peckinpah tenha assinado tal roteiro com tal pieguice. 

Tom Tryon e Harve Presnell
Mútuo respeito e admiração - Tom Tryon foi um dos muitos atores destinados a uma bela carreira no cinema e que no entanto ficou pelo meio do caminho. Um dos seus primeiros papeis foi como irmão de Charlton Heston em “Trindade Violenta” (Three Violent People), de 1956. Sua carreira, no entanto, custava a decolar, até que atuou em uma superprodução intitulada “O Cardeal”, que fracassou nas bilheterias. Tryon então resolveu se dedicar a escrever, obtendo sucesso que não conheceu como intérprete, não mais voltando a atuar, encerrando a carreira de ator em 1971. Harve Presnell nasceu em época errada pois quando começou a fazer filmes a época de ouro dos musicais já havia passado, tempo em que ele teria sido fortíssimo concorrente de Howard Keel. Depois de voltar aos palcos, onde brilhou com mais intensidade, Presnell esteve ao lado de Lee Marvin e Clint Eastwood em “Os Aventureiros do Ouro” (Paint Your Wagon), estendendo sua carreira de ator por mais 40 anos. Em “Assim Morrem os Bravos” os personagens de Tryon e Presnell se hostilizam boa parte do filme, mas aos poucos passam a se respeitar e a mútua admiração até os faz esquecer da bela viúva por alguns momentos.

Típico diálogo de Sam Peckinpah, exceto pela última frase.


Slim Pickens
O sempre ótimo Slim Pickens - O bom elenco deste western sobre a Cavalaria traz Jeanne Cooper (esposa do General McCabe), atriz de intensa personalidade e pouco aproveitada no cinema. Presentes também o correto Andrew Duggan e Peter Breck antes de se tornar um dos Barkleys em “Big Valley”, ao lado de Barbara Stanwyck. Slim Pickens iniciava, aos 45 anos de idade a melhor fase de sua carreira que atingiria o ápice na década de 70 ao participar de filmes memoráveis. Nada mal para um ex-campeão de rodeios e ex-sidekick de westerns B da Republic Pictures. James Caan voltaria ao western em “El Dorado” para se consagrar em “O Poderoso Chefão” e ter carreira de sucesso. Arnold Laven foi o produtor da série de TV “O Homem do Rifle” e como diretor fez os westerns “A Noite dos Pistoleiros” (Rough Night in Jericho) e “Sam Whiskey, o Proscrito” (Sam Whiskey), além do citado “Gerônimo”. Dos anos 70 em diante Laven passou para a TV. Com este bom “Assim Morrem os Bravos” Arnold Laven mostrou que poderia ser um dos bons diretores do gênero western.

Slim Pickens com Tom Tryon; Harve Presnell, Pickens e Tryon.

No alto à esquerda Jeanne Cooper, Harve Presnell, Andrew Duggan e Senta Berger;
James Caan e Tom Tryon na foto à direita; embaixo Slim Pickens e Michael
Anderson Jr.; à direita Anderson salvo pelo cantil.


18 de janeiro de 2016

CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE FERNANDO SANCHO, O QUERIDO VILÃO DOS WESTERNS SPAGHETTI


Fernando Sancho, Joaílton
Carvalho e Édson Paiva.
Nos westerns spaghetti raras eram as participações de índios, ao contrário de mexicanos, figuras comuns em quase todos eles. Filmados em grande parte em Almería, na Espanha, era muito mais fácil para a produção encontrar atores espanhóis que passavam facilmente por mexicanos, normalmente por bandidos mexicanos. E um ator espanhol se notabilizou por interpretar bandoleros com seu corpanzil pesado, rosto suado, vestes ensebadas e gargalhada tonitruante antecipando alguma crueldade. O nome desse ator é Fernando Sancho, que por mais que tentasse ser sinistro e sanguinário, nunca deixava de conquistar o espectador que, muitas vezes, secretamente até torcia por ele. Quando o WESTERNCINEMANIA elaborou a enquete ‘Grandes Bandidos dos Faroestes’, alguns leitores, entre eles Joaílton de Carvalho e Edson Paiva não se conformaram com a ausência de Fernando Sancho entre os 49 homens maus selecionados para a enquete. Joailton escreveu: “Acho que na lista dos piores bandidos faltou Fernando Sancho, carismático, cruel, cínico e sujo”. Édson Paiva fez este comentário: “Fernando Sancho foi uma ausência de peso. (...) Acho que nenhum dos 49 da lista interpretou a quantidade de vilões que fizeram a fama de Fernando Sancho. (...) Ele marcou os westerns spaghetti e muitas vezes os filmes só valiam à pena por sua presença.” Joailton e Édson estão certíssimos e o blog ratifica e lembra a importância desse vilão por ocasião do seu centenário de nascimento ocorrida em janeiro de 2016.

