5 de outubro de 2015

PEDRO CANHOTO, O VINGADOR ERÓTICO – A INFLUÊNCIA DO SPAGHETTI NO WESTERN CABOCLO


Toni Cardi
Fazer filmes no Brasil é, invariavelmente, um ato de heroísmo e tenacidade. Certo que sempre houve os bafejados pela sorte que contaram com apoio dos poderes públicos, c0mo acontecia nos anos 70 em que o INC financiava projetos dos pretensos godards e bergmans brasileiros. Esse era um tempo em que, paralelamente, o órfão Cinema da Boca se desenvolvia em São Paulo e que cada filme tinha uma história repleta de dificuldades, nenhuma delas maior que a falta de dinheiro. Um bom exemplo da aventura que era aqueles cineastas que se encontravam no Bar Soberano (na Rua do Triumpho) para fazer um filme é “Pedro Canhoto, o Vingador Erótico”, dirigido pelo italiano radicado no Brasil, Raffaele Rossi. Iniciado em 1971, a ideia do também roteirista Rossi era realizar um western nos moldes dos chamados ‘spaghetti’ que alcançavam grande sucesso por aqui. Para protagonista Raffaele Rossi chamou o piracicabano Toni Cardi com quem Rossi filmara “O Homem Lobo” em 1971. Iniciadas as filmagens em Dourados, na Região da Alta Mogiana, os trabalhos foram interrompidos por falta de dinheiro com o abandono do produtor inicial. As filmagens só foram retomadas mais de um ano depois quando Cassiano Esteves, da Marte Filmes, conseguiu o dinheiro necessário para concluir esse western caboclo. Muitos faroestes foram produzidos no Brasil nos anos 70, sendo apelidados de ‘Western Feijoada’, mas, apesar da forte influência dos westerns spaghetti, o melhor rótulo seria mesmo ‘Western Caboclo’ sequência do Ciclo Campineiro iniciado por Antoninho Hossri nos anos 50.


Kazuaque Hemmi e Dirce Semenzato;
abaixo o rancho incendiado pelos bandidos.
Defendendo um pedaço de terra - Um bandido chamado ‘General’ (José Velloni), a soldo do Coronel Martinez (Cavagnolle Neto), impõe o terror entre os sitiantes de Santa Clara de La Sierra. Soledad (Cleuza Bagnara), filha do Coronel, condena a atitude de seu pai. Entre os perseguidos pelo bando liderado pelo ‘General’ está a família de Pedro (Toni Cardi), que tem seu pai e irmã (Laércio Pessa e Dirce Semenzato) assassinados pelos bandidos, ela estuprada antes de morrer. O irmão menor de Pedro, o menino Pablo (Nelson A. Braga), consegue escapar e faz amizade com um estranho, o mendigo bêbado Toledo (Nivaldo Lima), sendo levado por Pedro para a casa de um ancião (Armando Paschoalim). Mariana (Adélia Coelho) é uma cigana, amante do ‘General’ que após traí-lo e ser por ele espancada passa a ser protegida por Pedro. O Coronel Martinez exige de seu filho Rodrigo (Moacir Maurício) que Pedro seja morto e, num confronto com os homens do ‘General’, Pedro tem sua mão direita quebrada para que não possa mais atirar, sendo deixado para ser devorado pelos abutres. Um mexicano errante (Nestor Lima) salva Pedro da morte enquanto o mendigo Toledo se recupera do vício e retoma sua identidade de pistoleiro, unindo-se a Pedro. Os dois amigos enfrentam então o ‘General’ e seu bando, exterminando-os, assim como liquidando o Coronel Martinez e seu filho Rodrigo. Toledo, o pistoleiro é morto no confronto, enquanto Soledad, que se enamorara de Pedro, fica ao lado dele no final.

O enforcamento do 'Velho';
abaixo Toni Cardi com Nivaldo Lima.
Copiando o modismo – Estraçalhado pela crítica quando de seu lançamento, o maior defeito de “Pedro Canhoto, o Vingador Erótico” é seu diretor ter feito do filme um autêntico álbum de clichês dos westerns spaghetti, destituindo-o de personalidade própria. Raffaele Rossi preferiu esse caminho, muito provavelmente, movido pela certeza da aceitação do público por um western com os ingredientes que tanto encantavam os aficionados da contrafação europeia. Quatro anos antes, em 1969, Ozualdo Candeias havia demonstrado com seu excelente “Meu Nome é Tonho” ser possível criar, com características particulares e bem brasileiras, um faroeste exemplar. Mas se falta personalidade a “Pedro Canhoto, o Vingador Erótico”, sobra talento ao diretor na costura do roteiro e ainda ótimo conhecimento de movimentação da câmara que, somados à direção dos atores principais, torna o filme mais que aceitável. Há que se lembrar que o gritante amadorismo de parte do elenco poderia comprometer o conjunto, tornando-o caricato, especialmente no excesso de risadas que é marca de todos os bandidos neste filme, vício amplamente disseminado pelos westerns spaghetti. Raffaele consegue superar esse obstinado cacoete justamente com o domínio do bom andamento de “Pedro Canhoto, o Vingador Erótico”.

