Somente 40 anos depois de seu
lançamento, em 1965, o público pode conhecer a versão que mais se aproximava do
que Sam Peckinpah pretendia com “Juramento de Vingança” (Major Dundee). Em
2005, com a Columbia Pictures já tendo sido absorvida pelo grupo Sony, o
mutilado filme de Peckinpah foi relançado em uma versão restaurada e com 136
minutos de duração. Todos aqueles que conheciam apenas a versão com 123 minutos
(ou ainda menor), tiveram a oportunidade de assistir a um filme mais coerente
com a adição de inúmeras sequências que desfizeram, em parte, a impressão que
“Juramento de Vingança” tinha lacunas berrantes ao narrar a história do
obcecado Major. Talvez algum dia ocorra o lançamento da ‘Director’s Cut’, a versão de 152 minutos concebida por Peckinpah e
aí sim, será possível uma análise definitiva desse controvertido western. A ‘Restored Cut’ de 2005, no entanto, confirma que o diretor
tinha razão ao solicitar a retirada de seu nome dos créditos da amputada edição
realizada pela Columbia Pictures.
Charlton Heston, Richard Harris e Michael Pate |
Remissão
de um fracasso - Nos estertores da Guerra Civil norte-americana, o Major
Amos Charles Dundee (Charlton Heston) é designado para o comando do Forte
Benlin, espécie de punição por sua falha participação na Batalha de Gettysburg.
Esse forte, isolado no Novo México, serve como prisão para soldados
confederados capturados, o que faz de Dundee um mero carcereiro distante das
glórias que a guerra pode trazer aos oficiais vitoriosos. O chefe Apache Sierra
Charriba (Michael Pate) com seus guerreiros vêm, há tempos, causando pânico ao
Exército ao derrotar unidades que vão ao seu encalço, além de exterminar
barbaramente famílias de sitiantes. O Major Dundee entende que eliminando
Sierra Charriba Washington possa esquecer sua malfadada participação em
Gettysburg e decide montar um destacamento para perseguir o Apache. Sem poder
desfalcar o pequeno contingente do Forte Benlin, Dundee é obrigado a aceitar na
recém criada unidade bêbados, ladrões, criminosos, soldados inexperientes,
soldados negros e mesmo prisioneiros confederados que aceitem incursionar pelo
México sob o comando nortista. Entre este últimos está o Capitão Benjamin
Tyreen (Richard Harris), outrora companheiro de farda e, durante a guerra,
inimigo mortal do Major Dundee. Tyreen promete a Dundee que, cumprida a caça a
Charriba, matará o Major. Atravessando a fronteira à procura dos Apaches, o
destacamento se depara com oficiais e soldados do Imperador Maximiliano em um
povoado mexicano, aos quais expulsa do local. Com isso a unidade comandada por
Dundee desperta a ira dos franceses que não aceitam a invasão de soldados
norte-americanos no país por eles dominado. Após emboscar e matar Sierra
Charriba, Dunde e sua unidade tentam retornar aos Estados Unidos mas são
cercados pelas tropas francesas de Maximiliano, travando-se sangrenta, ainda
que desigual, batalha. Com as muitas baixas nesse confronto, o Major Dundee
consegue retornar com apenas dez soldados sobreviventes após cumprir a missão
que ele próprio se delegou como razão de sua vida.
O Forte Benlin |
O forte-calabouço -
“Juramento de Vingança” se desenrola admiravelmente durante a primeira parte quando
é delineada a personalidade do Major Dundee com sua doentia necessidade de
afirmação com um ato de heroísmo. Não muito diferente é a disposição do Capitão
Tyreen de resolver seu conflito pessoal com o Major que o mantém prisioneiro. O
Forte Benlin é um enorme calabouço, o que faz com que a vida na caserna vista
aqui em nada lembre a poética rotina dos fortes da Trilogia da Cavalaria de
John Ford, muito pelo contrário. Uma centena e meia de homens, quase a metade
deles soldados sulistas feitos prisioneiros, tomam banho coletivamente em
grandes tanques e sujam suas botas ao caminhar pelo enlameado chão do forte. Formado
o grupo que seguirá as ordens do Major Dundee em terras mexicanas, a tensão
aumenta pela convivência de homens sem a menor afinidade e sempre prontos a
explodir por ódio racial, pela humilhação de lutar por uma bandeira que não é a
sua no caso dos sulistas e pela insatisfação com a missão que só atende aos
anseios do Major. Iniciada a incursão somam-se as dificuldades naturais da
longa empreitada e os riscos inevitáveis contra emboscadas apaches e encontros
com soldados franceses. É nessa metade inicial que “Juramento de Vingança”
promete ser um épico grandioso.
