25 de novembro de 2015

JURAMENTO DE VINGANÇA (MAJOR DUNDEE), O WESTERN ÉPICO DE SAM PECKINPAH


Somente 40 anos depois de seu lançamento, em 1965, o público pode conhecer a versão que mais se aproximava do que Sam Peckinpah pretendia com “Juramento de Vingança” (Major Dundee). Em 2005, com a Columbia Pictures já tendo sido absorvida pelo grupo Sony, o mutilado filme de Peckinpah foi relançado em uma versão restaurada e com 136 minutos de duração. Todos aqueles que conheciam apenas a versão com 123 minutos (ou ainda menor), tiveram a oportunidade de assistir a um filme mais coerente com a adição de inúmeras sequências que desfizeram, em parte, a impressão que “Juramento de Vingança” tinha lacunas berrantes ao narrar a história do obcecado Major. Talvez algum dia ocorra o lançamento da ‘Director’s Cut’, a versão de 152 minutos concebida por Peckinpah e aí sim, será possível uma análise definitiva desse controvertido western. A ‘Restored Cut’  de 2005, no entanto, confirma que o diretor tinha razão ao solicitar a retirada de seu nome dos créditos da amputada edição realizada pela Columbia Pictures.


Charlton Heston, Richard Harris e
Michael Pate
Remissão de um fracasso - Nos estertores da Guerra Civil norte-americana, o Major Amos Charles Dundee (Charlton Heston) é designado para o comando do Forte Benlin, espécie de punição por sua falha participação na Batalha de Gettysburg. Esse forte, isolado no Novo México, serve como prisão para soldados confederados capturados, o que faz de Dundee um mero carcereiro distante das glórias que a guerra pode trazer aos oficiais vitoriosos. O chefe Apache Sierra Charriba (Michael Pate) com seus guerreiros vêm, há tempos, causando pânico ao Exército ao derrotar unidades que vão ao seu encalço, além de exterminar barbaramente famílias de sitiantes. O Major Dundee entende que eliminando Sierra Charriba Washington possa esquecer sua malfadada participação em Gettysburg e decide montar um destacamento para perseguir o Apache. Sem poder desfalcar o pequeno contingente do Forte Benlin, Dundee é obrigado a aceitar na recém criada unidade bêbados, ladrões, criminosos, soldados inexperientes, soldados negros e mesmo prisioneiros confederados que aceitem incursionar pelo México sob o comando nortista. Entre este últimos está o Capitão Benjamin Tyreen (Richard Harris), outrora companheiro de farda e, durante a guerra, inimigo mortal do Major Dundee. Tyreen promete a Dundee que, cumprida a caça a Charriba, matará o Major. Atravessando a fronteira à procura dos Apaches, o destacamento se depara com oficiais e soldados do Imperador Maximiliano em um povoado mexicano, aos quais expulsa do local. Com isso a unidade comandada por Dundee desperta a ira dos franceses que não aceitam a invasão de soldados norte-americanos no país por eles dominado. Após emboscar e matar Sierra Charriba, Dunde e sua unidade tentam retornar aos Estados Unidos mas são cercados pelas tropas francesas de Maximiliano, travando-se sangrenta, ainda que desigual, batalha. Com as muitas baixas nesse confronto, o Major Dundee consegue retornar com apenas dez soldados sobreviventes após cumprir a missão que ele próprio se delegou como razão de sua vida.