Toni Cardi ao lado de Adélia Coelho.
Resistência heroica - A história comum a tantos westerns (de qualquer procedência) tem um componente inusitado com a figura do pistoleiro decaído (Toledo) que após recuperado une-se ao perseguido Pedro. Porém a transformação de Toledo se dá de modo pouco convincente, assim como não funciona a troca de medalhas entre ele e o menino Pablo. As medalhas certamente teriam a função de futuro reconhecimento entre Pablo e Toledo depois do afastamento de ambos e da recuperação do agora impecavelmente elegante pistoleiro. O recomposto Toledo vestindo-se demoradamente com seus trajes guardados num saco de viagem remete ao ritual de Lee Marvin em “Dívida de Sangue” (Cat Ballou), em que o grande ator norte-americano também interpreta um pistoleiro beberrão. E Raffaele Rossi cria uma inesperada mudança de rumo com a cigana Mariana inconsolável junto ao corpo do ‘General’, enquanto a suave Soledad é quem termina ao lado do vingador que de libertino não tem nada. Pelo contrário, Pedro é forte o bastante para resistir aos encantos da voluptuosa cigana, mesmo ambos tendo oportunidade de dar alguma lascividade às sequências. Filmado sob a rígida censura da ditadura militar, o filme de Rossi até que foi longe demais ao exibir seios e pelos pubianos de Adélia Coelho, a bela cigana, numa cena de banho num riacho. “Laranja Mecânica”, de 1971, somente obteve certificado de censura para exibição no Brasil em 1978 e quem viu o filme de Stanley Kubrick no lançamento em nosso país não esqueceu das ridículas bolotas pretas saltando na tela para encobrir seios e sexo de mulheres nuas.

As pernas de Adélia Coelho encostadas ao revólver de um bandido;
Adélia na bucólica sequência do banho no riacho.

Toni Cardi acima e abaixo o menino
Nelson Braga e a troca de medalhas
O louríssimo herói - Além de seus atributos físicos, a atriz Adélia Coelho exibe invulgar coragem ao montar em pelo um cavalo, saltando dele espetacularmente sem ajuda de dublê. E bandidos baleados caindo de balcões são sequências igualmente bem feitas, acima da média para nosso cinema ainda incipiente nesse tipo de truques. Alguns personagens que interpretam membros do bando do ‘General’ eram praticantes de artes marciais na mesma academia (Avenida São João, em São Paulo) em que treinava Toni Cardi. Com cabeleira oxigenada lembrando Teddy Boy Marino, o ídolo da luta livre e da primeira formação dos Trapalhões, Toni Cardi é menos eficiente na coreografia das sequências de luta que os coadjuvantes. E num filme com o mínimo de diálogos possível, o personagem Toledo tem despertada sua nada original ‘filosofice’ quando diz ao menino Pablo: “Você é uma boa criança. Se todos fossem como as crianças o mundo seria melhor”. E quando o garoto lhe pergunta por que ele bebe tanto, tem como resposta outra pérola: “Quando você for homem e compreender melhor a vida não vai fazer esse tipo de pergunta”.