Fernando Sancho nos tempos de
dublador de Oliver hardy.
Dublador de Oliver Hardy - Fernando Sancho, este é seu nome de batismo, nasceu na cidade de Zaragoza (Aragão, Espanha), em 7 de janeiro de 1916. Aos 20 anos de idade o jovem aragonês se incorporou às forças nacionalistas em luta contra os republicanos na Guerra Civil Espanhola. Os nacionalistas comandados por Francisco Franco venceram a guerra sangrenta que durou mil dias e que ceifou as vidas de um milhão de espanhóis, deixando feridos um número igualmente gigantesco, entre eles o soldado Fernando Sancho. Mesmo na caserna Fernando se destacava por fazer rir os companheiros de farda com seu talento inato de comediante que o levou, finda a guerra, a ser contratado pelo Teatro Circo Zaragoza. Como poucos Fernando era capaz de modular seu vozeirão fazendo imitações diversas, o que o levou inicialmente ao rádio e depois aos estúdios de dublagem. Os filmes da dupla 'O Gordo e o Magro' faziam grande sucesso na Espanha e Fernando se tornou o dublador oficial de Oliver Hardy, o Gordo. O cinema espanhol não poderia prescindir de um artista como Fernando Sancho que, mesmo sempre um pouco acima do peso, era capaz de interpretar galãs com a mesma facilidade com que interpretava policiais, oficiais fardados e, melhor que ninguém, hombres malos. Sua estreia no cinema se deu em 1941, num pequeno papel como camareiro, na comédia “Passageiro Clandestino” (Polizón a Bordo). Por mais otimista que Fernando fosse, jamais poderia esperar que aquele era apenas o primeiro de uma série de mais de 200 filmes que faria numa carreira que se estenderia pelos próximos 50 anos.

Fernando Sancho ainda jovem e em 1962, com
Sophia Loren em "Madame Sans Genê".
Carreira internacional - Nos dez anos seguintes Fernando Sancho atuou no cinema espanhol, tendo oportunidade de contracenar com astros como Luís Mariano, Antonio Villar, Francisco Rabal, Carmen Sevilla e Rafael Bardem (avô de Javier Bardem), invariavelmente como coadjuvante. Não demorou, porém, para Sancho passar a ser requisitado também por produtores franceses, italianos e alemães. Na produção francesa “El Torero”, de 1954, Sancho contracenou com Danielle Darrieux e Maurice Ronet e atuar ao lado de astros internacionais como Paul Scofield, Gilbert Roland, Olivia De Havilland, Christopher Lee, Sylva Koscina, Nino Manfredi, Vittorio De Sica, Pedro Armendariz passou a ser uma constante em sua carreira. Astros desse quilate enriqueceram ainda mais a já respeitável bagagem de Fernando Sancho. A década de 60 traria uma mudança na vida artística de Sancho, cada vez mais conhecido por atuar em grandes produções como “Madame San Gêne”, com Sofia Loren e “Um Táxi para Tobruk”, ao lado de Lino Ventura, Charles Aznavour e Hardy Kruger. O tipo físico de Sancho o tornava requisitado também para os épicos (sandália e espada) dirigidos por italianos, entre esses filmes Sancho atuou em “Golias Contra o Gigante” e “Filhos do Trovão”, este estrelado pelo ainda pouco conhecido Giuliano Gemma, com quem Sancho iria se reencontrar nos próximos anos.