O Forte Benlin
O forte-calabouço - “Juramento de Vingança” se desenrola admiravelmente durante a primeira parte quando é delineada a personalidade do Major Dundee com sua doentia necessidade de afirmação com um ato de heroísmo. Não muito diferente é a disposição do Capitão Tyreen de resolver seu conflito pessoal com o Major que o mantém prisioneiro. O Forte Benlin é um enorme calabouço, o que faz com que a vida na caserna vista aqui em nada lembre a poética rotina dos fortes da Trilogia da Cavalaria de John Ford, muito pelo contrário. Uma centena e meia de homens, quase a metade deles soldados sulistas feitos prisioneiros, tomam banho coletivamente em grandes tanques e sujam suas botas ao caminhar pelo enlameado chão do forte. Formado o grupo que seguirá as ordens do Major Dundee em terras mexicanas, a tensão aumenta pela convivência de homens sem a menor afinidade e sempre prontos a explodir por ódio racial, pela humilhação de lutar por uma bandeira que não é a sua no caso dos sulistas e pela insatisfação com a missão que só atende aos anseios do Major. Iniciada a incursão somam-se as dificuldades naturais da longa empreitada e os riscos inevitáveis contra emboscadas apaches e encontros com soldados franceses. É nessa metade inicial que “Juramento de Vingança” promete ser um épico grandioso.

Acima Senta Berger com Charlton Heston;
abaixo Michael Anderson Jr. com
Begonia Palacios.
Roteiro improvisado - Após o término das filmagens de “Juramento de Vingança”, Charlton Heston declarou que aquela havia sido a primeira e a última vez em que aceitara trabalhar em um filme com um roteiro não terminado. Esse é o problema maior do western de Peckinpah que foi filmado com um script sendo improvisado a cada sequência e que se perde ao criar situações alheias à perseguição a Sierra Charriba. O conhecido apego de Peckinpah à cultura e ao povo mexicano fez com que ele criasse a passagem pelo povoado mexicano, esticando-a visível e desnecessariamente. Em “Meu Ódio Será sua Herança” (The Wild Bunch) o diretor usou sequência idêntica mas de forma concisa e com resultado tocante. Em “Juramento de Vingança” foram criadas sequências que não estavam no roteiro para que Begonia Palácios, por quem Peckinpah se apaixonou durante as filmagens, pudesse aparecer mais tempo na tela. Nada porém, que se compare à presença igualmente inócua Senta Berger interpretando Teresa Santiago, a viúva de um médico mexicano que a conheceu quando ele estudava em Viena. Teresa torna-se juarista, o que não a impede de atrair tanto Dundee quanto Tyreen. Neste caso a culpa certamente é da Columbia que extirpou tantas sequências preciosas (segundo Charlton Heston) mas manteve o ‘interesse romântico’ com os dois inimigos e a envolvente atriz austríaca.

Nas fotos acima a partida a aldeia mexicana; abaixo cenas da 'fiesta'.

Acima Warren Oates;
abaixo John Davis Chandler e Brock Peters.
Sem slow-motion - Um grande filme é, invariavelmente, composto de sequências brilhantes, mas “Juramento de Vingança” comprova que um punhado de sequências capazes de impressionar não são suficientes para fazer um grande filme se não perfizerem um todo bem estruturado. Entre os melhores momentos deste filme está a sequência em que soldados confederados, em menor número, provocam os ianques cantando o “Dixie” tendo suas vozes superadas quando os nortistas entoam “When Johnny Go Marching Home”; outros bons momentos ocorrem com o soldado confederado Jimmy Lee (John Davis Chandler) menosprezando o soldado negro nortista Aesop (Brock Peters), recebendo um brutal corretivo do reverendo Dahlstrom (R.G. Springsteen); ou ainda com o sulista Hadley (Warren Oates) prestes a ser executado após desertar do grupo e ser morto pelo Capitão Tyreen, evitando assim a eminente execução. E finalmente as sequências de batalhas que, mesmo curtas e criminosamente editadas sem as filmagens em câmara lenta, são brilhantes, trabalho da segunda unidade dirigida pelo especialista Cliff Lyons, o mesmo de “O Álamo” e “Os Comancheiros”, entre outros. Em seus próximos filmes Sam Peckinpah mostraria ser o grande mestre no uso do slow-motion em cenas de ação.

Aspectos da batalha dirigida por Cliff  Lyons, diretor da segunda unidade.