Nivaldo Lima, um George Hilton
brasileiro e sério.
Destaque para Nivaldo Lima - Alguns dos intérpretes de “Pedro Canhoto, o Vingador Erótico” ganharam experiência em filmes da PAM de Amacio Mazzaropi, como é o caso de José Velloni e o próprio Toni Cardi; já Nivaldo Lima começou sua carreira de ator em emio a cobras e aranhas sob as ordens de José Mojica Marins. Nivaldo Lima que lembra um pouco o uruguaio George Hilton é bom ator, como comprovou em “Meu Nome é Tonho”. Cavagnolle Neto, o mais experiente do elenco, com carreira iniciada em 1953 na Vera Cruz, está muito bem como o ambicioso Coronel Jimenez. José Velloni, com uma dezena de aparições em filmes da PAM tenta ser convincente como um bandido cruel, algo próximo do General Mapache criado pelo magnífico Emílio Fernandez em “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch). A sensual Adélia Coelho faria apenas mais dois filmes (pornochanchadas), abandonando uma carreira promissora no Cinema da Boca. Toni Cardi passa o filme fazendo expressões de sofrimento quando nenhum sofrimento pode ter sido mais atroz que interpretar um ‘vingador erótico’ que não desfruta dos prazeres que é amar a tentadora cigana Mariana. Este filme de Raffaele Rossi conta com participação especial de Heitor Gaiotti, conhecido como o Lee Van Cleef da Rua do Triumpho. A participação se dá num flashback em preto e branco em que Gaiotti duela com Nivaldo Lima num cemitério, citação clara a Sergio Leone.

Nivaldo Lima e Heitor Gaiotti.
Morricone e Ferrio na trilha sonora musical - Segundo conta o ator Toni Cardi, Raffaele Rossi envolveu-se em inúmeras confusões em seu trabalho como cineasta. O próprio Toni Cardi ajudou a livrar Rossi de alguns embaraços com a polícia inclusive, devido a denúncias feitas pelos credores do diretor italiano. Uma bela confusão Rossi poderia ter arrumado caso fosse acionado pelos detentores dos direitos autorais de canções utilizadas na trilha sonora musical de “Pedro Canhoto, o Vingador Erótico”. De Ennio Morricone a Gianni Ferrio, passando por Al Caiola, impudentemente Raffaele Rossi ‘compilou’ uma trilha sonora de alta qualidade para seu western. Atribuída nos créditos a Salatiel Coelho a trilha sonora pouco tem de original. O cinegrafista Pio Zamuner, conhecido por sua longa colaboração com Mazzaropi respondeu pela bonita fotografia deste western caboclo. Menos cuidados são os pobres cenários de fachada da cidade mexicana com portas e janelas sempre fechadas. “Pedro Canhoto, o Vingador Erótico” pode provocar alguns risos debochados, o que não é incomum em faroestes nacionais, porém o filme de Raffaele Rossi atinge seu objetivo que é divertir um público menos exigente, além de ser admirado por suas qualidades que superam os evidentes defeitos.

A espetacular sequência com Adélia Coelho caindo do cavalo em disparada. 

“A Herança da Alta Mogiana” - Oportuno lembrar que o cineasta Milton Martins está finalizando um documentário sobre os faroestes realizados na região onde foi rodado “Pedro Canhoto, o Vingador Erótico”, trabalho intitulado “A Herança da Alta Mogiana”. Nesse documentário são focalizados os curtas “Duelo de Amor”, “Conflito em San Diego”, “Voltei do Inferno”, “A Morte Vai para o Inferno”, “O Maldito Ouro Azul” e o longa “Pedro Canhoto, o Vingador Erótico”. É importante conhecer essa empreitada de Milton Martins e descobrir como o faroeste foi tantas vezes motivo de expressão artística na região da Alta Mogiana, que tem como capital regional Ribeirão Preto. Maiores informações sobre a realização do documentário podem ser encontradas na página do Facebook ‘A Herança da Alta Mogiana’, bem como no vídeo que tem o endereço abaixo.

https://www.youtube.com/watch?v=pPdK-IJkadQ


Quedas é o que não falta no western de Raffaele Rossi.


Bandidos rindo o tempo todo, até encontrar Pedro Canhoto.

2 comentários:

  1. O ator José Velloni que faleceu recentemente atuou em vários filmes do Mazzaropi e foi Vereador aqui em Ribeirão Preto durante várias décadas.
    O ator principal parece também com o Chuck Norris mais novo.

    Aurélio Cardoso

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  2. Olá Darci, li toda a resenha, pelo que entendi o filme é bom. Na verdade, eu não me arriscava assistir filmes brasileiro de western, imaginava que são ruins e, que fazem os filmes levando na brincadeira, e tudo é engraçado. Mas, pela resenha, percebi que tem uma boa história, e enredo, sequências, e bons atores, e você cita outro que vale a pena também, Meu Nome é Tonho. Detalhe importante, sobre a dificuldade de se fazer filmes no Brasil, principalmente, o apoio financeiro, e ainda, os problemas da ditadura que barrava tudo. e, este ainda foi salvo por algumas cenas. Darci, se encontrar assisto, com certeza, bem indicado. Paulo...mineiro.

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