Fernando Sancho com a esposa Mayte Pardo e
com os filhos Fernandito e Maytita; abaixo em cena
do filme "O Filho de Robin Hood", com Sean Flynn.
Ator incansável - O filme “Maria Dolores” (1953) teve uma importância singular para Fernando Sancho pois foi durante as filmagens que ele conheceu a atriz Mayte Pardo, com quem se casou. Fariam ainda, logo em seguida, mais dois filmes, “Cuerda de Presos” e “Torrepartida”, antes que ela se afastasse do cinema para cuidar de Maytita e Fernandito, casal de filhos que tiveram. Sancho não parava de filmar e suas participações em produções na década de 60 é impressionante: sete filmes em 1961; seis em 1962; nove em 1963; nove em 1964; 14 em 1965; 14 em 1966; 12 em 1967; nove em 1968; cinco em 1969. Nessa década Fernando Sancho fez desde pequenas participações em superproduções como “Lawrence da Arábia”, “O Rei dos Reis” e “55 Dias em Pequim” a papeis importantes como em “O Filho do Capitão Blood”, estrelado por Sean Flynn, filho do eterno Capitão Blood, Errol Flynn. Sancho participou de filmes cujos elencos eram liderados por campeões de bilheteria na Espanha como os astros infantis Pablito Calvo (o Marcelino), Joselito e Marisol. Além destes, Sancho atuou em filmes de Frank Latimore, ator norte-americano, cuja carreira em Hollywood foi pouco relevante mas que alcançou sucesso na Espanha interpretando ‘El Zorro’ herói muito querido na terra de Cervantes. Em “A Vingança do Zorro” (1962), Fernando Sancho iniciou uma nova fase em sua carreira, agora no gênero western que atraía muito público na Europa. Seguiu-se “Il Segno Del Coyote”, coprodução ítalo-espanhola, outro western e o próximo filme de Sancho seria também um faroeste, com a diferença que o ator aragonês passava então à condição de um dos nomes principais do elenco.

Em "Lawrence da Arábia", Fernando Sancho tem pequena mas importante
participação como o sargento turco que surra Lawrence (Peter O'Toole)
com uma vara por ordem do comandante interpretado por José Ferrer.

Fernando Sancho
O bom homem mau - Intitulado “Tres Hombres Buenos” e exibido no Brasil como “Por um Punhado de Prata”, este western paella (faroeste espanhol) de 1963 conta uma história de vingança executada por Geoffrey Horne com a ajuda de um pistoleiro (Paul Piaget) e um simpático mexicano que não é outro senão Fernando Sancho. Como um dos Tres Hombres Buenos, Sancho encantou o público, colocando em segundo plano os outros dois atores, mesmo o argentino Geoffrey Horne lembrado por sua participação em “A Ponte do Rio Kwai”. Esse western representou o ponto de partida para a nova fase da carreira de Fernando Sancho que em seu western seguinte é o sidekick do herói Richard Harrison em “Minha Lei é o Gatilho”, outro ‘paella’. Em 1964 Sancho mostrou que era bom na comédia em “Dois Mafiosos no Far West”, com a dupla cômica Franco Franchi e Ciccio Ingrassia, com quem faria diversas outras comédias. “Bievenido Padre Murray”, apesar do título, foi mais um ‘paella’ que teve a participação de Sancho. Em “Os Sete do Texas” o bandidão é Raf Baldassare e o mocinho é Claudio Undari, mas é novamente Sancho quem mais agrada o público, desta vez fugindo do tipo mexicano que vinha moldando e aparecendo como um mestiço usando buckskin (roupa feita de pele). Em “Minnesota Clay” Fernando Sancho interpreta um bandido cruel com mais uma grande atuação, sendo dirigido por Sergio Corbucci.

Acima pôsteres de "Por Um Punhado de Prata" e "Os Sete do Texas"; à direita
Cameron Mitchell e Fernando Sancho em "Minnesota Clay"; abaixo sequência de

"Os Sete do Texas", com Fernando Sancho interpretando um mestiço.

Viva Sancho! Viva Carrancho! - Os westerns europeus se tornavam uma verdadeira mina de ouro para os produtores e Fernando Sancho aparecia em muitos deles. Mesmo assim participava de outros tipos de filmes, entre eles “Cerimônia Macabra”, dirigido e estrelado por Laurence Harvey, o Coronel Travis de “O Álamo”. Os westerns predominavam e em “Escreveu Sua Vingança a Bala”, Wyatt Earp (Guy Madison) passa maus momentos contra o bandido mexicano ‘Pancho Bogan’, interpretado por Fernando Sancho. E veio, em 1965, o reencontro com Giuliano Gemma em “Uma Pistola para Ringo”, de Duccio Tessari naquele que foi o primeiro western de Gemma, ator que se consagraria como um dos favoritos do gênero com “O Dólar Furado”. Fernando Sancho é ‘Sancho’, o bandido que tem hilariantes discussões com ‘Ringo’ (Gemma) nesse delicioso western. Fernando Sancho, novamente interpretando um ‘Sancho’ tem outro reencontro na tela, desta vez com Frank Latimore em “Atirar e Matar”, com o também norte-americano Edmund Purdom. Em “Redenção de um Bandoleiro”, estrelado por Robert Woods, Fernando Sancho é ‘Carrancho’, nome que lhe caiu esplendidamente completando sua ruidosa figura. A curiosidade de “Redenção de um Bandoleiro” é que o filme seguinte do norte-americano Robert Woods chamou-se “O Homem de Canyon City”, mas a popularidade de Fernando Sancho era tão grande que na Espanha foi lançado como “Viva Carrancho!”.