James Coburn
Excesso de bons atores - O pretendido microcosmo da América que Peckinpah pretendeu mostrar com o destacamento do Major Dundee deixou de ser desenvolvido a contento e isso se deve ao elenco excelente que foi reunido ser grande demais. Ainda que alguns atores viessem a ganhar renome posteriormente, muitos em filmes dirigidos pelo próprio Peckinpah, é extensa a lista de nomes que mereceriam mais tempo na tela, caso de James Coburn, Ben Johnson, Brock Peters, Warren Oates, Karl Swenson, Dub Taylor, Slim Pickens e Michael Pate, alguns deles fazendo praticamente figurações. Ainda assim Dundee reuniu um ‘seleto’ grupo de homens que, de alguma forma não se enquadram nos meios em que vivem. Soldados em sua maior parte, não é demais lembrar dos ‘doze sujos’ que Lee Marvin comanda no muito mais bem sucedido “Os Doze Condenados” de Robert Aldrich, rodado dois anos depois. Ainda assim Peckinpah discute seus temas preferidos que são a lealdade e a redenção só encontrada com a morte.

Na foto menorBrock Peters; R.G. Armstrong e Dub Taylor; na foto maior
L.Q. Jones, Ben Johnson, Richard Harris, John Davis Chandler e Warren Oates.

Charlton Heston e Richard Harris
Heston sincero, Harris afetado - Nenhum outro ator era capaz de criar tipos íntegros, bravos e com a aura de invencíveis como Charlton Heston. ‘Amos Dundee’ exigiu um pouco mais do celebrado Heston pois o Major é um homem atormentado por seu fracasso militar, humilhado pela posição a que foi relegado e determinado a levar adiante seu obsessivo desejo de provar coragem e capacidade de estrategista. E Dundee não vê limites para concretizar seu objetivo, ainda que sua vitória final seja uma típica ‘Vitória de Pirro’ com o retorno de um pequeno grupo de soldados e o sacrifício de dezenas de outros. Heston convence com sincera interpretação, uma das melhores de sua carreira, superando a dificuldade de ser na tela um homem de poucos escrúpulos. Richard Harris afetadíssimo como o oficial sulista de sangue irlandês tem boa presença. O restante do vasto elenco só não é homogêneo devido às presenças apalermadas de Jim Hutton e Michael Anderson Jr. Decididamente é da belíssima Senta Berger a pior interpretação do filme, não tendo uma única fala coerente numa película em que não faltam frases bisonhas dignas de um roteiro de quinta categoria.

Algumas das terríveis frases do roteiro de "Juramento de Vingança".

Sam Peckinpah
Ensaio para uma obra-prima - É interessante assistir às versões mais longa e mais curta de “Juramento de Vingança” e, além das muitas sequências que não estão na versão menor, há ainda a trilha sonora musical inteiramente diferente. Na exibida no lançamento e que circulou pela televisão, quem assina a trilha é Danielle Amphiteatrof; já na ‘Restored Cut’ esse trabalho ficou a cargo de Christopher Caliendo, com visível influência de Jerry Fielding, que compôs muitas das trilhas musicais dos filmes de Peckinpah. Também por essa razão, a trilha de Caliendo é infinitamente superior, longe do bombástico trabalho do russo Amphitheatrof, na linha de Max Steiner. Peckinpah queria Lucien Ballard como diretor de fotografia, mas a Columbia lhe impôs Sam Leavitt e o resultado deixa a desejar na pouco inspirada captura das paisagens mexicanas. Fundamental para quem pretende conhecera obra do polêmico diretor, hoje no panteão dos grandes realizadores de faroestes de todos os tempos, “Juramento de Vingança” é um vasto campo de estudo para que se entenda não só o sistema de Hollywood mas também um artista com a personalidade e as pretensões estéticas de Sam Peckinpah. E importante ainda porque certamente sem passar pelo que passou com este filme, Sam Peckinpah dificilmente realizaria aquele que é um dos mais perfeitos espetáculos cinematográficos de todos os tempos, “Meu Ódio Será Sua Herança”, marco do gênero e da própria história do cinema.

Acima Charlton Heston e abaixo diversos pôsteres de "Major Dundee".





A cópia de "Juramento de Vingança" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Marcelo Cardoso.

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