Acima Senta Berger com Charlton Heston; abaixo Michael Anderson Jr. com Begonia Palacios. |
Roteiro
improvisado - Após o término das filmagens de “Juramento de Vingança”,
Charlton Heston declarou que aquela havia sido a primeira e a última vez em que
aceitara trabalhar em um filme com um roteiro não terminado. Esse é o problema
maior do western de Peckinpah que foi filmado com um script sendo improvisado a
cada sequência e que se perde ao criar situações alheias à perseguição a Sierra
Charriba. O conhecido apego de Peckinpah à cultura e ao povo mexicano fez com
que ele criasse a passagem pelo povoado mexicano, esticando-a visível e
desnecessariamente. Em “Meu Ódio Será sua Herança” (The Wild Bunch) o diretor
usou sequência idêntica mas de forma concisa e com resultado tocante. Em
“Juramento de Vingança” foram criadas sequências que não estavam no roteiro
para que Begonia Palácios, por quem Peckinpah se apaixonou durante as
filmagens, pudesse aparecer mais tempo na tela. Nada porém, que se compare à
presença igualmente inócua Senta Berger interpretando Teresa Santiago, a viúva
de um médico mexicano que a conheceu quando ele estudava em Viena. Teresa
torna-se juarista, o que não a impede de atrair tanto Dundee quanto Tyreen.
Neste caso a culpa certamente é da Columbia que extirpou tantas sequências
preciosas (segundo Charlton Heston) mas manteve o ‘interesse romântico’ com os
dois inimigos e a envolvente atriz austríaca.
Nas fotos acima a partida a aldeia mexicana; abaixo cenas da 'fiesta'. |
Acima Warren Oates; abaixo John Davis Chandler e Brock Peters. |
Sem
slow-motion - Um grande filme é, invariavelmente, composto de
sequências brilhantes, mas “Juramento de Vingança” comprova que um punhado de
sequências capazes de impressionar não são suficientes para fazer um grande
filme se não perfizerem um todo bem estruturado. Entre os melhores momentos
deste filme está a sequência em que soldados confederados, em menor número,
provocam os ianques cantando o “Dixie” tendo suas vozes superadas quando os
nortistas entoam “When Johnny Go Marching Home”; outros bons momentos ocorrem
com o soldado confederado Jimmy Lee (John Davis Chandler) menosprezando o
soldado negro nortista Aesop (Brock Peters), recebendo um brutal corretivo do
reverendo Dahlstrom (R.G. Springsteen); ou ainda com o sulista Hadley (Warren
Oates) prestes a ser executado após desertar do grupo e ser morto pelo Capitão
Tyreen, evitando assim a eminente execução. E finalmente as sequências de
batalhas que, mesmo curtas e criminosamente editadas sem as filmagens em câmara
lenta, são brilhantes, trabalho da segunda unidade dirigida pelo especialista
Cliff Lyons, o mesmo de “O Álamo” e “Os Comancheiros”, entre outros. Em seus
próximos filmes Sam Peckinpah mostraria ser o grande mestre no uso do
slow-motion em cenas de ação.
Aspectos da batalha dirigida por Cliff Lyons, diretor da segunda unidade. |
James Coburn |
Excesso
de bons atores - O pretendido microcosmo da América que Peckinpah
pretendeu mostrar com o destacamento do Major Dundee deixou de ser desenvolvido
a contento e isso se deve ao elenco excelente que foi reunido ser grande demais.