Sequências das mais divertidas dos westerns spaghetti com Fernando Sancho
e Giuliano Gemma em "Uma Pistola para Ringo".

Estereótipo muito querido - “Cem Mil Dólares para Ringo” foi produzido obviamente para faturar em cima do personagem criado por Giuliano Gemma, mas o ‘Ringo’ deste filme é Richard Harrison e Fernando Sancho é ‘Chuck’. O ‘Ringo’ de Giuliano Gemma volta em “Ringo Não Discute... Mata”, também de Duccio Tessari e, claro, Fernando Sancho como o bandido ‘Esteban Fuentes’ num elenco com a sedutora Nieves Navarro. Em “O Homem da Pistola de Ouro” Sancho comando um bando de foras-da-lei. “Sete Pistolas para os MacGregor” reuniu Robert Woods com Fernando Sancho que, como de hábito, é um turbulento bandoleiro. O ítalo-brasileiro Anthony Steffen (Antonio Luiz De Teffé) é o mocinho de “7 Dólares Ensanguentados”, mas Fernando Sancho como ‘El Cachal’ é a maior atração do filme, tanto que no pôster é a figura gigantesca do ator aragonês que sobressai. “Os 7 Pistoleiros” deveria ter como astro maior Sean Flynn, mas com Fernando Sancho em cena interpretando o estereotipado bandoleiro mexicano não sobra para mais ninguém e o filme vale por Sancho.

Gemma e Sancho pela derradeira vez - Fãs de westerns spaghetti procuravam avidamente pelo nome de Fernando Sancho nos cartazes dos filmes e não tinham dúvida em comprar o ingresso com a certeza de boa diversão. E Sancho prosseguiu fazendo um western atrás do outro: “Pelo Prazer de Matar” (com Craig Hill e George Martin); “Até no Inferno Irei à Sua procura” (com Aldo Sambrell); “Django Atira Primeiro” (com Glenn Saxson); “Clint, o Solitário” (com George Martin); “Django Mata por Dinheiro” (com Gianni Garko); “Procurado Johnny Texas” (com Will Colombini). Em “Arizona Colt” Giuliano Gemma e Fernando Sancho contracenam pela última vez num western. Dois spaghetti que alcançaram muito sucesso foram “O Dia da Desforra” e “Ódio por Ódio”, ambos com a presença de Sancho. São de 1967: “Um Homem e Um Colt”; “Killer Kid” (com Anthony Steffen); “Billy, o Sanguinário” (o personagem de Sancho é ‘El Bicho’); “15 Forcas para um Assassino” (com Craig Hill e George Martin); “Rita no West” (com Rita Pavone e Terence Hill); “A Outra Face da Coragem” (com Mark Damon e John Ireland e Sancho interpretando ‘Carrancha’, mais um nome bastante significativo para o ator).

Fernando Sancho com o Colt de Arizona Colt.

Lenda do western spaghetti - Em “Sangue Chama Sangue” (1968), Fernando Sancho é um bandido que assalta um convento. Outros westerns de 1968 com Fernando Sancho foram: “Pistoleiros em Conflito” (com Gianni Garko); “A Diligência dos Condenados” (com Richard Harrison) “Réquiem para um Gringo” (com Sancho interpretando ‘Porfírio Carranza’ outro vilão de nome tão forte quanto a figura de Sancho). “Ciccio Perdoa... Eu Não”, western comédia que foi o quarto encontro de Fernando Sancho com Ciccio Ingrassia e Franco Franchi. “Kidnapping, Paga ou Mataremos” e “A Ira de Deus” foram dois westerns de Sancho estrelados pelo musculoso norte-americano Brett Halsey. A esta altura Fernando Sancho era considerado uma lenda dos westerns spaghetti, rivalizando com Klaus Kinski em “Se Encontrar Sartana, Reze pela sua Morte”, de Gianfranco Parolini e com Gianni Garko. Porém a produção de westerns europeus começava a se reduzir, o que para Fernando Sancho não representou problema pois ele atuava indistintamente em filmes de terror, policiais, sci-fis, dramas e comédias como “O Pirata Barba Negra”, novamente com a dupla Franchi-Ingrassia e Fernando Sancho como ‘Barbanera’.


Fecha-se o ciclo de westerns europeus - Os últimos westerns da filmografia de Fernando Sancho, nos anos 70, tiveram qualidade bastante inferior uma vez que diretores como Corbucci, Sollima, Tessari e Leone (com quem Fernando Sancho nunca filmou) haviam dado adeus ao gênero. Desse tempo são “Eu Lavrei Tua Sentença”, “Os Abutres Cavarão Tua Fossa”, “O Golpe Mais Fabuloso do Oeste”, “Judas, Toma Tuas Moedas” (com George Martin e Sancho outra vez como ‘Carrancho’), “A Honra se Escreve com Chumbo” (com Anthony Steffen), “Sob o Fogo das Pistolas” (com Antonio Sabato), “Atiradores Fabulosos” (com Richard Harrison), “O Filho do Zorro” (com William Berger), “Uma Corda ao Amanhecer” (com Pierre Brice). O western “Dallas” (1975) com Anthony Steffen foi o último spaghetti que contou com a presença de Fernando Sancho depois de mais de 50 filmes no gênero. Mas sua carreira de ator prosseguiria por mais longos 15 anos.

John Wayne, seu grande ídolo - Em 1978 Mayte Pardo, a esposa de Sancho voltaria ao cinema interpretando sua mulher no drama “Trampa Sexual”. A fama de Fernando Sancho era tão grande na Europa de modo geral e mais especialmente em seu país, que a revista espanhola “Interviu” bateu recordes de tiragem quando estampou ensaio fotográfico com Maytita, a filha do ator. Já passado dos 60 anos de idade, o ritmo de trabalho de Fernando Sancho diminuiu sensivelmente, mas ainda assim nunca lhe faltou convites para atuar, no mais das vezes emprestando seu glorioso nome a produções de qualidade duvidosa. Sancho foi dirigido pelos principais diretores italianos e espanhóis de westerns, mas não teve oportunidade de atuar sob as ordens de Sergio Leone, o que aparentemente não o incomodou. Fernando Sancho lamentava, isto sim, nunca ter participado de um filme de John Wayne (na foto à direita), seu grande ídolo no cinema.

Fernando Sancho recebendo um dos muitos prêmios ganhos em sua carreira;
no centro com a esposa Mayte Pardo; à direita a filha Maytita em capa de revista.

Fernando Sancho
O bandido favorito - Em 1989 Sancho participou de “La Luna Negra” seu derradeiro filme e no ano seguinte foi diagnosticado que ele estava com câncer. Internado no Hospital Militar Gomez Ulla, em Madri, o ator de 74 anos faleceu vítima de câncer generalizado. Perdia o mundo artístico espanhol um de seus grandes nomes. Quando de sua morte, o ator norte-americano Robert Woods, com quem Sancho fez inúmeros filmes, afirmou que adorava trabalhar com Fernando, mesmo sabendo que com o amigo em cena o público não prestava a atenção em mais ninguém. O western spaghetti, como se sabe, criou uma legião de fãs que parece nunca parar de crescer, como atesta o incrível número de blogs dedicados a essa vertente do faroeste. E Fernando Sancho tornou-se um ator inesquecível e o bandido favorito de milhares e milhares de fãs dos westerns spaghetti.


Mayte Pardo em duas fotos e Fernando Sancho no centro, no tempo em que
ela atuava e se apaixonaram.

Fernando Sancho com os filhos e a esposa; Sancho brincando com Maytita,
no centro e com Fernandito (à direita).

Apaixonado por touradas, Fernando Sancho em uma arena (á esquerda);
assistindo a uma tourada (centro); e sendo ovacionado pela platéia de uma plaza.