Ainda que alguns atores viessem a ganhar renome posteriormente, muitos em
filmes dirigidos pelo próprio Peckinpah, é extensa a lista de nomes que
mereceriam mais tempo na tela, caso de James Coburn, Ben Johnson, Brock Peters,
Warren Oates, Karl Swenson, Dub Taylor, Slim Pickens e Michael Pate, alguns
deles fazendo praticamente figurações. Ainda assim Dundee reuniu um ‘seleto’
grupo de homens que, de alguma forma não se enquadram nos meios em que vivem.
Soldados em sua maior parte, não é demais lembrar dos ‘doze sujos’ que Lee
Marvin comanda no muito mais bem sucedido “Os Doze Condenados” de Robert
Aldrich, rodado dois anos depois. Ainda assim Peckinpah discute seus temas
preferidos que são a lealdade e a redenção só encontrada com a morte.
Na foto menorBrock Peters; R.G. Armstrong e Dub Taylor; na foto maior L.Q. Jones, Ben Johnson, Richard Harris, John Davis Chandler e Warren Oates. |
Charlton Heston e Richard Harris |
Heston
sincero, Harris afetado - Nenhum outro ator era capaz de criar
tipos íntegros, bravos e com a aura de invencíveis como Charlton Heston. ‘Amos
Dundee’ exigiu um pouco mais do celebrado Heston pois o Major é um homem
atormentado por seu fracasso militar, humilhado pela posição a que foi relegado
e determinado a levar adiante seu obsessivo desejo de provar coragem e
capacidade de estrategista. E Dundee não vê limites para concretizar seu
objetivo, ainda que sua vitória final seja uma típica ‘Vitória de Pirro’ com o
retorno de um pequeno grupo de soldados e o sacrifício de dezenas de outros.
Heston convence com sincera interpretação, uma das melhores de sua carreira,
superando a dificuldade de ser na tela um homem de poucos escrúpulos. Richard
Harris afetadíssimo como o oficial sulista de sangue irlandês tem boa presença.
O restante do vasto elenco só não é homogêneo devido às presenças apalermadas
de Jim Hutton e Michael Anderson Jr. Decididamente é da belíssima Senta Berger a
pior interpretação do filme, não tendo uma única fala coerente numa película em
que não faltam frases bisonhas dignas de um roteiro de quinta categoria.
Algumas das terríveis frases do roteiro de "Juramento de Vingança". |
Sam Peckinpah |
Ensaio
para uma obra-prima - É interessante assistir às versões
mais longa e mais curta de “Juramento de Vingança” e, além das muitas
sequências que não estão na versão menor, há ainda a trilha sonora musical
inteiramente diferente. Na exibida no lançamento e que circulou pela televisão,
quem assina a trilha é Danielle Amphiteatrof; já na ‘Restored Cut’ esse
trabalho ficou a cargo de Christopher Caliendo, com visível influência de Jerry
Fielding, que compôs muitas das trilhas musicais dos filmes de Peckinpah.
Também por essa razão, a trilha de Caliendo é infinitamente superior, longe do bombástico
trabalho do russo Amphitheatrof, na linha de Max Steiner. Peckinpah queria
Lucien Ballard como diretor de fotografia, mas a Columbia lhe impôs Sam Leavitt
e o resultado deixa a desejar na pouco inspirada captura das paisagens
mexicanas. Fundamental para quem pretende conhecera obra do polêmico diretor,
hoje no panteão dos grandes realizadores de faroestes de todos os tempos,
“Juramento de Vingança” é um vasto campo de estudo para que se entenda não só o
sistema de Hollywood mas também um artista com a personalidade e as pretensões
estéticas de Sam Peckinpah. E importante ainda porque certamente sem passar
pelo que passou com este filme, Sam Peckinpah dificilmente realizaria aquele
que é um dos mais perfeitos espetáculos cinematográficos de todos os tempos,
“Meu Ódio Será Sua Herança”, marco do gênero e da própria história do cinema.
Acima Charlton Heston e abaixo diversos pôsteres de "Major Dundee". |
A cópia de "Juramento de Vingança" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Marcelo Cardoso.
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