14 de janeiro de 2016

O PROSCRITO (THE OUTLAW) – TRIÂNGULO HOMOSSEXUAL ENTRE MITOS DO VELHO OESTE


Os dois Howards:
acima Hughes; abaixo Hawks.
Se alguém citar o western “O Proscrito” (The Outlaw), logo vem à mente a figura provocante de Jane Russell deitada sobre um monte de feno. Filmado entre novembro de 1940 e fevereiro de 1941, este controvertido filme merece, no entanto, ser mais lembrado por uma ousadia ainda maior que a publicidade feita com as generosas e voluptuosas formas da então estreante atriz. Hollywood vivia sob a severa vigilância da censura imposta pelo Código Hays e, enquanto Joseph Breen e demais censores se preocupavam com a exposição de Jane Russell na tela e nos anúncios, “O Proscrito” contava a história de latente triângulo homossexual, o que o obcecado Breen e seus sequazes não perceberam. E não era um triângulo qualquer, mas sim entre os lendários Pat Garrett, Doc Holliday e Billy the Kid. Não há informações precisas sobre o pai da ideia de subverter a história ligando os três homens, podendo a invenção ser do autor do roteiro original Jules Furthman ou do produtor Howard Hughes. A grande importância de “O Proscrito” é ter dado ao western, até então considerado um gênero assexuado, uma nova dimensão a ser explorada a seguir pelo cinema com, por exemplo, “Duelo ao Sol” (Duel in the Sun), em 1946 e tantos outros westerns. Multimilionário que decidiu enveredar pelo cinema como segundo hobby (o primeiro era a aviação), Howard Hughes já havia produzido filmes de sucesso como “A Primeira Página” e “Scarface, A Vergonha de Uma Nação”, este último dirigido por Howard Hawks. Produtor independente, Hughes contratou Hanks para dirigir “O Proscrito”, incumbindo-o também de realizar os testes com candidatos a interpretar o bandido ‘Billy the Kid’ e a mocinha ‘Rio McDonald’, personagens do novo western. A condição imposta por Hughes era que os candidatos jamais tivessem atuado no cinema e Hawks aprovou o caixa de banco Jack Buetel (25 anos) e Jane Russell (19 anos). Para compensar o noviciado dos dois jovens, Hugues compôs o elenco principal com os experientes Thomas Mitchell (Pat Garrett) e Walter Huston (Doc Holliday). Howard Hawks deu início às filmagens e 15 dias depois cansara-se dos palpites de Hughes, abandonando o trabalho, e indo dirigir “Sargento York”. Hughes sequer cogitou contratar outro diretor, assumindo ele mesmo a direção de “O Proscrito”, imprimindo ao filme o tom erótico que tencionava desde o início, tanto nas tomadas focalizando os seios fartos de Jane Russell quanto no triângulo amoroso entre os mitos do Velho Oeste.


Acima Walter Huston com
Thomas Mitchell; abaixo
Huston com Jack Buetel.
Encontro e morte em Lincoln - Pat Garrett é o xerife do condado de Lincoln, no Novo México, e exultante reencontra o velho amigo Doc Holliday. Este procura por seu cavalo 'Red' que fora roubado por Wiliam Bonney, jovem pistoleiro apelidado ‘Billy the Kid’. Ao tentar reaver sua montaria Holliday se torna amigo de Billy, o que desgosta Pat Garrett. A recente amizade é estremecida por instantes devido ao cavalo que ainda não foi devolvido. Lado a lado com Garrett numa mesa de jogo de saloon, Billy é provocado e mata um homem em legítima defesa, pretexto para Garrett expulsá-lo do condado, com o que Doc não concorda. Billy the Kid é ferido por Pat Garrett e levado por Doc à casa de Rio McDonald, namorada de Holliday. A moça descobre que Billy havia matado seu irmão numa contenda e inicialmente tenta se vingar, porém enamora-se dele em seguida. Com Garrett no encalço da dupla, Doc, Kid e Rio fogem mas são alcançados pelo xerife. Os ex-amigos Garrett e Holliday se defrontam e Garrett leva a melhor, não conseguindo, no entanto prender Billy the Kid que parte em companhia de Rio.

Walter Huston e Jack Buetel

Walter Huston
Roteiro bizarro - O que salta aos olhos em “O Proscrito” é a total inacurácia em relação a fatos e personagens históricos pois Doc Holliday e Pat Garrett, nascidos respectivamente em 1850 e 1851, passariam tranquilamente neste filme por pais de Billy the Kid, nascido em 1859. Escolhido para ser Billy The Kid, a jovialidade de Jack Buetel contrasta com as figuras maduras de Thomas Mitchell e Walter Huston, reforçando a diferença de idade. Produzido com o alto orçamento de um milhão e meio de dólares, o roteiro de “O Proscrito” toma liberdades com a história como se fosse um western ‘B’ da Monogram ou da Republic Pictures destinado ao público infanto-juvenil das matinês. O cinema explorou diferentemente, em filmes posteriores, a conturbada relação entre Pat Garrett e Billy the Kid, mas aceitar que ambos se tornariam desafetos em razão de Billy atrapalhar a radiante amizade de Garrett com Doc Holliday chega a parecer roteiro nonsense de comédia de Mel Brooks. E o triângulo sofre ainda a ameaça da sensual Rio, deixada de lado por Doc e por Billy, estes dois mais interessados em disputar o cavalo ‘Red’ que os encantos da moça. E que não se leve a sério o final forçado e inconvincente com Billy the Kid trocando a misoginia pela companhia de Rio. 

Huston e Buetel
Holliday sem tosse e sem elegância - Howard Hughes filmou “O Proscrito” e nunca mais dirigiu filme algum ainda que não tenha se afastado da indústria cinematográfica (foi ele o principal responsável pela falência da RKO quando assumiu a presidência desse estúdio). Junte-se o pouco traquejo e falta de talento de Hughes a uma história errática, somada à inexperiência de Jack Buetel e Jane Russell e o resultado só poderia ser um desastre. Buetel e Russell disputam quadro a quadro quem atua pior, com Jane vencendo a renhida luta entre os dois. Thomas Mitchell ainda tenta salvar o “O Proscrito” levando-o a sério, o que não ocorre com Walter Huston que visivelmente atua zombeteiramente. Os trajes de cowboys dos veteranos atores são esquisitos para não dizer risíveis e mesmo fazendo cara de malvado, Mitchell compõe o mais pândego Pat Garrett do cinema. O mesmo vale para o Doc Holliday de Huston, sem nenhum sinal de ser um tísico e sem nenhum resquício da elegância com que Holliday desfilava pelas mesas de jogo do Velho Oeste. O que poderiam pensar os atores com suas falas expressando ciúmes uns pelos outros ao invés de se debaterem pela formosa Jane Russell?
           
Jack Buetel
Duelo sadomasoquista - Howard Hughes pretendia realizar um western não só com forte dose de erotismo mas também no limite do sadomasoquismo. Um enciumado Doc Holliday se defronta com Billy the Kid porque o jovem pistoleiro lhe roubou a namorada. Billy se recusa a sacar suas armas contra o amigo e este o força atirando contra sua orelha esquerda; em seguida despedaça a orelha direita de Billy sem que este esboce alguma reação pois prefere sofrer a matar o amigo que o tortura. Enquanto isso Pat Garrett torce para que Holliday atire para matar, o que permitiria que a velha amizade fosse revivida sem a interferência do intruso ladrão de cavalo. A ira de Garrett é motivada pelo tratamento ministrado por Rio ao ferido Billy the Kid. Febril mas sentindo frio, Billy é aquecido por Rio que se despe e se deita com seu corpo quente junto ao dele, sequência extirpada de todas as versões exibidas por atentar contra o Código Hays, num momento extraordinariamente erótico do cinema, valendo lembrar que o filme deveria ser lançado em 1941.

Dois disparos, um em cada orelha de Billy the Kid interpretado por Jack Buetel.

Walter Huston num cenário de estúdio
com o céu pintado em enorme painel.
Um western de estúdio - Howard Hawks filmou diversas sequências nas duas semanas em que esteve à frente de “O Proscrito”, trabalhando com Lucien Ballard como cinegrafista. Sabe-se que as sequências iniciais, quase todas externas, são de autoria de Hawks. Quando Hughes assumiu a direção, substituiu Ballard por Gregg Toland, diretor de fotografia de “Cidadão Kane”. Toland se viu então confinado a filmar muitas sequências em estúdio, o que comprometeu aquilo que poderia ser um dos grandes trunfos do filme, a fotografia. Howard Hughes encarregou Victor Young como diretor musical de seu western e o premiado compositor durante todo o filme faz variações sobre o tema principal, de autoria de Tchaikovski e que, apesar de melodioso, se torna cansativo ouvido ao longo da película. Victor Young fez uso ainda da canção folclórica “Trail to Mexico”. Estranhamente, para acompanhar as infindáveis ironias contidas nas falas dos principais personagens Young criou sons que melhor caberiam em desenhos animados.

Duas belas razões para ver Jane Russell.
Cinco anos de espera para ver o filme - Howard Hughes contratou Russell Birdwell, o mesmo publicitário responsável pelos truques da campanha que fez de “...E o Vento Levou” um sucesso sem precedentes. O mesmo Birdwell obteve êxito muito menor ao trabalhar para John Wayne em “O Álamo” (The Alamo). Para o lançamento de “O Proscrito”, a ênfase da campanha publicitária foram os seios de Jane Russell, sendo que uma das mais famosas frases que ilustravam os cartazes mostrando o irresistível decote de Jane Russell era: Quais são as duas melhores razões para ver Jane Russell em “O Proscrito”? Mas a censura liderada por Joseph Breen estava de olho no filme e o censor exigiu uma série de cortes para dar o selo de aprovação. Hughes concordou em cortar meros 30 segundos do filme que continuou sem o selo do Production Code. O produtor-diretor-empresário-aviador entrou na Justiça e conseguiu que, em 1943, o filme fosse exibido apenas em São Francisco, na Califórnia. “O Proscrito” ficou uma semana em exibição em meio a uma onda de protestos por parte das ligas de decência e entidades religiosas que se manifestaram contra a imoralidade que era aquele filme, no entender deles. A Fox o retirou de exibição e rompeu o contrato feito com Hughes para distribuição nos cinemas. Somente em 1946, após contendas judiciais e distribuição feita então pela United Artists, o público dos Estados Unidos pode, depois de cinco anos de ansiedade,  assistir a uma versão com alguns pequenos cortes daquele que era considerado o mais escandaloso filme produzido por Hollywood. Finalmente Hughes conseguiu o retorno do dinheiro investido pois seu filme foi um dos grandes sucessos do ano, rendendo três milhões de dólares nas bilheterias dos cinemas. Em 1948 Howard Hughes adquiriu a RKO Radio Pictures e vendeu “O Proscrito” para o estúdio, relançando-o e repetindo o sucesso com a reprise.

Jane Russell
O sutiã de Jane Russell - Howard Hughes tinha especial preferência por mulheres morenas, tendo se casado ou vivido com algumas brunettes. Especulou-se que Hughes teria tido um caso com Jane Russell durante as filmagens, mas o cinegrafista Lucien Ballard afirmou que, se Hughes manteve caso com alguém durante o filme isso só pode ter ocorrido com Jack Buetel. Segundo Ballard, Hughes não desgrudava do jovem e bonito ator, a quem manteve sob contrato por longos anos, impedindo-o de atuar em outros filmes e sacrificando sua carreira. Quando Howard Hawks iniciou os projetos para “Rio Vermelho” (Red River), tencionava ter Buetel ao lado de John Wayne, mas Howard Hughes não cedeu o ator que era seu contratado. Hawks então colocou outro jovem (Montgomery Clift), muito parecido com Buetel em seu filme. Bastante se falou também do sutiã especial que Hughes teria desenhado para Jane Russell usar durante o filme, realçando seus seios. A atriz contou, anos depois, que o sutiã criado por Hughes a machucava e ela só o usou por uma vez, preferindo os próprios sutiãs, sem que o diretor soubesse. A atriz, também contratada de Hughes, conseguiu se livrar do patrão-carrasco e construir carreira sem precisar se submeter à humilhação de ter fazer de seus seios a atração principal de um filme.

Sequência jamais vista - “O Proscrito” é daqueles filmes que não se pode deixar de assistir pois, tendo gerado tantas histórias e controvérsias, torna-se obrigatório. E há sim, pelo menos uma sequência memorável, o sadomasoquismo com Billy the Kid tendo parte de suas orelhas arrancadas pelas balas do revólver de Pat Garrett. Infelizmente, nunca mais poderá ser vista na íntegra a sequência em que Rio, nua, ajuda a aquecer o débil Billy the Kid na cama, mas está lá o longo e rancoroso discurso de Pat Garrett para Doc Holliday: “Eu deveria saber que um dia você faria isso comigo. Desde que você conheceu Billy the Kid você tem me tratado como um cachorro. Você agora passa o tempo todo ao lado desse garoto e se esquece que eu sempre fui seu melhor amigo. E ainda seria seu melhor amigo se ele não tivesse aparecido”.

  
O início da famosa sequência cortada de todas as versões;
à direita a queixa de Rio por ser preterida por um cavalo por Billy.

O generoso decote de Jane Russell.

Estrategicamente em destaque os seios de Jane Russell.

Acima e abaixo pôster diversos de "O Proscrito", todos em comum
destacando e até exagerando os seios fartos de Jane Russell.